Autoria: Diego Neves
“O futuro pertence à jovem guarda porque a velha está ultrapassada.”
Vladimir Lênin
O INICIO E FIM
Num sentido exato, a expressão Jovem Guarda designou programa da TV Record, de São Paulo SP, estreado em setembro de 1965 e findo em 1969, comandado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia; mas tem sido comumente empregada para definir gênero musical, a versão brasileira do rock internacional
Em 1963, um renovado Roberto Carlos apereceu com Splish Splash (versão de Erasmo para música de Bobby Darin), rock que daria título ao seu LP daquele ano. Parei na Contramão, o sucesso seguinte, abriu o caminho para o seu grande estouro: O Calhambeque. Com isso, Roberto não só renovou sua inscrição no clube do rock, como iniciou seu reinado naquele cenário que mais tarde seria conhecido como Jovem Guarda. Calhambeque seria o destaque de seu LP seguinte, É Proibido Fumar, cuja faixa-título tornou-se outro clássico. O grande parceiro de Roberto, Erasmo Carlos, também começava nessa época sua carreira solo, com o sucesso Minha Fama de Mau.
Mais do que uma boa idéia para preencher o horário que ficou vago por causa da proibição da transmissão direta dos jogos do campeonato paulista de futebol, mais do que uma excelente forma de derrotar o Festival da Juventude (líder de audiência da TV Excelsior desde 1964) e de vender um monte de quinquilharias (de discos a calças, blusas e até bonecas), o programa Jovem Guarda foi o catalizador de um movimento que pôs a música brasileira em sintonia com o fenômeno internacional do rock (a esta altura, no seu segundo momento, o da invasão britânica liderada pelos Beatles) e deu origem a toda uma nova linguagem, musical e novos padrões de comportamento. surgiu a idéia de um programa de televisão, concretizado pela TV Record paulista, na época grande investidora em musica popular. Inicialmente o programa deveria chamar-se Festa de Arromba.
Com o nome definitivo de Jovem Guarda, o programa foi ao ar pela primeira vez em setembro de 1965, reunindo Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia, os cantores Eduardo Araújo, Sérgio Murilo, Agnaldo Rayol, Reynaldo Rayol, Martinha, Cleide Alves, Meyre Pavão, Rosemary e os grupos The Jordans, The Jet Blacks, Renato e seus Blue Caps, Os Incríveis e Golden Boys. Rapidamente, a Jovem Guarda tornou-se uma das grandes atrações da emissora, reunindo grandes platéias de adolescentes no Teatro Record, mas foi a partir de 1966, com o grande sucesso de Roberto Carlos e Erasmo Carlos Quero que vá tudo pro inferno, que o programa tomou proporções nacionais e passou a ser sinônimo de movimento ou tendência musical. Outros artistas se juntaram ao grupo inicial: Ronnie Von, Vanusa, De Kalafe, Deny e Dino, Leno e Lilian, Antônio Marcos, Os Vips, Os Brasões, The Pops, entre outros. Seguindo o exemplo da Apple, promotora dos Beatles, a agência de publicidade Magaldi, Maia.
Vários compositores de outras áreas começaram então a se interessar pelos ritmos da Jovem Guarda, como Jorge Ben, que passou a freqüentar o programa, e os baianos Gilberto Gil e Caetano Veloso, que, aconselhados pela cantora Maria Bethânia, incorporaram ao seu trabalho elementos do iê-iê-iê, como as guitarras que acompanhavam Domingo no parque e Alegria, alegria, no III FMPB, da TV Record, em 1967.
Segundo Erasmo Carlos, foi justamente a Tropicália – movimento que Gil e Caetano fundaram nesse período – uma das principais causas do esvaziamento da Jovem Guarda. “A Tropicália – diz ele – era uma Jovem Guarda com consciência das coisas, e nos deixou num branco total”. Mas, antes de se extinguir totalmente no inicio de 1969, diluída pela superexposição ao consumo, pelo cansaço e esgotamento criativo de seus participantes e pelos prejuízos que levaram Magaldi, Maia & Prosperi a desistir dos esquemas comerciais, a Jovem Guarda deixou sua contribuição, alimentando vários programas semelhantes na televisão, como a Festa do Bolinha, de Jair de Taumaturgo, na TV-Rio carioca, e publicações especializadas, como a revista Reis do iê-iê-iê, sucessora do que a Revista do rock tinha sido para o rock’n’roll brasileiro na década de 1950. Além de projetar nacionalmente alguns de seus ídolos, o movimento foi em grande parte responsável pela posterior assimilação de instrumentos eletrônicos na musica brasileira de todas as tendências e pela fusão de informações estrangeiras e dados nacionais que caracterizou a produção musical na década de 1970.
