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sexta-feira, novembro 22, 2024

O PAPEL DA MULHER NO AGROTURISMO

Resumo: No Brasil atualmente a agricultura familiar vem sofrendo várias mudanças e tem buscado alternativas para continuar vivendo no campo (multifuncionalidade), que pode ser vista pelos gestores de políticas publicas como saída para conter o crescimento do desemprego. Neste contexto uma nova atividade se destaca, o agroturismo. Sua definição está ligada a atividades desenvolvidas no âmbito da propriedade rural agrícola, indo desde atividades artesanais, gastronomia e vendas de produtos artesanais diretos ao consumidor. O presente trabalho tem por objetivo pesquisar a participação da mulher trabalhadora rural na atividade ligada ao agroturismo, pois muitas destas atividades são realizadas pelas mesmas. Sua participação em atividades econômicas de sustento a casa sempre foram atribuídas como funções femininas sem remuneração. O que se questiona é: existe novas relações e papéis sociais surgindo com o desenvolvimento desta atividade? Nas funções de gestoras ou auxiliares, como ambos os sexos definem a participação feminina?
Palavras chaves: gênero, agroturismo, participação, renda alternativa.

Trajetória da agricultura familiar no Brasil

No Brasil, desde os primórdios de sua colonização, a agricultura não era pensada para produzir diversidade de produtos, uma vez que se explorou a madeira, o pau-brasil, num primeiro momento (1500). Como o próprio nome diz, o objetivo era apenas explorar, passado este ciclo, temos nos dois primeiros séculos de colonização a agricultura como fonte de recurso favorável para a Coroa portuguesa. A Europa vive o despontar da revolução industrial no correr do séc. XVIII e as relações comerciais se expandem a outros países.
No Brasil emerge a grande lavoura monocultura. O cultivo da cana do açúcar que se
desenvolveu principalmente nas regiões litorâneas próximas de portos, isso facilitava o escoamento da produção, já que esta era pensada e cultivada para a exportação. A colonização do interior do Brasil, segundo Caio Prado Júnior(2000,p.132), só se deu devido à pecuária e à mineração. As condições de infra-estrutura (estradas, mercados etc) eram extremamente precárias, sendo um dos entraves ao desenvolvimento de uma agricultura no interior.
O gado, por não depender de meios de transporte mais sofisticado, podia ser criado no interior. Os rebanhos eram levados vivos para abastecer de carne as regiões da mineração. E mais, se a necessidade era de uso como tração, este era leve e de fácil transporte. O ouro dado seu alto valor, era prioridade. O cultivo da cana e, posteriormente, do algodão e do café, demonstram a ênfase que foi dado à monocultura e à grande propriedade.
Quase tudo que aqui se consumia era trazido de outros países, mas com a colonização do interior muitos produtos começaram a ser plantados para subsistência, sendo adotados várias práticas de plantio das populações indígenas, como é o caso das queimadas2 e do plantio em covas. O tempo de acesso aos locais de venda e compra ou troca de produtos era longa, o que dificultava o comércio.
Este período histórico é muito mais complexo e denso, não é pretensão desta pesquisa fazer análise do mesmo. Tais citações servem apenas para ilustrar partes da trajetória da agricultura brasileira. Como o país conviveu por muitos anos com o regime escravista, sendo um dos últimos países da América latina a abolir tal sistema, não é de se estranhar que neste período não ouvíssemos falar de pequeno camponês, apenas de grupos indígenas que praticavam uma agricultura rudimentar, muito embora as instancias institucionais ao longo da história tenham negado o direto e o reconhecimento destes povos.
Além dos índios, temos os negros, os caboclos, mestiços em geral e as mulheres que sofreram os mesmos descréditos por parte de nossos representantes políticos. Todos foram excluídos do direito à propriedade e, em especial à terra. Isto é extremamente útil aos grandes fazendeiros e ao regime da época. É aí que nascem as raízes de outros problemas sociais vivenciados pela nossa sociedade, sejam eles: os sem-terras, os favelados, os excluídos pela etnia, pelo gênero ou pela classe social.
