Antecedentes
No início do século XX a Rússia é um conjunto heterogêneo de etnias, povos e culturas, ocupando um território de 22 milhões de quilômetros quadrados sob regime absolutista e pouco desenvolvida economicamente. As terras estão concentradas nas mãos da nobreza, com uma população rural que atinge 80% do total geral de 170 milhões de habitantes. O Partido Social Democrata, desarticulado pela polícia em 1898, reorganiza-se no exterior tendo Lenin como principal articulador. A derrota na guerra contra o Japão (1904-1905) pelo domínio da Coréia, a Revolução de 1905 e as perdas na Primeira Guerra Mundial, somadas à precária situação política e econômica, resultam na revolução comunista.
Revolução de 1905 – Em 22 de janeiro de 1905 mais de mil operários são massacrados em uma manifestação pacífica em São Petersburgo, no episódio conhecido como Domingo Sangrento. Seguem-se outras revoltas, como a dos marinheiros do encouraçado Potemkim em Odessa, e a da guarnição da base de Kronstadt. Diante da reação popular, o czar permite a formação da Duma (Parlamento) mas às vésperas da Primeira Guerra Mundial as forças policiais do governo voltam a agir com violência. O governo de Nicolau II é autocrático e corrupto e o czar é suspeito de ser simpático aos alemães. O ministério é dominado pela estranha figura de Grigor Rasputin, um camponês siberiano e ocultista cuja libertinagem e poder político despertam o ódio da população. Rasputin é assassinado em 1916.
Participação na Primeira Guerra – A mobilização de cerca de 13 milhões de soldados desfalca os setores mais produtivos da sociedade. Os gastos com a guerra diminuem os investimentos em bens de consumo, elevando os preços e provocando inúmeros conflitos internos. Os soldados russos morrem nas frentes de batalha por falta de equipamentos, alimentos e vestuário. A fome chega às grandes cidades, onde também falta carvão no inverno. Em 1916 o país é varrido por greves. A greve dos operários de Petrogrado, por exemplo, mobiliza cerca de 200 mil trabalhadores.
Industrialização tardia – A industrialização russa é tardia, realizada sob a liderança do capital europeu ocidental, sobretudo alemão, belga e francês. Assim, a remessa de lucros para o exterior é muito grande. O proletariado é pouco numeroso, cerca de 3 milhões, e concentrado em Moscou, Petrogrado e Odessa. É, porém, avançado e sensível à pregação anarquista, socialista, sindicalista e comunista, graças às péssimas condições de trabalho, com salários miseráveis e jornadas de 11 ou 12 horas. A burguesia russa é composta de comerciantes, funcionários estatais e industriais. É uma burguesia fraca, sem projeto político próprio, esmagada entre a aristocracia de terras, o proletariado urbano e o campesinato.
Organização política – A oposição ao czar Nicolau II é dividida em duas correntes: a liberal reformista, favorável a um regime parlamentar burguês e apoiada pela burguesia; e a revolucionária, que compreende os socialistas-revolucionários e os social-democratas. Os primeiros são contrários à industrialização da Rússia e defendem um regime socialista agrário, caracterizado pela exploração coletiva das terras após o confisco das grandes propriedades. Os segundos são adeptos das teorias socialistas de Marx e Engels e se organizam no meio do proletariado urbano. O segundo congresso do Partido Operário Social-Democrata, reunido em 1903, divide-se em duas facções quanto às táticas de tomada do poder, os mencheviques e os bolcheviques.
Mencheviques – Uma das duas correntes principais do Partido Operário Social-Democrata Russo. Os mencheviques (termo que significa minoria) são marxistas, defendem um grande partido de massas, com base social ampla e alianças com os progressistas e democratas, inclusive com a burguesia liberal. Não acreditam na possibilidade de implantação imediata do socialismo na Rússia por falta das condições objetivas previstas por Marx e Engels. Para os mencheviques, um longo processo de transformações econômicas e sociais conduziria à revolução. Os principais líderes mencheviques são Martov, Axelrod e Trotsky (1903-1904).
Bolcheviques – Corrente majoritária do Partido Operário Social-Democrata Russo que defende a implantação de um governo de ditadura do proletariado por intermédio da ação de um partido centralizado, fortemente disciplinado, capaz de conduzir a classe operária. Para os bolcheviques (palavra que significa maioria), os operários devem fazer a revolução imediatamente e implantar o socialismo. O principal líder bolchevique é Lenin. As idéias do grupo são propagadas na Rússia por meio de jornais clandestinos, como o Pravda (a verdade).
