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sexta-feira, novembro 22, 2024

"Pegar", "ficar" e "namorar":

RESUMO

Este estudo objetiva descrever e analisar as diferentes formas de relacionamentos interpessoais entre adolescentes Adotou-se como referencial teórico-metodológico a Teoria das Representações Sociais. Os sujeitos foram 130 adolescentes e a coleta de dados realizada através do grupo focal com 19 encontros entre março a junho de 2004. A análise foi realizada pelo software Alceste. Os resultados revelaram a distribuição dos conteúdos em seis categorias, sendo a temática agrupada na classe 1, onde as diferentes formas de relacionamentos podem ser reconhecidas: o pegar, o ficar e o namorar. Conclui-se que os adolescentes apresentam-se tensionados entre a atração exercida pela liberdade (pegar e ficar) e pela afetividade (namoro). Destaca-se a fluidez social dos adolescentes, modificando periodicamente a intensidade/modalidade de relacionamentos.

Descritores: Adolescente; Psicologia social; Relações interpessoais.


ABSTRACT

This study aimed at describing and analyzing the different forms of interpersonal relationships among adolescents. Social representations approach was adopted as the theoretical-methodological reference. Subjects were 130 adolescent and data collection was accomplished with focal groups, in 19 encounters, from March to June 2004. A analysis was accomplished with software Alceste. Results revealed the distribution of the contents in six categories and the different forms of relationships were identified in class 1, by recognizing three types: “touching”, “staying” and “dating”. It is concluded that adolescents experiment a tension between the attractions exercised by freedom (touching/staying) and by affectivity (dating). It was also highlighted the social fluidity both adolescence, so that those, modifying the intensity/modality of relationships along short periods of time.

Descriptors: Adolescent; Social psychology; Interpersonal relations.


RESUMEN

Este estudio objetivó describir y analisar los modos de relacionamientos afectivos entre adolescentes. Fue adoptado el referencial de las Representaciones sociales. La amuestra fue composta por 130 adolescentes, la recogida de datos fue realizada a través de grupos focales, de marzo a junio de 2004. El análisis fue construida por el software Alceste. Los resultados muestraron la distribución de los contenidos en seis categorías, sendo la temática agrupada en la clase uno, donde los diferentes relacionamientos pueden ser reconocidas: besar, salir y enamorar. Se puede concluir que los adolescentes se presentan tensionados entre la atracción ejercida por la liberdad (besar y salir) y la afectividad (enamorar) y se subraya la fluidez social característica de ese grupo, cambiando periódicamiente la intensidad/modalidad de relacionamientos.

Descriptores: Adolescente; Psicología social; Relaciones interpersonales.


1. INTRODUÇÃO

O mundo moderno, e mais especificamente o pós-moderno, configura-se em um quadro de rápidas transformações sociais, culturais e comportamentais para os diversos grupos humanos. Dentre esses agrupamentos, um dos que mais sofrem as conseqüências dessas transformações é o dos adolescentes, tanto em função de vulnerabilidade, quanto devido à sua abertura ao novo e à sua necessidade de romper barreiras e padrões estabelecidos(1).

Na atualidade, uma grande parte dos adolescentes brasileiros tem sobrevivido a um cotidiano permeado por inúmeras atividades, especialmente pela necessidade de conciliar a escola com o trabalho, em que eles saem de casa entre 6-7 horas da manhã e retornam por volta da meia noite. Alguns desses adolescentes possuem, ainda, uma rotina de trabalho que inclui o final de semana, ficando sem tempo para atividades que até então eram consideradas próprias da idade, como o lazer, os relacionamentos afetivos e um certo grau de ociosidade(2).

A outra parte dos adolescentes possuem um cotidiano com horários mais flexíveis, não desenvolvendo nenhuma atividade laborativa, embora um número considerável exerça atividades sistemáticas em suas residências. Essas atividades normalmente estão relacionadas ao cuidado de familiares adoentados, irmãos mais novos ou simplesmente das respectivas casas enquanto os genitores trabalham(2).

