A capacidade de detectar alterações funcionais, metabólicas e bioquímicas em órgãos ou tecidos, mesmo antes que alterações anatômicas se manifestem, é a característica fundamental das imagens diagnósticas da Medicina Nuclear. Para isto usam-se quantidades mínimas de substâncias radioativas que acompanham os processos metabólicos, sem interferir com eles.
Com os correspondentes radioativos (carbono-11, nitrogênio-13 e oxigênio-15) dos nossos constituintes orgânicos mais importantes, a bioquímica humana pode ser acompanhada in vivo. Porém, estes elementos radioativos, ao invés de emitirem raios gama como a maioria dos radioisótopos usados em Medicina Nuclear, emitem um pósitron, que é um elétron positivo de existência efêmera. Ao atravessar o meio ambiente, colide com um elétron negativo e ambos se aniquilam, dando origem a dois raios gama de alta energia (511 keV cada), que se propagam em sentidos opostos, a 180° um do outro. Há outros radioisótopos emissores de pósitrons, como o flúor-18, também de grande importância em medicina. Incorporados a moléculas convenientes, como, por exemplo, a flúor-desoxi-glicose (FDG-18F), substância muito útil em Oncologia, Neurologia e Cardiologia, estes quatro radioisótopos permitem acompanhar a bioquímica humana normal e anormal in vivo, desde que seja possível detectar a radiação gama de alta energia que emitem(1).
Câmaras de cintilação especiais conseguem detectar essa radiação, graças à sua eletrônica complexa e a um grande número de cristais sensíveis à radiação, dispostos em anéis. Utilizam o fato de os dois raios gama viajarem em sentidos opostos, detectando somente os que colidem, simultaneamente, em cristais diametralmente opostos (180°) do anel detector. Colisões não simultâneas ou as simultâneas sob ângulos diferentes de 180° são rejeitadas. Estes equipamentos especiais, dedicados exclusivamente a imagens com emissores de pósitrons e que não fazem estudos convencionais de Medicina Nuclear com outros radioisótopos, são os tomógrafos por emissão de pósitrons, ou PETs (“positron emission tomographs”), e por extensão, a produção dessas imagens se chama tomografia por emissão de pósitrons (“positron emission tomography” – PET)(1).
Mais recentemente, houve um avanço ainda maior na tecnologia destes equipamentos, com o advento dos PET/CTs, sistemas constituídos por um PET acoplado a um CT helicoidal de qualidade diagnóstica, possibilitando a sobreposição (ou fusão) das imagens metabólicas do PET às imagens anatômicas do CT. Conseguem associar à alta sensibilidade metabólica e alta resolução espacial do PET uma correlação anatômica até então inconcebível, possibilitando a detecção precoce e a localização precisa de uma lesão. O PET/CT representa o estado da arte em tomografia por emissão de pósitrons e veio substituir os equipamentos PET que não dispõem de CT acoplado(1).
O PET e principalmente o PET/CT vêm revolucionando grandes áreas da medicina moderna, particularmente a Oncologia, a Cardiologia e a Neurologia. Em Oncologia, têm sido usados para distinguir processos malignos de benignos, no estadiamento, detecção de recidiva, avaliação precoce e tardia da resposta à terapia, na determinação do prognóstico e da mudança de conduta clínica de pacientes com diversos tipos de tumores malignos. Em Neurologia, seu uso mais importante tem sido no diagnóstico diferencial das demências. Em Cardiologia, têm sido empregados principalmente na detecção do miocárdio hibernante(1).
Transcorridos 18 meses desde o início das operações do PET/CT em nossa Instituição, uma análise retrospectiva de seu processo de implantação e utilização pode ser útil para novos empreendimentos como este em nosso país.
Em uma Instituição hospitalar com forte vocação oncológica, a escolha do equipamento foi baseada na necessidade de se aliar um PET de alta resolução e sensibilidade à localização anatômica precisa e de conteúdo diagnóstico fornecida por um CT helicoidal. Desta forma, pretendíamos oferecer informações essenciais para os clínicos, permitindo melhor estadiamento de tumores, melhor avaliação das respostas terapêuticas e decisões mais exatas quanto a mudança ou manutenção de condutas.
