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sexta-feira, novembro 22, 2024

COMPETËNCIA PARA JULGAMENTO CRIMES DOLOSOS COM EVENTO MORTE

TRIBUNAL DO JÚRI E A EXTENSÃO DE SUA COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS COM EVENTO MORTE

Elaine Fernanda da Silva Borges

RESUMO

O presente estudo visa esclarecer até que ponto pode o Tribunal do Júri exercer a soberania de seus veredictos, pois apesar de não ter o legislador constituinte vedado a possibilidade de extensão, ignora o objeto jurídico vida quando este é violado após ofensa a bem jurídico diverso, como por exemplo o patrimônio, no caso do latrocínio, o que não tem o menor sentido. Assim também, demonstrar a importância da participação popular direta na aplicação da Justiça, reforçando o aspecto político central de que todo o poder emana do povo, e que por ele deve ser exercido diretamente ou por meio de representantes eleitos, não devendo a participação ser meramente simbólica, como é atualmente, mas expressiva. Por fim, debater a possibilidade de ampliação da competência do Júri sem a necessidade de se criar uma lei para tanto, apenas interpretando o texto constitucional sob novo ângulo é o objetivo prático.
Palavras-chave: Tribunal do Juri; crimes dolosos; competência.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho abordará o Tribunal do Júri e a extensão de sua competência para julgamento de crimes dolosos com evento morte, e não somente os crimes dolosos contra a vida. Passará, inicialmente, pelas origens do Júri popular de uma forma sintética, mais precisamente retornando aos primórdios da civilização greco-romana, quando já através dos mitos se falava no Júri, que tinha, inclusive, uma conotação espiritual tamanha era sua importância. E é em razão desta importância, de um ser humano ter o direito de ser julgado por seus semelhantes, ou seja, por pessoas comuns do povo, que será questionado por que o legislador constitucional deixou de lado, ao menos não os incluiu de forma explícita, os crimes dolosos com evento morte, haja visto que o bem vida é o de maior importância no ordenamento jurídico, merecedor de uma tutela especial.
Por ser o Júri popular um instituto polêmico, já que uns defendem sua existência, ao passo que outros opinam veementemente por sua extinção em razão dos julgamentos irem de encontro à celeridade que os tempos modernos exigem, este trabalho limitar-se-á à abordagem no que tange à ampliação de sua competência para julgamento de crimes dolosos com evento morte, respeitando o disposto no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea d da Constituição Federal, e para que tal dispositivo não seja violado, será discutido o que o legislador quis dizer com a expressão dolosos, ensejando a possibilidade de se incluir o dolo eventual, e não apenas o dolo direto, o que possibilitaria a extensão da competência do Tribunal popular, sem a necessidade de se emendar a Constituição da República, como alguns cogitam, pois bastaria tão-somente a edição de lei infraconstitucional para tanto, ou mesmo de uma interpretação extensiva daquele dispositivo, em razão de não ter sido vedada pelo legislador constitucional a ampliação da competência do Júri, não se violando, portanto, o artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV da Lei Maior, que trata, entre outros direito individuais, da instituição do Júri.
Este tema foi escolhido pela necessidade que se tem de esclarecer até que ponto pode o Júri exercer a soberania de seus veredictos, pois apesar de não ter o legislador vedado a possibilidade de extensão, ignora o objeto jurídico vida quando este é violado após ofensa a bem diverso, como por exemplo o patrimônio no caso do latrocínio, o que não tem o menor sentido. É uma falta de sensibilidade tamanha o legislador permitir que os denominados crimes complexos, cujas penas são altíssimas, se encontrem excluídos da competência do Tribunal do Júri e incluídos na alçada do juiz monocrático.
Com efeito, o propósito deste artigo está em demonstrar a importância da participação popular direta na aplicação da Justiça, reforçando o aspecto político central de que todo o poder emana do povo e que por ele deve ser exercido diretamente ou por meio de representantes eleitos, e por isto, a participação não deve ser simbólica, como é nos dias atuais, mas expressiva. A Democracia pressupõe que o povo não só deve estar ao lado da Justiça, mas também dela efetivamente participar, principalmente no que diz respeito à proteção do principal objeto jurídico tutelado pelo Direito: a vida! Que infelizmente tem sido violado indiscriminadamente, sendo as pessoas comuns do povo as maiores vítimas dessas violações.
A grande polêmica que existe, ou melhor, uma das grandes polêmicas que giram em torno do Júri, diz respeito ao despreparo técnico que os jurados têm para julgar, pois muitas pessoas que compõe o Júri popular, quando possuidoras de um nível cultural acima da média, muitas vezes não conhecem o Direito, e outras, ainda mais simplórias culturalmente falando, julgam com base em suas emoções, muitas vezes munidas por um sentimento de vingança contra os criminosos, podendo agir injustamente, já que não conhecem toda a problemática que envolve uma ação penal; e acaba predominando não as provas documentais ou testemunhais, tampouco o bom senso, mas o atuar do Ministério Público e do Advogado ou Defensor… aquele que articula melhor vence! Seria o caso de haver mais critério na escolha dos jurados, não há a menor dúvida, mas a forma como deveria ser feito isto não será abordada aqui, pois envolve muitos detalhes que caberiam perfeitamente em outra dissertação. Este problema, entretanto, não deve justificar a não ampliação da competência do Júri, pois como ocorre todos os dias, os juizes togados também erram, cometem injustiças, e nem por isso deixam de exercerem suas funções de magistrados.
O que segue tem como fundamentação análise documental, sendo fontes obras doutrinárias e Jurisprudências pátrias, sendo a principal dentre todas a obra do professor Edson Pereira Belo da Silva, intitulada Tribunal do Júri ampliação de sua competência para julgar os crimes dolosos com evento morte, Iglu Editora, ano 2006, ressaltando que o autor desta é pós-graduado em Direito Processual Penal, advogado e defensor do Tribunal do Júri de São Paulo, membro da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB/SP e professor de processo penal, palestrante e articulista.