Permeando esses diferentes cotidianos e até mesmo apesar do dia a dia estressante dos trabalhadores, os adolescentes têm apresentado um comportamento específico da atualidade, qual seja, uma fluidez ou uma navegação social, ausentes nas gerações anteriores. Essa fluidez/navegação possui, como característica, a combinação de comportamentos pautados no grau de liberdade pessoal frente aos padrões estabelecidos pelas pessoas com as quais convive e aos protocolos sociais.

Um exemplo dessa situação é a variedade que esse grupo possui de se relacionar afetiva e socialmente, bem como os intercâmbios estabelecidos entre essas duas modalidades de relacionamento. Essas modalidades incluem tanto relações pautadas na fidelidade mútua e no sentimento, quanto aquelas basicamente instantâneas, momentâneas, correspondendo a necessidades físicas e fisiológicas, sem continuidade ou aprofundamento na vida dos adolescentes.

Em função disso, objetiva-se com este estudo descrever e analisar a representação social das diferentes formas de relacionamentos afetivos entre adolescentes.

2. METODOLOGIA

Neste estudo utilizou-se a Teoria das Representações Sociais(3,4), no contexto da psicologia social. As representações sociais são consideradas ciências coletivas “sui generis, destinadas à interpretação e à elaboração do real”(3). Também podem ser definidas como uma “forma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada, tendo uma orientação prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”(4).

Para a coleta de dados foram realizados 19 grupos focais, com um total de 130 adolescentes em dois colégios públicos e estaduais na cidade do Rio de Janeiro. Os grupos foram realizados durante os meses de março a junho de 2004, nos turnos escolares tarde e noite, com dois subgrupos de adolescentes, um relacionado à ocupação (trabalhadores e não-trabalhadores) e outro ao turno escolar (tarde e noite). Os grupos foram gravados e as fitas posteriormente transcritas.

A análise de dados foi realizada através da análise lexical pelo software Alceste 4.5, que recorre à co-ocorrências das palavras nos enunciados que constituem o texto, de forma a organizar e sumariar informações consideradas mais relevantes, e possui como referência em sua base metodológica, a abordagem conceitual lógica e dos mundos lexicais(5,6).

Este software foi criado na França em 1979 por Max Reinert para ser utilizado no sistema operacional windows. Ele apresenta uma organização possível dos dados através de análises estatísticas e matemáticas, fornecendo o número de classe, as relações existentes entre as mesmas, as divisões realizadas no material analisado até a formação das classes, as formas radicais e palavras associadas com seus respectivos valores de qui-quadrado (x2), além do contexto semântico de cada classe. O software, apesar de originalmente trabalhar com a língua francesa, possui dicionários em outros idiomas, fato que permite sua utilização com materiais em português.

Cabe destacar, ainda, que o Alceste segmenta o material a ser analisado em grandes unidades denominadas de Unidades de Contextos Iniciais (UCI), que podem ser entrevistas de diferentes sujeitos reunidas em um mesmo corpus, respostas a perguntas específicas, normalmente abertas, de questionários e textos de jornais e revistas.

O texto completo é reformatado e dividido em segmentos de algumas linhas respeitando, se possível, os cortes propostos pela pontuação. Esses segmentos são denominados de unidades de contextos elementares (UCE) e correspondem ao material discursivo ou escrito relevantes à formação das classes.

O programa fornece, então, o número de classes resultantes da análise, assim como as formas reduzidas, o contexto semântico e as UCE características de cada classe consolidada. De posse desse material, os autores explicitam o conteúdo presente no mesmo, denominando e interpretando cada classe a partir de todas as informações fornecidas pelo software.