Outros fatores marcaram nossa história. A chegada de migrantes açorianos ao Brasil era uma necessidade, pois era preciso definir fronteiras territoriais e o povoamento do sul do país era uma forma de garantia para isso. Com os bandeirantes, se fez o povoamento do interior do país. A igreja católica através das missões dos padres Jesuítas teve papel relevante no período da colonização, catequizando índios e adestrando-os para o trabalho agrícola.

Mudanças importantes no Século XIX e XX.

O século XIX foi marcado pela independência do país, a implantação da República (1822), abolição da escravatura. Foi um período de redefinição de fronteiras geográficas, de conflitos internos e da vinda dos colonizadores alemães, italianos e poloneses. A região sul é a que mais recebe estes migrantes e é com eles que a agricultura meridional começa a dar seus primeiros passos (PAULILO, 1998).
Neste contexto surge a pequena e a média propriedade, pois os migrantes que aqui chegaram na sua maioria eram colonos e vinham para desenvolver esta atividade aqui. Os mesmos esperavam ser bem sucedidos, a idéia de ficar “rico” os motivava a luta pela sobrevivência. Segundo Paulilo, em 1850 surge a Lei de Terras, onde “estabelece que as propriedades rurais só podem ser adquiridas por compras.(PAULILO,1998)”. As industrias brasileiras dão seus primeiros passos na primeira e segunda década do século XX.
É neste período que começam as cidades e, alguns movimentos sociais tentam se organizar (sindicatos e partidos de esquerda). Estes influenciados pelas visões das mobilizações européias que foram trazidos pela grande massa de migrantes que aqui chegaram.
Por ser um povo nômade, após a colheita da safra eles se dirigiam para outros locais dando tempo para que a natureza se recuperasse.
No Brasil entre 1945 e 1964 houve algumas organizações de trabalhadores rurais mas estas iniciativas foram banidas com o regime militar no governo em 1964. No inicio da década de 70 o problema da falta de terra é colocado na mesa de discussão das políticas institucionais. A criação da Comissão Pastoral da Terra apoiada pela igreja católica tem a ver com o ressurgimento das lutas dos trabalhadores rurais, embrião do que hoje conhecemos por MST (Movimento dos Trabalhadores Semterra).
Segundo Gohn (1997), nos anos 70, os grandes projetos governamentais ou associados ao capital estrangeiro geraram muitos conflitos no campo. A construção de barragens, usinas hidrelétricas como Itaipu etc. fizeram muitos agricultores se mobilizar contra as desapropriações e o desmatamento das regiões, o que ocasionou conflitos pela terra..
No período da ditadura militar (1964 a 1985), implantou-se no campo um modelo que favoreceu a grande propriedade rural e as políticas publicas adotadas foram destinadas a este segmento. Com as propagandas e promessas da revolução verde, os pequenos agricultores tentaram se inserir neste modelo que no Brasil começa a dar sinal de esgotamento na década de oitenta.
O empobrecimento do solo devido ao uso de agrotóxicos, a monocultura, e a poluição da natureza começaram a colocar em xeque o padrão adotado. A modernização do campo jogou os pequenos agricultores em exclusão ainda maiores, muitos, sem alternativa, migraram para as grandes cidades. As cidades também não deram conta de responder ao problema social causado pelo imenso numero de mão-de-obra (reserva) que foi gerado ao redor dos grandes centros urbanos, pelo aumento das favelas e pelo crescimento da violência que são facetas deste processo de exclusão e marginalização dos atores sociais.
Após o período da ditadura o Brasil começa a recuperar a democracia. A exclusão do pequeno agricultor e a resistência em permanecer no campo fizeram muitos autores e órgãos governamentais, segundo FERREIRA (2002), mesmo que tardiamente, reconhecer o papel que a pequena propriedade constituída pela família e seus membros desempenham na composição de um novo rural e nas redefinições de papéis sociais. Este item abordarei na seqüência sobre a participação das mulheres na agricultura. Prova do reconhecimento sobre a pequena propriedade foi a implantação do PRONAF (Programa Nacional para Agricultura Familiar criado em 1986), o qual abriu as portas para o financiamento de projetos à pequenos agricultores.
