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segunda-feira, dezembro 2, 2024

Karatê-Do

O karatê-do, atualmente é visto como um esporte, e sua popularidade têm aumentado, cada vez mais. Mas por trás deste esporte, existe algo maior do que apenas o exercício físico, existe uma filosofia que não se deixa acabar dentro do dojô (local de treinamento) e, desse modo, todos os praticantes de karatê provavelmente levarão esse ensinamento, essa filosofia para suas vidas. De acordo com o mestre Gichin Funakoshi, o fundador do estilo shotokan de karatê e revolucionário nesta arte marcial, “… pense na vida de cada dia como um treinamento em karatê. Não limite apenas ao dojô, nem o considere apenas como um método de luta. O espírito da prática do karatê e os elementos do treinamento se aplicam a todos e a cada um dos aspectos da nossa vida diária.”

Fazer presente a intenção imaginária de matar, ou melhor, a disposição de matar ou morrer lutando, corresponderia a manter representado aquilo que originou as práticas de combate, como a violência, que assume seu auge na guerra: “Nas primeiras guerras, o instinto para a vida trazia consigo, naturalmente, o conceito de matar ou morrer. Isto é, o guerreiro tinha que matar o inimigo ou ser morto por ele”. De acordo com Masatoshi Nakayama, esse elemento constitui o pilar da cultura nipônica que sustenta uma filosofia chamada heijo-shin-koro-michi. Isto quer dizer que, o guerreiro deveria se esforçar em ser o mesmo na aparência, não importando o que ele estivesse fazendo ou o que estivesse vestindo. Quer ele esteja simplesmente indo para o seu dia a dia ou indo para a guerra encarando a morte, ele deve ser o mesmo e agir igual, ou seja, confiante, calmo e preparado para agir, e completamente alerta internamente.

Pode ser entendida, a questão de estar sempre atento, pronto para o que vier, pelo conceito do Zanshin (o espírito de luta). Como dizia M. Nakayama: “… O espírito é o ponto principal na vitória…”. Por espírito de luta entende-se uma gama de condições psicológicas que, de certa forma, define o caráter do praticante de karatê. O espírito de luta faz parte do caminho do karatê, pois é condição para trilhá-lo. Cabe ressaltar que tanto a busca pela vitória, quanto o próprio espírito de luta, além de se constituírem como valores em si em uma luta real, são também valores de caráter moral que norteiam a atitude cotidiana do karateka. Este faz de sua experiência uma espécie de fonte conceitual, isto é, faz da luta uma fonte de referência para a vida e para o modo de encará-la. A experiência da luta assume o lugar de referência concreta diretamente dada pela natureza de onde surgem conceitos para a vida.

Esses conceitos são claros em ditar o certo e o errado moral a partir do envolvimento com a natureza, que só pode acontecer com o empenho corporal.

Pode-se afirmar que, em relação ao espírito de luta, recai sobre aquilo que estaria manifesto no kime. O kime caracteriza-se como uma manifestação física e técnica de um feroz espírito de luta, de uma atitude de determinação, de impetuosidade, de intenção decidida. É necessário de que haja esse espírito. Tome-se como exemplo a descrição do jiyû ippon kumite: Nakayama afirma que nenhum dos dois praticantes “deve achar que tem uma segunda chance; o primeiro ataque, ou o bloqueio, é decisivo”. A necessidade de determinação é constantemente referendada e permite que a decisão seja tomada sem que se vacile. Ele apresenta os riscos da dúvida no meio de um combate, em que, na iminência de um chute ou de um soco, se você for assaltado pela dúvida ou se titubear diante do ímpeto do oponente, você vacilará no momento de desferir o ataque, o corpo se enrijecerá e uma abertura mental ocorrerá. Isso é o mesmo que perder o controle, solidariamente, do corpo (que se enrijecerá) e da mente (na qual uma abertura ocorrerá).

Estar altamente determinado e tomar a decisão, aplicando-a com todo o ímpeto, é condição para que haja real controle da situação, tomando como princípio o próprio autocontrole. Dessa maneira indica-se, como uma das primeiras fases do desenvolvimento da atitude ideal, que a vontade, o ímpeto, aprendam a ser direcionados incisivamente, em oposição a uma possível difusão, uma divergência da intenção e da energia, que impossibilita objetivar a ação. Isto é, o kime, manifestando a condição de se estar decidido e determinado, educa um controle no qual, a potência máxima é a concentração da força de todas as partes do corpo no alvo, não apenas a força de braços e pernas.

É importante a eliminação das forças desnecessárias ao se executar uma técnica, o que resultará na aplicação de uma maior potência onde ela for necessária.

Essa forma de controle, que direciona e concentra a intenção e a força, não é tida como tudo o que é necessário ou suficiente. Corresponde apenas a um aspecto que, por outro lado, exige a descontração. Para a competição do kata “os principais aspectos levados em consideração no julgamento são a força e o espírito, mas também a moderação” (Nakayama). Como critério de avaliação da maneira de ser apontam-se o equilíbrio, o autodomínio e, não meramente, uma expressão de raiva concentrada, por exemplo.

O equilíbrio é educado com a experiência; não é a tentativa consciente e racional que proporciona o equilíbrio. Tanto a força quanto a moderação têm origem, e podem ser expressas, em uma localidade do corpo que centraliza a atitude de espírito, além de ser uma fonte de potência, os quadris constituem a base de um espírito estável, de uma forma correta e da manutenção de um bom equilíbrio. A estabilidade e a força do espírito manifestam-se através dos quadris, que têm um vínculo estreito com o ventre, centro da energia vital do homem e responsável por seu estado de espírito no entendimento da tradição japonesa. Mas, se você estiver obcecado por ter boa forma, será impossível manter uma postura realmente correta, o que significa que uma atenção consciente obcecada não resultará na estabilidade do espírito. A tentativa forçada de manifestar-se estavelmente não faz a estabilidade, mas antes a impossibilita. O desenvolvimento é mútuo (corpo e espírito) e gradual, o homem evoluindo como um todo.

