Autoria: Rui Gonçalves
INTRODUÇÃO
Falar de ‘validação’ actualmente constitui uma emergência nos domínios do cuidar em enfermagem. Falar de validação é, sem dúvida alguma, arriscar uma temática que ainda não ganha nas manchetes das publicações da berra.
Mas… o que é validação? Para que serve? E que relação ou aplicação pode ter quando falamos de cuidados de enfermagem? É este o propósito deste trabalho, realizado no âmbito da disciplina de vertente opcional – Hospitalar, e que será complementado com a apresentação utilizando a técnica de seminário.
Pois validação é, na base da sua definição, ‘acto ou efeito de tornar válido, de dar validade, de legitimar’. Trata-se, portanto, e no que respeita aos cuidados de enfermagem, da legitimação desses cuidados, isto é, das estratégias e movimentos que circundam a prestação de cuidados de enfermagem integrais e capazes (e logo válidos!).
O presente trabalho incide precisamente sobre os conceitos e terminologias que permitem que se fale de validação em enfermagem. E porque falar de validação passa também pela qualidade dos cuidados, aqui se fala também de qualidade, esse desafio ao qual urge também delegar algum tempo de reflexão. Entendemos que a qualidade dos cuidados, bem como a humanização e a importância da teoria como fundamentação da prática habitam o cerne do grande tópico aqui abordado.
Dividido em três capítulos, este documento bebe de um triplo contributo : cuidados de enfermagem, qualidade dos cuidados e validação propriamente dita. Culmina na conclusão, onde, para além de se tecerem os aspectos mais emergentes de todo o trabalho, e tratando-se de um trabalho que será posteriormente apresentado em seminário, levantamos alguns aspectos que consideramos fulcrais para uma futura discussão.
Resta dizer que as fontes utilizadas para a realização do trabalho foram essencialmente a extensa pesquisa bibliográfica, salpicada, aqui e ali, com um cunho pessoal dos autores.
1 – CUIDADOS DE ENFERMAGEM
A principal actividade dos enfermeiros, segundo o guia das profissões da Direcção geral do emprego e formação profissional (2002) é a de prestar cuidados de enfermagem a pessoas, sãs ou doentes, de forma a que mantenham, melhorem ou recuperem a sua saúde, ajudando-as a atingir o seu máximo bem-estar físico e psíquico, tão rapidamente quanto possível. Os cuidados que prestam têm sempre em conta as necessidades físicas, emocionais e sociais dos pacientes e visam um ou mais dos objectivos fundamentais desta profissão: a promoção da saúde, a prevenção da doença, o tratamento, a reabilitação e a reintegração social. Para além da prestação de cuidados de enfermagem globais a indivíduos (desde o nascimento até à morte), os enfermeiros prestam igualmente cuidados a famílias, grupos e comunidades. As suas responsabilidades e actividades dependem, contudo, de factores como a sua área de actuação, a sua categoria profissional e a entidade para a qual trabalham.
1.1 – DEFINIÇÃO
O que realmente significa “Cuidado”? À luz dos tempos actuais, em que este termo se utiliza quase indiscriminadamente, observamos que essa evolução temporal trouxe ao termo novas conotações e designações.
Em termos biomédicos, cuidado prende-se com atenção, isto é, a miscelânea de acções, atitudes, comportamentos e intenções que rodeiam o outro a partir dos agentes “cuidantes”. Essa atenção especial passa primordialmente pela ajuda ao outro. E, como especial que é, deve ser única e particular, tal como é o próprio indivíduo cuidado. Esta noção, cuja designação já alimentou inúmeras teorias, é a base fulcral, o fundamento do Cuidar. Há que, todavia, estar atento ao alerta de M-F. Collière aquando da abordagem desta temática: cai-se frequentemente numa “representação abstracta da prestação de cuidados” o que se torna um ponto a favor do antigo dualismo teoria-prática. Por isso, a palavra ‘cuidado’ deve ser utilizada no singular, fugindo-se, assim, ao cariz instrumentalizado que a conotação plural erroneamente abarca. O cuidado, singular, é único e peculiar, e toca a pessoa, como única que é, um corpo-sujeito, diferente de qualquer outro, mas muito mais que o corpo-objecto que, infelizmente, faz as práticas de cuidados (que não o são).(HASBEEN, 2000).
Atravessamos, portanto, uma crise de cuidado secundária à crise de definição de indivíduo, de sujeito único.