Por muito tempo, a participação da mulher foi completamente invisível nas estatísticas oficiais, não que elas não estivessem presentes, mas por conta da própria tradição de subordinação a que foram submetidas e condicionadas ao longo da história.
Neste período de mudança política que a voz das mulheres começa a soar em tom tímido, mas expressivo. A própria crise do modelo implantado na agricultura são motivos de discussão entre os movimentos das mulheres sendo um dos instrumentos em sua luta política. A reivindicação da seguridade social da mulher no campo, a licença maternidade etc. são frutos e conquistas desta década. Muito embora tenhamos que lembrar a contribuição de outros movimentos de mulheres em décadas passadas, como as feministas e outros movimentos sociais internacionais que sacudiram o mundo na década de 60.
A participação das mulheres nos espaços públicos tem sido uma reivindicação constante e fruto de muitas lutas por elas adotadas. Após conquistarem alguns direitos na década de oitenta, as mulheres prosseguem na década seguinte. A sua participação em espaços públicos ainda é muito restrita, mas nem por isso menos notável.
O desejo de permanecer no campo com dignidade fez muitas mulheres levantarem a bandeira por conquistas que beneficiaram a pequena agricultura e fizeram muito dos preconceitos contra elas serem superados. A participação em espaços antes tidos como masculinos garantiu a mulher oportunidades para provar que era tão capaz quanto os homens em exercer tais atividades antes só a eles reservadas.
Quanto ao agroturismo este surge como uma alternativa de renda para o pequeno agricultor.
No Brasil, mais especificamente no estado de Santa Catarina, esta atividade é extremamente recente, tendo tido seu inicio em torno de 1997. Foi resultado em muitos casos, de um outro programa de políticas públicas havido em 1980, quando devido a uma grande seca no estado o governo da época mandou construir açudes nas pequenas propriedades para reservas de água; os mesmos foram usados na época para bebedouro dos animais.
Na década de 90 começou a se pensar em utilizar os açudes como uma alternativa de renda para o pequeno produtor rural, segundo o relatório do Instituto CEPA (2002), quando se implantou nas pequenas propriedades o chamado pesque-pague. Esta foi a primeira atividade desenvolvida e classificada na categoria agroturismo. Com o tempo esta atividade se expandiu para oferta de outros serviços prestados na propriedade do pequeno produtor rural, entre eles temos: as pousadas rurais, as caminhadas ecológicas, venda de produtos artesanais, venda de produtos coloniais e serviço de restaurante etc.
É neste segundo momento da atividade que a participação das mulheres desponta, pois grande parte destes serviços oferecidos ao turista são desenvolvidos pelas esposas e filhas, mas há fortes entraves para o reconhecimento de suas tarefas como atividade econômica e não apenas doméstica. O mesmo ocorre por parte das políticas públicas e por parte dos membros de sua localidade. Os empréstimos para investimento na propriedade e para o desenvolvimento da atividade ainda estão direcionados para os homens. Embora já estejam surgindo mudanças. Uma variável a ser investigada com mais cuidado que é faixa etária destas mulheres, ao que indica, são as mais jovens tendem a requerer o direito a financiamento em seu nome.

Metodologia

O presente artigo é parte do trabalho feito como conclusão do curso “Técnico em Consultoria Turística,”oferecido pela Fundação Iberoamericana em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Aproveitando a temática trabalhada no referido curso, pude direcionar parte da pesquisa que desenvolvo como bolsista de Iniciação Cientifica no Núcleo de Estudos Sobre Agricultura Familiar –NAF/UFSC, cujo projeto é: “Feminismo marxista & maricultoras e agricultoras”, que é financiado pelo CNPq. Na pesquisa que se encontra em desenvolvimento, destaca-se a questão de gênero e políticas públicas, sendo este também meu enfoque de análise.