Revolução de fevereiro
Em fevereiro de 1917 as greves tomam conta das principais cidades russas. A insatisfação com a guerra e com o colapso do abastecimento chega ao seu ponto máximo. A greve da usina metalúrgica de Putilov, com a participação de 90 mil trabalhadores, recebe o apoio de organizações femininas e a insurreição se espalha. A capital é tomada pelos rebeldes em 25 e 26 de fevereiro. A sublevação chega a Petrogrado em 27 de fevereiro (12 de março no calendário ocidental). É a Revolução de Fevereiro. Os revolucionários recebem apoio de parte do Exército. Em Moscou, tomam o Kremlin, antiga fortaleza no centro da cidade e símbolo do poder absolutista dos czares.
Formação dos sovietes – Depois da revolução dois poderes disputam o comando do governo: o Comitê Executivo Provisório da Duma, constituído por liberais e favorável à negociação com os insurretos; e o Soviete dos Operários e Soldados, eleito a 27 de fevereiro (12 de março) e formado por socialistas-revolucionários e mencheviques.
Fim da monarquia russa – O Czar Nicolau II comanda a resistência, mas é abandonado pelos chefes militares e abdica em favor de seu irmão, o grão-duque Miguel, que não aceita assumir o poder. A monarquia está extinta na Rússia.
Governo Provisório – Um governo provisório é instalado de comum acordo entre o Soviete dos Operários e Soldados e o Comitê Executivo Provisório da Duma (o Parlamento), sob a presidência do príncipe Lvov. A esquerda é representada na Duma pelo socialista moderado Kerenski. Como os líderes bolcheviques estão presos ou exilados, os operários não estão presentes no governo. Em conseqüência disso, o poder ficou com o Soviete de Petrogrado. O governo provisório vai de 17 de março a 15 de maio de 1917, não consegue debelar a crise interna e ainda insiste na continuação da guerra contra a Alemanha. A liderança de Lenin cresce. O líder bolchevista prega a saída da Rússia da guerra, o fortalecimento dos sovietes e o confisco das grandes propriedades rurais, com a distribuição das terras aos camponeses. Cresce a influência dos sovietes nas fábricas e na Marinha. Em 4 de maio, o governo é vítima de suas próprias contradições e se demite.
O príncipe Lvov se mantém à frente de um novo governo de coalizão, formado por mencheviques e socialistas-revolucionários e com Kerenski à testa do Ministério da Guerra. A crise social e as derrotas na guerra contra a Alemanha provocam diversas sublevações, como as Jornadas de Julho, que tiveram a participação dos marinheiros de Kronstadt. As insubordinações são controladas, mas a pressão da população leva ao poder um governo majoritariamente socialista moderado, sob a chefia de Kerenski. Lvov deixa o poder e Lenin busca asilo na Finlândia.
Revolução de outubro
Um levante popular aniquila um golpe de direita desfechado por militares contra-revolucionários de Petrogrado. Os cossacos, soldados recrutados entre as populações nômades ou semi-sedentárias e que fazem parte de regimentos especiais da cavalaria russa, passam para o lado dos revolucionários e a esquerda ganha força entre os trabalhadores. O governo Kerenski não consegue se manter, isolado das principais facções em luta. Da Finlândia, Lenin comanda o avanço da Revolução. Os bolcheviques ingressam em massa nos sovietes e Trotsky é eleito presidente do Soviete de Petrogrado. Lenin entra clandestinamente na Rússia e leva o comando bolchevique a encampar a idéia de revolução. A resistência de Kerenski, em Moscou, é debelada e no dia 25 de outubro os bolcheviques tomam o Palácio de Inverno do czar. Kerenski foge da Rússia. Os bolcheviques, largamente majoritários no Congresso Panrusso dos Sovietes, tomam o poder em 7 de novembro de 1917. É criado um Conselho dos Comissários do Povo, presidido por Lenin.
Trotsky assume o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Stalin o das Nacionalidades (Interior). A Revolução Russa é vitoriosa e instala o primeiro Estado socialista do mundo.