Para Colliére, citada por COSTA (1998) cuidados de enfermagem são “o prolongamento, uma substituição daquilo que os utilizadores dos cuidados não podem, temporariamente, assegurar por si próprios, ou lhes é assegurado pelos que os cercam”, ou seja, “é a mobilização e desenvolvimento de capacidades (no cliente e/ou nos que o cercam) que permitam fazer face às limitações ocasionadas pela doença, ou fazer face a acontecimentos (de vida)”.
Já Phaneuf citada por RICHARDSON (1976) diz que “Cuidados de enfermagem são, para além da execução das tarefas e técnicas que couberam ao enfermeiro na partilha sociológica de funções, coordenar e promover a existência de todos os meios, para que o cliente posa compensar as limitações ocasionadas pela doença ou desenvolver as suas capacidades de manutenção de vida. (…) São um processo de interacção e de transacção dentro do qual se realizam tarefas e actividades, mas o cuidado ao doente é mais que a soma das tarefas e das actividades implicadas”.
Em termos legais, em Portugal, o Regulamento do Exercício Profissional da Enfermagem (REPE), Dec. Lei n. º 161/96 de 4 de Setembro clarifica conceitos relativos à profissão de Enfermagem. Um dos conceitos é precisamente o de Cuidados de Enfermagem, entendendo-os como “intervenções autónomas e interdependentes a realizar pelo enfermeiro no âmbito das suas qualificações profissionais”. Ainda este Dec. Lei define que os Cuidados de enfermagem são caracterizados por terem por fundamento uma interacção entre enfermeiro e comunidade, a relação de ajuda e o facto de utilizarem uma metodologia científica.
Importa ainda referir que intervenções autónomas são aquelas realizadas pelos enfermeiros sob a sua única e exclusiva responsabilidade, tendo em conta a preparação e qualificações que detêm. Intervenções interdependentes prendem-se com a interdisciplinaridade intrínseca à própria profissão, ou seja, trata-se do conjunto de acções que o enfermeiro executa juntamente com outros profissionais, com vista a um objectivo comum.
1.2 – INFLUÊNCIA HISTÓRICA NO CUIDAR EM ENFERMAGEM
A Enfermagem, como arte e ciência, não é descrita directamente nos tempos antigos. A Enfermagem é concebida como prática social, porque está articulada com o conjunto das práticas que compõem a estrutura das sociedades, e, portanto determinada económica, política e ideologicamente. Sendo uma prática social, ela possui seu carácter histórico, pois transforma-se e é determinada socialmente.
1.2.1 – Pré-História e Antiguidade
Costuma afirmar-se a origem da Enfermagem nos cuidados das mulheres da pré-história aos homens feridos na caça (ADAM, 1994).
No séc. IV a.C., o médico grego Hipócrates fundou a medicina racional quando declarou que a doença era devida a desordens funcionais do organismo, desobediências às leis da saúde e não devido à influência de espíritos maus ou à cólera dos deuses, como anteriormente se acreditava.
Todavia, os cuidados de Enfermagem não eram descritos uma vez que estes eram realizados pelo médico e aprendizes. A Enfermagem estava nas mãos das mulheres de casa ou de escravas (CLARKE, 1977).
1.2.2 – Era Cristã
Iniciava-se o seguimento de princípios bíblicos, formou-se a ordem dos diaconistas, que se tornou o primeiro serviço de visitas domiciliárias (CHURCH, 1990).
No período medieval quando a Igreja era a grande força intelectual e social, em todos os países da Cristandade, as ordens religiosas eram responsáveis pelos cuidados de todos os que precisavam de ajuda.
No tempo das cruzadas, séc. XII fundaram-se as ordens militares. A mais poderosa e famosa era a ordem dos cavaleiros hospitalares de S. João de Jerusalém. A Enfermagem era exercida pelos irmãos servitas, mas havia uma ordem subsidiária de mulheres (CLARKE, 1977).
Antes da reforma protestante do séc. XVI, os Hospitais organizavam-se com a direcção da igreja Católica. A partir da reforma, em princípios de 1517, o interesse pela igreja e pela religião diminuiu. Esta crise provocou o nascimento do chamado Período Obscuro da Enfermagem. Os hospitais eram locais obscuros, degradantes e sujos. Mulheres descritas como sendo alcoólicas, cruéis e imorais ocupavam-se da atenção do enfermo, lavando a roupa, fazendo as tarefas domésticas do hospital. Não era necessária formação para se ser enfermeira. O período obscuro terminou por volta do séc. XIX (CLARKE, 1977).
