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sábado, novembro 23, 2024

VIAGEM NO ESPELHO – Helena Kolody

VIAGEM NO ESPELHO – Helena Kolody

Viagem no Espelho, de Helena Kolody, reúne livros publicados pela autora, de 1941 a 1986. Nessa publicação, encontram-se vários poemas que têm como assunto a própria poesia (metapoesia). O tempo constitui “a nota mais relevante da obra”, no dizer do crítico Antonio Manoel.

É obra representativa da poesia breve, portanto, nela, predominam os poemas curtos. Cultora do haikai, Helena Kolody tem o poder de transformar sua sabedoria de vida em poemas luminosos, ainda que seus temas possam ser densos e mesmo trágicos: o amor, a morte, o tempo, o envelhecimento, a banalização da vida, a tecnologia destrutiva e a falta de fraternidade entre os seres humanos.

Helena Kolody – A sensível percepção de mundo por Andressa Villar

Muito briguei eu comigo,
tive raiva,
me insultei.
E, de incontido desgosto,
em meu próprio ombro chorei.
(Eu Comigo – Helena Kolody)

Helena Kolody é uma das figuras mais importantes das letras paranaenses, embora ainda não haja gravado o seu nome no quadro mais amplo do reconhecimento nacional. Poetisa de atitudes discretas, alheia às autopromoções.

Contudo, pelo tom da voz, pela delicadeza dos sentimentos, pela autenticidade lírica e pela temática, ela é, com certeza, a poetisa representativa de seu estado. E isso não apenas pela maturidade regional, mas também por haver acrescentado a voz do imigrante à temática da poesia brasileira.

Os pais de Helena Kolody eram ucranianos. Conheceram-se e se casaram no Brasil. A primeira filha do casal, Helena, nasceu no dia 12 de outubro de 1912. Fez o curso primário em Rio Negro – PR e, em seguida, mudou-se para Curitiba, onde ficou por dois anos. Voltou a residir em Mafra/Rio Negro, onde estudou piano, pintura e escreveu seus primeiros versos aos 12 anos.

Seu primeiro poema publicado intitulava-se “A Lágrima”. Ela estava, então, com 16 anos. Nesse início de carreira, a maior divulgadora da obra de Helena Kolody foi a revista “Marinha”, de Paranaguá. Com 20 anos de idade, Helena iniciou a carreira de professora.

Trabalhou em diversos colégios. Só no atual Instituto de Educação, de Curitiba, lecionou por 23 anos. Exerceu apaixonadamente a profissão do magistério, a qual foi muito importante para sua formação e para a qual a Escola Nova (movimento eclético e de origens muito complexas) de certa forma colaborou para seu pioneirismo e arrojo e contribuiu na renovação dos conceitos e das normas educacionais.

“Paisagem Interior”, seu primeiro livro, foi dedicado ao pai, Miguel Kolody. Porém, ele não pôde vê-lo, pois faleceu dois meses antes de a obra ser publicada, no ano de 1941. Na seqüência, são publicados: “Música Submersa”, “A Sombra do Rio”, “Vida Breve”, “Era Espacial” e “Trilha Sonora”, “Tempo”, “Correnteza”, “Infinito Presente”, “Sempre Palavra”, “Poesia Mínima”, “Viagem no Espelho”, “Ontem Agora”, “Reika”.

Para ela, o amor ficou sendo só um sentimento, um sonho, e Helena Kolody soube muito bem transformar esses sentimentos em palavras melodiosas, o que levou alguns poemas seus a serem musicados. São versos carregados de um lirismo puro, que embalam reminiscências de amores de outrora (até mesmo a própria palavra tornou-se antiga) quando não era vergonhosa a expressão verdadeira dos sentimentos, como vemos no poema Cântico de 1941: A luz do teu olhar é a estrela solitária / Da noite deste amor, que é feito de silêncio.

Helena Kolody não participou do Movimento Modernista por ser retraída, mas buscava sempre manter-se informada e tinha consciência da modernidade de seus versos. Nessa época, o Movimento Modernista buscava uma superação dos pressupostos que ancoraram a Semana de Arte Moderna. Alguns poetas já tinham trilhado um caminho diferente dos versos parnasianos, restando, pois, amadurecer as idéias já plantadas.

