<Continuação da Primeira Parte>
Era Mauá
Em meio a esse turbilhão de acontecimentos surge a figura do empresário Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá.
Homem de espírito empreendedor e visão de futuro, Mauá estivera na Inglaterra observando e absorvendo as inovações tecnológicas lá existentes. Retornando para o Brasil ele encontrou as condições favoráveis para colocar em prática as idéias que havia tido além mar. Mas para dar vida às suas idéias ele precisa de apoio. Uma de suas primeiras iniciativas foi a construção de estrada de ferro Santos-Jundiaí, quando contou com a parceria inglesa. Como a demanda por café só aumentava, e sua produção assim acompanhava, havia a necessidade de se criar ferrovias por onde pudessem ser escoadas as produções até os portos. Responsáveis pela construção, os ingleses, por meio dessa parceria, tornaram-se sócios dos barões do café. Isto por si só já significaria lucro certo, mas eles queriam mais. E mais eles tiveram.
Mauá precisava de dinheiro para investir nos negócios que tinha em mente, e conseguiu esse dinheiro por meio de empréstimos pessoais feitos junto a bancos ingleses. Com dinheiro nas mãos, Mauá realizou investimentos em estradas de ferro, criou a Cia de Bondes do Jardim Botânico, a Cia de Iluminação a Gás do Rio de Janeiro, o Banco Mauá McGregor & Cia (com filiais na Inglaterra, França, Estados Unidos da América, Argentina e Uruguai), a Cia de Navegação na Amazônia, a Cia de Rebocadores no Rio Grande, o Estaleiro Mauá e instalou de cabos de telégrafos submarinos (ligando a América à Europa). Mauá estava realmente prosperando e esse progresso logo passou a incomodar diretamente dois grupos: os barões do café e os comerciantes ingleses.
Vivendo numa sociedade dominada pelos interesses políticos das elites, quais sejam os barões do café, Mauá enfrentou boicotes às suas intenções de industrializar o Brasil. A Tarifa Silva Ferraz, por exemplo, diminuiu as tarifas de importações cobradas sobre máquinas, ferramentas e ferragens. Isso foi um duro golpe às Fundições Mauá, que não mais seria capaz de produzir esses artigos com qualidade e preço competitivo. Além disso, os barões do café passaram a sentir-se ameaçados pelo sucesso dos empreendimentos de Mauá, pois temiam que o nascente setor industrial arrebanha-se parte dos incentivos dados pelo governo central à produção cafeeira.
Outro forte baque sofrido pelos investimentos de Mauá foi a dificuldade que os bancos ingleses passaram a impor na concessão de novos empréstimos. À época dizia-se que enquanto os investimentos de Mauá limitavam-se ao setor de serviços urbanos, comunicações e de transporte, ele pode contar com o apoio inglês. Mas quando ele volta-se para o setor fabril, competindo com os produtos importados da Inglaterra, o confronto de interesses interrompeu a parceria harmoniosa. Mauá acabou falindo em 1875 e muitas de suas empresas foram passadas às mãos de ingleses e norte-americanos, seus credores.
Questão Christie
Transportando-nos para o Brasil da segunda metade do século XIX, vivemos num mundo em que existe uma nação, hegemônico, que lança seus braços por todo o mundo: a Inglaterra. Como já vimos, ela sempre esteve presente nas nossas relações internacionais, impondo a sua vontade e defendendo os seus interesses acima de tudo. Não é de se espantar que o comportamento dos ingleses, quando fora da terra pátria, fosse bastante arrogante. É disso que trata a questão Christie.
Em 1861, o navio mercante inglês Príncipe de Gales naufragou na costa do Rio Grande do Sul e teve a sua carga roubada. Pouco depois desse incidente, três oficiais britânicos foram presos no Rio de Janeiro por estarem bêbados e fazendo algazarra no Centro da cidade. Depois de identificados eles foram liberados. Mesmo assim, o Embaixador da Inglaterra no Brasil, o Sr. William Christie, ficou indignado com o acontecimento e exigiu do governo brasileiro desculpas oficiais e a demissão dos policiais envolvidos. Exigiu, também, o pagamento de vultosa indenização pela carga roubada no naufrágio do Príncipe de Gales. D. Pedro II concordou em pagar a indenização, mas recusou-se a pedir desculpas e a demitir os policiais. Revoltado, o Sr. Christie ordena a um Almirante inglês o apresamento de navios brasileiros ancorados no Rio de Janeiro. É claro que o Brasil não tinha força militar para enfrentar a nação mais poderosa do mundo e por isso vai recorrer ao rei da Bélgica, Leopoldo I, para arbitrar uma decisão neutra. Ele decide pelo Brasil, os navios são liberados e determina-se que o governo inglês peça desculpas ao Brasil. Como a Inglaterra se recusa a pedir desculpas, D. Pedro II corta relações diplomáticas com aquele país, em 1863. Somente em 1865 a Inglaterra pedirá desculpas ao Brasil pelos transtornos. Está encerrada a questão.
