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segunda-feira, dezembro 30, 2024

Uma Branca Sombra Pálida de Lygia Fagundes Telles

Anões, ratos, formigas e saxofones. São esses alguns dos personagens que contracenam com homens e mulheres nas histórias que compõem “O conto (anos 60 e 70) de Lygia Fagundes Telles. Tendo construído uma carreira amplamente premiada e com obras traduzidas para as principais línguas, a escritora paulistana – também conhecida como” a primeira dama da literatura brasileira “- lança uma coletânea organizada por ela própria, reunindo diversos de seus contos mais queridos e levando os leitores a uma a viagem através de seu vasto universo literário”.

Os contos presentes no livro exibem o dom de Lygia para elaborar ricos personagens e criar narrativas detalhadas em textos fluidos que prendem a atenção de qualquer tipo de leitor. Do inexperiente (é imenso o quantitativo de pessoas que declaram ter começado a pegar gosto pela leitura por meio de seus escritos) ao erudito (a cada ano são elaboradas diversas teses acadêmicas acerca dos trabalhos da autora), ninguém consegue se manter imune ao poder das palavras de Lygia Fagundes Telles.

Tal fascínio pode ser entendido logo a partir das primeiras páginas de “Uma Branca Sombra Pálida” Em uma climática narrativa que traz à tona sua admiração por Edgard Allan Poe, Lygia conta à história de duas universitárias que se muda para uma pensão barata. Alugam um quarto anteriormente ocupado por um estudante de medicina e encontram um baú com a ossada completa de um anão.

Durante madrugadas consecutivas, dão de cara com milhares de formigas que, misteriosamente, desaparecem pela manhã. Mais tarde notam que os ossos do anão estão, aos poucos, sendo montados. O que ocorre quando o esqueleto é reconstituído por completo? Não se sabe. Antes que isso aconteça, as duas amigas fazem as malas e partem em disparada.

Para a autora, os fins não importam; são os meios que realmente interessam. Os contos são marcados pelo mistério, porém tal mistério não tem nenhum parentesco com as charadas de Arthur Conan Doyle ou de Agatha Christie. Mas Lygia mostra que todos esses pavores e estranhezas nascem dentro da própria mente humana. Os mistérios de Lygia Fagundes Telles são os mistérios da vida, com suas questões que nem sempre podem ser esclarecidas, e o sobrenatural é o caminho pelo qual a escritora trilha para chegar à realidade.

Lygia Fagundes Telles narra à condição humana com maestria e rara sutileza. Um dos temas recorrentes na prosa de Lygia é a morte e a nostalgia. Em uma de suas maiores obras-primas “Uma branca sombra pálida”, a trinômia morte/ nostalgia/ solidão volta a ocupar o centro da ação.

Mesmo que os contos – escritos entre as décadas de 1960 e 1990 – não sigam no livro nenhuma ordem em relação às datas em que foram produzidos, as histórias parecem estar unidas por uma forte corrente e seguem coesas em uma intensa afinidade até a última página.

É à busca da tolerância às diversidades humanas o foco principal de “Uma Branca Sombra Pálida”, adaptação da Companhia Tear de Teatro Até que ponto a intolerância pode ir? Ou melhor, nos tolher? Esse sentimento continua sendo século após século, nutrido até pelos que apregoam suas doutrinas religiosas, mais ou menos autoritárias.

É sobre a intolerância que a escritora teceu a saga de Gina, incompreendida pela própria mãe, diante de sua opção afetiva, seu amor por Oriana, sua verdadeira paixão. Esta, ao longo de todo o texto, nutre por Gina um sentimento tão melancólico, impávido e inconsolável, como a própria maternidade, diante da sua morte.

Como “Uma Branca Sombra Pálida”, Gina vai aos poucos se incidindo sobre aquelas que, em vida, tanto significavam para ela. Assistindo à guerra que se instala entre as duas mulheres de sua vida, sobretudo em frente a seu túmulo, Gina, fantasma mesmo, vai pouco a pouco sugerindo novas emoções, restabelecendo um vínculo que tanto a atormentava.

Tudo graças à intolerância da mãe, que jamais aceitou as muitas vezes em que rodava na vitrola aquela “A Whiter Shade of Pale”, canção que fez sucesso, nos anos 70, com o grupo Procol Harum. Principalmente, quando a filha ficava trancada com Oriana em seu quarto. Pela própria autora a tradução ganhou o título do conto e da peça, agora encenada pela Companhia Tear.

O intuito é que os mais intolerantes respeitem as várias facetas do amor, conclama a diretora. Antes que ele se perca numa mera sombra de nós mesmos.

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