Foram obedecidas, nesta pesquisa, as orientações contidas na Resolução 196/96 do Ministério da Saúde, tanto no que concerne aos aspectos éticos com a instituição que autorizou a realização da pesquisa, quanto com os sujeitos que cederam as entrevistas após leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados observados na análise mecanizada dos 19 grupos focais, revelaram a distribuição do conteúdo em 6 categorias discursivas (classes). Essas classes (figura 1) apontam para os seguintes temas: Classe 1: Formas e Expressões dos Relacionamentos Afetivos: as facetas do pegar, ficar e namorar; Classe 2: Pensando e Falando sobre Sexualidade e Sexo: dilemas e posicionamentos; Classe 3: O Mundo do Trabalho e o Universo da Escola e suas inter-relações; Classe 4: Falando de Futuro: os adolescentes entre planos e sonhos; Classe 5: Descrevendo o Cotidiano: com a palavra adolescentes trabalhadores e não trabalhadores; Classe 6: Sobre Amigos e Colegas: os relacionamentos interpessoais na adolescência. Essa divisão pode ser melhor visualizada no dendograma ao lado (Figura 1).

Observa-se que a distribuição das UCE entre as classes apresenta-se relativamente eqüitativa, com predomínio das classes 1 e 3, representando 45,38% daquelas analisadas. As classes 2 e 6 são constituídas pelas menores quantidades de UCE, totalizando 19,44% das mesmas, enquanto as classes 4 e 5 são as responsáveis pelos 35,18% das restantes.

Buscando melhor compreender o processo de divisão do conteúdo textual (representado pelas UCE) e a constituição das classes, o dendograma de distribuição das UCE permite visualizar os sucessivos agrupamentos realizados a partir da análise hierárquica descendente (análise de cluster). Observa-se que, a partir do corpus submetido à análise, o software dividiu as UCE em dois grandes blocos; cada um desses blocos foi submetido a duas novas divisões; e finalmente a duas últimas. Assim, as classes 1, 2 e 6 são resultantes primariamente de um bloco textual comum, o que permite inferir que elas possuem significados complementares; assim como as classes 3, 4 e 5 são resultantes de um segundo bloco textual comum, permitindo afirmar também a existência de conteúdos comuns às mesmas.

Da mesma forma, esse processo se repete internamente em cada um dos dois sub-grupos, determinando que entre as classes existam sentidos e idéias que as separam em classes distintas (uma vez que se dividiram nas etapas subseqüentes da classificação hierárquica), mas também sentidos complementares (uma vez que em momento anterior da classificação hierárquica elas fizeram parte de um mesmo universo lexical). Dessa maneira, a classe 6 possui um sentido de oposição às classes 1 e 2; da mesma forma que a classe 4 estabelece relação de diferenciação das classes 5 e 3. Seguindo a mesma lógica de análise, as classes 1 e 2 possuem um sentido comum quando comparadas à classe 6, mas também possuem diferenças suficientes para que fossem divididas em duas classes. O mesmo fenômeno ocorreu com as classes 5 e 3.

A temática discutida neste artigo, apesar de sua presença nas demais classes analíticas apresentadas pelo Alceste, encontra-se expressa e reunida na classe 1. Em função disso, apresentaremos inicialmente a referida classe, bem como a sua discussão e, posteriormente, realizaremos uma análise transversal do tema no conjunto dos resultados. A classe 1 caracteriza-se pela presença de uma variável associada à sua formação, qual seja, à de alunos pertencentes ao turno da tarde. Esse aspecto indica, dentre outras coisas, que esses sujeitos não possuem um trabalho em tempo integral e nem estão diretamente responsáveis pelo sustento da casa, embora vários deles contribuam com a renda familiar ou desenvolvam atividades sistemáticas tanto em âmbito domiciliar (como arrumar a casa, preparar comida e cuidar de familiares mais novos ou adoentados) quanto externo à residência (atividades profissionais esportivas, cursos diversos e estágios). Destacam-se, abaixo, as formas reduzidas com maior grau de associação à classe.

O Quadro 1 apresenta formas que se referem a modalidades diferenciadas de relacionamento destacadas pelos sujeitos, como namor+, fic+ e peg+. Destaca ainda questão relacionada à gênero, através de radicais como garot+, men+, mulher+, garot+, homem+ e homens+. Outro aspecto que ainda merece ser ressaltado é a descrição dos atos/ações que podem acontecer nos contextos dessas diferentes formas de relacionamento, como trans+, beij+ e abraç+.

