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sábado, novembro 23, 2024

QUALIDADE DE VIDA NOS IDOSOS 2/2

Essa é a segunda parte. Para ver a primeira parte clique aqui
COMPROMETIMENTO FUNCIONAL

Por outro lado, apesar da relevância indiscutível dos programas educacionais, culturais e de lazer dirigidos aos idosos, sabe-se que muitos idosos não se beneficiam destas atividades devido ao comprometimento de sua capacidade funcional. Isto se deve à relação estreita entre o próprio processo de envelhecimento e a maioria das doenças que acometem o indivíduo idoso. “Vida com qualidade” foi o eixo que norteou o programa. A abordagem proposta prioriza a promoção da saúde, o cuidado e a manutenção da autonomia. Deste modo, todas as ações desenvolvidas no programa visam, em última análise, à preocupação com a preservação da saúde do indivíduo idoso.

Pode-se considerar o projeto um aprofundamento de práticas preventivas, balizado pelo afã de detectar precocemente os agravos de saúde que acometem os idosos. Cabe observar, no entanto, que a proposta não se esgota aí, mas avança em direção a uma nova fronteira: a Saúde Coletiva. Considera-se aqui como referência o conceito de “saúde coletiva” formulado por Paim & Almeida Filho (2000):

Podemos entender Saúde Coletiva como campo científico, onde se produzem saberes e conhecimentos acerca do objeto “saúde” e onde operam distintas disciplinas que o contemplam sob vários ângulos; e como âmbito de práticas, onde se realizam ações em diferentes organizações e instituições por diversos agentes (especializados ou não) dentro e fora do espaço convencionalmente reconhecido como “setor saúde”.

Ao se estabelecer uma estratégia de lazer, ensino, cultura e pesquisa, que tenha como fio condutor este conceito, configura-se uma proposta de saúde coletiva baseada num modelo de vida ativa com cidadania.

Dificuldades teóricas, operacionais e conceituais não faltaram no início do programa. Foram muitas as reuniões, adaptações e alterações, embora o programa não seja estático, definitivo ou acabado.

Hoje, a julgar pela participação e relatos dos alunos idosos, pelos trabalhos científicos realizados e pela grande aceitação do programa junto à sociedade e à comunidade científica, consideramos que o projeto UnATI/UERJ, em seu décimo ano de vida, é sólido o suficiente para fomentar um debate qualificado com um público mais amplo 21.

Promoção da saúde, envelhecimento e a emergência ao idoso

No final da década de 1980, quando se intensifica o movimento de valorização do idoso em decorrência das análises demográficas acerca do envelhecimento populacional, muitos profissionais nas áreas da saúde e das ciências humanas e sociais tomaram como ponto de partida a marcante obra de Simone de Beauvoir (1970), A velhice, e, no âmbito nacional, os eloqüentes trabalhos de Eneida Haddad, A ideologia da velhice (1986), e de Ecléa Bosi, Lembranças de velhos (1987).

AELEMENTO DESCRTÁVEL Estas autoras discutem a perda do valor social do idoso em função do avanço do capitalismo, que torna o idoso elemento descartável de um sistema que singulariza a capacidade produtiva em detrimento de outras dimensões do humano.

Desde então, profissionais que focalizam o envelhecimento como campo de eleição de sua prática profissional e construção de saberes vêm travando um embate na tentativa de resgatar o valor social do idoso. Tal resgate passa, inevitavelmente, por assegurar sua cidadania plena.

Segundo Boff (2001), o desenvolvimento do capitalismo moldou o modo ocidental de ser e estar no mundo, e deu forma à nova ordem global. No início da década de 1970, inicia-se uma escalada de crises regionais, seguida da desestruturação econômica e aprofundamento das desigualdades na distribuição de renda. No curso das décadas de 1980 e 1990, as forças sociais dominantes passaram ao largo do enfrentamento das crises e se concentram na unificação do capitalismo em nível global, sob a égide do pensamento neoliberal.

A ciência impulsiona o processo do capitalismo global, como produto e sustentáculo do desenvolvimento da sociedade moderna. Se, por um lado, muitos benefícios foram alcançados por intermédio do conhecimento científico, por outro, a ciência silenciou outras formas de saber. Neste contexto, a tradição e a sabedoria dos anciãos perderam valor frente à palavra da ciência.