No inicio da década seguinte, Léo Jaime, os Titãs, a Blitz e outros interpretes e grupos roqueiros retomaram a musicalidade simples e direta da Jovem Guarda, constituindo a Nova Jovem Guarda. Em 1995, remanescentes da Jovem Guarda se reuniram para comemorar os 30 anos do movimento, gravando uma caixa de cinco CDs para a Polygram, onde recriam os antigos sucessos, e fazendo uma serie de shows com êxito nacional: Wanderléia, Erasmo Carlos, Ronnie Von, Bobby de Carlo, Os Vips, Os Incríveis, Martinha, Leno e Lilian, Golden Boys e outros. Ainda em 1995, a Paradoxx lançou dois CDs com vários artistas da Jovem Guarda, mas gravados ao vivo, nos shows comemorativos; e, no ano seguinte, a revista Caras colocou no mercado uma coleção de seis CDs e fascículos, contando a historia da Jovem Guarda e com remasterizações das gravações originais.
MÚSICAS DESTACADAS
A baixo está a relação das músicas, cantores e cantoras que se destacaram na Jovem-Guarda.
Quero Que Vá Tudo Pro Inferno – Roberto Carlos
Calhambeque – Roberto Carlos, versão para Road Hog, de John Loudermilk
Festa de Arromba – Erasmo Carlos
Pode Vir Quente Que Eu Estou Fervendo – Erasmo Carlos
Gatinha Manhosa – Erasmo Carlos
O Bom – Eduardo Araújo
Prova de Fogo – Wanderléa
Menina Linda – Renato & Seus Blue Caps, versão para I Should Have Known Better, dos Beatles
Pensando Nela – Golden Boys, versão para Bus Stop, do The Hollies
Pobre Menina – Leno & Lilian, versão para Hang on Sloopy, do The McCoys
Coruja – Deny & Dino
Tijolinho – Bobby Di Carlo
Coração de Papel – Sérgio Reis
Eu Daria Minha Vida – Martinha
Era um Garoto que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones – Os Incríveis, versão de música do italiano Gianni Morandi
As Curvas da Estrada de Santos
(Roberto Carlos e Erasmo Carlos)
Int.:
Se você pretende saber quem eu sou
Eu posso lhe dizer
Entre no meu carro na estrada de Santos
E você vai me conhecer
Você vai pensar que eu não gosto nem mesmo de mim
E que na minha idade só a velocidade
Anda junto a mim
Só ando sozinho
E no meu caminho o tempo é cada vez menor
Preciso de ajuda
Por favor me acuda
Eu vivo muito só
Se acaso numa curva eu me lembro do meu mundo
Eu piso mais fundo
Corrijo num segundo
Não posso parar
Eu prefiro as curvas da estrada de Santos
Onde eu tento esquecer
Um amor que eu tive
E vi pelo espelho na distância se perder
Mas se o amor que eu perdi eu novamente encontrar
As curvas se acabam
E na estrada de Santos não vou mais passar
Eu Sou Terrível
(Roberto Carlos e Erasmo Carlos)
Int.:
Eu sou terrível e é bom parar
De desse jeito me provocar
Você não sabe de onde venho
O que eu sou, nem o que tenho
Eu sou terrível, vou lhe dizer
Que ponho mesmo pra derreter
Estou com a razão no que digo
Não tenho medo nem do perigo
Minha caranga é máquina quente
Eu sou terrível e é bom parar
Porque agora vou decolar
Não é preciso nem avião
Eu vôo mesmo aqui no chão
Eu sou terrível, vou lhe contar
Não vai ser mole me acompanhar
Garota que andar do meu lado
Vai ver que eu ando mesmo apressado
Minha caranga é máquina quente
Eu sou terrível…
Minha Fama de Mau