2 O TRIBUNAL DO JÚRI

2.1 O Tribunal do Júri e sua origem divina

Há 2.500 anos, Ésquilo, o mais famoso autor teatral grego, resolveu inspirar-se na instalação do tribunal do júri na cidade de Atenas para apresentar, durante o Concurso Trágico do ano de 458 a.C., a sua trilogia chamada Orestéia, subdividida na peça Agamenon, Coéforas e Euménides, que tratam do assassinato do rei Agamenon, o herói da guerra de Tróia, e da vingança praticada por seu filho Orestes. O sentido da trilogia era celebrar o elemento civilizador que foi a introdução, pelas mãos da deusa Atena, de um corpo de jurados para julgar os crimes de sangue.
O mito começa após o rei Agamenon retornar de Tróia para a Grécia como herói. No entanto, durante os longos anos de sua ausência na famosa guerra, sua esposa Clitemnestra tramou uma vingança contra ele pela morte da filha de ambos, Ifigênia, concluindo seu plano fúnebre junto com seu amante Egisto, quando o casal de infiéis esquartejou o rei durante o banho. Clitemnestra enviou seu filho Orestes para a Fócida, de forma que ele não tivesse conhecimento do crime hediondo e para não tentar impedi-la, ou mesmo vingar a morte do pai.
Entretanto, o deus Apolo apareceu diante de Orestes e advertiu-o de que ele deveria vingar a morte do pai, pois esta seria uma obrigação sagrada de um filho (segundo as leis patriarcais daquela sociedade, naquela época). Orestes protestou, horrorizado, porque aquilo significava ter que matar a própria mãe, mas Apolo ameaçou-o com terríveis castigos e até mesmo com a loucura, caso ele se recusasse a cumprir as determinações do deus. O jovem príncipe cedeu e concordou em matar a mãe, embora de acordo com a lei patriarcal de Apolo, tal ato significasse que ele seria acometido de loucura e ameaçado de morte pelas Eríneas (Fúrias, na mitologia romana), as temíveis deusas da vingança, para quem o assassinato da mãe era o pior dos crimes, segundo sua primitiva lei matriarcal.
Com a ajuda de sua irmã Electra, Orestes matou Egisto e depois sua mãe e tendo obedecido às ordens de Apolo julgou estar livre, mas imediatamente as Eríneas assombraram-no tanto que o puseram louco. Atormentaram-no e perseguiram-no por toda a Grécia até que finalmente, exausto e desesperado, Orestes procurou o santuário da Deusa Atena, que apiedou-se do príncipe, pois este não cometera nenhum crime por sua vontade, ou por pura maldade, mas porque fora vítima de duas forças opostas, poderosas e destrutivas.
Atena, deusa da Justiça, convocou um tribunal composto de 12 juízes humanos para decidir o caso. Seis deles votaram em favor de Apolo, concordando que o pai era a coisa mais importante na vida. Os outros seis, ficaram do lado das Eríneas, pois entendiam de forma diversa, a mãe seria mais sagrada. Atena teve de interferir e deu seu voto a favor de Orestes, exatamente no momento em que o rapaz estava para morrer, o conhecido Voto de Minerva, nome romano desta deusa.
O mais interessante, é que o mito grego retrata que Atena instituiu o primeiro Júri Popular, um Tribunal formado por mortais a julgar o primeiro crime de sangue cometido por outro mortal, entretanto, este Tribunal foi réplica de um Júri Divino que sentenciou o Deus da Guerra Ares, daí o nome Colina de Ares, ou Areópago, o local onde o Tribunal do Júri grego sempre se reunia para os julgamentos. A criação do Areópago, o tribunal situado na colina do mesmo nome em Atenas, onde se julgavam crimes de natureza religiosa, está ligada ao caráter violento de Ares, que em certa ocasião viu Halirrôtio, filho do deus Poseidon, tentando violentar sua filha Alcipe. Num acesso de ira Ares matou Halirrôtio, porém Poseidon o obrigou a comparecer a um tribunal composto pelos deuses olímpicos no próprio local do crime, ou seja, no sopé da famosa colina (BRANDÃO, 1998).
Assim, fica claro que desde a época helênica o Júri tinha um propósito muito definido, qual seja, o de um criminoso ser julgado por seus semelhantes, já que deuses eram julgados por outros imortais, ao passo que humanos eram julgados por outros mortais. Além disso, objetivava também uma sentença mais justa, tanto para o acusado como para a sociedade, já que eram vários os entendimentos e sentimentos envolvidos. Procurava-se chegar a uma decisão mais harmoniosa, equilibrada, pois esta partia não de uma única pessoa, mas de várias, que muitas vezes possuíam uma história de vida semelhante à do criminoso, em outras nada tinham em comum, mas era dessa hibridez na formação de jurados que se esperava uma verdadeira democracia.