O desenvolvimento moderno determinou profundas transformações no campo da saúde. Paim & Almeida Filho (2000) sublinham que a “nova ordem mundial”, que se instaura na década de 1980, inspirada no neoliberalismo, fragiliza os esforços para o enfrentamento coletivo dos problemas de saúde. Particularmente nos países de economia capitalista dependente, a opção pelo “Estado mínimo” e o corte nos gastos públicos, em resposta à assim denominada “crise fiscal do Estado”, comprometem a esfera institucional conhecida como saúde pública. Emerge então uma “crise da saúde pública”, percebida de modo diferente pelos distintos sujeitos atuantes neste campo social. Visando superar esta situação adversa, vários aportes têm sido propostos, reclamando novas abordagens.

Fala-se de um paradigma pós-moderno, que reconheceria as diferenças sociais e culturais, sem que haja uma ruptura com o conhecimento moderno, científico, e sim a sua superação, pelo reconhecimento das diferenças ¬ o que exclui a idéia de hierarquia entre os desiguais, uma vez que é o respeito às diferenças o que nos faz iguais.

Trata-se de um novo modelo, que tem como imperativos éticos a participação e a solidariedade, articulados à ciência e ao mundo da vida. De acordo com Serrano (2002), este novo paradigma compreenderia um modelo de desenvolvimento que leva em conta: a) a saúde como eixo das políticas públicas; b) uma atitude de cuidado na relação com a natureza; c) o compromisso com a participação social de todos, compreendendo o empowerment e a construção dos sujeitos-cidadãos; d) o resgate do lazer; e) o resgate do espiritual; f) a inserção da perspectiva da promoção da saúde como prioritária; e g) a integração das diferentes práticas culturais.

INCLUSÃO SOCIAL

Para construir este novo referencial é necessário garantir a cidadania para todos, inclusive para aqueles que a tiveram e perderam. É a partir da inclusão social que se pode contar com pessoas solidárias, cordiais e conectadas com tudo e todos. É neste marco que se pode resgatar o ser idoso como valor para a sociedade.

O contexto atual, no entanto, não parece favorecer esta atuação: a baixa prioridade conferida aos idosos pelas políticas públicas (assistenciais, previdenciárias e de ciência & tecnologia) evidencia uma percepção inadequada das suas necessidades específicas. Torna-se necessário, portanto, um esforço político orientado no sentido de colocar na agenda da sociedade as necessidades deste segmento populacional.

O envelhecimento é uma questão que, ainda que incorporada ao campo da Saúde Coletiva desde os seus primórdios, não vem merecendo a devida atenção dos formuladores e gestores de políticas públicas. Ao apresentar “a promoção da saúde” como um movimento no campo da saúde coletiva, Paim & Almeida Filho (2000) relatam que, em 1974, no Canadá, o documento conhecido como Relatório Lalonde definiu as bases de um movimento pela promoção da saúde, trazendo como consigna básica “adicionar não só anos à vida, mas vida aos anos”.

SAUDE E QV

Ferreira & Buss (2002), Adriano et al. (2000) e Paim & Almeida Filho (2000) concordam que a Carta de Ottawa (apud Brasil. Ministério da Saúde, 2002) constitui um marco deste movimento, uma vez que é nesta conferência que a promoção da saúde é definida como o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. A Carta de Ottawa define cinco campos vitais à promoção da saúde: 1) elaboração e implementação de políticas públicas saudáveis; 2) criação de ambientes favoráveis à saúde; 3) reforço da ação comunitária; 4) desenvolvimento de habilidades pessoais; e 5) reorientação do sistema e dos serviços de saúde.

Observe-se a ligação estabelecida entre saúde e qualidade de vida e a ênfase na criação de ambientes favoráveis à saúde e desenvolvimento de habilidades pessoais. Aí se inserem as ações de promoção da saúde do idoso que ampliam o âmbito das intervenções, como a experiência bem-sucedida relatada a seguir.

A Carta de Ottawa (1986) destaca que as condições e os requisitos para a saúde são a paz, a educação, a moradia, a alimentação, a renda, um ecossistema estável, a justiça social e a eqüidade. A saúde, nesta concepção ampliada, é, mais do que ausência de doença, um estado adequado de bem-estar físico, mental e social que permite aos indivíduos identificar e realizar suas aspirações e satisfazer suas necessidades (Ottawa, 1986). A partir desta definição de saúde, muitos autores na área da Saúde Coletiva, entre os quais Ferreira & Buss (2002), Adriano et al. (2000) e Paim & Almeida Filho (2000), sublinham o aspecto da promoção da saúde, incorporado à idéia de assistência e de cura.