Em seu livro Música Submersa (1945), figura o haikai “Pereira em flor”, o qual foi elogiado por Carlos Drummond de Andrade, que diz ter ficado feliz com poemas como esse, “em que à expressão mais simples e discreta se alia uma fina intuição dos ‘imponderável’ poéticos”. Eis o poema: De grinalda branca, / Toda vestida de luar, / A pereira sonha.

O haicai é uma forma de poesia japonesa, pequeno poema de três versos, com cinco, sete, e cinco sílabas poéticas sucessivamente. Com sua escrita icônica, os haikais japoneses têm sua origem no canto, faziam parte de diários de viagem, numa interação prosa/poesia e eram desenhados em um quadro, fazendo parte de um todo plástico.

A concentração verbal dos haicais consegue o máximo efeito estético numa linguagem sintética. Mas foi em 1941que Helena havia publicado seus primeiros haicais, sendo criticada com os argumentos de que aquilo não era soneto, não tinha rima, não era poesia. Mas gostava de desafios, por isso fazia haicais, mesmo criticada.

TANKAS E HAICAIS: UMA LEITURA DE REIKA, DE HELENA KOLODY
Antonio Donizeti da Cruz
Unioeste – Doutorado – Ufrgs – Capes-Picd

A poeta Helena Kolody, filha de imigrantes ucranianos, é um dos nomes mais expressivos da poesia contemporânea paranaense. Desde Paisagem interior (1941), quando surge para a literatura brasileira, a Reika (1993), sua poesia evolui no sentido de síntese reflexiva, concisão e alto grau de lirismo espontâneo, contido, com uma linguagem altamente condensada.

Helena tem publicados doze livros de poesia e doze antologias ou coleções, além de um número significativo de poemas dispersos em jornais e revistas especializados. A Poeta vem recebendo destaque junto à crítica paranaense e brasileira por sua constante produção poética.

Segundo Wilson Martins, Helena Kolody vive o paradoxo de ser, enquanto poeta, uma “figura exponencial das letras paranaense”, sem ter gravado o seu nome e sua obra no quadro mais amplo da literatura brasileira. Ela é, com certeza, “poeta do Paraná não apenas pela naturalidade regional, mas também por haver acrescentado a voz do imigrante à temática da poesia brasileira” (1995: 52).

Alice Ruiz afirma que a “marca registrada” da poesia de Helena Kolody são “a viagem da linguagem e o exercício do corte preciso” e que “Helena nos mostra, como um mestre zen, que a poesia está nas coisas, é só acertar o olhar” (1995: 50-51). Destaca ainda, o máximo de poesia é a poesia mínima. Síntese, concentração de informação, concentração de beleza. Implosão.

O não à redundância (…). Poesia não é perfumar a flor. Poesia é o perfume da flor. Tal como a poesia de Helena Kolody. Essa paranaense encantada e cheia de luz que em 1941 já publicava Haicai enquanto a maioria só publicava soneto (idem: 51).

Helena Kolody é a poeta do cotidiano, das realidades simples e comuns, interpretadas por sua sensibilidade e lirismo contagiante e libertador. Sua poesia, profundamente lírica, com acentos existenciais, transparentes, revela uma construção poética alicerçada a partir das coisas simples e cotidianas.

Nas primeiras obras de Helena percebe-se que a poeta vai se encaminhando cada vez mais para a poesia intimista, confessional e auto-indagadora em que predomina o subjetivismo, a introspecção e o mergulho no mundo interior, no qual o Eu vai se desdobrando em imagens, deixando transparecer uma consciência de mundo projetada na questão pessoal e social.

Todavia, em suas obras posteriores, nota-se que aos poucos seus poemas vão se tornando sintéticos, condensados. Cumpre destacar que já em sua primeira obra, Paisagem interior, são publicados três haicais: Prisão, Arco-íris e Felicidade, e que segundo Reinoldo Atem, “são os primeiros publicados no Paraná e demonstram sua tendência permanente e contínua para a brevidade reflexiva” (ATEM, 1990: 159).

Em Música submersa (1945), obra seguinte, percebe-se alguns poemas sintéticos, entre eles o haicai Pereira em flor (Viagem no espelho), elogiado por Carlos Drummond de Andrade, que diz ter encontrado com alegria poemas como esse, “em que à expressão mais simples e discreta se alia uma
fina intuição dos ‘imponderável’ poéticos” (In: Rumo paranaense, 1970: 4). Leia-se o poema:

De grinalda branca,
Toda vestida de luar,
A pereira sonha (p.189).