Nossa pesquisa ainda se encontra em andamento e a coleta do material tem sido feita por meio de participação em eventos referente ao tema, tendo sido feitos entrevistas com mulheres e homens que se fazem presentes nestes espaços. Temos ainda como propósito a visita a algumas propriedades. Selecionamos como local de estudo o município de Rancho Queimado situado a 60km de Florianópolis (capital do estado de Santa Catarina), o qual conserva as tradições e costumes dos colonizadores alemães e italianos, o primeiro em maior numero.
A escolha do município se deu pela necessidade de um estudo de caso exigida na conclusão do curso técnico acima referido e, pela facilidade de acesso a este local. Outra razão pela escolha, se deve ao fato de que este município possui experiência em turismo rural. Entre as atividades desenvolvidas no município podemos destacar: Turismo de conhecimento, Agroturismo (pousadas, cascatas, pesque-pague etc.), Serviços de Alimentação, Venda de Produtos Coloniais. A economia local predominante é a agricultura e a pecuária, fatores que favorecem tal atividade, sua geografia física e a proximidade com centros urbanos desenvolvidos (como a capital do estado Florianópolis), também contribui para o sucesso desta atividade.
A observação de um espaço para analise se faz necessário como parte do estudo no referido curso. Embora aqui, não seja este o objetivo, mas pude fazer uma revisão bibliográfica quanto ao tema do projeto citado anteriormente para que pudesse na mesma visita a campo perceber e pesquisar os dois propósitos (do curso técnico e Iniciação Cientifica).
Quanto aos conceitos abordados, a revisão bibliográfica está sendo feita em forma de fichas de leitura, pois é com base nestas leituras que poderemos dar continuidade a análise do nosso objeto de pesquisa. A redação dos textos será feita sob a luz das teorias e também como resultado de participação e discussão em uma disciplina oferecida no curso de pós graduação em Sociologia e Ciência Política da UFSC. A consulta de artigos em sites especializados nesta área também tem sido um recurso utilizado, assim como o material bibliográfico disponível no NAF ( Núcleo de Estudos Sobre Agricultura Familiar).
A obtenção do material de entrevista disponível no núcleo conta com a colaboração de outras bolsistas: Valdete Boni e Edenilse Pelegrine da Rosa. A elaboração trabalho também passa pela socialização das discussões entre os membros do núcleo incluindo a Coordenadora profª. Dra. Maria Ignez Paulilo.

O papel da mulher na propriedade rural.

Em primeiro lugar, precisamos lembrar que a agricultura familiar é definida no Projeto de Cooperação INCRA/FAO de 2002 como sendo aquela que atende as seguintes condições: direção dos trabalhos na unidade de produção exercida pelo chefe da família, força de trabalho exclusivamente familiar.
Por muito tempo as atividades desenvolvidas pelas mulheres agricultoras foram invisíveis aos olhos da sociedade capitalista e machista. As mulheres em muitas atividades executavam trabalhos tidos como específicos dos homens, porém elas nunca eram reconhecidos como merecedoras de prestigio social. Suas atividades eram rotuladas como “leve” e sem importância econômica. Isto é demonstrado em um artigo de Paulilo (1987) denominado “o peso de trabalho leve” quando esta fez pesquisa de campo em diferentes regiões no Brasil.
A mesma constatou que certos trabalhos desenvolvidos por mulheres em uma região, em outra eram feita por homens, com uma diferença, o homem ao executar a mesma atividade recebia mais. A resposta encontrada pela autora para esta diferença regional é de que esta atividade era classificada em uma região como leve e em outra por ser realizada por homens era considerado pesado. “Como se pode ver, “trabalho leve” não significa trabalho agradável, desnecessário ou pouco exigente em termos de tempo e esforço. Pode ser estafante, moroso ou mesmo nocivo à saúde – mas é “leve” se pode ser realizado por mulheres e crianças (PAULILO, 1987)”.
Como sabemos na hierarquização dos papéis sociais ao longo da história, o trabalho das mulheres foi sendo desvalorizado e, muitas vezes, suas qualidades foram consideradas como dons naturais passadas geneticamente de mãe para filha, e não como algo aprendido desde a infância. A função da reprodução e as atividades domésticas foram sempre vistas como obrigação das mulheres.
Esta situação levou a uma desvalorização da função social das atividades femininas, o que legitimou o machismo e a exploração de gênero.