Ao considerar que “qualidade de vida” se reveste de múltiplos sentidos, Minayo, Hartz & Buss (2000) afirmam aproximar-se esta noção à satisfação buscada na vida familiar, amorosa, social e ambiental e na própria estética existencial. Pressupõe a qualidade de vida a capacidade de efetuar uma síntese cultural de todos os elementos que determinada sociedade toma como seus padrões de conforto e bem-estar. O termo abrange muitos significados, que refletem conhecimentos, experiências e valores de indivíduos e coletividades que a ele se reportam em variadas culturas, espaços e momentos históricos, sendo, portanto, uma construção social com a marca da relatividade cultural.

POLÍTICAS PÚBLICAS EM PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS

Assis (1998) observa que os inúmeros problemas que afetam a qualidade de vida dos idosos em um país subdesenvolvido demandam respostas urgentes em diversas áreas. Às políticas públicas cabe garantir os direitos fundamentais (habitação, renda, alimentação), e desenvolver ações voltadas às necessidades específicas da população idosa, como centros de convivência, assistência especializada à saúde, centros-dia, serviços de apoio domiciliar ao idoso, programa de medicamentos, universidades da terceira idade etc.

Em abril de 2002, na Segunda Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento, realizada em Madri, foi aprovado o PIAE ¬ Plano Internacional de Ação sobre o Envelhecimento. O documento foi referendado por todos os países membros das Nações Unidas e representa, portanto, um compromisso internacional em resposta ao rápido envelhecimento da população mundial. As recomendações do PIAE definem três áreas prioritárias: a) como inserir o envelhecimento populacional na agenda do desenvolvimento; b) a importância singular e global da saúde; e c) como desenvolver políticas de meio-ambiente (tanto físico quanto social) que atendam às necessidades de indivíduos e sociedades que envelhecem.

À OMS, como agência especializada da ONU (Organização das Nações Unidas), coube um papel particularmente importante na formulação de recomendações específicas do PIAE. Na Assembléia de Madri, a entidade lançou o documento Envelhecimento ativo: um marco para elaboração de políticas, que complementa e amplia o PIAE. Neste documento, a OMS recomenda que políticas de saúde na área de envelhecimento levem em consideração os determinantes de saúde ao longo de todo o curso de vida (sociais, econômicos, comportamentais, pessoais, culturais, além do ambiente físico e acesso a serviços), com particular ênfase sobre as questões de gênero e as desigualdades sociais (Carta de Ouro Preto-NESPE, 2003).

Para atender a estas agendas faz-se necessário desenvolver modelos de atenção à saúde do idoso que superem as práticas tradicionais, pois o atendimento que lhes é oferecido habitualmente restringe-se, na melhor das hipóteses, ao tratamento clínico de doenças específicas.

Veras & Camargo (1995) afirmam que, dentre as instituições públicas, a universidade é, no momento, a mais bem equipada para responder a estas necessidades. A estruturação de microuniversidades temáticas voltadas para a terceira idade pode ser um ponto de partida. Ali, os idosos, além de receberem assistência e participarem de atividades culturais e de lazer, constituem um campo inestimável para pesquisas em várias áreas do conhecimento, ajudando assim na formação de profissionais de alta qualificação e alavancando a produção de conhecimento sobre o envelhecimento humano.

Portanto, um centro de convivência ¬ uma das funções do programa da UnATI/UERJ ¬ deve ter como característica o cuidado integral do idoso. É importante destacar que o modelo desenvolvido na UnATI/UERJ se fundamenta no campo da saúde coletiva, embora tenha com a gerontologia uma afinidade de saberes e práticas. Groisman (2002) observa que a gerontologia veicula um discurso no qual utiliza a noção de prevenção num sentido diferente daquele preconizado e praticado no campo da saúde coletiva: A prevenção parece ser a saída encontrada pela Gerontologia para escapar do binômio saúde¬doença. Com o discurso da “prevenção”, todos os sujeitos são passíveis de intervenção, independentemente de seu estado de saúde ou de sua inserção na “normalidade”. Pela urgência da prevenção, não importa também quando começa a velhice, pois a prevenção deve começar muito antes.