Desde o início do seu funcionamento, o PET/CT foi bem recebido pela comunidade médica, ciente do alcance científico e tecnológico do investimento que fora feito, mesmo sem a certeza de retorno financeiro. É quase certo que a repercussão na mídia tenha contribuído para a procura imediata por estudos com PET/CT.
Ao longo destes 18 meses, estudados mais de 1.000 pacientes, pudemos ter uma avaliação bastante confiável da freqüência com que são solicitados os diversos tipos de estudos, traduzindo o perfil oncológico da nossa Instituição: carcinomas gastrintestinais (cólon e reto, esôfago, estômago, fígado, vesícula biliar): 29%; carcinomas ginecológicos (mama, útero, ovário, vagina): 16%; carcinoma de pulmão: 12%; linfomas Hodgkin e não-Hodgkin: 9%; melanoma maligno: 6%; carcinomas urológicos (rim, próstata, bexiga, seminoma, pênis): 5%; carcinomas de cabeça e pescoço: 3%; tumores do sistema nervoso central: 2,5%; detecção da viabilidade miocárdica: 0,4%; outros, incluindo “check-ups”: 17%.
Embora todos nós que trabalhamos com este equipamento em nossa Instituição tivéssemos tido vivência suficiente com imagens PET propriamente ditas e com câmaras de coincidência, a utilização de um PET/CT, mesmo em termos mundiais, era uma novidade bem-vinda e um desafio há muito esperado.
Conforme era de nosso conhecimento, a utilização desta tecnologia na rotina clínica é um procedimento complexo. Na realidade, os cuidados com o estudo PET/CT começam mesmo antes de o paciente chegar ao Serviço, através de instruções detalhadas quanto à dieta e jejum (principalmente nos diabéticos), descrição do procedimento e sua duração. Estes cuidados se continuam com uma história clínica detalhada, exame do paciente, monitoração constante da sua glicemia, colocação do paciente em ambiente escurecido e silencioso, escolha da dose de FDG-18F adequada, escolha do momento da sua injeção e do momento do início da aquisição das imagens. A questão da utilização ou não de contrastes orais iodados é ainda um debate mundial; só nos últimos meses passamos a usá-los, mas esta história ainda não está terminada. Após a aquisição das imagens, é feita análise rápida para decidir se há ou não a necessidade de imagens adicionais após diuréticos ou outras manobras. Como se percebe, a realização destes estudos não é simples e o FDG-18F está longe de ser considerado apenas mais um “contraste” radiológico.
De início, as imagens CT foram usadas por nós apenas como ferramenta essencial para a localização das lesões detectadas pelo PET, mas sem uma interpretação detalhada dos seus achados. Nos últimos 12 meses, nossa rotina passou a incluir a interpretação das imagens PET feita por nós e a das imagens CT feita pelos colegas da tomografia computadorizada. Além de valorizar ainda mais as imagens PET, esta providência veio melhorar em muito a interpretação final das imagens de fusão (sobreposição das imagens PET às imagens CT), com grandes benefícios para os pacientes e seus médicos.
Com isto foi possível melhor avaliar a importância dos três tipos de imagens e aprender que as imagens de fusão freqüentemente são mais eloqüentes do que as outras duas.
O poder extraordinário destas imagens, principalmente das imagens de fusão, fez-se sentir logo na primeira paciente a ser submetida a estes estudos na América Latina, no dia 30/5/2003. Era uma paciente de 49 anos de idade, com câncer de mama há dez anos, submetida a mastectomia radical, quimioterapia e radioterapia, e que agora apresentava elevação do marcador tumoral. As imagens PET mostraram apenas duas lesões no terço proximal do braço direito, mas não era possível decidir a sua localização exata: partes moles, linfonodos, ossos? As imagens CT não mostravam as lesões. Mas a fusão de imagens mostrou claramente serem metástases no úmero direito, alterando significativamente a conduta para esta paciente. Para nossa sorte, o poder das imagens de fusão ficou evidente já nesta primeira paciente, e com toda a humildade procuramos captar e aprender a mensagem da melhor forma possível.