Esta questão ainda está colocada na ordem do dia, não basta reconhecer que o papel da mulher é importante, é preciso acima de tudo legitimar certos direito para que homens e mulheres, no plural, vivam dignamente. Não significa inverter os papéis, mas sim valorizá los igualmente. Neste sentido podemos pensar na questão de gênero como possibilidade de transformação, do contrário estamos apenas mascarando os problemas e conflitos gerados no campo das relações sociais.
Não é necessário a mulher ter dupla jornada de trabalho para provar que tem competência tanto quanto os homens. Esse tipo de situação tem trazido sérios problemas, segundo relato de algumas delas, tendo provocado até mesmo depressão em algumas mulheres trabalhadoras rurais.
Elas precisam dar conta da dupla jornada, não que isso não ocorresse com suas mães. Só que o contexto social era outro, os papéis eram interpretado de outra maneira. A mulher não estava tão inserida no mercado de trabalho quanto hoje e isso exige que ela prove e aprove sua capacidade a todo instante. Alem do mais como ela sempre esteve em desvantagem em relação ao homem ela precisa afirmar seu espaço e ambos passam a competir em situações desiguais.
O papel da mulher na propriedade rural sempre esteve ligado a atividades de bastidores, aquelas que não requerem deslocamento da mulher para espaços públicos. É isto que mostra Brumer (1996) ao falar sobre a classificação destas atividades que é a seguinte:
• Atividades agrícolas manuais,
• Processamento de produtos agrícolas;
• Cuidado de animais pequenos e grandes;
• Trabalhos em hortas.
Tais atividades são vistas como:
• Rotineiras, tediosas e intensivas;
• Disponibilidade para trabalho temporário;
• Afastamento de casa por curtos períodos, carregando os filhos juntos;
• Ganho inferior ao dos homens;
• Reivindicam menos que os homens;
A solução das questões de gênero, passa por uma mudança de “habitus, no sentido que Bourdieu coloca: é preciso criar na sociedade novos valores sociais; as novas gerações, mesmo que lentamente, apontam para isso, ainda que o caminho, às vezes seja o das divergências e dos conflitos.

Mulher no agroturismo

No tema da agricultura familiar, muito tempo esquecida por modelos desenvolvimentista, ressurge uma nova discussão sobre seus rumos, segundo Froehlich (2000), com o surgimento de atividades ligadas ao setor de serviços como alternativa para o desenvolvimento rural. No que se refere ao turismo rural, o mesmo autor se depara com as diversas formas abordadas sob este tema, sejam elas agroturismo, ecoturismo, turismo esportivo ou turismo cultural.
A multiplicidade de interpretação dos conceitos acima citados torna claro que não são sinônimos. Alguns autores diferenciam turismo rural e turismo no meio rural, para este trabalho o que me é útil é a separação entre turismo no meio rural e agroturismo. Para isso uso as citações de Campanhola e Silva (2000), definem da seguinte forma:
O turismo no meio rural consiste em atividades de lazer realizadas no meio rural e abrange várias atividades definidas com base em seus elementos de ofertas: turismo rural, turismo ecológico ou ecoturismo, turismo de aventura, turismo cultural, turismo de negócios, turismo jovem, turismo social, turismo de saúde e turismo de esportivo (VERBOLE, 1997 apud Silva e Campanhola 2000; SILVA, et al., 1998 apud Silva e Campanhola 2000). Nesse conceito inclui ‘spas’ rurais; os locais de treinamento de executivos; os parques naturais, centros de convenções rurais; os parques naturais para atividades esportivas, as caminhadas; as visitas a parentes e amigos; as visitas a museu, igrejas, monumentos, e construções históricas; os festivais, rodeios e shows regionais; as visitas a paisagens cênicas e ambientes naturais; a gastronomia regional; os campings, as colônias de férias, os hotéisfazenda (apenas instalados no meio rural, lazer restrito ao entorno); fazendas-hotéis (instalados em propriedade agrícolas produtivas – atividade de agroturismo); os esportes de natureza como canoagem, pesca, caça: chácaras de recreio e condomínios rurais de segunda moradia (p.147).