Lutando por um envelhecimento bem-sucedido, a Geriatria/Gerontologia parece delinear o seu mais ambicioso projeto, que é disciplinar a vida humana em toda a sua extensão (Groisman, 2002).

Teixeira (2001) aponta que, para além da busca de alternativas à crise do modelo médico hegemônico, é possível imaginar que uma das principais características das práticas de saúde no futuro será a ênfase concedida à pesquisa e às práticas de prevenção. A concepção de uma microuniversidade temática, ou seja, a conjugação de atividades em três áreas de atuação da universidade ¬ ensino, pesquisa e extensão ¬ voltadas para o cuidado integral do idoso, estimula a criação de alternativas inovadoras com interações sinérgicas entre produção de conhecimento, formação, aperfeiçoamento de recursos humanos e prestação de serviços. Os participantes das atividades numa UnATI ¬ seus usuários e profissionais ¬ são artífices de um grande experimento, no qual continuamente se está às voltas com a proposição de novas alternativas que façam face às demandas da população idosa.

Teixeira (2001) enfatiza que a socialização de conhecimentos sobre estratégias e práticas de promoção da saúde e qualidade de vida deverá subsidiar a formação de novos sujeitos das práticas de saúde, para além do Estado. Ao mesmo tempo, a revolução das comunicações favorece a conexão de grupos que compartilhem ideais, pratiquem modos de vida comuns e busquem soluções para problemas singulares.

As pessoas idosas desejam e podem permanecer ativas e independentes por tanto tempo quanto for possível, se o devido apoio lhes for proporcionado. Os idosos estão potencialmente sob risco não apenas porque envelheceram, mas em virtude do processo de envelhecimento torná-los mais vulneráveis à incapacidade, em grande medida, decorrente de condições adversas do meio físico, social, ou de questões afetivas. Portanto, o apoio adequado é necessário tanto para os idosos quanto para os que deles cuidam.

A concepção da UnATI/UERJ é a de um centro de convivência para idosos que é mais do que um local para o idoso estar. Trata-se de um espaço de promoção da saúde e exercício da cidadania. Teixeira (2001) demonstra que as ações de promoção da saúde implicam o desenvolvimento de tecnologias “radicalmente novas”. A autora acrescenta que estas tecnologias exigem o desenvolvimento de métodos, técnicas e instrumentos de comunicação social e marketing sanitário, visando à promoção de mudanças no âmbito das políticas públicas, bem como de mudanças das condições e dos modos de vida de grupos populacionais expostos a riscos diferenciados, o que pressupõe alterações nas relações de poder.

A autora, concordando com os objetivos do modelo UnATI/UERJ, afirma que essas mudanças nas relações políticas e sociais vêm sendo anunciadas nos textos sobre promoção da saúde como processo de empowerment de grupos populacionais específicos, o que significa não apenas a mobilização em torno de direitos gerais de cidadania, mas também a organização de ações político-sociais específicas que conectem indivíduos e grupos com problemáticas e preocupações comuns.

A UnATI/UERJ tem como princípio basilar a socialização de conhecimentos acerca de estratégias e práticas de promoção da saúde e da qualidade de vida. Esta socialização deverá subsidiar a formação de novos sujeitos das práticas de saúde. Assim, como aponta Teixeira (2001), poderá ocorrer a revalorização do território mais imediato no qual se constitui o espaço público de convivência, seja este espaço a rua, o bairro, a cidade, ou a universidade. Afinal, ainda segundo a mesma autora:

O futuro poderá ser o cenário em que se desenvolverão processos distintos: de um lado, a “mercantilização” da prevenção, com a penetração da lógica da produção, distribuição e consumo de mercadorias no campo específico da prevenção de riscos e agravos à saúde de indivíduos e grupos; de outro, o esforço coletivo pela “socialização” da promoção, com a formação de novos sujeitos políticos coletivos, que se mobilizem pela transformação das condições e dos modos de vida dos diversos grupos populacionais. A indeterminação, espaço de múltiplos possíveis, permanece, entretanto, como a marca da contemporaneidade, a exigir o conhecimento e a intervenção no tempo presente, tempo de exploração e construção de futuros.

O movimento Universidades da Terceira Idade no mundo e no Brasil

A universidade é tradicionalmente um espaço dos jovens, onde são gerados novos conhecimentos, um lugar de novidade e juventude. As propostas de Universidade da Terceira Idade (UTI) não fogem deste padrão, ao contrário. As UTIs promovem a saúde e a qualidade em seu sentido mais amplo ¬ aquele que toma como pressuposto ser a saúde expressão da vida com qualidade. Seu objetivo geral é contribuir para a elevação dos níveis de saúde física, mental e social das pessoas idosas, utilizando as possibilidades existentes nas universidades.