Em França, no séc. XVII, a ordem de Enfermagem mais importante era a das Irmãs Augustianas. Não era conveniente que as irmãs celibatárias tivessem muitos conhecimento sobre a anatomia dos doentes ou sobre as suas doenças e, por isso, dificilmente era possível uma Enfermagem eficiente.
Vicente de Paula, hoje santo, contribui para uma melhor prestação de serviços, quando, ao visitar o hospital Hôtel-Dieu, instalou numa casa de Paris um grupo de camponesas honestas que deveriam ser treinadas para trabalhar no hospital com as irmãs Augustianas, dada a insuficiência na prestação de cuidados. S. Vicente ensinou as irmãs a prestar uma rigorosa obediência aos médicos (CHURCH, 1990).
1.2.3 – Era Nightingale
Quando Nightingale foi solicitada pelo secretário da guerra, Sidney Herbert, para levar um grupo de mulheres para a Crimeia, a fim de prestarem aos soldados ingleses os mesmo cuidados que as irmãs de caridade estavam já a prestar aos franceses, chegou a grande oportunidade de uma vida de preparação para tal tarefa (DOCK, 1938).
Florence, de vasta cultura e de elevada posição social desde a juventude, estava convencida de que os cuidados e o conforto dos doentes e a promoção da saúde na família era trabalho para mulheres de energia moral e com educação. Apesar da oposição da família, estava destinada a estabelecer normas de Enfermagem Prática e de Administração hospitalar muito mais avançadas que as que encontrou. A sua primeira dificuldade quando aceitou a tarefa de organizar um serviço de enfermagem para o exército foi encontrar um número suficiente de enfermeiras com práticas e idoneidade moral, e recusar as numerosas ofertas das que não tinham experiência e não estavam à altura das suas exigências (CLARKE, 1977).
Já em campo, as dificuldades eram extremas, tanto ao nível dos ferimentos, como ao nível do pessoal que havia contratado. Mesmo assim, não desfaleceu e lutou até ao fim. Chegada a Londres, foi homenageada com um prémio em dinheiro, que a ajudou a abrir, na mesma cidade, o Nightingale Training School, no Hospital de Saint Thomas (BULLOUGH, 1971).
Além de estabelecer os firmes alicerces do moderno sistema de ensino de enfermagem, esta mulher sozinha foi responsável pela completa reorganização dos hospitais civis e militares e por muitas reformas que melhoraram a sanidade e higiene do exército.
Nightingale lutou sempre pela limpeza e conforto dos hospitais, trabalhando, também, em favor da educação do povo, ensinando a tomar medidas sanitárias e a evitar, o mais possível, as doenças, provocadas pelas condições insuficientes das cidades. Acreditava na prevenção e na necessidade de um ambiente sempre fresco, água potável, medicação adequada, paz, mobilidade e o conhecimento para que o doente cuidasse de si mesmo. Para além disto, pretendia a formação das enfermeiras.
Mauksch citado por ADAM (1994) afirma que as funções tradicionais da enfermeira se foram, progressivamente, diferenciando, para dar lugar a muitas especialidades.
Vivemos, actualmente, numa sociedade caracterizada pelos avanços tecnológicos que atingiram, também, a enfermagem. O papel dos enfermeiros, intimamente relacionado com a prevenção da doença e promoção da saúde, num clima de relação de ajuda tende, cada vez mais, para a independência e interdependência no contexto da prestação de cuidados.
1.3.– PROBLEMÁTICA DO DESENVOLVIMENTO DOS CUIDADOS
Assistimos actualmente a uma abundância de documentos e diligências sobre o cuidar.
LOPES (1993) refere que essa circunstância não pode ser entendida como uma moda, mas sim como o reflexo da evolução da própria enfermagem que procura firmar a sua posição.
No entanto, apesar ser incontestável que a enfermagem se defronta numa conjuntura de viragem, são evidentes os condicionantes com que se articula, para que os enfermeiros reconheçam e promovam o espírito do cuidar como um estrado para uma prática comensurável e científica. HENRIQUES (1994) identifica quatro tipos de condicionantes que impedem o rápido avanço da nova filosofia de cuidados: condicionantes históricos, culturais e de formação, económicos e políticos.