O turismo no meio rural incorpora o agroturismo e outras atividades que não envolvem pecuárias. Quanto a definição de agroturismo, usarei a citação feita por SILVA, (et al., 2000) que define como:
“Atividades internas à propriedade, que geram ocupações complementares às atividades agrícolas, as quais continuam a fazer parte do cotidiano da propriedade… São exemplos de atividades associadas ao agroturismo: a fazenda-hotel, o pesque pague, a fazenda de caça, a pousada, o restaurante típico, as vendas diretas do produtor, o artesanato, a industrialização caseira e outras atividades de lazer associadas à recuperação de um estilo de vida dos moradores do campo (p. 148).
O agroturismo é uma atividade voltada aos turistas e desenvolvidas no interior da propriedade. Os serviços prestados são feitos pelos membros da família, por isso os hotéis fazendas não se encaixam no perfil, geralmente os donos são empresários que não tem ligação cultural com o local e moram em cidades. O ecoturismo pode ser englobado no agroturismo, desde que seja praticado dentro da propriedade rural agrícola produtiva, ele pode criar novas fontes de renda no campo.
O agroturismo como citado anteriormente tem sido adotado como uma forma de renda complementar na propriedade rural, especificamente na agricultura familiar. O turismo rural em si tem se desenvolvido também em outros países como um meio de recuperar o valor de certas regiões, seja ele econômico, social ou cultural. Isso é o que demonstra o artigo de Manuela Ribeiro (2002), a mesma estuda a implantação do turismo (rural) em regiões desfavorecidas de Portugal. Existe uma tentativa de se recuperar o desenvolvimento de algumas regiões que já tiveram seu auge em outras épocas.
O estudo citado mostra que existe muitos entraves, um deles se refere a infra- estrutura das regiões. Em muitas delas as condições de acesso são precárias e as redes de transporte intraregionais escassas etc. Outro problema por ela apontado é a implantação de um modelo de turismo rural importado dos países europeus o que não corresponde a realidade estudada. As características culturais e econômicas destas regiões precisam ser tratadas segundo seu contexto.
No Brasil tal atividade pode ser muito parecida com o que se desenvolve em Portugal, em especial ao que se refere as barreiras ( regiões mais desenvolvidas podem Ter vantagem em relação as que possuem menos infra-estrutura), como mostra Lauro Matei (2003). Em seu artigo sobre agricultura familiar e turismo rural… O autor coloca as mudanças pelas quais a agricultura familiar passou. Suas rupturas com os modelos tradicionais e as mudanças nos espaços e nas relações sociais.
Como resultado a agricultura familiar se viu obrigada a buscar novas formas de reprodução econômica e social. Essas exigências, fruto do sistema capitalista, apontam para a mercantilização dos espaços e dos valores tradicionais.
De um lado, esta mercantilização pode recuperar certos valores esquecidos e revitalizar a cultura local, sendo um fator positivo em sua implantação, bem como, propiciar uma melhor conservação e sustentabilidade da biodiversidade destes espaços. Porém, o autor coloca os riscos de um desenvolvimento desigual e excludente, já que tal atividade tem possibilidade de se desenvolver nas regiões que possuem melhores condições econômicas. Neste sentido as regiões que deveriam ser contempladas, ou seja, as menos favorecidas economicamente, seriam ou serão estas que ficarão de fora.
Froehlich (2000) também tem a mesma perspectiva que Mattei (2003), porém, aponta para os riscos de desestruturamento da cultura local. Neste sentido é preciso pensar o global e o local, de tal maneira que os lucros destas atividades não sejam apenas financeiros, mas que estes encontros entre camponeses e citadinos sirvam como oportunidades para a revalorização da agricultura tradicional e seus valores culturais.
O Instituto CEPA/ SC realizou em outubro de 2002 um “Estudo sobre o potencial do agroturismo em Santa Catarina apontando seus impactos e potencialidades para a agricultura familiar”. Nos 293 municípios do estado foram identificados e cadastrados 1.174 empreendimentos ligados ao turismo. Do total dos registros, 551 estabelecimentos estão dentro do agroturismo.