No poema ocorre uma personificação da pereira. As imagens são singulares. A flor da pereira é símbolo do caráter efêmero da existência. A respeito desse haicai, Helena relata de que forma surgiu o poema:

Eu morava na Rua Carlos de Carvalho. Uma noite, ao sair da casa de uma amiga, dei com aquela pereira completamente florescida, banhada pela luz da lua cheia. A beleza do quadro foi um impacto na minha sensibilidade. Fiz o poema bem mais tarde.

Associei a pereira com uma noiva: a noiva toda vestida de branco, sonhando, como a pereira ao luar (1986: 22).

Helena acredita que as impressões apreendidas vão se acumulando em seu inconsciente e elaborando uma espécie de húmus, no qual se misturam impressões de muitos tempos, e desse húmus brota o poema. Nesse sentido, o poema é “a metáfora do que o poeta sentiu e pensou; é a ressurreição da experiência e sua transmutação” (PAZ, 1991: 19).

Em relação ao processo de composição poemático a que se refere Helena Kolody, assemelha-se ao que Octavio Paz afirma a respeito da experiência do poeta. Suas experiências diárias não se compõem de idéias ou de sensações, mas de idéias-sensações que se manifestam no interior do poeta e são, por natureza, evanescentes.

A linguagem, num primeiro momento, apreende àquelas sensações, depois as fixa, muda-as, ransforma-as. O poeta repete a operação do que viu e sentiu de maneira infinitamente mais complexa e refinada. Assim, o poeta ao nomear o que sentiu e pensou, apresenta formas e figuras que são combinações rítmicas nas quais o som é inseparável do sentido. Tais formas e sentidos têm o poder de produzir sensações e idéias-sensações semelhantes, mas não idênticas às da experiência original vivenciada pelo poeta (idem: ibidem).

Em 13 de junho de 1993, a comunidade nipo-brasileira de Curitiba, em comemoração aos 300 anos de Curitiba e aos 85 anos de imigração japonesa, homenageia a poeta Helena Kolody com a outorga do nome haicaísta REIKA, em reconhecimento à dedicação, divulgação e grandiosidade que deu à poesia de origem japonesa: o haicai.

Reika (nome poético, ou nome de haicaísta), composto por dois ideogramas específicos, Rei e Ka, pode ser traduzido como “Perfume da literatura”, ou “Renomada fragrância de poesia”, ou ainda, “Aroma da poeta maior”.

O nome (Reika) sugere na língua japonesa, algo como um perfume que vai se espalhando pelo ar, cujo aroma é a poesia. Não é uma tradução fácil, pois não se refere ao perfume em si, mas ao contágio ou vibração que envolve as pessoas pelo encanto que a poesia emite (OSAKI & OSAKI, 1993: 2).

No que diz respeito à forma poética de composição, o haicai, Helena Kolody assimilou muito bem essa forma de poesia. Segundo a Autora, foi através do Jornal de Letras e da correspondência com a escritora paulista Fanny Dupré, que teve conhecimento da poesia japonesa, em especial o haicai..

Segundo Cláudio Daniel, o haicai, bem como toda a arte zen (os arranjos florais, a cerimônia do chá, as técnicas marciais), não é somente uma experiência verbal. Ele existe “apesar” da linguagem, pois o alfabeto de ideogramas (kanji) registra “imagens” enquanto que o Ocidental registra “idéias/sons (presentes no silabário)”. Com sua escrita icônica, os haicais japoneses têm sua origem no canto e “faziam parte de diários de viagem (nikki), num diálogo prosa/poesia e eram desenhados em um quadro (zenga)”. Assim, “o poema fazia parte de um todo plástico” (1998: 51).

O tanka é um poema clássico japonês, composto por trinta e uma sílabas distribuídas em estrofes de cinco versos. O haicai e o tanka são formas de composição da arte japonesa, que revelam momentos “tensos e transparentes”, “instantes de equilíbrio entre a vida e a morte. Vivacidade:
mortalidade” (PAZ, 1991: 198).

Reika reúne 28 poemas (haicais e tankas). Foi uma iniciativa de Nivaldo Lopes, que num trabalho em tipografia manual edita o quinto exemplar da sua editora Ócios do Ofício, e o terceiro da coleção Buquinista, da Fundação Cultural de Curitiba.