Condicionantes históricos
Na primeira metade do séc. XX, a ênfase era posta na doença e não no doente. Abonava-se essencialmente a tecnicidade, sendo o cuidado considerado como um desempenho de tarefas muitas vezes desligadas.
Actualmente quer pela vivência que os profissionais têm dos serviços de saúde, quer pelas análises que já se efectivaram, sabemos que as condições de trabalho e a organização dos cuidados propagam e alimentam o modelo biomédico, criando um entrave importante à expansão do cuidar.
Torna-se categórico que os enfermeiros se consciencializem que só se reconquistará a identidade da profissão e só se alcançará absoluta autonomia, se se considerarem os actos de cuidar como diferentes e complementares dos cuidados médicos (LOPES, 1993).
Condicionantes culturais e de formação
Apesar da profissão de enfermagem ter, desde sempre, os seus valores nativos, a aquiescência ao modelo biomédico, em que a cura é a condição suprema, tem orientado não só a formação dos enfermeiros, como a organização e a prestação de cuidados. São determinantes os condicionantes culturais implantados em muitos enfermeiros e na própria representação social da profissão.
Confirma-se, actualmente, que os cursos de enfermagem abrangem um teor de formação cada vez mais intenso em ciências sociais e humanas, o que favorece a humanização dos cuidados. Por outro lado, o crescente número de enfermeiros especialistas, bem como a fugacidade de difusão de informação, conduzirão ao desenvolvimento desta nova filosofia dos cuidados.
Destaca-se, ainda, o facto de que só será possível prestar cuidados humanizados se as relações interpessoais, e os próprios fundamentos que comportam a organização forem também humanizados. Daí que a comunicação entre todos os agentes da saúde deva ser acicatada (HENRIQUES, 1994).
Condicionantes económicos
O motivo de se analisar a saúde como um somatório de factos mensuráveis constitui um obstáculo ao desenvolvimento do cuidar. A relação entre quem presta e entre quem recebe cuidados não pode ser vista como um acto mensurável. Torna-se árdua a demonstração da rentabilidade de determinadas intervenções de enfermagem, como o toque ou a escuta activa.
É inadiável que enfermeiros, equipa multidisciplinar e comunidade em geral, se consciencializem que a assistência de enfermagem centrada no utente, em que é enaltecida a relação entre ambos, pode minorar os custos. COLLIÈRE (1989) refere que a “incidência económica deverá ser estudada em relação às pessoas que são tratadas e a quem trata: os cuidados que partem da relação entre quem presta e quem recebe cuidados têm efeitos terapêuticos insubstituíveis” levando à diminuição de certos medicamentos ou tratamentos.
Condicionantes políticos
Um dos elementos que, segundo HENRIQUES (1994), parece sitiar o progresso da nova perspectiva dos cuidados de enfermagem em certas instituições de saúde é a precariedade de enlace dos enfermeiros, levando a uma instabilidade profissional.
Ainda existe uma ampla instabilidade nas equipas de enfermagem que se modificam regularmente graças à falta de vínculo de muitos elementos. Este feito representa um factor motivacional na procura de respostas para a sua condição pessoal, com consequentes efeitos funestos para a qualidade dos cuidados prestados.
Só uma política de saúde que permita a estabilidade de enfermeiros no mesmo local de trabalho, poderá certificar a estabilidade das equipas, favorecendo o desenvolvimento da qualidade dos cuidados de enfermagem.
2 – A QUALIDADE DOS CUIDADOS DE ENFERMAGEM
A qualidade pode ser descrita como uma filosofia de lutar pela excelência, que deve existir a todos os níveis numa organização. Neste contexto a qualidade é um processo contínuo e dinâmico criado a partir de vários factores, como seja, estratégias e valores partilhados.
2.1
QUALIDADE NA PRESTAÇÃO DOS CUIDADOS
Wilson Barnett citado por RICHARDSON (1976), descreveu qualidade como “relacionada com o valor ou benefício derivado dos cuidados” e define-a como “o grau de sucesso obtido no alcance destas metas” e, consequentemente, pressupõe “uma avaliação dos cuidados”. O que pretendemos quando dizemos que estamos a avaliar os cuidados? Em linguagem simples isso significa habitualmente medir até que ponto o resultado real dos cuidados prescritos obteve os resultados “pretendidos” para o utente.