2.2 Processo Histórico da Instituição do Júri

No entender de estudiosos como o professor Rogério Lauria Tucci, os antecedentes mais remotos do Júri são encontrados na lei mosaica, nos dikastas, na Heliéia ou tribunal dito popular, ou ainda, no já comentado Areópago gregos; nos centeni comitês, dos primitivos povos germanos e, finalmente, em terra britânica, tendo passado para os Estados Unidos e, mais tarde, de ambos para os continentes europeu e americano. No entanto, se perdem no tempo as origens da instituição do júri, sendo estas vagas e indefinidas.
Ainda segundo o mestre acima citado, é no segundo período evolutivo do processo penal romano que se encontram os traços iniciais do Tribunal do Júri, qual seja, o do sistema acusatório, onde o pretor ou o judex questiones, ali exercia papel análogo ao do juiz perante o Júri na atualidade.
Discordando da corrente helenista, Arthur Pinto da Rocha defende que o fundamento e a origem da instituição do Júri encontram-se na antiga legislação mosaica, explicando que já o Deuteronômio, o Êxodo, o Levítico e os Números falavam do tribunal ordinário, do Conselho de Anciãos e do Grande Conselho, o que denota o caráter místico e religioso de que era imbuído esse tribunal, também constituído de doze membros em lembrança aos doze apóstolos que haviam recebido a visita do Espírito Santo.
José Frederico Marques entendia ser o tribunal oriundo da Inglaterra, onde prosperou e foi revestido de muito prestígio, tendo substituído as Ordálias ou Juízos de Deus e servido de modelo aos revolucionários franceses, expandindo-se, tempos depois, do solo francês para os países ocidentais.
Em suma, o entendimento majoritário é que foi em solo britânico que o Tribunal do Júri se modernizou, ou seja, o Júri moderno nasceu na Inglaterra e foi lá que os constituintes franceses da revolução de 1789, inspirados pelas idéias filosóficas de Rousseau, de que as justiça criminal deve ser a expressão da vontade popular, foram buscar os elementos que os norteariam na instituição do Júri francês. E foi a partir da Revolução Francesa que o Júri foi incrementado, se propagando por quase todos os países. Da Inglaterra se propagou para os países de dominação ou influência britânica, como Escócia, Irlanda, Canadá, Estados Unidos e da França para a Bélgica, Itália, Grécia e Áustria.
É importante ressaltar que a norma penal francesa tornou inapeláveis as decisões do Tribunal do Júri, quer dizer, o veredicto dos jurados era como um decreto do destino: não podia ser mudado.
É curioso que entre povos nômades, como os ciganos, por exemplo, existem conselhos ou tribunais instituídos para julgarem infrações cometidas pelos seus, o que já denota ser característico da espécie humana sentir necessidade de ser julgado por um semelhante, alguém que possua as mesmas raízes e cultura. Em relação aos ciganos estes possuem leis severas, que visam a preservação de sua cultura e tradições, sendo obedientes não somente quanto às suas leis particulares, mas obedecendo às leis universais, como não roubar e não matar, por exemplo, que remete ao jusnaturalismo.
Quando um cigano ou uma cigana infringe as leis é convocado o Tribunal de Justiça cigano, conhecido como Chris-Romani, formado por homens ciganos idosos, chamados purânos, ou pelos mais velhos do grupo, que julgam os infratores, procurando exercer seu papel com o mais alto sentido de responsabilidade e respeito.
O Chris-Romani é falado totalmente em romanê, o idioma dos ciganos, e nele somente os homens podem se manifestar, não sendo permitida a entrada de estranhos quando o Conselho está reunido, sendo expressamente proibido falar outro idioma que não o cigano. No caso de o infrator ser uma mulher, um homem fala por ela fazendo seus apelos e oferecendo suas explicações ou justificativas, ou seja, sua defesa.
O julgamento pelo Tribunal Cigano não exime o réu ou a ré da justiça do país local, caso o delito seja mais sério ou se enquadre em leis universais, ou então, particulares do país onde os ciganos estejam acampados. Nestes casos o criminoso sofre a penalidade decretada pelo tribunal cigano e é entregue à Justiça local, para que esta siga com os procedimentos legais.
As sentenças proferidas por estes tribunais peculiares são variadas, podendo incluir a reposição de bens furtados ou roubados ao seu legítimo dono, ficarem os réus por certo tempo proibidos de se dirigirem verbalmente a quem quer que seja, ficando numa forma de isolamento, ou ainda devendo reparar pecuniariamente algum delito individual ou contra a coletividade. Uma das mais pesadas sentenças determinada pelo Chris-Romani é a expulsão do grupo, que é executada publicamente, inclusive nas frente das mulheres e crianças, o que significa a perda da honra, valor profundamente respeitado. A expulsão é aplicada em particular aos reincidentes em faltas consideradas graves.
Apesar de ter uma competência muito mais abrangente que os Tribunais do Júri ocidentais, já que o Chris-Romani julga de infrações leves a graves, não se pode deixar de comparar este com aquele, pois os dois modelos visam tão-somente um julgamento adequado e justo aos seus semelhantes, cada qual com suas regras e costumes específicos, o que ressalta a característica universal do Júri Popular, que pode ser visto desde a antigüidade, nas mais diversificadas sociedades e povos, resistindo bravamente à extinção, almejada por alguns juristas que não vislumbram a importância histórico-cultural da Instituição.

