A presente reflexão filosófica abarca inquietações, perspectiva e indagações próprias do mundo da filosofia.
Aqui denominamos “mundo”, pela sua complexidade, por ter um olhar aberto, abrangente e dinâmico da vida e dos fatos. A própria realidade humana faz pensar e nos remete a questões vitais e essenciais ao existir no mundo mergulhado na vastidão de questões que se impõem.
Somos marcados como seres que pensam e, nisso, a filosofia tem a dar sua contribuição. Ela quer tirar o ser humano de um mundo acomodado no raciocínio lógico intelectual para um mundo mais crítico e reflexivo. Isso ela o faz na e pela história. Dela surge questionamentos como o que é a verdade em si.
Sua história é marcada pela inserção de várias correntes filosóficas ao longo das décadas. À medida que o homem evolui, sente-se rodeado a todo o momento da filosofia, que faz parte – quer queira quer não – da sua própria existência. Descartes em sua Carta-prefácio aos princípios afirma que “viver sem filosofar é ter os olhos fechados sem jamais fazer o esforço por abri-los; e o prazer de ver todas as coisas que nossa vida descobre não é compatível à satisfação que dá o conhecimento daquelas que se encontram pela filosofia; e seu estudo é mais necessário que regular nossos costumes e nos conduzir na vida que o uso dos nossos olhos para guiar nossos passos”.
A própria filosofia em si nos direciona aos questionamentos filosóficos, pois é possível enxergá-la de forma linear e dinâmica. Cada passo que ela dá ao longo de sua história, cada resposta a um questionamento, cada reflexão se torna parte intrínseca dela própria. À medida que passam os séculos e milênios, a filosofia adquire mais consistência e meios para sua legitimação. É correto afirmar que a filosofia se perpetua, adquire seu verdadeiro e profundo significado em confronto com a vida do filósofo, com o meio que o circunda, com as interpelações próprias da vida, os fatos e os acontecimentos.
Uma questão que deve estar sempre presente nas reflexões filosóficas diz respeito à verdade, e para tanto, alguns questionamento são importantes: “não é próprio da filosofia buscar a verdade e não é próprio da verdade ser imutável, una e imperecível?” Se a filosofia se caracteriza enquanto história, e, como tal, está sempre em construção e edificação ao longo dos séculos, como isso seria possível, visto que a própria história se caracteriza pela mutabilidade, variabilidade e provisoriedade? Mais ainda: aquele que torna a filosofia concreta, ou seja, o filósofo, esse é um ser temporal, que faz parte da história, modificando-a ao longo dos séculos. A busca da verdade sempre foi a força motivadora a inflamar a filosofia, dando-lhe caráter de maior importância. Alguns filósofos tentaram responder à questão, mas nenhum chegou a uma resposta conclusiva, pois cada um, a seu modo – apresentava e continuam apresentando – suas respostas. Anselmo na obra “A Verdade”, define o conceito de verdade como sendo imutável, de forma a não ter nem início e muito menos fim. Segundo ele, não é possível imaginar que ela tenha um início em si e um fim. Se a verdade fosse proveniente de um início, e fosse terminar em um fim, antes que ela existisse é certo que não existia verdade, e ainda, se tivesse um fim, seria verdade também que ela não existia.
Nesse caso, a filosofia como sendo ciência que busca a verdade, não se esgota no temporal (epocal), porque se delineia ao longo da história, e com esse caráter seu, avança em sua compreensão, surgem novos elementos e, com isso, emerge uma nova visão. É possível ainda compará-la ou legitimá-la como sendo uma “causa incausada”.
A questão da história da filosofia e a sua importância são problemáticas. Pois sendo a filosofia uma busca inerente à verdade, ela se torna a própria verdade. Sendo verdade que sempre existiu, ela se aperfeiçoa ao longo da história – pois sempre existiu. Apesar de vários autores trabalharem a questão da história da filosofia e sua importância, muitos deles preferem partir de uma visão negativa, referindo-se ao que não é história da filosofia – uma vez que esse tema é muito complexo. Mesmo assim, é possível identificar dois grandes objetos, que poderão ajudar no processo de legitimação da história da filosofia e dar a ela uma importância imutável e racional.