Lenin (1870-1924), pseudônimo do estadista russo Vladimir Ilitch Ulianov, líder bolchevista e uma das principais figuras da Revolução Russa. Nasce em Ulianovsk, filho de um professor. Adversário do regime czarista desde a juventude, começa a cursar direito no mesmo ano em que um de seus irmãos é enforcado por conspirar contra o governo. É expulso da universidade por participar de manifestações políticas. Estuda a obra de Karl Marx e procura adaptar o marxismo à realidade russa. Termina o curso de direito e passa a morar em São Petersburgo (capital da Rússia, na época) dirigindo jornais clandestinos de propaganda marxista. É preso em 1895 e deportado para a Sibéria. Em 1901 lança a revista Zaria (o alvorecer) e depois o jornal Iskra (a centelha), onde passa a assinar com o pseudônimo Lenin. É um dos fundadores do Partido Operário Social-Democrata Russo e, desde 1903, o principal dirigente da ala bolchevique.
Depois da revolução de 1905, é obrigado a exilar-se na França e na Suíça, onde organiza os emigrados russos e desenvolve trabalho de propaganda contra o czarismo. Em 1912 orienta a criação do jornal clandestino Pravda (a verdade). Quando o czar Nicolau II é deposto em fevereiro de 1917, Lenin está em Zurique, mas volta à Rússia com ajuda dos alemães. Em outubro, dirige o golpe bolchevista e instala o Estado soviético. Em 1918 Lenin leva um tiro de uma militante de direita e há versões de que tenha morrido por intoxicação do chumbo da bala, que nunca pôde ser retirada. Em 1923 sofre um derrame do qual não se recupera totalmente. Morre em Gorki, perto de Moscou, em 1924, sem forças para impedir a designação de Stalin para secretário-geral do Partido Comunista. Seu corpo é embalsamado e exposto ao público no Kremlin.
Primeiras medidas – Os bolcheviques iniciam a mudança do sistema político e econômico da Rússia. Já em novembro de 1917 o governo nacionaliza as terras – 40% do solo era de propriedade da nobreza – e cede aos camponeses o direito exclusivo de sua exploração. O controle das fábricas é transferido aos operários, os estabelecimentos industriais são expropriados pelo governo e os bancos nacionalizados. Moscou passa a ser a capital do país. Em março do ano seguinte os bolcheviques assinam a paz em separado com a Alemanha, em Brest-Litovsk, aceitando entregar a Polônia, a Ucrânia e a Finlândia.
Guerra Civil – Em 1918, após a assinatura da paz com a Alemanha, a Rússia vê-se tomada por uma sangrenta guerra civil. Capitalistas e proprietários de terras, auxiliados por generais czaristas, políticos liberais, social-revolucionários, mencheviques e setores do campesinato, tentam retomar o poder dos bolcheviques. Os contra-revolucionários são chamados de Brancos e os bolcheviques de Vermelhos. É uma oportunidade para o Reino Unido, França e Japão e, mais tarde, a Polônia tentarem derrubar o governo russo e colocar o país novamente na guerra contra a Alemanha. Para tanto, ajudam os contra-revolucionários Brancos com tropas, armas, munições e provisões.
Exército Vermelho – Trotsky apela ao povo russo, tanto em nome da Revolução quanto do patriotismo e do nacionalismo, e organiza o Exército Vermelho, responsável pela derrota dos contra-revolucionários Brancos e das forças externas invasoras.
Fuzilamento da família imperial – A conseqüência da vitória bolchevique é a instituição do Terror, com o fuzilamento sumário de milhares de pessoas. O czar Nicolau II e sua família são executados pelos bolcheviques em Ekaterinburgo. Ainda em 1918, uma socialista-revolucionária de direita, Fany Kaplan, comete um atentado contra Lenin, provocando um massacre em Petrogrado por parte da polícia bolchevique. O processo revolucionário já não pode mais ser contido, as dissidências são esmagadas e a ameaça da contra-revolução afastada.
Colapso econômico – O perigo de uma vitória contra-revolucionária, porém, obriga o governo a tomar medidas de exceção para reduzir a fome e modernizar o país. A indústria recebe estímulos para aumentar a produção, com a adoção de métodos de racionalização do trabalho. Técnicos estrangeiros são contratados para auxiliar na recuperação do parque industrial. O Estado confisca o trigo e torna sua produção monopólio estatal. A terra dos kulaks, médios proprietários rurais, é dividida e os camponeses pobres estabelecem governos locais para reunir o trigo excedente e administrar sua circulação e consumo.