2.3 O surgimento do Tribunal do Júri no direito nacional

No Brasil, o Júri como instituição jurídica nascera por parte da iniciativa do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, que encaminhou ao então Príncipe Regente D. Pedro proposta de criação de um “juízo de jurados”. Foi criado pelo príncipe em 18 de junho de 1822, através de Decreto Imperial, sendo denominado inicialmente de “juizes de fato”, era composto de 24 (vinte e quatro) juizes, homens considerados bons, honrados, inteligentes e patriotas.
Nascera com uma estreita competência, cabendo-lhe apenas julgar em matéria estrita os crimes de imprensa, sendo que só caberia recurso de sua decisão à clemência Real. A nomeação destes Juizes ficava sob o encargo do Corregedor e dos Ouvidores do Crime.
Promulgada a Constituição do Império em 25 de março de 1824, o Tribunal do Júri fora alocado na parte concernente ao Poder Judiciário, afigurando-se, pela primeira vez, como órgão parte deste e, tendo competência para julgar as ações cíveis e criminais. É mister frisar neste ponto, que tal competência abrangia tanto delitos penais quanto cíveis, conforme o artigo 151 daquela Constituição, que asseverava: “O Poder Judicial é independente, e será composto de Juízes, e Jurados, os quaes (sic) terão logar assim no Cível, como no Crime nos casos, e pelo modo, que os Códigos determinarem”.
Em 29 de novembro de 1832, fora disciplinada pelo Código de Processo Criminal, o que lhe conferiu ampla competência. Já no ano de 1842, com o advento da Lei n.º 261, fora revista a sua área de atuação.
Findo o período imperial a Instituição do Júri fora agraciada em outra Carta Magna, desta vez a Constituição republicana promulgada em 24 de fevereiro de 1891, em seu artigo 72, parágrafo 31, que afirmava laconicamente: “É mantida a instituição do jury”. O artigo 72 da Constituição republicana fora alterado pela Emenda Constitucional de 03 de setembro de 1926, embora se mantendo intacta a redação do parágrafo 31, o qual dispunha sobre o Júri.
Ressalte-se que a instituição do Júri sofreu nesta carta constitucional uma alteração de suma importância, pois fora alocada do capítulo destinado ao judiciário para a secção II, Titulo IV, o qual era destinada à declaração dos direitos dos cidadãos brasileiros, estabelecendo desta feita que a instituição deveria ser tratada como garantia individual, princípio semelhante ao que vigora na nossa atual Constituição, onde a instituição do tribunal do Júri é considerada e tratada como garantia individual.
A Constituição Federal outorgada em julho de 1934, pelo Estado Novo, tendo como presidente na época Getúlio Vargas, novamente alterou a sua disposição, deslocando-a para a seção destinada ao Poder Judiciário, o que fora bastante infeliz, podendo, ainda, assinalar que ocorreu um retrocesso, pois merecia a Instituição do Júri constar no elenco do artigo 113, daquela carta, artigo este, guardião dos direitos e das garantias individuais, a Instituição do Júri fora fincada no artigo 72, o que condicionou a sua organização e as suas atribuições a uma lei posterior, conforme a exegese do citado artigo: “É mantida a instituição do jury), com a organização e as atribuições que lhe der a lei”. Guardando, deste modo, bastante semelhança com o que se verifica no artigo 72 da carta de 1891, sendo ambos bastantes vagos, postergando a lei posterior às suas atribuições e sua organização.
Somente por imposição da carta constitucional de 18 de setembro de 1946 é que a Instituição do Júri fora destinada ao capítulo responsável pelos direitos e as garantias individuais, mais precisamente em seu artigo 141, parágrafo 28, o qual ainda acrescia:
“É mantida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, contando que seja sempre ímpar o número dos seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude de defesa do réu e a soberania dos veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.
Da leitura deste artigo constitucional merece menção que o mesmo estabeleceu de forma imperativa a competência ratione materiae, para o Tribunal do Júri, atribuindo-lhe competência privativa para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida, bem como garantiu a plenitude da defesa em relação ao réu, impôs ainda, o sigilo as suas votações e a soberania dos seus julgados.
Em 23-2-1948, foi promulgada a Lei n. 263, que regulamentou o parágrafo 28 do artigo 141 da Carta Magna, sendo incorporada ao atual Código de Processo Penal. Por ocasião da promulgação da Lei supracitada a Instituição do Júri fora lançada no recém criado Código de Processo Penal.
A Constituição de 24 de janeiro de 1967 manteve em síntese a redação do artigo 141, parágrafo 28 da carta de 1946, aquela o enraizou em seu artigo 150, parágrafo 18, que determinava: “São mantidas a instituição e a soberania do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida”. Mantendo-se, em resumo, a sua soberania e a sua competência material.
Manteve-se intacta a Instituição do Júri na Constituição de 17 de outubro de 1969, capitulando-a no parágrafo 18 do artigo 153, daquela carta, dispondo: “É mantida a instituição do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.
A atual Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988, a qual fora denominada de constituição-cidadã alocou em definitivo a instituição do Tribunal do Júri nas denominadas clausulas pétreas, consagrando o Tribunal do Júri como uma instituição de garantia individual. Elencando-a em seu artigo 5°, inciso XXXVIII, que assim expõe:
“é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa, b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.”

2.4 Por que a competência constitucional do Júri é, em tese, restrita?

Para uma Instituição que já teve uma competência mais ampla, pergunta-se por que na atual Carta Magna é, pelo menos em tese, tão restrita, já que o legislador constituinte preferiu destinar ao Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, que são aqueles em que o autor tem a intenção em atingir diretamente o bem-jurídico vida, deixando de fora os crimes que também atingem este bem, sendo que inicialmente visam atingir bem jurídico diverso?
Bem, na verdade, parece difícil encontrar uma resposta direta e segura, talvez o legislador tivesse a boa intenção de não sobrecarregar a Instituição do Júri, tamanha sua importância no mundo jurídico e sua função social, tanto que é direito fundamental e cláusula pétrea, dando-lhe, desta forma, uma competência mais restrita. Entretanto, o bem jurídico vida, tutelado pela norma, não ficou integralmente acobertado por esta tutela.
O Código Penal e as diversas leis extravagantes prevêem os delitos não dolosos contra a vida com evento morte que são: lesão corporal seguida de morte, abandono de incapaz, exposição ou abandono de recém-nascido, omissão de socorro, maus-tratos, rixa, latrocínio, extorsão com emprego de violência, extorsão mediante seqüestro, estupro, atentado violento ao pudor, arremesso de projétil, epidemia, sendo estes crimes previstos no Código Penal. As leis extravagantes prevêem os seguintes delitos: genocídio, crimes contra a segurança nacional, tortura e crimes contra o idoso.
São todos delitos com o resultado ou evento morte que, em tese não são dolosos contra a vida, mas que há muito já poderiam ser julgados pelo Júri Popular, verdadeiro guardião do bem jurídico vida e onde a esperança de liberdade sobrevive intensamente. Alguns desses crimes supracitados são, inclusive, considerados hediondos, o que reforça a necessidade de serem de competência do Tribunal do Júri.
Os crimes relacionados acima não são julgados pelo Tribunal pelo fato de não serem dolosos contra a vida, pois o evento morte seria culposo, um resultado não previsto e/ou desejado pelo agente. Mas, a Constituição Federal quando mencionou crimes dolosos não diferenciou se este dolo deveria ser direto, indireto, eventual ou não, apenas disse dolosos. E aí encontra-se a luz para o problema, pois será que em muitos crimes tidos, em cada caso concreto, como preterdolosos, não existe na verdade um crime doloso contra a vida, sendo que o dolo do agente é eventual?