Quanto ao conceito de turismo rural o documento aponta para múltiplas definições sendo que não existe consenso em qual adotar, essa polissemia vem das definições que a próprio Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) faz sobre turismo rural. Este órgão oficial do governo abarca conceitos como: agroturismo, turismo doméstico, turismo integrado, turismo verde, turismo alternativo.
Agroturismo, segundo o documento é: “(…) Um conjunto de atividades complementares das atividades da propriedade agrícola; em outras palavras, a propriedade rural não abandona sua vocação principal, a agricultura, mas vale-se dela para atrair o interesse do turista (p. 09)”.
A caracterização e descrição geral do agroturismo em Santa Catarina, segundo o mesmo documento, tiveram o seguinte mapeamento, conforme as estatísticas aplicadas as mesorregiões apresentam os seguintes índices: 147 estabelecimento – 27% no oeste; 48 estabelecimento. –9% no norte; 140 estabelecimentos –25% no vale do Itajaí; 28 estabelecimento –5% na grande Florianópolis; 154 estabelecimento –28% no sul catarinense e 34 estabelecimento –6% na região serrana. Segundo o estudo, mais de 60% dos estabelecimentos iniciaram suas atividades há menos de cinco anos.
Quanto à natureza jurídica do funcionamento, cerca de 80,4% não possuem registro pois o mesmo os onera em encargos sociais. Outra reclamação dos agricultores que possuem estabelecimentos de atividade voltada ao turismo seria, a perda dos direitos e benefícios da previdência social. Os mesmos por serem “autônomos” estariam excluídos das categorias de assalariado e agricultor, ficando desta forma, sem amparo dos benefícios da seguridade social como aposentadoria etc.
Observamos em uma ida a campo, grande participação das mulheres na maior parte das atividades oferecidas aos clientes do agroturismo. Mas a dificuldade de acesso a financiamento voltado para elas, segundo depoimento de uma mulher que é dona de pousada (esta senhora é de jornada catarinense de turismo rural, ecoturismo e participação comunitária: políticas publicas de turismo na agricultura familiar- 10 e 11 de setembro de 2003- Joinville/SC Não foi feito levantamento de idade, por isso os dados não são exatos, mas participaram da oficina de gênero em torno de 50 mulheres Santa Rosa de Lima –SC), isso dificulta o controle sobre o dinheiro investido na propriedade. Este acaba sendo controlado pelo esposo, uma vez que as instâncias institucionais e burocráticas reconhecem apenas a participação do titular (homem) como gestor.
A participação das mulheres nestes espaços ficou nítido no direcionamento que elas dão aos serviços de pousadas, produção artesanal, fabricação de doces caseiros, comidas típicas etc. Os serviços domésticos (internos a casa) oferecidos são todos executados pelas mulheres. Os homens, segundo elas, ficam com as atividades externas, tais como: fazer as caminhadas em trilhas, encilhar os cavalos para as cavalgadas, a recepção aos turistas, o conto dos causos, serviço de caixa (recebimento de pagamentos referente a diárias ou venda de alguns produtos) etc.
A reivindicação na participação da administração financeira da propriedade foi um ponto defendido pela maior parte das mulheres jovens que estavam no evento descrito na nota 4. As mulheres acima de 40 anos mais ou menos questionaram a falta de valorização do papel da mulher dentro da propriedade rural. Elas não querem uma inversão de papéis, mas querem o mesmo reconhecimento público de suas atividades em grau equivalente aos desempenhados por seus maridos.
Estas mulheres se percebem em muitos casos como ajudante do marido, mas não se conformam com tal situação. A proposta delas é que as políticas públicas de financiamento e as educacionais sejam pensadas para ambos. E, que a escola possa gestar novos valores, onde o papel feminino tenha o mesmo prestigio social que o masculino. Elas querem ser parceiras nos negócios da família.
A posição dos homens na administração econômica da propriedade é tida como algo que é “assim mesmo”, como algo natural. Em suas representações isso era assim no passado com seus pais e por isso também é assim com suas esposas e filhas. Ainda é muito forte a naturalização dos papéis sociais por parte dos homens e por conta da história de vida e da herança cultural.