(Roberto Carlos e Erasmo Carlos)
Int.: A
A
Meu bem às vezes diz que deseja ir ao cinema
A
Eu olho e vejo bem que não há nenhum problema
D
Eu digo não, por favor, não insista e faça pista
A
Não quero torturar meu coração
E D
Garota ir ao cinema é uma coisa normal
A E
Mas é que eu tenho que manter a minha fama de mau
A
Meu bem chora, chora e diz que vai embora
Exige que eu lhe peça desculpas sem demora
D
Eu digo não, por favor, não insista e faça pista
A
Não quero torturar meu coração
E D
Perdão a namorada é uma coisa normal
A E
Mas é que eu tenho que manter a minha fama de mau
A
E digo não, não, não
A F#
Perdão a namorada é uma coisa normal
B7 E7 A F#
Mas é que eu tenho que manter a minha fama de mau
Namoradinha de um Amigo Meu
(Roberto Carlos)
Am
Estou amando loucamente
Em
A namoradinha de um amigo meu
Am
Sei que estou errado
Em
Mas nem eu mesmo sei como isso aconteceu
Dm G Dm G
Um dia sem querer olhei no seu olhar
Dm E Am Dm E
E disfarcei até pra ninguém notar
Am
Não sei mais o que faço
E
Pra ninguém saber que estou gamado assim
Am
Se os dois souberem
Em
Nem mesmo sei o que eles vão pensar de mim
Dm G Em G
Eu sei que vou sofrer, mas tenho que esquecer
Dm E Am
O que é dos outros não se deve ter
Dm Am Dm Am
Vou procurar alguém que não tenha ninguém
Pois comigo aconteceu
Em Am
Gostar da namorada de um amigo meu (2x)
Pode Vir Quente Que Eu Estou Fervendo
(Roberto Carlos e Erasmo Carlos)
Int.: Am F G Am
Se você quer brigar
F G Am
E acha que com isso estou sofrendo
Se enganou meu bem
F G Am
Pode vir quente que eu estou fervendo
D7
Pode tirar seu time de campo
Que o meu coração é do tamanho de um trem
Iguais à você já apanhei mais de cem
F G E7 (Am)
Pode vir quente que eu estou fervendo
Se Você Pensa
(Roberto Carlos e Erasmo Carlos)
Int.:
Se você pensa que vai fazer de mim
O que faz com todo mundo que te ama
Acho bom saber que pra ficar comigo vai ter que mudar
Você tem a vida inteira pra viver
E saber o que é bom e o que é ruim
Acho bom pensar depressa e escolher antes do fim
Daqui pra frente, tudo vai ser diferente
Você tem que aprender a ser gente
O teu orgulho não vale nada
Você não sabe
Nem nunca procurou saber
Que quando a gente ama pra valer
O bom é ser feliz e mais nada
CANTORES
Antônio Marcos
Erasmo Carlos
Fevers, The
Incríveis, Os
Jerry Adriani
Jorge Ben Jor
Leno e Lilian
Reginaldo Rossi
Renato e Seus Blue Caps
Roberto Carlos
Ronnie Von
Sergio Reis
Tim Maia
Vanusa
Wanderléa
Wanderley Cardoso
INFLUENCIA
Em pouco tempo, a moda adotada pelos apresentadores da Jovem-Guarda tinha se espalhado pelo país (e dá-lhe calças colantes de duas cores em formato boca-de-sino, cintos e botinhas coloridas, minissaia com botas de cano alto), bem como seus gestos e gírias – broto, carango, legal, coroa, cuca, barra limpa, barra suja, lelé da cuca, mancada, pão, papo firme, maninha, pinta, pra frente e, “É uma brasa, mora?”, tudo veio da Jovem Guarda.
Prosperi passou a coordenar industrialmente a imagem do trio central da Jovem Guarda, criando as marcas Calhambeque, Tremendão e Ternurinha para uma série de produtos que ia de bonecas a calças e blusas.