2.5 De que maneira os crimes culposos com evento morte, como os de trânsito, são tratados atualmente? Podem ser de competência do Júri?

O dolo será abordado mais adiante, mas esta tese já vem sendo aplicada em relação aos crimes de trânsito e, que curioso, estes tipos de crimes são culposos e mesmo assim, em certos casos, os delitos de trânsito, mais especificamente o homicídio culposo na direção de veículo automotor, previsto no artigo 302 da Lei 9.503/97, estão sendo julgados pelo Tribunal do Júri, pois o entendimento atual é de que, em razão de todo o esclarecimento que se tem acerca do perigo de se dirigir embriagado, uma pessoa que, mesmo ciente dos perigos em potencial que representa a si própria e a terceiros com sua atitude, ingere bebidas alcoólicas e dirige um veículo automotor, caso venha a matar alguém, incorreu no dolo eventual, pois sabia das possíveis conseqüências e mesmo assim praticou o ato imprudente. Sai da esfera da culpa e entra na esfera do dolo eventual. Com acerto, diga-se de passagem, pois é de conhecimento notório que o número de vítimas de trânsito aumenta de forma alarmante.
Um exemplo disto é o motorista Ricardo Kennedy de Jesus, que foi julgado no dia 16 de agosto de 2006, por crime doloso, pelo Tribunal do Júri da Comarca de Lavras, conforme pedido do Ministério Público de Minas Gerais e foi condenado a 9 anos de prisão. O motorista aguardou em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória e teve a Carteira de Habilitação suspensa por dois anos.
Só no Estado de Minas Gerais, este é o terceiro caso em que acusados por morte no trânsito são julgados por crime de homicídio com dolo eventual. O dolo eventual prevê que, embora não tenha havido a intenção de obter o resultado, os réus, com a sua conduta, assumiram o risco de produzi-lo.
Segundo consta do processo, em novembro de 2002, por volta das 4 horas da manhã, Ricardo Kennedy de Jesus, dirigindo o veículo Golf GTI, embriagado e em alta velocidade, pela rua Chagas Dória, em Lavras, atropelou e matou Cristiane Aparecida de Carvalho, além de provocar lesões gravíssimas em Sueli Cléia Garcia, que teve a perna direita decepada no acidente.
O Ministério Público de Lavras ofereceu denúncia contra Ricardo Kennedy em maio de 2003, por crime doloso contra a vida, logo, o acusado seria então julgado pelo Júri popular e no seu caso a pena varia de 6 a 20 anos de reclusão.
Em 2004, a Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais havia desclassificado o pedido inicial do Ministério Público estadual em relação ao denunciado, de crime doloso contra a vida para culposo (sem intenção de matar), mas após, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça acatou recurso especial proposto pela Procuradoria-Geral de Justiça de Minas Gerais (Secretaria da Procuradoria de Justiça Criminal) e classificou o crime de trânsito provocado por Ricardo Kennedy de Jesus, na cidade de Lavras, como doloso (com intenção de matar).
Na decisão do STJ, o ministro relator Gilson Dipp afirma ser descabida a tese de que os delitos decorrentes de acidentes de trânsito são sempre culposos, por se tratar de uma generalização, não admitida pela instituição. A decisão contesta os argumentos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que havia desclassificado o crime de doloso para culposo sob a fundamentação de que em delitos de trânsito não se admite hipótese de dolo eventual.
O recurso especial também teve o parecer favorável do Mistério Público Federal. O subprocurador geral da República, Edinaldo de Holanda Borges, afirmou em sua tese, que compete ao Tribunal do Júri analisar a incidência na conduta do acusado do dolo eventual ou da culpa consciente.
Um outro caso em 1991, quando a procuradora de Justiça Camila de Fátima Gomes de Teixeira, que na época atuava como promotora de Justiça em Contagem, denunciou por crime doloso, o motorista de uma carreta por provocar um acidente fatal na BR381, em frente ao Carrefour de Contagem. O motorista estava embriagado e invadiu a pista contrária atingindo o Fiat 147, onde estavam cinco pessoas da mesma família (pai, mãe e três filhos). Foi a primeira vez em Minas Gerais que a Justiça aceitou denúncia de crime doloso em caso de acidente no trânsito.
No ano de 2005 o Superior Tribunal de Justiça acolheu recurso parecido ao caso de Lavras. Cassou decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e determinou que o médico Ademar Pessoa Cardoso e o empresário Ismael Keller Loth, denunciados como responsáveis por causar a morte de cinco pessoas em um acidente de trânsito, fossem levados a Júri popular na cidade de Bicas. Ambos já foram julgados e condenados, o médico a 12 anos e nove meses de reclusão e o empresário a 16 anos e nove meses.