Peixoto (1997) afirma que as Universidades da Terceira Idade brasileiras surgiram num momento em que suas similares européias já estavam na terceira geração. A primeira Universidade da Terceira Idade surgiu no final da década de 1960, na França, como um espaço para atividades culturais e sociabilidade, com o objetivo de ocupar o tempo livre e favorecer as relações sociais. Não havia então preocupação com educação permanente, educação sanitária e assistência jurídica.

A segunda geração de Universidades da Terceira Idade surgiu em Toulouse, também na França, em 1973. Foi esta a primeira Universidade da Terceira Idade voltada para o ensino e a pesquisa. Suas atividades educativas apoiavam-se nos conceitos de participação e desenvolvimento de estudos sobre o envelhecimento. A partir de então, as UTIs vêm sendo chamadas a desempenhar o papel de centro de pesquisas gerontológicas.

Em 1975, foi criada a Associação Internacional das Universidades da Terceira Idade e, em 1981, havia 59 UTIs apenas na França. Em 1980, foi organizada a União Francesa de Universidades da Terceira Idade. Ainda na França, na década de 1980, surge a terceira geração das UTIs. Este movimento caracteriza-se pela elaboração de um programa educacional mais amplo, voltado à oferta de alternativas diversificadas a uma renovada população de aposentados, cada vez mais escolarizada, a exigir cursos universitários formais, com direito a créditos e diploma.

Ainda segundo Peixoto (1997), cabe observar que, a partir dessa dinâmica, as UTIs elaboram uma programação baseada em três eixos: participação, autonomia e integração. Com isso, os estudantes passam de simples consumidores a produtores de conhecimento, na medida em que participam das pesquisas universitárias. Os alunos da UTI vêm a desempenhar um papel ativo nas pesquisas universitárias em três níveis: a) pesquisas feitas para os idosos ¬ para combater os efeitos do envelhecimento; b) pesquisas feitas com os idosos ¬ em que estes mobilizam seus conhecimentos, criatividade, vontade, inteligência e memória. Privilegiam discussões em grupo; c) pesquisas feitas pelos estudantes idosos ¬ quando os estudantes adquiriram o rigor científico, o espírito crítico e a solidez da reflexão que caracteriza o trabalho universitário, e desenvolvem, eles mesmos, seus protocolos de pesquisa.

No Brasil, segundo informações de Lima (1999), a UnATI da Universidade Federal de Santa Catarina iniciou suas atividades em 1983, a partir da criação do Núcleo de Estudos da Terceira Idade (NETI). Em 1990, em parceria com o SESC, a PUC de Campinas criou a Universidade da Terceira Idade da PUC/Campinas, a primeira a ser divulgada na mídia em caráter nacional. A partir da década de 1990 ¬ partindo das experiências francesas e das diretrizes emanadas pelo Plano Internacional de Ação sobre Envelhecimento das Nações Unidas, estabelecido a partir da Primeira Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento, realizada em 1982, em Viena ¬ várias UnATIs foram implantadas pelo país.

Palma (2000) salienta que este encontro na Áustria destacou a necessidade de educação permanente, que se estende por toda a vida. O Plano Internacional de Ação sobre o Envelhecimento estabelecido nesta assembléia sublinha o descaso dos governos para com os idosos, uma vez que reservam exclusivamente à criança e ao adolescente os benefícios da educação. O plano recomenda que se assegure às pessoas que deixam a vida ativa os instrumentos necessários à manutenção da capacidade psíquica e intelectual e sua participação na vida coletiva.

A partir da década de 1990, ainda segundo Palma (2000), multiplicam-se os programas voltados para idosos em universidades brasileiras. Estes programas possuem as denominações e seguem os modelos os mais diversos, mas têm propósitos comuns, como o de rever os estereótipos e preconceitos com relação à velhice, promover a auto-estima e o resgate da cidadania, incentivar a autonomia, a independência, a auto-expressão e a reinserção social em busca de uma velhice bem-sucedida. Nos dias atuais, instituições com estas características somam, em nosso país, mais de 150 unidades (Martins de Sá, 1999).