Se há um direcionamento da força e da intenção que precisa ser aprendido, há também um estado de espírito ideal que deve gerenciá-lo, o que significa evitar que força e intenção sejam obsessões que aprisionem o espírito do karateka. Esse ideal é o perfeito zanshin.

Funakoshi versava que “seu sorriso pode conquistar até o coração das crianças, sua ira pode fazer um tigre encolher-se de medo”. Esse modelo contrapõe-se ao estereótipo do praticante de artes marciais como pessoa sempre tensa. A tensão surge como exigência de restabelecimento do equilíbrio.

O termo zanshin é quase sempre traduzido nas academias brasileiras de karatê pela expressão espírito de luta, tradução que, embora não seja incorreta, não evidência, o significado mais sutil de seu conteúdo. Se não há nenhuma referência à postura concebida pela filosofia heijo shin koro michi, a expressão espírito de luta está aberta a diversas compreensões, que podem ir de ferocidade à incitação pelo gosto de bater, dependendo do hábito corrente numa academia, ou mesmo do imaginário pessoal a respeito da atitude ideal para o combate. De toda forma, pode-se avaliar que a imitação foi a principal referência ao longo da história do karatê no Brasil e teve a capacidade de manter o espírito de luta associado à resolução, determinação e tranqüilidade, ou serenidade, para o combate. Zanshin, no entanto, vai além desses significados e, com suas raízes nos clássicos de Musashi, Takuan e Munemori no séc. XVI, tem uma conotação que refina essas características do estado psicológico.

Trata-se de um estado de espírito calmo, vigilante, mas não tendendo a uma intenção precisa enquanto esta intenção não tenha sido decidida e, a cada vez que nenhuma ação está ocorrendo, então, tanto antes como imediatamente após o combate.

A chave para o zanshin é a confiança na capacidade de agir instantânea, determinada e eficazmente. Para adquirir tal confiança, que pode ser interpretada como o que subjaz ao próprio kime, é necessário o treinamento através de muita repetição e concentração. Pode-se ler o zanshin como a contra – face da mesma peça em que está talhado o conceito de kime. Para a determinação e definição, antes é preciso o desprendimento e a contemplação; para a contração, antes é preciso a descontração. Sendo a categoria complementar do kime e tomando parte na essência do karatê, o zanshin possibilita a eficácia do kime, e vice-versa. Nesse equilíbrio dinâmico encontra-se, não apenas o princípio do karatê-do, mas também o princípio da vida como um todo.

O kime e o zanshin são peças importantes para a formação de um bom praticante de karatê e também como pessoa tanto no trabalho, na escola e/ou na família. O significado, citado no texto, dessas técnicas explicam muito bem a relação do bom praticante de karatê com a vida fora do dojô.

De acordo com o texto e baseado na minha experiência de karateca, posso concluir que tudo o que faço no meu treinamento dentro do dojô é válido não apenas ali, no treinamento, é algo que eu levo também para minha vida. Isso faz com que eu tenha uma visão mais ampla do mundo em relação a tudo. Em um campeonato de shiai kumitê, por exemplo, além da técnica e de alguns fatores, em minha opinião, a vontade de vencer tem que existir, é preciso ser determinado e seguir os próprios objetivos de forma justa, é preciso decidir qual golpe irei aplicar, pois se houver alguma dúvida, não conseguirei aplicá-lo com eficácia e, assim, posso até levar um golpe. E com relação a vida, a diferença não é grande, pois assim como no karatê, na vida temos que ter objetivos, para podermos viver para atingir tais objetivos, e assim, nos realizarmos, senão nada irá fazer sentido.

Temos que ter confiança em nossas decisões, pois a dúvida e o medo são um dos maiores pontos fraco do homem. E começamos a ter confiança, em nós mesmos, a partir de muito treinamento e muita dedicação. Por isso, pratique karatê.

Bibliografia:

Funakoshi, G. (1998). Karate-Do Nyumon: texto introdutório do mestre. (E. L. Calloni, Trad.). São Paulo: Ed. Cultrix. (Original publicado em 1988).

Hassel, R.G. (1983). Conversations with the master: Masatoshi Nakayama. St. Louis: Palmerston & Reed Publishing Company.

Nakayama, M. (1996a). O melhor do karate: Vol. 1. Visão abrangente, práticas. (C. Fischer, Trad.). São Paulo: Ed. Cultrix. (Original publicado em 1977).

Nakayama, M. (1996b). O melhor do karate: Vol. 2. fundamentos. (C. Fischer, Trad.). São Paulo: Ed. Cultrix. (Original publicado em 1978).

Nakayama, M. (1998a). O melhor do karate: Vol. 3: kumite 1. (D. C. R. Delela e S. N. Ferreira, Trad.). São Paulo: Ed. Cultrix. (Original publicado em 1978).

Nakayama, M. (1998b). O melhor do karate: Vol. 4: kumite 2. (D. C. R. Delela e S. N. Ferreira, Trad.). São Paulo: Ed. Cultrix. (Original publicado em 1979).

Nakayama, M. (1996c). O melhor do karate: Vol. 5: heian, tekki. (C. Fischer, Trad.). São Paulo: Ed. Cultrix. (Original publicado em 1979).

Sites: http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a11/barreiramassimi03.htm

http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos02/barreira01.htm

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