A Instituição do Júri, em março do ano de 2000, levou S.C.S a julgamento, no auditório do 3º Tribunal do Júri da Comarca de Maceió, Alagoas, que foi denunciado como incurso nas penas do art. 121 do Código Penal Brasileiro, por ter atropelado com seu carro, na noite do reveillon de 1998, o menor B.M.C. que se encontrava passeando em sua bicicleta, tese esta defendida pelo Dr. Promotor de Justiça titular daquele Tribunal do Júri.
O Ministério Público ofereceu denúncia e apresentou tese inédita no Estado de Alagoas, no sentido de que o agente ao: a) Dirigir sem ter habilitação; b) Dirigir um carro sem condições; c) Dirigir em alta velocidade; d) Dirigir embriagado; e) Não tentar evitar o choque; f) Não tentar evitar a morte iminente, assumiu o risco de produzir o resultado, qual seja, a morte, caracterizando, desse modo, o dolo eventual.
Para melhor analisar se em face dos crimes de trânsito há a existência de dolo eventual ou de culpa consciente, imperioso se faz analisar os conceitos de dolo e culpa e a diferenciação do dolo eventual da culpa consciente. Como bem preleciona o professor argentino Eugênio Raúl Zaffaroni, “o dolo é o elemento nuclear do tipo subjetivo e, freqüentemente, o único componente do tipo subjetivo, nos casos em que o tipo não requer outros”. Desse modo, via de regra, os crimes são sempre dolosos. Eventualmente o tipo penal pode acolher a modalidade culposa na conduta do agente ativo, entretanto, isto só é possível se houver a previsão legal, ou seja, o dolo é a regra e a culpa, exceção prevista em lei. De maneira ampla e genérica, o dolo é a vontade de concretizar os elementos do fato típico. Constitui elemento subjetivo do tipo. A doutrina distingue duas formas de dolo: o dolo direto e o dolo indireto.
O primeiro ocorre quando o sujeito visa certo e determinado resultado, como, por exemplo, desferir tiros na vítima com a intenção de matá-la. Na Segunda forma de dolo, a vontade do sujeito não se dirige a certo e determinado resultado. Apresenta-se sob as formas de dolo alternativo e dolo eventual. Há, como bem lembra Damásio Evangelista de Jesus, dolo alternativo, “quando a vontade o sujeito se dirige a um ou outro resultado, como por exemplo, do sujeito que desfere golpes de faca na vítima com intenção alternativa: ferir ou matar”. Já o dolo eventual ocorre quando o sujeito assume o risco de produzir o resultado. O agente não deseja o resultado, pois se assim ocorresse, não seria dolo eventual, e sim direto. Ele prevê que é possível causar aquele resultado, mas a vontade de agir é mais forte, ele prefere assumir o risco a desistir da ação.
Não há uma aceitação do resultado em si, há a sua aceitação como probabilidade, como possibilidade. Entre desistir da conduta e poder causar o resultado, este se lhe mostra indiferente. In caso, se o agente, dirigindo embriagado, de forma perigosa, não tentando evitar o choque, pensa: “eu não quero matar ninguém, mas se eu continuar dirigindo assim posso vir a atropelar e matar alguém… mas se matar, tudo bem”, indubitavelmente estará presente o dolo eventual.
Entretanto, para o Código Penal vigente, o dolo eventual é equiparado ao dolo direto. O estatuto repressivo reza em seu art. 18, I que o crime é doloso “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. O dolo direto está representado na 1ª parte do dispositivo: “quis o resultado”, e o dolo indireto na 2ª parte: “ou assumiu o risco de produzi-lo”.
Na culpa consciente, o agente não aceita o resultado danoso, apesar de o prever; não assume o risco de produzi-lo; o resultado não é, para ele, indiferente nem tolerável. Já no dolo eventual, o agente tolera, aceita, a produção do resultado; assume o risco de produzi-lo; o resultado danoso é, para ele, indiferente.
O Ministério Público Estadual, ao expor a tese, até então inédita nos Tribunais de Alagoas, da ocorrência de dolo eventual nos delitos de trânsito, agiu acertadamente, pois não há como negar a possibilidade da existência do dolo eventual nos chamados acidentes de trânsito, que na verdade são homicídios dolosos, nos quais irresponsáveis, na maior parte das vezes embriagados, acabam com a vida de inúmeras pessoas e de suas famílias, eventos estes que ocorrem em número cada vez maior no país, conforme dito anteriormente.