Um conceito que pode ser identificado, embora incorreto, é a fato de podermos resumir a história da filosofia e sua importância em um aglomerado de fatos e relatos cronológicos somados ao longo da história. Isso é o que Merleau-Ponty chama de “história empírica”. Seria terminantemente incorreto caracterizar a soma de acontecimentos como sendo a própria história da filosofia, isso pelo fato da história da filosofia não ter um início específico. Se tivesse, antes que ela existisse, o filosofar também não existiria. Se não existisse o filosofar, a filosofia surgiria em um determinado “tempo”, descaracterizando-a de ser aquela que busca a verdade – que sempre existiu.
Nessa ótica, é possível concordar com aqueles que dizem ser o historiador da filosofia um mero colecionador de fatos.
Outro sentido a ser observado é o que Merleau-Ponty denomina “história dialética”, ou seja, buscar nos textos e em todos os trabalhos filosóficos a legitimidade e a intenção com que foram produzidos. Dessa forma, aquele que se diz historiador da filosofia, ou seja, o filósofo, não se detém somente em reproduzir o que outros exprimiram, e sim criando formas de compreender, legitimar, contradizer e concordar. Vai além de uma simples releitura. O importante é ter sempre presente a idéia de que há grandes dificuldades nessa forma de compreender e “traduzir” a filosofia, pois os meios que são utilizados pelos autores são sempre limitados. Nem sempre é fácil traduzir de forma exaustiva um conceito oferecido por determinado autor. Suas obras se expressam pela linguagem, e a linguagem em si própria é limitada. Uma outra dificuldade é a forma com que se pretende conhecer e compreender o outro. As idéias estão sempre sujeitas à aceitação ou não. Exige-se do filósofo-historiador uma abertura à compreensão, consentido com as idéias e sempre tendo a cautela de não distorcê-las.
A filosofia possuiu uma indestrutibilidade própria. Sua linearidade e progressividade fazem com que ela adquira mais força e legitimidade na aquisição da verdade. Pode-se afirmar que ela é também dominante, pois a cada passo dado, ela ultrapassa o anterior. E ainda, ela não faz parte da história, ela é a história em si. Pela indestrutibilidade dos seus objetos, ela legitima sua própria história.
Uma vez que a filosofia tem como papel principal a busca da verdade, três termos são importantes para qualificá-la, tornando-a “una, imutável e imperecível” na sua função. Tais palavras foram ditas pelos filósofos para designar a condição da história da filosofia e a verdade que procura, pois essa verdade buscada por ela é a essência da própria verdade. Como afirma Nietzsche em “Humano, demasiado humano”: a filosofia “pretende, assim como a arte, dar ao viver e ao agir a máxima profundidade e o máximo significado possíveis; nos primeiros se busca o conhecimento e nada mais”.
Heidegger afirma que para uma adequação e uma compreensão melhor da filosofia – dando mais importância ao seu caráter intrínseco – deve-se ter dupla abertura, ou seja, quando a coisa em si se manifesta e se mostra tal qual é, e o homem – aquele que busca compreender a filosofia – está aberto a ela. É necessário que haja ainda a liberdade, a fim de que a submissão do comportamento se torne apto à manifestação da coisa. E, no entanto, a liberdade para Heidegger é entendida como “abertura para…”, um “dirigir-se para…”. Dessa forma, a coisa se revela no próprio ser. O autor questiona ainda de onde surge a possibilidade de “deixar surgir”. Para ele, isso só pode ser operado pelo homem, uma vez que é próprio da verdade o surgimento e este, supõe a ocultação.
Dadas todas essas indagações, é possível concluir este trabalho definindo qual a importância da filosofia e qual é a função do filósofo. Nas palavras de Heidegger, “a história inaugurada pelo homem não é outra senão a história do surgimento do Ser nos entes, do devir da verdade, que ele acolhe ou deturpa”. O homem pode ser considerado histórico por que o Ser é historial. Dessa forma, a historialidade da filosofia legitima o caráter filosófico de sua história. O caráter filosófico de sua história e o surgimento historial da essência da verdade legitima a filosofia, traçando a função do filósofo, que é deixar surgir a verdade, colocando-se em marcha em busca da própria verdade, jamais deixando de filosofar.