Um aspecto interessante a ser ressaltado, além dos comentados acima, é que, nas formas reduzidas indicativas de gêneros dos sujeitos, a maioria era indicativa do sexo feminino, como pode ser observado em garot+ (freqüência de 63 para garotas e 16 para garotos) e em men+ (em que menina(s) aparecem 34 vezes, ao passo que menino(s) somente 14).

Os resultados indicam as diversas formas de relacionamentos destacadas pelos adolescentes e vivenciadas em seus cotidianos. Essas formas são classificadas em um continuum que vai da liberdade absoluta à responsabilidade formalizada. Liberdade e responsabilidade essas que não possuem relação somente com a outra pessoa envolvida (parceira/parceiro), mas incluem suas famílias e os grupos sociais nas quais esses adolescentes se inserem.

Ao compreender os relacionamentos tendo como referência a tensão liberdade-responsabilidade, os adolescentes também apresentam a interrelação que porventura possa ocorrer entre essas modalidades, a utilização de métodos contraceptivos e de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e AIDS e as diferenças atribuídas por eles mesmos aos papéis que são ou que devem ser exercidos pelos jovens de ambos os sexos.

O continuum destacado anteriormente possui dois extremos, quais sejam, o de liberdade completa, que é designado pelos adolescentes como pegar e o de responsabilidade formalizada que é denominado de namorar. Entre esses dois extremos aparece o conceito de ficar, que comporta em si uma liberdade e uma responsabilidade relativas, tanto com relação à pessoa envolvida no relacionamento, quanto ao grupo em que ambos os jovens se inserem.

Os adolescentes se referem a pegar como um ato espontâneo, não repetível, sem compromisso e no qual o interessa físico predomina, quer pela beleza ou pela sensualidade. Nas falas abaixo, os adolescentes destacam o não compromisso nessa forma particular de se relacionar:

Sair é sem compromisso, é pegar. Conhece uma garota, rola uns beijos e acaba ali.
Pegar é uma vez só e você nunca mais sabe.

Contudo, os sujeitos não são unânimes ao relatar o que acontece dentro desse pegar, podendo incluir desde beijo até o ato sexual, como pode ser observado na UCE abaixo:

Tem uns que falam que pegar é levar para a cama

Por outro lado, na primeira UCE citada, um adolescente caracteriza o pegar como relacionado basicamente à “rolar uns beijos”, não citando, ao menos explicitamente, a situação do “levar para a cama”.

O ficar, por sua vez, é descrito como um relacionamento em que os atores sociais possuem uma intimidade e uma proximidade maiores, se vêem em uma freqüência que pode adquirir uma regularidade e até desembocar em um namoro. Observa-se esse fenômeno nas UCE seguintes:

Ficar você já tem intimidade. Já tem o telefone e liga.
Tem pessoas que vão ficando, ficando e depois acabam não querendo nada. (Outras) acabam namorando.
Um exemplo, você sai hoje, conhece a pessoa e fica com ela, se você sai outro dia encontra ela mesma, acaba ficando com ela de novo
Quando eu comecei a namorar (…), primeiro eu fiquei com ele.
Agora, no ficar você já tem algo certo, mas não tem compromisso.

À medida que o ficar encontra-se em uma região definitória mediana entre a liberdade e a responsabilidade, também não possui as formalidades presentes em um namoro, nem a visibilidade social deste, como descrito abaixo.

…Ela quer ficar. Não tem nada a ver. Não tem nada a ver, o compromisso é assim sábado e domingo, bota alguém sentadinho no sofá. O ficar é tipo assim, segunda a sexta, sábado e domingo ele encontra com outra.
Ficar não tem a sogra, sair se encontra lá na praça, no ficar a pessoa não fica muito de mãos dadas.

Quadro 2

Quando os sujeitos se referem a alguma evidência social do ficar parecem relacioná-la muito mais à uma não preocupação com a opinião alheia ou com as regras da sociedade, do que a um possível aprofundamento do relacionamento, como pode ser observado na UCE seguinte:

Às vezes até a pessoa fica [de mãos dadas na rua], porque eles não levam muito a sério e nem se importam com o que as pessoas vão ver.