2.6 O Tribunal do Júri e o julgamento do caso do índio Pataxó

E quanto aos crimes de Lesão Corporal seguida de morte? Crime preterdoloso, com evento morte, que em muitos casos vislumbra-se nitidamente o dolo eventual no atuar do agente. Quem não se recorda do caso do índio pataxó, covardemente assassinado enquanto dormia ao relento? Na madrugada do dia 20 de abril de 1997, o índio Galdino Jesus dos Santos, de 44 anos, dormia sob um abrigo de usuários de ônibus em Brasília, quando foi alvo de um dos crimes mais bárbaros e torpes de que se tem notícia no País.
Por volta das 05:00 hs da manhã, Galdino acordou completamente em chamas, sendo socorrido por jovens condutores e passageiros de veículos que transitavam pelo local e que com muito custo conseguiram apagar o fogo que lhe ardia em todo o corpo. A vítima deu entrada agonizante, mas ainda consciente no Hospital Regional da Asa Norte. Completamente cego devido às queimaduras nas córneas, conseguiu se identificar para a equipe médica e indicar a localização de seus companheiros e antes de entrar em coma, perguntou repetidas vezes por que fizeram aquilo com ele, achando que havia sido atingido por um coquetel molotov.
O fogo havia sido ateado às suas vestes por um grupo de cinco rapazes de classe média alta, entre 17 e 19 anos, a título de, pasmem, BRINCADEIRA! Dias depois, o menor Gutemberg, participante do atentado, confessou que o grupo fizera uso de dois litros de álcool combustível, comprados cerca de duas horas antes do crime, especificamente para efetuar a “brincadeira”.
Queimaduras em 95% do corpo lhe comprometeram a integridade e o funcionamento dos órgãos internos e Galdino não resistiu, falecendo, às 02:00 horas da madrugada do dia 21 de abril do mesmo ano.
Os quatro rapazes acusados pela morte de Galdino foram condenados a 14 anos de prisão em julgamento que durou quatro dias. Por cinco votos contra dois, os jurados consideraram que Eron Chaves de Oliveira, Max Rogério Alves, Antonio Novély Cardoso Vilanova e Tomás Oliveira de Almeida cometeram homicídio triplamente qualificado, um crime considerado hediondo, ao queimar vivo o índio, que dormia em uma parada de ônibus. A promotoria conseguiu provar que Galdino não estava enrolado em um cobertor, como sustentaram os réus e os advogados que fizeram a defesa e com isso, ficou evidente que os rapazes atearam fogo no corpo do pataxó, o que foi uma descoberta fundamental para a condenação segundo o advogado e deputado federal Luiz Eduardo Grenhalgh, integrante do Partido dos Trabalhadores de São Paulo, assistente da acusação. Segundo ele, o depoimento da médica Maria Célia Martins Bispo, que atendeu Galdino no dia do crime, desmontou a tese de lesão corporal seguida de morte, proposta pela defesa e disse estar com a sensação de alívio e do dever cumprido. “Este processo é uma lição para a sociedade brasileira. Muita gente, que opinou sem saber o que tinha dentro dos autos, que achou que a gente não tinha condição de defender a tese do dolo eventual, deve respeitar a vitória da acusação.”
Os jurados consideraram que o crime foi triplamente qualificado porque a vítima não teve como reagir, tendo sofrido morte cruel (por fogo), em um crime que teria sido premeditado – o Júri acatou a alegação de que os jovens já foram ao posto comprar álcool com a intenção de agredir o índio pataxó.
O caso teve vários contratempos, incluindo o pedido de afastamento da juíza Sandra de Santis, que, em uma decisão de 1997, considerou que os jovens tinham cometido lesões corporais e não homicídio, o que tornou o caso de competência do juiz singular, além de reduzir a pena. Posteriormente, a sentença foi reformada pelo Superior Tribunal de Justiça e os rapazes acabaram tendo de enfrentar o Júri popular.
Em 12 de setembro, do mesmo o menor Gutemberg., que também participou do ataque a Galdino, acabou libertado, por decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Em sessão secreta, juízes substituíram a internação do adolescente em instituto correcional, que deveria durar mais três anos, por liberdade assistida.
Em 11 de outubro do ano seguinte, o Ministério Público entrou com recurso no Superior Tribunal de Justiça, pedindo que se transferisse o julgamento ao Tribunal do Júri. Só em 1999 o Supremo Tribunal Federal acatou o pedido do Ministério Público e marcou a data do julgamento.
A juíza Sandra de Santis aplicou pena de 15 anos por considerar que eles assumiram risco de cometer o crime, mas a diminuiu para 14 anos, pois eles não têm antecedentes criminais. “Houve desprezo com o semelhante, tiveram várias possibilidades de parar o ato, não prestaram socorro à vítima, que tinha uma filha pequena para criar, além de o caso ter tido repercussão em toda a sociedade”, disse Sandra na sentença.
A questão é: ainda que tivessem os autores o dolo, ou seja, a intenção, de lesionarem a vítima, de queimarem seu corpo não desejando o resultado morte, o que poderia ser considerado crime de lesão corporal seguida de morte, pois nesse caso a morte seria um evento culposo, diante da situação apresentada, eles tinham como prever aquele resultado trágico, já que premeditaram sua ação ao comprarem dois litros de álcool duas horas antes, se depararam com a vítima completamente indefesa, dormindo e sem condições de apagar as chamas que lhe consumiam e para piorar, nada fizeram para tentar reverter a situação, ou seja, óbvio que assumiram o risco, que não se importaram com o destino do índio, se ele teria apenas lesões, se ficaria com seqüelas ou se morreria, o que infelizmente aconteceu.
Desta forma, acertadamente, o crime que inicialmente seria julgado pelo juiz singular, como quase aconteceu, foi desclassificado para homicídio doloso, mais uma vez o dolo eventual estendendo a competência constitucional do Tribunal do Júri.

2.7 Pode o Júri ser competente para julgar crimes dolosos com evento morte? Considerando o dolo eventual no lugar da culpa, como por exemplo ocorre no latrocínio, onde o evento morte é considerado culposo?