4.4 Qualidade de vida na comunidade

A Qualidade de Vida–QV tem sido preocupação constante do ser humano, desde o início de sua existência e, atualmente, constitui um compromisso pessoal a busca contínua de uma vida saudável, desenvolvida à luz de um bem-estar indissociável das condições do modo de viver, como: saúde, moradia, educação, lazer, transporte, liberdade, trabalho, auto-estima, entre outras.

O termo Qualidade de Vida tem recebido uma variedade de definições ao longo dos anos. A QV pode se basear em três princípios fundamentais: capacidade funcional, nível sócioeconômico e satisfação(1). A QV também pode estar relacionada com os seguintes componentes: capacidade física, estado emocional, interação social, atividade intelectual, situação econômica e autoproteção de saúde(2). Na realidade, o conceito de QV varia de acordo com a visão de cada indivíduo. Para alguns, ela é considerada como unidimensional, enquanto, para outros, é conceituada como multidimensional(3).

A QV boa ou excelente é aquela que oferece um mínimo de condições para que os indivíduos possam desenvolver o máximo de suas potencialidades, vivendo, sentindo ou amando, trabalhando, produzindo bens ou serviços; fazendo ciência ou artes; vivendo (…) apenas enfeitando, ou, simplesmente existindo. Todos são seres vivos que procuram se realizar(4). Por outro lado, muitas pessoas procuram associar qualidade de vida com o fator saúde. Nesse sentido, saúde, independente de qualquer definição idealista que lhe possa ser atribuída, é produto das condições objetivas de existência. Resulta das condições de vida biológica, social e cultural e, particularmente, das relações que os homens estabelecem entre si e com a natureza, através do trabalho(5).

Assim, como é difícil conceituar Qualidade de Vida, a sua medida também o é, já que ela pode sofrer influência de valores culturais, éticos e religiosos, bem como de valores e percepções pessoais(6). Esse caráter de subjetividade de que se reveste o conceito de qualidade de vida baseia-se na realidade individual que converge no subjetivismo, constituindo-se, assim, num conceito muito complexo e de difícil avaliação(2,7).

Considerando a multidimensionalidade, assim como os vários significados associados à definição de qualidade de vida, observados no âmbito das diversas disciplinas, Flanagan propôs uma escala para avaliar tal conceito que é bastante utilizada nos Estados Unidos da América, pela validade e confiabilidade de seus achados, que contempla o grau de satisfação individual ou percebido com relação a cinco dimensões da vida: bem-estar físico e material; relacionamentos; atividades sociais, comunitárias e cívicas; desenvolvimento e realização pessoal e recreação(8).

Numa aproximação entre a concepção de qualidade de vida proposta por Flanagan em sua escala com a literatura pertinente, observa-se, quanto aos conceitos inter-relacionados expressos em suas dimensões e itens como: bem-estar “refere-se à boa disposição física, conforto, tranqüilidade”(9); relacionamento, compreende “ligação afetiva, condicionada por uma série de atitudes recíprocas”(9); atividade, é definida como comportamentos emitidos como resposta a eventos(10), que atuariam sobre a competência funcional do indivíduo. Autodesenvolvimento, consiste na auto-aceitação, relações positivas com outros, autonomia, senso de domínio, busca de metas(10). Recreação, compreende as atividades de distração de significado individual e social(11).

No tocante à avaliação da qualidade de vida do idoso, deve-se ressaltar a complexidade da tarefa e, como tal, reforçar a importância da utilização de critérios de avaliação híbridos, como os contemplados na escala de Flanagan, que permitam clarificar aspectos intersubjetivos que têm maior probabilidade de ocorrência em idosos do que em adultos jovens, tais como: doenças, perdas de papéis ocupacionais e perdas afetivas.

Avaliar a qualidade de vida do idoso implica a adoção de múltiplos critérios de natureza biológica, psicológica e socioestrutural, pois vários elementos são apontados como determinantes ou indicadores de bem-estar na velhice: longevidade, saúde biológica, saúde mental, satisfação, controle cognitivo, competência social, produtividade, atividade, eficácia cognitiva, status social, renda, continuidade de papéis familiares, ocupacionais e continuidade de relações informais com amigos(10).

Ante o exposto, avaliar as condições de vida do idoso reveste-se de grande importância científica e social por permitir a implementação de alternativas válidas de intervenção, tanto em programas gerontogeriátricos, quanto em políticas sociais gerais, no intuito de promover o bem-estar das pessoas maduras, particularmente, no nosso contexto, onde os atuais idosos são aqueles que conseguiram sobreviver às condições adversas.