Por ser uma zona intermediária, os adolescentes estabelecem relação entre o ficar e os dois extremos do continuum. Isto significa dizer que, em algumas situações, o ficar possui características do pegar, como observado na fala abaixo:

Ficar tipo, você fica hoje e não sabe quando mais. No ficar tem mais ou menos um compromisso maior que no pegar.

Por outro lado, também apresenta características de namoro, como conhecimento e uma freqüência maior de encontro, como presente nas falas:

O ficar é conhecer. Namorar é firme.
Agora, no ficar você já tem alguém certo, mas não tem compromisso.

Outro aspecto interessante destacado no material discursivo é a descrição do que está contido no ato do ficar, observado nas UCE descritas a seguir:

No ficar, muitas vezes, só rola uns beijinhos e pronto, em outras pode rolar uma transa. Isso depende muito dos ficantes.
Quando está ficando com alguém rola de tudo, do beijo à transa, depende muito.

Os adolescentes do sexo masculino apresentam falas caracterizando o papel do sexo oposto nas relações desenvolvidas com os mesmos. Esse papel varia desde o perfil de responsável e de provedora pelo uso do condón e, conseqüentemente, da prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e de gravidez, até o significado atribuído a elas em função do comportamento de disponibilidade à relações com vários parceiros ou de julgadora do comportamento masculino socialmente aceito.

A garota que transa sem camisinha é sem juízo porque ela não sabe se eu sou garanhão ou caseiro.
A menina vai e fica e sem compromisso nenhum transa. Esse cara que ficou com essa menina vai e fala: fiquei com ela aquela ali, é fácil.
Se você respeita a menina ela vai ficar falando para as colegas que a gente é fraco. Por isso tem que pegar e esculachar mesmo.

Outro destaque importante a ser dado é a confirmação, por parte de um dos sujeitos, da necessidade de utilização do condón nas relações sexuais, ao mesmo tempo em que explicita que a prática dos adolescentes em geral não condiz com esta necessidade. Esta situação é revelada por um dos participantes:

E rola uma coisa muito ardente e é só aquele momento ali e acabou. Não tem namoro, transou e pronto. E deveria rolar caminha, mas nem sempre rola. Depende do lugar.

O namorar tende a ser representado para esses sujeitos como decorrente de um ato contínuo e repetitivo do ficar, que possui início em um relacionamento caracterizado pela liberdade de ação e que, com o tempo e a permissão de ambos, ganha contornos de maior compromisso e de oficialidade frente à família e o grupo social. O modo como os próprios sujeitos apreendem namoro é explicitado a seguir:

Tem pessoas que vão ficando, ficando e depois… (…) E acabam namorando. Um exemplo, você sai hoje, conhece a pessoa e fica com ela, se você sai um outro dia, encontra ela mesma, acaba ficando com ela de novo.
Eu agora estou namorando, mas às vezes é melhor ficar do que namorar. Porque namorando, você perde muita liberdade.

Realizando uma análise transversal do tema em todas as classes da análise Alceste, percebe-se a sua presença nas classes 2, 4 e 6. Ou seja, do total de 6 classes, mais de 50% contemplam a questão, sendo que, como já discutida, a classe 1 aprofunda especificamente o assunto.

A classe 2, pensando e falando sobre sexualidade e sexo: dilemas e posicionamentos, apresenta variadas formas de expressão e de conceito de sexualidade para os sujeitos. Essas expressões/conceitos variam de um extremo em que sexualidade e ato sexual são sinônimos, perpassando um alargamento progressivo até que, não excluindo o ato sexual em si, também compreenda outras dimensões da vida humana, como a afetividade, a beleza física, a sensualidade e o respeito.

As diferentes abordagens de sexualidade, no entanto, são correlacionadas pelos sujeitos às modalidades de relacionamentos afetivos anteriormente descritos. Ou seja, sexualidade enquanto ato sexual está mais relacionado ao pegar; ao mesmo tempo em que a sexualidade enquanto instância que engloba várias dimensões da vida do adolescente está mais presente no namoro(7). O ficar por sua característica intermediária apresenta, explicitamente, a tensão da sexualidade entre os dois pólos. As UCE abaixo representam essa idéia:

Eu acho que o sexo engloba bem mais coisas do que uma simples satisfação corpórea. Há três tipos de sexo: do prazer, do interesse e do amor. Você vai transar por prazer, muitas vezes.
No ficar é só sexo; no namoro é algo mais, é conquista, é respeito.