Estas constatações requerem novas abordagens. A dificuldade em obter dados sobre as mulheres nestas atividades também limita a análise do tema. Mas a pesquisa terá continuidade. O que ficou evidente nesta primeira abordagem é o otimismo das mulheres em relação a esta atividade como uma forma de continuar no campo e de poder trazer os filhos (que estão trabalhando em outras cidades) de volta para a propriedade. A união da família num mesmo espaço motiva muitas mulheres a entrar neste ramo.
Outro sinal verde para estas mulheres é a possibilidade de o governo abrir espaço para financiamento para as mulheres agricultoras, isso foi anunciado pelo ministro do desenvolvimento agrário Miguel Rossetto no III seminário brasileiro de agricultura familiar realizado na cidade de Concórdia/SC em julho de 2003.

Considerações Finais

A trajetória da agricultura familiar no Brasil sempre contou com a participação das mulheres.
Mesmo que inicialmente esta participação fosse nos bastidores, ou no anonimato. Elas demonstraram ao longo da caminhada que não estão conformadas com a exclusão social, seja do gênero ou de classe.
Nos diferentes momentos históricos a função dos papéis sociais se moldaram segundo os valores temporais e contextuais. A busca pelo reconhecimento social do papel feminino é um elemento chave nas muitas atividades desenvolvida no agroturismo.
Fazendo parte da agricultura familiar todos os seus membros sofrem com a falta de valorização de seus produtos, com o auto custo da produção e as incertezas da safra, as quais contam com a sorte. Neste contexto o agroturismo é um fator positivo, passa a ser uma alternativa de renda e o espaço rural deixa de ser visto apenas como um lugar de agricultores.
O mesmo passa a incorporar papéis que atendem a interesses de toda sociedade sejam eles: preservação ambiental, oportunidade de emprego, novos relacionamentos, trocas de experiência (entre citadinos e agricultores), recuperação de valores tradicionais antes esquecidos etc. A diversidade das belezas naturais e as diferentes etnias (cabocla, indígena, alemã, italiana, portuguesa etc.) existentes no estado de Santa Catarina são elementos favoráveis a esta atividade.
Este espaço propícia abertura para a participação das mulheres, já que o governo federal anunciou no final do mês de setembro de 2003 a liberação de 200 milhões de reais para investir no desenvolvimento do turismo nas propriedade de agricultores familiares. Neste mesmo ano (junho e julho), o governo anunciou a criação de uma linha de crédito voltado para mulheres e jovens agricultores (PRONAF mulher).
Só resta saber se, as burocracias de tais programas governamentais não inviabilizarão o acesso tanto das mulheres, quanto dos agricultores menos instruídos, e menos favorecidos economicamente. Sabemos que a verba liberada é insuficiente para atender ao país todo, porém, ao menos é sinal que lembraram dos pequenos agricultores e das mulheres. A reivindicação por uma melhor qualidade de vida no campo ainda será motivo para se levantar muitas vezes a bandeira de luta.
O agroturismo é uma alternativa de renda, mas não pode ser vistas como a única. O desenvolvimento desta atividade só atingirá seu propósito se as instâncias governamentais fizerem sua parte, seja na melhoria da infra-estrutura das regiões, na acessaria as comunidades tanto na formação profissional, como na garantia da valorização dos espaços etc. Outro elemento a ser considerado, é a participação dos membros da comunidade na elaboração e implantação dos projetos.
São estes personagens que sabem o que é melhor para si. São os moradores que conhecem os valores tradicionais que contém os espaços, as riquezas da história local.
Neste contexto de mudanças, podemos esperar que homens e mulheres possam caminhar na mesma estrada com direitos a contemplar o mesmo horizonte. Embora o significado da visão cada um o interprete segundo sua subjetividade, mas os meios para tal contemplação não podem ser desiguais. O valor que cada um atribuí a tal fato pode ser singular a trajetória de vida, mas não um dom natural, assim é os papéis sociais, algo apreendido através da história e da cultura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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