Ações Militares
Guerra contra Oribe e Rosas
Outra vez o Brasil se vê envolvido em conflitos no sul, e mais uma vez existe a presença da Inglaterra. Em 1851 Oribe toma o poder no Uruguai e uni-se a Juan Manuel Rosas, Governador da Província de Buenos Aires, na intenção de unificar a atual Argentina ao Uruguai e ao Paraguai. Se eles conseguissem atingir esse objetivo, o tráfego pelo rio da Prata seria interrompido e os interesses de Brasil e Inglaterra ficariam comprometidos. Não conseguindo resolver o problema no plano diplomático, Brasil, apoiado (ou seria usado?) pela Inglaterra, lança-se no combate. É vitorioso. Mas a estabilidade política na região não é duradoura e outro conflito, esse bem maior e violento, voltará a ocorrer.
Guerra do Paraguai
Nesse momento da história, o Paraguai apresentava-se como um país com grande potencial para crescer e se desenvolver dentro do contexto da América do Sul. Por ter passado grande período de sua história voltado para dentro, fechado ao mundo que o cercava, nele havia um próspero comércio interno e uma sociedade bem desenvolvida, com pequenos índices de analfabetismo. Mas os paraguaios tinham um grande problema a resolver: encontrar uma saída para o mar. Dispostos a conquistar essa saída, eles promovem uma campanha militar contra três países ao mesmo tempo: Brasil, Argentina e Uruguai. Esse Paraguai, um país em franco desenvolvimento, começando a industrializar-se, com pretensões expansionistas, tinha tudo para ser a nova potência do mundo latino americano. A Inglaterra percebeu essa possibilidade e tomou as suas providências.
Concedendo empréstimos ao Brasil, influenciou-o a entrar logo na guerra contra o Paraguai, unindo-se à Argentina e ao Uruguai e formando a Tríplice Aliança, em 1864. O Brasil também comprou novos navios, mais adequados ao teatro de operações em que combatia. Corvetas encouraçadas compradas da Inglaterra foram de fundamental importância na conquista do Forte Humaitá e chegada a Assunção. Finda a guerra, em 1870, Paraguai estava arrasado, destruído. Brasil, apesar de vitorioso, estava com uma dívida externa, principalmente com a Inglaterra, ainda maior do que a que possuía antes de entrar no conflito. Percebamos como a Inglaterra foi duplamente beneficiada: Paraguai não representa mais uma ameaça aos seus interesses e a dependência do Brasil em relação ao seu capital é acentuada ainda mais.
As dificuldades enfrentadas no Brasil pós-guerra do Paraguai o impulsionam em direção ao regime republicano de governo.
Abolição da escravidão
Desde os tratados de 1827 o Brasil havia se comprometido em terminar com o tráfico de negros escravos vindos da África. A primeira data estabelecida foi 1830, mas não foi cumprida. Depois foi assinada a Lei Eusébio de Queirós, em 1850, que proibia o tráfico negreiro, mas que só fez aumentar o preço do escravo no mercado. Em 1854 foi promulgada outra lei, a Lei Nabuco de Araújo, que previa a punição de qualquer autoridade que encobrisse o contrabando de escravos. Todas essas leis tinha um objetivo maior comum, o fim da escravidão, e atendiam também a um interesse maior, o da Inglaterra.
Os ingleses eram ferrenhos defensores da abolição da escravidão, mas por trás do argumento de defesa humanitária dos povos africanos estavam interesses muito mais escusos. Podemos destacar três principais:
O açúcar brasileiro, produzido por mão-de-obra escrava, chegava no mercado internacional com um preço inferior ao açúcar anglo-antilhano, que era produzido por mão-de-obra assalariada. Concorrência indesejável e desfavorável à Inglaterra;
Os ingleses estavam aumentando o seu domínio sobre a África e o deslocamento de africanos para o Brasil impedia que os mesmos fossem utilizados na produção e consumo na própria África; e,
Talvez o principal motivo de tanta pressão inglesa seja em razão de uma das características mais básicas do capitalismo, o consumo. Por tratarem-se de mão-de-obra escrava, os negros não podiam comprar nada do que era importado da Inglaterra. Se fossem libertos, passariam a receber um salário e poderiam consumir. Para a Inglaterra era fundamental que os negros fossem libertos.