Donabedian citado por FERREIRA (1991, p.98-100), define qualidade de cuidados de saúde como “tipo de cuidados que maximiza uma medida que inclui o bem-estar dos doentes, após se considerar o equilíbrio entre os ganhos e as perdas esperadas que acompanham o processo de cuidados em todas as suas componentes”.
Para este, a qualidade dos cuidados deve ser encarada essencialmente em quatro dimensões: conduta do prestador de cuidados que se refere às funções de curar e cuidar; acesso aos cuidados e conveniência que tem a ver com a facilidade de encontrar serviços de acordo com as necessidades e com as capacidades financeiras, disponibilidade de recursos materiais e humanos, continuidade de cuidados em formas de promoção da saúde, prevenção da doença e reabilitação nas múltiplas dimensões da vida:
“Os padrões do processo e critérios para os cuidados de enfermagem, dizem respeito ao que os enfermeiros fazem e como prestam cuidados. Eles constituem um meio de demonstrar os valores, as crenças e os conhecimentos da profissão, e individualmente, do enfermeiro. Os resultados do processo de avaliação deveriam habilitar os enfermeiros a melhorar a prática nos seus pontos fracos, eliminar o que já não tem interesse e reforçar o que está bem”. RICHARDSON et al (1976)
Cada enfermeiro é responsável pelos seus actos, como tal, deveria avaliar os cuidados prestados por forma a melhorá-los, reforçando os aspectos positivos e eliminando os menos positivos.
Tendo em conta a definição atrás citada de cuidados de enfermagem, poderemos dizer que os enfermeiros poderão melhor avaliar os seus actos tendo que, para tal, criar uma lista de necessidades e assim desenvolver os padrões e critérios de todo um processo de avaliação.
Segundo RICHARDSON (1976), um padrão é um nível acordado de execução, próprio para a população a que se destina, que é observável, realizável, mensurável e desejável. Um critério é um meio ou padrão de avaliação; um teste; uma regra. O mesmo autor afirma que os critérios definem os padrões, porque os critérios são indicadores pormenorizados dos padrões e podem ser específicos para o campo ou o tipo de doente.
O processo de enfermagem é a base para a orientação do exercício da profissão.
Olhando para os planos de cuidados, poderemos obter inspirações para a criação de padrões e critérios do processo de avaliação. As acções de enfermagem indicariam os padrões do processo, e as metas a atingir com os cuidados seriam a fonte dos critérios para a avaliação.
O processo de promoção e obtenção de qualidade dos cuidados de enfermagem requer que se definam previamente os padrões necessários para uma boa prestação desses cuidados. Este processo envolve todas as actividades e toda a equipa.
Deverão ser os profissionais de enfermagem a elaborar e aplicar as suas próprias normas e critérios de cuidados desejados.
Primeiramente deverá ser feito um diagnóstico da situação, identificando as necessidades, implementando um projecto de cuidados de enfermagem, e fazendo a avaliação sistemática, introduzindo, se necessário, medidas correctivas.
Para RICHARDSON (1976) existem alguns parâmetros a seguir para uma boa avaliação dos cuidados a prestar. Eles são: examinar diferentes metodologias de vigilância de qualidade, antes de escolher uma; verificar se os padrões e os critérios estão aptos para realizar o que se pretende; realizar primeiro uma experiência piloto dos instrumentos; estabelecer uma boa comunicação; providenciar para que o pessoal saiba o que se está a passar; divulgar os sistemas de garantia de qualidade nas folhas de informação para os doentes; estabelecer uma educação eficiente e prática suficiente para o pessoal; utilizar uma selecção de doentes ao acaso, ou seja, que cada um tenha a possibilidade de ser escolhido; as perguntas devem ser claramente elaboradas; devolver os resultados da avaliação em tempo útil.
Deve ainda ser feita uma avaliação periódica da metodologia de vigilância de qualidade, realizar-se testes de fiabilidade, pelo menos uma vez por ano e fazer uma revisão das respostas não aplicáveis.
Ao ajudar os enfermeiros a olhar de forma crítica para o padrão dos cuidados que prestam aos seus doentes, podemos estar a pedir-lhes que se familiarizem com termos de uma nova terminologia e que usem procedimentos que não lhes são familiares.
A mudança não é fácil, mas se houver um apoio adequado relativamente ao ensino e formação, a eficácia da mudança será tanto maior.