Na classe 4, falando de futuro: os adolescentes entre planos e sonhos, é apontado pelos adolescentes, dentre os planos futuros, a formação familiar à partir de um relacionamento estável representado pelo namoro. As UCE abaixo demonstram esse planejamento:

Eu pretendo formar uma família muito boa!
Formar uma família bem estruturada e ter filhos futuramente.
(eu pretendo) constituir uma família e ser feliz!

O fato de planejarem um relacionamento estável condiz com a faixa etária final da adolescência, quando este ator social começa a desenvolver relacionamentos mais íntimos e estáveis e, ao mesmo tempo, iniciam o planejamento futuro para esses relacionamentos. Parece existir, dessa maneira, uma passagem pelo pegar e ficar, mas a experiência e a idade tendem a levá-los à execução e a desempenho de papéis sociais mais aceitáveis e esperados(1).

Com relação à classe 6, Sobre amigos e colegas: os relacionamentos interpessoais na adolescência, os sujeitos destacaram os relacionamentos sociais tensionados entre amizade e coleguismo. Contudo, referiram igualmente a possibilidade de mutação entre os relacionamentos sociais e os afetivos, de modo que existem “colegas ficantes”, amigos(as) que se tornaram namorados(as) ou vice-versa(8). Ainda segundo os sujeitos, não existe necessária correlação entre a intensidade do relacionamento social e o afetivo. As UCE a seguir abordam a questão:

As vezes começamos a ficar com pessoas já conhecidas, nossas colegas…
Nem sempre amizade gera namoro e colegas ficantes… pode ser o inverso…

Percebe-se que os adolescentes abordaram as formas pelas quais desenvolvem seus relacionamentos, bem como as representações associadas ao papel masculino e feminino na interioridade destes relacionamentos. Parece, contudo, que no cotidiano desses indivíduos essas modalidades de relacionamento não se apresentam definitivamente separadas, mas acontece uma navegação social deles nos três tipos, inclusive evoluindo de um para o outro em um mesmo relacionamento. O estudo desenvolvido por Benitez(9) apresenta um quadro semelhante no tocante às modalidades de relacionamento e o modo como os adolescentes as desenvolvem.

Essas modalidades de relacionamento também possuem relação com a descoberta do corpo do outro e a intensidade que esse corpo produz no adolescente, o que influencia, junto a outras questões, no posicionamento do indivíduo no continuum já referido. Azevedo(10) considera que a sexualidade se expressa na adolescência através da descoberta do corpo do outro, pela sedução, normalmente através de novos sentimentos e emoções, que acontece em contextos de relacionamento com graus variáveis de liberdade/responsabilidade.

Um ponto a ser destacado, e que vem ao encontro de estudos da área(1,11), é o papel ativo atribuído ao homem e a necessidade de manter essa imagem, fenômeno esse reforçado pelos adolescentes do sexo feminino. Assim, a representação imagética de fácil ainda se encontra presente na cartografia mental feminina, assim como o encargo de se responsabilizar por medidas e tecnologias para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e de gravidez. Esse fato deixa transparecer uma representação masculina de que a mulher é responsável pela preparação da cena em que o homem é convidado a atuar.

O não uso regular de condón destacado pelos sujeitos é outro fenômeno que precisa ser analisado e isso em função de várias razões, dentre as quais citaremos duas. A primeira delas apresenta-se em função do aumento da incidência e da prevalência de doenças sexualmente transmissíveis e de gravidezes nesta faixa etária, especialmente entre 15 e 25 anos(12). A segunda é a dissociação existente (e explicitada pela classe) entre o conhecimento sabem da necessidade do uso – e a prática – mas mesmo assim não utilizam(13). Esse fenômeno merece uma investigação mais aprofundada e estudos devem ser desenvolvidos para dar conta dessa lacuna.