4.6 Estado depressivo do idoso

Devido ao aumento do número de idosos na população brasileira e ao aumento da longevidade na última década houve uma proliferação de programas e atividades destinados ao público idoso. Dentre eles, destacam-se os trabalhos realizados nas universidades da terceira idade, que têm como objetivo principal rever os estereótipos e preconceitos associados ao envelhecimento, promover a auto-estima e o resgate da cidadania, incentivar a autonomia, a independência, a auto-expressão e a reinserção social em busca de um envelhecimento bem-sucedido (Palma, 2000).

Os programas das universidades brasileiras da terceira idade, em sua maioria, caracterizam-se como propostas de educação permanente ou de educação continuada (Neri & Cachioni, 1999). A educação permanente é concebida como um fato educativo global, sem limites de idade, que surge da necessidade de acompanhar as transformações rápidas que estão acontecendo no mundo nos aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais. De forma diferente, a educação continuada equivale à educação convencional de adultos, referindo-se ao prolongamento do sistema escolar ao longo de toda a vida, segundo a demanda do indivíduo e da sociedade (Giubilei, 1993).

Segundo Neri (1996), os principais motivos que levam os idosos a procurarem as universidades da terceira idade são a busca por conhecimentos, atualização cultural, autoconhecimento, autodesenvolvimento, contato social, ocupação do tempo livre e o desejo de ter maior conhecimento para ajudar outras pessoas na defesa de seus direitos. O estudo de Guerreiro (1993) revelou que a solidão é uma das razões para a procura pela universidade, que oferece aos seus participantes a oportunidade de ampliação do círculo de amizades com um grupo específico de pessoas. Para Silva (1999), a motivação para engajamento deve-se à necessidade de complementar a educação e atualizar-se, buscando suprir deficiências presumidas e melhorar a imagem social. Segundo Castro (1998), os principais motivos que levam os idosos às universidades da terceira idade são a busca por relacionamentos, convivência, atualização, troca de experiências, conhecimentos sobre o processo de envelhecimento e o autoconhecimento.

Uma característica marcante das universidades para a terceira idade é a predominância de mulheres, que representam a maioria da população total (Castro, 2004; Goldstein, 1995). Esse fato pode estar relacionado às diferenças entre homens e mulheres quanto à representação do envelhecimento e como esses indivíduos percebem estas mudanças: as mulheres com maior interesse cultural, e os homens mais pelos assuntos políticos (Debert, 1999).

A Universidade para a Terceira Idade (UNITI) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) é um exemplo bem sucedido de programa de educação permanente voltado exclusivamente ao público idoso. A UNITI é um projeto de extensão, ensino e pesquisa que funciona junto ao Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Esse programa iniciou suas atividades no primeiro semestre de 1991 e está no 17° ano de funcionamento. O grupo da UNITI é composto semestralmente, em média, por 150 pessoas da comunidade com idade >60 anos. Participam da UNITI, atualmente, 148 idosas e dois idosos; ao longo dos seus dezessete anos de existência, o número de homens nunca ultrapassou os 5%.

O objetivo principal da UNITI é potencializar os recursos humanos nas pessoas com idade >60 anos, viabilizando mudanças sociais que permitam a estes idosos o direito de participar com seus próprios recursos. A dinâmica de trabalho apóia-se na própria capacidade dos idosos e nas suas necessidades específicas, dentro de uma filosofia que privilegia a autodescoberta. Na prática, trabalham-se os conceitos de plasticidade, mutualidade, resiliência, informalidade, colaboração, solidariedade, autodiagnóstico compartilhado, técnicas de experiência e mensuração conjunta de programas (Castro, 2004).

Dentro desse conceito, o projeto UNITI vem contribuindo para o desenvolvimento pessoal e social do idoso, incentivando-o a adotar um estilo de vida mais saudável, passível de maior adaptação e sobrevivência na sociedade atual, de acordo com as suas características de personalidade. Segundo a teoria de Murray (Hall, Lindzey & Campbell, 2000), a personalidade refere-se a uma série de eventos que abrangem toda a vida do indivíduo, refletindo elementos duradouros e recorrentes do comportamento, bem como elementos novos e únicos. Para ele, a personalidade seria o agente organizador ou governador do indivíduo.