O haicai intitulado Alquimia (RE), com seu caráter ideográfico expandido: 5-7-5 sílabas aliterativas e assonantes, revela que a poesia pode ser pura alquimia:

Nas mãos inspiradas
nascem antigas palavras
com novo matiz (p. 25).

O poeta, inventor de formas e sentidos, é capaz de transformar em palavra “tudo o que toca”. O poder das palavras “antigas” são lapidadas pelas suas “mãos inspiradas”, nascendo assim, “novas palavras”. O torneio coloquial e semântico revela o poder de nomeação da linguagem. A poeta é capaz de síntese perfeita, baseando-se no jogo de palavras e no seu poder de revelação, pois seu texto convida à participação do leitor, com alto grau de comunicabilidade.

O tanka Sabedoria (RE) mostra a temática do efêmero, da brevidade da vida, do tempo e da saudade. Em seus versos salientam-se o exercício lúdico, as pausas dos versos, os acentos poéticos, as ligações dos segmentos frasais e o conteúdo das recordações do sujeito lírico, que inquieta-se perante à vida:

Tudo o tempo leva.
A própria vida não dura.
Com sabedoria,
colhe a alegria de agora
para a saudade futura (p.60).

Há uma perfeita relação semântica entre os versos do poema, revelando que a vida é finita como as coisas que passam. O texto aponta para uma questão fundamental: o ser humano, como todas as formas de vida, tem um prazo a cumprir na existência terrena. Daí a necessidade de buscar com sabedoria “a alegria de agora”, ou seja, urge cultivá-la, de maneira “plena”, tendo em vista “a saudade futura”.

Os versos são marcados por um lirismo pungente. No último verso do poema, os três signos: “sonho”, “tristeza” e “solidão”, denotam a introspecção do sujeito lírico, que se sente inquieto perante a vida. As enumerações contribuem para a manutenção do ritmo do poema.

O tom de indagação que norteia o poema revela um conflito entre o “eu” e o mundo circundante. O questionamento da linguagem pode estar relacionado à consciência tensa, inquieta do Eu poético, em constante interrogação.

Em Os tristes (RE), poema haicai, aparece de forma clara a inquietação do sujeito lírico enquanto questionamento:

Em seus caramujos,
os tristes sonham silêncios.
Que ausência os habita? (p.33).

São versos revestidos de um lirismo singular. Salienta-se a temática da solidão, pois em “ausência” e “silêncios”, os tristes sonham. A imagem do caramujo remete à idéia de isolamento e introspecção. No verso final, destaca-se a indagação do sujeito lírico.

Aquarela (RE) é um tanka que revela um grau máximo de comunicabilidade e lirismo. A poeta trabalha a linguagem numa dimensão pessoal e síntese perfeita, enfatizando paralelismos em oposição. Sua poesia busca o instantâneo e a integração da vida e da natureza. Leia-se o poema:

Sol de primavera.
Céu azul, jardim em flor.
Riso de crianças.
Na pauta de fios elétricos,
uma escala de andorinhas (p.55).

Marcada por uma surpreendente força lírica, a linguagem do poema conjuga a relação do sentimento vital integrada à constante renovação cíclica da vida. Essa tanka é um hino de graça e louvor à vida. Os elementos da natureza se relacionam de maneira harmoniosa. No “coração do poema” destaca-se o verso “riso de criança”, que simboliza a simplicidade natural, a espontaneidade.

Saudades (RE) é um haicai que tem por musa a natureza. O poema evoca um lirismo nostálgico, numa linguagem lúdica, metafórica e organizada, que se pode constatar em versos de puro “engenho” criativo:

Um sabiá cantou.
Longe, dançou o arvoredo.
Choveram saudades (p. 21).

Este poema de forma miniatural, tematiza a saudade e a natureza. O canto do sabiá, mesmo distante, é capaz de despertar o “canto” da poeta, em que ela transforma em palavras, esse “despertar inquieto”, sua observação atenta à natureza, seu encantamento lúdico com a linguagem.

O haicai é uma forma de poesia japonesa, pequeno poema de três versos, com cinco, sete e cinco sílabas sucessivamente. Ele evoca uma singela e delicada impressão do mundo, da natureza, do homem, das plantas ou dos animais; às vezes com um refinado toque de lirismo de caráter melancólico ou nostálgico, outras, com um rasgo de ligeiro humor (HUIZINGA, 1990: 138).