NEP – Em 1921, com a Revolução consolidada, Lenin institui a Nova Política Econômica, uma volta ao capitalismo de Estado, como solução para vencer o impasse econômico. A indústria ainda vai mal e a Rússia continua um país atrasado. A população está descontente com os problemas de produção e abastecimento. Em Petrogrado, os operários se insurgem contra o governo e ocorrem outras rebeliões internas, logo contidas. Com a NEP, cujo objetivo é planejar a economia e a sociedade, é permitida a criação de empresas privadas, como a manufatura e o comércio em pequena escala. As liberdades salarial e a de comércio exterior são retomadas sob a supervisão do Estado. Os camponeses são obrigados a pagar taxas, em espécie, e são autorizados os empréstimos externos, como os negociados com a Inglaterra e a Alemanha.
Formação da URSS – A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas é criada em 1924 com a adoção de nova Constituição. A criação de uma União é a fórmula encontrada pelos bolcheviques para conseguir manter unidos nacionalidades, etnias e territórios que pouco têm em comum. Segundo a Constituição de 1924, as repúblicas têm autonomia, proposta que nunca saiu do papel. O poder é mantido por alguns líderes do Comitê Central por intermédio do Partido Comunista.
Luta pela sucessão de Lenin – Lenin morre em 1924 e sua morte desencadeia uma violenta luta pelo poder entre Trotsky e Stalin. É uma luta entre concepções diferentes de política e revolução. Para Trotsky, o sucesso do socialismo na URSS depende da vitória de revoluções operárias nos países vizinhos. Defende, portanto, a revolução mundial. Stalin, ao contrário, pretende implantar o socialismo apenas na URSS, arquivando a tese da revolução mundial até conseguir a industrialização do país, com a União Soviética em pé de igualdade com as nações capitalistas. Trotsky é um intelectual de formação sofisticada, viajado, criador do Exército Vermelho e respeitado teórico marxista. Stalin é um revolucionário sem sofisticação, que soube construir uma máquina política dentro do partido. É duro e brutal, como demonstra nos anos posteriores. Vence Trotsky, que é expulso do partido em 1927 e do país em 1929. Em 1940 é assassinado no México por ordem de Stalin.
Stalin (1879-1953), como fica conhecido o político soviético Josef Vissarionovitch Djugashvili, que governa a URSS por 30 anos. Nasce na Geórgia, filho de um sapateiro e de uma lavadeira. Órfão de pai logo cedo, é enviado a um seminário ortoxo, mas é expulso no último ano e começa a militar no movimento social-democrático. Em 1902 é preso e deportado para a Sibéria, de onde foge em 1904. Depois de organizar greve geral em 1905, é novamente preso, e outra vez consegue fugir. Eleito para o Comitê Central do Partido Comunista (bolchevique), volta à prisão em 1910 e escapa de novo, um ano depois. Em 1912 participa da fundação do jornal clandestino Pravda (a verdade). No ano seguinte, adota o nome de Stalin (homem de aço), é preso e deportado para a região polar. É libertado apenas em 1917, depois da deposição do czar. Em 1917 integra o Comitê Central do Partido Bolchevique. Na guerra civil, comanda as tropas do Exército Vermelho na região do Volga. Assume o Comissariado do Povo para as Nacionalidades em 1918 e a Secretaria-Geral do PC em 1923.
Sucede Lenin em 1924. Em 1928 promove a coletivização forçada da terra, com a morte de mais de 6 milhões de camponeses, a industrialização acelerada e o planejamento centralizado. Consolida seu poder nos anos 30, mandando matar seus adversários por intermédio dos Processos de Moscou. Toda a velha guarda bolchevique é assassinada por sua ordem. Passa a controlar os partidos comunistas de todo o mundo através da Terceira Internacional) – levando, por exemplo, a esquerda alemã a disputar dividida as eleições de 1932, o que permite a vitória do partido nazista. Durante a Segunda Guerra Mundial, acumula as funções de ministro de Defesa e comandante das Forças Armadas. Após a guerra, impõe o domínio soviético sobre as novas nações socialistas da Europa. Permite e estimula o culto à sua personalidade. Com o tempo, sua paranóia aumenta e, nos últimos anos de vida, vê inimigos em todos os lugares. Morre de hemorragia cerebral aos 73 anos.
Após sua morte, os crimes que cometeu são denunciados por seus sucessores.
Conclusão
Marca o fim do império dos czares, sendo a primeira tentativa bem-sucedida de implantação de um regime comunista. Divide-se em duas etapas, a democrática, em fevereiro de 1917, e a socialista, com a instalação da ditadura do proletariado, em outubro do mesmo ano.