De tudo o que foi exposto, percebe-se claramente a possibilidade de se estender a competência do Tribunal do Júri, mas não é o suficiente, existem ainda outros delitos que agridem violentamente o bem jurídico vida e não julgados pelo Júri Popular, como por exemplo, o latrocínio, crime corriqueiro e que vem fazendo inúmeras vítimas entre homens, mulheres e crianças, como foi o recente caso do menino João Hélio, arrastados pelas ruas de bairros do subúrbio de Rio de Janeiro por marginais contumazes, que não serão julgados pelo Tribunal do Júri, já que sua intenção era, ao menos em tese, roubar e não matar… ora, sabe-se que o perfil da marginalidade do século XXI não é o mesmo da de 1940, quando nosso Código Penal foi elaborado. São bandidos muito mais cruéis, frios e calculistas e mais esclarecidos, pois conhecem seus direitos muito bem, assim como as conseqüências de seus atos. Não significa que nos idos de 1940 ou 1950, por exemplo, não existissem bandidos cruéis, mas sim que este perfil de marginal, para tristeza da sociedade, tornou-se uma figura corriqueira, a criminalidade foi banalizada, crimes bárbaros que ocorriam esporadicamente naqueles tempos, hoje em dia acontecem a todo momento… jornais sensacionalistas que vivem do crime que o digam! Logo, como não dizer que marginais que saem às ruas com armas de fogo devidamente municiadas, não estão assumindo o risco de matar inocentes? Não se vislumbra aí o dolo eventual? A intenção é violar o bem jurídico propriedade, roubar, mas portando uma arma de fogo municiada, se a vítima reagir, tentar fugir, enfim, de alguma forma se defender, problema dela, morre! Não era o resultado esperado, porém, altamente previsível. E não seria o caso de o latrocínio, que possuiu uma pena altíssima, passar a ser julgado pelo Tribunal do Júri?

3 CONCLUSÃO

Não há como negar a importância histórico-social da Instituição do Júri, que em épocas tão distantes como no período helênico chegou a figurar nos mitos greco-romanos como um corpo de jurados imortais, divinos, para somente depois ser criado nestes moldes entre os seres humanos. Toda a poesia que girava em torno do Júri em uma época que os mitos explicavam a razão de ser da existência, se devia ao fato de desejarem os indivíduos que em casos de ofensas mais graves às leis, tanto divinas quanto humanas, fosse o ofensor julgado por seus semelhantes, pessoas escolhidas como as mais idôneas e respeitadas do povo, pois somente assim a justiça seria feita, já que o corpo de jurados deveria se assemelhar o máximo possível ao Júri dos Deuses olímpicos. De certa forma este pensamento ocidental permaneceu em muitos povos, sendo mantidos tribunais diversos para julgamentos de crimes ou infrações mais complexas ou graves, não sendo um privilégio dos povos sedentários, mas também de alguns povos nômades, como os ciganos com sua Kris Romani. E de fato, o povo deve participar ativamente das decisões judiciais consideradas mais relevantes, que visam tutelar um bem jurídico tão importante que é a vida.
Desta forma, tamanha é a importância do Tribunal do Júri no ordenamento jurídico, tanto que os veredictos de seus jurados são soberanos e suas decisões sequer exigem a motivação obrigatória para os magistrados, é simplório demais afirmar que o legislador constitucional limitou sua competência ao julgamento de crimes dolosos contra a vida e deixou para o juiz monocrático o julgamento de outros crimes com evento morte, porém com dolo diverso do de matar, sendo o evento morte mero resultado. Não, o dolo mencionado na Carta Magna de 1988 não pode ser visto de forma tão restritiva, não se pode deixar de vislumbrar na letra da Lei Maior o dolo eventual, que pode se enquadrar em muitos casos de crimes tidos como não-dolosos contra a vida com evento morte e até mesmo em casos de crimes culposos, como vem ocorrendo com os crimes de trânsito, que já vêm sendo julgados pelo Júri Popular em casos de motoristas embriagados e inconseqüentes que causam acidentes com evento morte.
É lógico que o mesmo entendimento que se passou a ter em relação aos crimes de trânsito, poderá perfeitamente ser aplicado em outros crimes cujo dolo inicial seja direcionado a bem diverso da vida, mas que acabe a ferir este último, como os crimes preterdolosos, onde existe um dolo no crime antecedente e culpa, em tese, no evento não almejado. Um exemplo disto é o crime de latrocínio, crime complexo e preterdoloso, pois o agente visa atingir o bem jurídico patrimônio, mas além deste atinge também o bem jurídico vida. E crimes desta natureza, gravíssimos, por uma questão de interpretação da vontade do agente, algo muito subjetivo e relativo, são, ainda, julgados pelo juiz singular, quando deveriam ser julgados pelo Tribunal do Júri, já que o agente criminoso, sabe o que o espera quando municia sua arma de fogo e aborda uma vítima, ele está pronto para o que der e vier, assumindo o risco de seu atuar, sabendo que a vítima poderá reagir e que ele não hesitará em disparar contra a mesma. Os roubos a transeuntes e a motoristas infelizmente são corriqueiros nos dias de hoje e os noticiários vez por outra relatam casos de latrocínio, quando as vítimas perdem suas vidas por reagirem às investidas marginais, ou até mesmo por não entenderem que estão sendo vítimas de roubo. É pueril demais afirmar que tipos de marginais como estes atuam somente com o dolo de roubar e que não queriam nem podiam prever um resultado morte.
Assim, deve a competência constitucional da Instituição do Júri ser interpretada de uma maneira extensiva, pois é um direito e um anseio da sociedade poder julgar seus semelhantes, bem, como é direito de cada membro desta mesma sociedade ser julgado por ela, por pessoas do povo. Claro que a Instituição em si tem seus pontos negativos, como por exemplo, os julgamentos nada céleres, mas isto é uma questão de uma reforma processual, pois mesmo os julgamentos monocráticos podem se arrastar por anos a fio, não serem tão justos, mas nem por isso se fala em acabar com os juízes e tribunais superiores, logo, não seria lógico desprestigiar o Júri, como querem alguns, pois a Instituição pode não ser perfeita, mas busca aproximar-se da perfeição, julgando como julgavam os Deuses.

REFERÊNCIAS

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JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 1º volume parte geral. São Paulo: ed. Saraiva. 2003.
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RIBEIRO, Carlos Fernando Auto. Acidentes de Trânsito: Dolo Eventual ou Culpa Consciente?. O Neófito, Maceió/AL, 07 ago 2000. Disponível em:

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