O haicai intitulado Depois (RE), com suas sílabas aliterativas e assonantes, aponta para a relação do homem com à natureza. O momento presente inquieta o eu lírico que sabe de sua situação enquanto “viajante das galáxias”. A afirmativa do sujeito lírico é de uma originalidade
singular:

Será sempre agora.
Viajarei pelas galáxias
Universo afora (p.25).

A temática da transitoriedade do ser, faz-se presente nos versos do poema, situando o onde, o quando e o que do acontecimento poético. No haicai, Desafio (RE), o sujeito lírico declara:

A vida bloqueada
instiga o teimoso viajante
a abrir nova estrada (p.35).

Nos versos do poema, percebe-se as ligações dos segmentos frasais, a sonoridade e o jogo de palavras. O texto mostra que é necessário vencer os obstáculos da vida, para “abrir novos caminhos”. A estrada é símbolo de viagem e transitoriedade do ser que está sempre em busca de realizações.

A consciência da brevidade da vida e o futuro incerto faz com que o sujeito lírico valorize o momento presente. A morte é vista como um processo natural, surgindo como uma perspectiva certa da finitude do homem. A consciência de que a morte pode chegar a qualquer momento, não é obstáculo para que o sujeito lírico viva a cada instante, embriagando-se de alegria. A vida é para eu lírico um “mistério”. E só o fato de existir, leva-o a sentir-se fascinado e amante da vida.

A concentração verbal do haicais e tankas kolodyanos operam numa economia de recursos que consegue o máximo efeito estético, numa linguagem sintética, cujo lirismo é uma forma peculiar de “arranjo da linguagem” e de “recorte do mundo”. Seus versos apresentam uma sonoridade rítmica e rímica marcadas pelo processo de elaboração criativo e lúdico.

Os poemas de Reika exploram basicamente uma das vertentes temáticas preferidas da poesia de Helena: o poeta diante de si mesmo e da poesia. Ela é poeta vigorosa que concilia perfeitamente a experiência da subjetividade com a objetividade, ou seja, emoção e razão, atualizando-se pelo nítido espírito de modernidade. Sua linguagem é densa de significação.

Seus versos são repletos de significados, sugestões e imaginação, que resultam numa poesia intelectual e emotiva, marcada pela síntese e pela moderna procura de uma semântica inventiva, instauradora de múltiplos sentidos, preocupada com a estética. Por essas razões, a poesia kolodyana se legitima, à definição de Octavio Paz: “Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza” (1982:15).

(Poemas retirados de Viagem no Espelho, de Helena Kolody.)

RESSONÂNCIA
Bate breve o gongo.
Na amplidão do templo ecoa
o som lento e longo.

FLECHA DE SOL
A flecha de sol
pinta estrelas na vidraça.
Despede-se o dia.

NOITE
Luar nos cabelos.
Constelações na memória.
Orvalho no olhar.

SAUDADES
Um sabiá cantou.
Longe, dançou o arvoredo.
Choveram saudades.

REPUXO ILUMINADO
Em líquidos caules,
irisadas flores d’água
cintilam ao sol.

DEPOIS
Será sempre agora.
Viajarei pelas galáxias
universo afora.

ALQUIMIA
Nas mãos inspiradas
nascem antigas palavras
com novo matiz.

JORNADA
Tão longa a jornada!
E a gente cai, de repente,
No abismo do nada.

SEMPRE MADRUGADA
Para quem viaja ao encontro do sol,
é sempre madrugada.

RETRATO ANTIGO (1988)
Quem é essa
que me olha
de tão longe,
com olhos que foram meus?

VOZ DA NOITE (1986)
O sol se apaga.
De mansinho,
a sombra cresce.

A voz da noite
diz, baixinho:
esquece… esquece…

A MIRAGEM NO CAMINHO (1978)
Perdeu-se em nada,
caminhou sozinho,
a perseguir um grande sonho louco.

(E a felicidade
era aquele pouco
que desprezou ao longo do caminho).

DOM
Deus dá a todos uma estrela.
Uns fazem da estrela um sol.
Outros nem conseguem vê-la.

POESIA MÍNIMA
Pintou estrelas no muro
e teve o céu
ao alcance das mãos.

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