4. CONCLUSÃO

O artigo demonstra as vivências complexas, multifacetadas e, na maioria das vezes, tensionadas entre comportamentos/opções opostos presentes no cotidiano dos adolescentes. Ao mesmo tempo em que se sentem atraídos pela liberdade possibilitada pelo pegar ou ficar, necessitam da afetividade que normalmente é melhor explicitada em relacionamentos mais estáveis e, conseqüente, com menor liberdade.

Dessa maneira, os adolescentes classificam as modalidades de relacionamentos afetivos tendo a liberdade como padrão delineador. Simultaneamente, sexualidade se relaciona às diversas gradações desses relacionamentos, em função das diferentes formas de sua vivência. Apesar de ser esperado que o namoro possua uma noção de sexualidade mais abrangente do que o ato sexual em si, os resultados do estudo não permitem afirmar, claramente ou de forma precisa, que o ficar, pelo menos, seja destituído de sentimentos de respeito ou de uma afetividade mais profunda.

Ao mesmo tempo, as possíveis transmutações de situações de amizade e coleguismo em relacionamentos afetivos (independente dos tipos anteriormente descritos) e destes para aqueles, parecem demonstrar uma característica do mundo pós-moderno, onde as coisas e as situações são mais fluidas e menos estanques. Ao mesmo tempo, o estudo não permite correlacionar que relacionamentos íntimos e afetivos nascidos de relações sociais mais intensas, como a amizade, sejam mais sérios ou duradouros, em detrimento de outros que nasceram de relações mais superficiais como o coleguismo.

Cabe destacar que, apesar das mutações sofridas na definição tradicional de família e nas variações de relacionamentos já vivenciados pelos adolescentes, a constituição de uma família aparece como plano de futuro, ao lado de carreiras profissionais e cursos universitários.

REFERÊNCIAS

1. Santrock JW. Adolescência. Rio de Janeiro (RJ): LTC; 2003. [ Links ]

2. Oliveira DC, SáCP, Gomes AMT, Thiengo MA. A Enfermagem e a promoção da saúde do adolescente: condições de vida, saúde e trabalho de estudantes do ensino médio no município do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro (RJ): FAPERJ/Faculdade de Enfermagem, Universidade de Estado do Rio de Janeiro; 2005. [ Links ]

3. Moscovici S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro (RJ): Zahar Editores; 1978. [ Links ]

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5. Catão MFM. Excluídos Sociais em Espaços de Reclusão: as representações na construção do projeto de vida (tese). São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 2001. [ Links ]

6. Oliveira DC, Gomes AMT, Marques SC. Análise Estatística de Dados Textuais na Pesquisa das representações sociais: alguns princípios e uma aplicação ao campo da saúde. In: Menin MSS, Shimizu AM, organizadoras. Experiência e Representação Social questões teóricas e metodológicas. São Paulo (SP): Casa do Psicólogo; 2005. p. 157-200. [ Links ]

7. Fisher FM, Martins IS, Oliveira DC. Saúde, educação e trabalho no município de Monteiro Lobato e Santo Antônio do Pinhal, SP. São Paulo (SP): FAPESP/Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2000. [ Links ]

8. Osório LC. Adolescente hoje. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 1992. [ Links ]

9. Benitez AM. A percepção de estudantes adolescentes sobre sexualidade:uma análise de representações sociais (dissertação). Rio de Janeiro (RJ): Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2004. [ Links ]

10. Azevedo MRD. Educação sexual: uma questão em aberto. In: Saito MI, Silva LEV, organizadoras. Adolescência: prevenção e risco. São Paulo (SP): Atheneu; 2002. p. 129-43. [ Links ]

11. Egypto MM. Papéis sexuais. In: Barroso C, Brushini C, organizadores. Sexo e juventude:como discutir sexualidade em casa e na escola. São Paulo (SP): Cortez; 1995. [ Links ]

12. Ministério da Saúde (BR). Coordenação Nacional de DST/AIDS. Resposta. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2002. [ Links ]

13. Reis AT. Práticas e Representações Sociais de saúde e trabalho na adolescência (dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro (RJ): Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2004. [ Links ]

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