Com as análises conjuntas das imagens feitas por nós e pelos colegas da tomografia computadorizada foi possível identificar situações bastante distintas na interpretação das imagens PET/CT. Alguns exemplos:
a) as imagens CT não detectam a lesão (como na paciente acima ou, por exemplo, em um paciente com tumor primário desconhecido), as imagens PET detectam a lesão, mas somente com as imagens de fusão é possível sua localização exata;
b) ambas as imagens, PET e CT, detectam a lesão (por exemplo, um carcinoma pulmonar de não-pequenas células) e a imagem de fusão mostra a sobreposição exata de ambas, reforçando o diagnóstico;
c) as imagens CT detectam, por exemplo, linfonodos aumentados após terapia para linfoma, mas as imagens de fusão não mostram acúmulo do radiofármaco nas lesões, confirmando as imagens negativas do PET e documentando a boa resposta terapêutica; portanto, as imagens de fusão decidem se linfonodos aumentados após terapia representam doença residual ou não;
d) as imagens PET e as imagens CT mostram, por exemplo, lesão pulmonar que o CT caracteriza como benigna; a fusão de imagens confirma a sobreposição exata das lesões, evitando um falso-positivo do PET;
e) as imagens CT mostram, por exemplo, diversos nódulos pulmonares em um paciente com carcinoma renal e as imagens PET não mostram captação do radiofármaco nos pulmões; a fusão de imagens confirma a ausência de captação do radiofármaco e o conjunto das imagens evita um falso-negativo do PET, cuja sensibilidade para este tipo de tumor é da ordem de 70%.
Portanto, o PET/CT sintetiza, à perfeição, a busca ideal de conjugar as imagens bioquímicas do PET com a localização espacial refinada proporcionada pela tomografia computadorizada helicoidal(1).
Essas constatações que temos feito na prática diária nada têm de original. Embora em termos mundiais o PET/CT ainda seja uma tecnologia bastante nova, já existem trabalhos importantes na literatura mostrando que a fusão das imagens PET/CT é superior às imagens do PET e às imagens do CT isoladas na detecção do tumor primário, das metástases e de linfonodos acometidos(2,3).
No exterior e em nosso meio tem ficado claro o entusiasmo dos oncologistas com esta nova modalidade de imagens. As elegantes explicações para a elevação de marcadores tumorais séricos que por vezes não podem ser encontradas apenas com as imagens anatômicas e as freqüentes mudanças de conduta clínica em pacientes com diversos tipos de neoplasias têm sido as causas principais deste entusiasmo(1). Em nossa Instituição já é possível perceber claramente a confiança dos oncologistas nestas imagens, traduzida pelo retorno freqüente dos seus pacientes para avaliação da resposta terapêutica aos diversos tipos de tratamentos instituídos.
Em nossa Instituição o PET/CT tem contribuído para um convívio cada vez mais profícuo, estreito e respeitoso entre o médico nuclear e o radiologista especialista em tomografia computadorizada, dois profissionais que até então pouco se envolviam com a outra especialidade. Nosso trabalho conjunto trouxe a constatação de que — devido à grande sensibilidade das imagens PET — é preciso extremo cuidado com a interpretação das imagens PET, bem como com a interpretação das imagens CT e das imagens de fusão. Como conseqüência, este trabalho conjunto forjou uma norma de conduta, que deveria nortear a interação destes dois especialistas:
Ao médico nuclear não compete tentar analisar, de forma incompleta e possivelmente incorreta, as imagens de CT. Isto seria extrapolar suas funções. Por outro lado, ao radiologista especialista em CT também não compete analisar, de forma inadequada e possivelmente incorreta, as imagens PET. Isto também seria extrapolar suas funções. Muito mais importante do que estas possíveis tentativas inapropriadas é o trabalho conjunto dos dois especialistas, oferecendo ao clínico uma interpretação mais confiável e mais acurada de todas as informações contidas nas imagens PET, nas imagens CT e principalmente na fusão destas imagens.
REFERÊNCIAS
1. Camargo EE. O PET/CT na realidade brasileira de diagnóstico por imagem. Rev Imagem 2004;26(3):IV-VI.
2. Lardinois D, Weder W, Hany TF, et al. Staging of non-small-cell lung cancer with integrated positron-emission tomography and computed tomography. N Engl J Med 2003;348:2500-7.
3. Bar-Shalom R, Yefremov N, Guralnik L, et al. Clinical performance of PET/CT in evaluation of cancer: additional value for diagnostic imaging and patient management. J Nucl Med 2003;44: 1200-9.