As pressões inglesas contrapunham-se aos interesses das elites nacionais, os Barões do Café, que tinham o seu sistema produtivo baseado na utilização de mão-de-obra escrava. O Governo, pressionado por ambos os lados, termina por aprovar, em 1871, a Lei do Ventre Livre. Por essa lei, todas as crianças nascidas a partir daquela data seriam livres. Aliada ao fim do tráfico negreiro, a população de escravos diminuiria pouco a pouco até acabar totalmente. Mas as nuances dessa lei fizeram com que ela não surtisse o efeito desejado, já que o rebento “livre” poderia ser explorado até completar 21 anos.
Em 1885 outra lei abolicionista foi aprovada, a Lei do Sexagenário, que libertava os escravos com idade superior a 65 anos. Outra medida paliativa que não obteve resultados palpáveis, uma vez que uma pequena quantidade de escravos conseguia atingir essa idade. Pior ainda, os que conseguiam não tinham mais serventia ao seu dono e conceder-lhes liberdade era, na verdade, jogá-los na rua sem nenhuma obrigação de ampará-los.
A campanha abolicionista atinge o seu clímax em 1888 com a assinatura, pela Princesa Isabel, da Lei Áurea. Contudo, essa lei não deve ser entendida como a causa do fim da escravidão no Brasil, mas sim como uma conseqüência do lento processo abolicionista que vinha se arrastando desde 1850 com o fim do tráfico negreiro. A abolição dos escravos tanto almejada pelos ingleses tinha sido enfim atingida. Conseqüência dessa abolição foi a substituição definitiva da mão-de-obra escrava pela assalariada, que já vinha sendo efetuada nos campos de café, mesmo a contragosto das elites agrárias. Aliás, elas reivindicaram uma indenização reparatória pelas perdas em investimentos feitos em escravos, que agora eram obrigados a libertar. O Governo recusou-se a pagar essas indenizações, aumentando o grau de insatisfação dos barões do café.
Insatisfeitos com a abolição da escravidão, os grandes produtores de café passaram a apoiar a campanha republicana que crescia no país. Essa campanha logo tomou força com a ajuda das questões militar e religiosa, não relevantes para o escopo desse trabalho. Estava preparada a bomba que explodiria na Proclamação da República em 15 de novembro de 1889.
7. PERÍODO REPUBLICANO
Os primeiros passos da República do Brasil foram dados sob o comando de Oficiais do Exército, primeiro sob o comando do Marechal Manuel Deodoro da Fonseca e depois do Marechal Floriano Vieira Peixoto. Esse período ficou conhecido como a República da Espada. Estendendo-se de 1889 a 1894, o ato administrativo mais relevante do período foi o encilhamento. Medida econômica parecida à tomada por D. Pedro I, o encilhamento visava a emissão de moeda para incentivar a produção nacional, com ênfase para o setor industrial. Inicialmente obteve sucesso, mas logo a especulação em cima das ações das empresas levou a uma grande seqüência de falências, sem contar no aumento da inflação.
No plano econômico, o café, que por muito tempo foi o salvador das contas públicas, vinha sofrendo desvalorização de seu preço no mercado internacional. A situação econômica brasileira estava em crise: dependente de capital estrangeiro e com seu produto de maior volume de exportações desvalorizado, a dívida externa brasileira aumentava e o Brasil não via maneiras de honrar os seus compromissos. Foi então que o Presidente eleito, mas ainda não empossado, Manuel Ferraz de Campos Sales, partiu para a Europa a fim de encontrar, junto aos bancos credores, uma alternativa para a crise instalada.
Assim, em junho de 1898, ele acertou um acordo entre o governo brasileiro e os bancos credores (ingleses), em especial a casa N. M. Rothschild & Sons. Esse acordo, o “funding-loan”, versava o seguinte:
O Brasil adquiriria um empréstimo no valor de 10 milhões de libras esterlinas para pagamento de dívida externa;
O prazo para pagamento desse empréstimo seria até 1911;
O penhor das receitas da alfândega do Rio de Janeiro para garantir o seu pagamento; e,
O Brasil comprometia-se a sanear suas contas públicas.