A influência da personalidade ao longo do processo de envelhecimento ainda é alvo de muitas discussões. As primeiras pesquisas sugeriram que a personalidade se tornava mais rígida com o envelhecimento e que se desenvolvia muito pouco na idade avançada (Neugarten, Moore & Lowe, 1965; Papalia & Olds, 2000; Tavares, 2005). Estudos posteriores sugeriram o contrário, que ocorreria uma estabilidade dos traços de personalidade ao longo da vida adulta e da velhice; assim, a personalidade não se tornaria mais rígida com o passar dos anos, mas permaneceria da mesma forma desde a vida adulta (Costa, Herbst, McCrae & Siegler, 2000; Herbst, McCrae, Costa, Feaganes & Siegler, 2000; McCrae & Costa, 1987, 1994). Porém, alguns autores defendem a idéia de que diferenças entre coortes refletem na personalidade de idosos, sendo que pessoas de coortes mais recentes parecem apresentar maior flexibilidade do que as de coortes anteriores (Hilgard, Atkinson & Atkinson, 1979; Ruth & Coleman, 1996; Schaie & Willis, 1991).

Teorias atuais de personalidade indicam que, apesar da aparente estabilidade da personalidade na idade adulta, existe considerável potencial para mudança (Field & Millsap, 1991; Helson, Jones & Kwan, 2002; Labouvie-Vief, Diehl, Tarnowski & Shen, 2000; McAdams, 1995; Maiden, Peterson, Caya & Hayslip, 2003).

Alguns estudos mostraram que as dimensões de personalidade podem estar relacionadas aos índices de resiliência e bem-estar subjetivo (Ryff, 1991; Staudinger, Marsiske & Baltes, 1993), além de desencadeamento de sintomas depressivos (Costa, McCrae & Zonderman, 1987; Costa et al., 2000; Diener & Diener, 1996; Martin, Valora & Poon, 2002; Small, Herzog, Hultsch & Dixon, 2003; Steunenberg, Beekman, Deeg & Kerkhof, 2006; Watson & Walker, 1996). O bem-estar tem sido considerado por alguns autores como sinônimo de qualidade de vida (Fleck, Chachamovich & Trentini, 2003).

Conforme o Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde (The World Health Organization Quality of life Assessment Group- WHOQOL, 1998), o conceito de qualidade de vida é definido como a percepção que o indivíduo tem sobre a sua posição na vida e no contexto de sua cultura, de acordo com os sistemas de valores da sociedade em que vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações.

Existe uma relação direta entre qualidade de vida e intensidade de sintomas depressivos (Trentini, 2004). Dessa forma, os indivíduos que avaliam a sua qualidade de vida como negativa apresentam significativamente mais sintomas depressivos do que aqueles que têm esperança; conforme alguns estudos, esses últimos apresentam melhores condições de saúde (Carpenito, 1995; Farran, Herth & Popovich, 1995; Miller, 1985). Outros estudos também têm encontrado uma associação entre má qualidade de vida e depressão (Herman et al., 2002; Kuehner, 2002; Xavier et al., 2002).

No idoso, os fatores que podem desencadear sintomas depressivos são a falta ou a perda de contatos sociais, história de depressão pregressa, viuvez, eventos de vida estressantes, institucionalização em casas asilares, baixa renda, insatisfação com o suporte social, ansiedade, falta de atividades sociais, nível educacional baixo e uso de medicação antidepressiva (Djernes, 2006; Papalia & Olds, 2000). Sabe-se ainda que a perda do estado de saúde física pode ser o desencadeador do início e da persistência da depressão (Argimon & Stein, 2005; Geerlings, Beekman, Deeg & Vantilburg, 2000).

A depressão pode ser evitada ou minimizada por intermédio do apoio que o indivíduo recebe nas relações interpessoais (Jefferson & Greist, 1999). Papalia et al. (2006) reforçaram a hipótese de que uma forte rede de amigos e de familiares pode ajudar os idosos a evitar e/ou a enfrentar a depressão. Determinados contextos afetivos de amizades ou vínculos de confiança com cônjuge, parceiro ou amigo podem tanto desencadear quanto proteger os indivíduos contra o surgimento de sintomatologia depressiva.

Este estudo examinou a relação entre o tempo de participação na UNITA da UFRGS e os aspectos de personalidade, depressão e qualidade de vida de idosas.

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