A partir daqui entramos no século XX, e o que vemos é uma política de saneamento das contas públicas que contava com cortes nos gastos públicos, enxugamento monetário e aumentos de impostos. O que se vê também é uma política de valorização do café arrojada, com o estoque de grandes quantidades do produto em armazéns para forçar a subida no preço. Apesar de sucesso inicial, a garantia de que o Governo compraria toda a produção nacional incentivava os produtores a produzirem cada vez mais. O Brasil passa a perder dinheiro com a política de valorização artificial do café. Seu declínio é irrefreável. As receitas com sua exportação diminuem e não podem mais garantir o pagamento do “funding-loan”.
8. CONCLUSÃO
Após termos analisado as informações e das diversas fontes de consulta, pudemos elaborar um trabalho bastante sucinto frente ao vasto período de tempo a que se destinava estudar. Pudemos perceber que na história do Brasil, em especial nesses três séculos, dificilmente iremos encontrar uma atitude, um gesto, uma decisão de um governante que não esteja ligada a uma outra que a antecedeu ou a outra que a sucederá. Assim é o relacionamento entre países: interligado, complexo e repleto de conflitos de interesses.
Tendo sido uma colônia portuguesa por mais de três séculos, a influência dos interesses de Portugal no curso de nossa história é notória. Por anos a fio representamos apenas uma alternativa, uma possibilidade de onde se poderia extrair alguma vantagem. Como não poderia ser diferente, fomos uma colônia de exploração típica, d’onde se esperava apenas lucro e a nenhum crescimento ou desenvolvimento. Apenas os interesses da metrópole importavam.
Ao passo que Portugal vai perdendo a capacidade de sustentar-se por si só e gradativamente submete-se ao capital internacional, outra importante personagem entra em cena na história do Brasil: a Inglaterra. Essa sim, poderosa e vigorosa, dispunha dos mecanismos necessários para controlar o mundo: o capital. Berço do capitalismo e pioneira da revolução industrial, ao longo de toda a pesquisa realizada percebemos como ela luta para defender os seus interesses, o seu crescimento. Dominando economicamente Portugal, o Brasil caiu em seqüência.
A disputa entre interesses locais e externos, pressões políticas internas e externas, marcaram profundamente a evolução política de nossa história e nos trouxe ao ponto em que hoje nos encontramos. De uma colônia de exploração característica a uma república federativa. Essa evolução política, acompanhada de perto pelo desenrolar de nossa economia, foi o que nosso grupo pretendeu expor ao longo das páginas deste trabalho.
Acreditamos que as informações aqui apresentadas, conjugadas com um raciocínio lógico e uma visão crítica dos fatos, nos levaram a entender melhor a nossa história. As influências de Portugal e Inglaterra na formação da sociedade brasileira foram preponderantes para que ela tomasse a forma que tem hoje. E, transportando essa maneira crítica de pensar para os tempos atuais, podemos perceber o jogo de interesses que ocorre nos bastidores da política nacional e internacional. Trocas de favores, visitas de Chefes de Estado a países amigos, reuniões dos países mais poderosos do mundo. Se ainda não somos capazes de entender o porquê desses acontecimentos que, pelo menos, os guardemos na memória, pois certamente o futuro se encarregará de nos mostrar as reais intenções envolvidas.
A Inglaterra não é mais hoje a hegemônica potência que foi no passado. Portugal tampouco é dependente do capital inglês como mostrou ser por longos anos. O Brasil, com muita dificuldade, ergue a cabeça e parece ter encontrado o caminho do desenvolvimento e começa a trilha-lo com as próprias pernas. Eis a importância do estudo da história: o entendimento dos erros do passado, suas nuances e os interesses envolvidos permitem que hoje possamos evitar que voltem a acontecer. E para encerrar este trabalho, deixamos o seguinte pensamento para reflexão:
“Os tolos dizem que aprendem com os seus próprios erros; eu prefiro aprender com os erros dos outros”.
(Otto Von Bismarck)
9. REFERÊNCIAS
RIO DE JANEIRO. Prefeitura da Cidade. Secretaria de Educação. Brasil Monárquico. Disponível em: <http://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo02>. Acesso em: 20 setembro 2006.
KOSHIBA, Luiz,1945-. História do brasil. 5.ed., rev. e ampl São Paulo: Atual, 1987. 386p.
FAUSTO, Boris. História do brasil. 4.ed São Paulo: EDUSP, 1996. 650p.
VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História do Brasil. São Paulo: Scipione, 1997. 496p.