2.2 – AVALIAÇÃO DA QUALIDADE
É nos dias de hoje um dado adquirido que a avaliação da qualidade é um imperativo de todas as organizações produtoras de bens e/ou serviços, na medida em que esta nos possibilita a determinação do nível de qualidade dos produtos utilizados. Tendo por base a identificação e precisão dos defeitos e a utilização dos resultados para o planeamento e implementação de medidas que visem uma melhoria contínua da qualidade.
A nível público e privado, a avaliação da qualidade depara-se como um instrumento de gestão precioso e fulcral, a qualquer nível de actividade.
Em busca da precisão, objectividade e coerência da avaliação é indispensável determinar previamente as normas correspondentes e os parâmetros de qualidade que irão servir e funcionar como modelo de imitação e comparação dos produtos e serviços.
Especificando o campo sobre o qual pretendemos incidir, também os serviços de saúde têm o dever de se preocupar com o que rodeia a qualidade.
A implementação da avaliação contínua da qualidade tem razão de ser a partir do momento em que esta organização é encarada como sendo produtora de bens e serviços onde o investimento das finanças públicas e privadas é uma realidade (LAURIN,1985).
Desta feita, e estando enquadrada num ciclo com etapas rigorosamente estipuladas no âmbito da estrutura, processo e resultados, o recurso a avaliações periódicas e contínuas do nível de qualidade dos cuidados prestados deve ser enfatizado como o culminar de todo o ciclo que, progressivamente, deverá ser o mais eficaz e eficiente possível.
De facto, é cada vez mais evidente uma preocupação relativa com as questões da qualidade e respectiva avaliação a nível organizativo, apesar de ser ainda evidente uma certa dificuldade na “penetração” da esfera da “cultura organizacional”, não atingindo este aspecto a notoriedade e dimensão desejada.
Assim, é imperativo um investimento em áreas individualizadas no que diz respeito à avaliação do processo de cuidados, permitindo determinar a contribuição de um dado grupo profissional na garantia e suporte da qualidade.
Estando a enfermagem num período de franco desenvolvimento, convém também realizarmos uma incursão ao nível da avaliação da qualidade dos cuidados prestados pelos enfermeiros, analisando as questões relacionadas com os pressupostos necessários à sua implementação.
2.2.1 – Avaliação em cuidados de enfermagem
Segundo Albuquerque (1989) as primeiras tentativas de avaliação da qualidade de unidades de enfermagem foram realizadas com Reitor ao definir o “código de boa prática”.
Continuando o que de mais significativo teve influência sobre a visão acerca da qualidade dos cuidados de enfermagem, cronologicamente, e ainda segundo Albuquerque (1989), a Liga Nacional de Enfermeiros dos Estados Unidos da América criou e propôs um “Guia de Auto-Avaliação dos Cuidados de Enfermagem”.
Na década de 70, num período de grande expansão desta metodologia, surgiram vários modelos como os de Dunn e Cash, baseados no processo de Enfermagem e na observação directa da actuação da enfermeiro e/ou do utente; os métodos completos da avaliação da qualidade com observações prolongadas foram desenvolvidos e incrementadas por Wandelt Ager e Rush Medius; ZIMMER (1980) define uma lista de critérios para analisar os resultados em termos de conhecimento do utente acerca da sua doença, seu tratamento e capacidade de se autocuidar.
No que respeita ao nosso País, os primeiros passos nesta temática foram dados na década de 80 onde, embora de uma forma ténue e pouco notória, se tentou abordar a avaliação da qualidade de cuidados de enfermagem.
Com a elaboração do projecto “Metas de Saúde para Todos” foi enfatizada toda uma panóplia de medidas em que, todos os Estados Membros, nos quais está englobado Portugal, deveriam estabelecer os mecanismos eficazes de garantia de qualidade dos cuidados dos quais usufrui o utente, inserido no sistema de cuidados de saúde.
Ainda neste âmbito, para a Organização Mundial de Saúde, citado por Justo (1992), “avaliar a qualidade dos cuidados não é apenas medir o nível de desenvolvimento técnico ou de competência dos serviços; é necessário também medir a eficácia, a eficiência, dos métodos de prestação de cuidados e a sua adequação às necessidades da população”.
A partir da década de 90 tem-se assistido a uma grande expansão em torno desta problemática emergindo um elevado número de conceptualizações e definições relativas à avaliação dos cuidados de enfermagem, tendo como grande objectivo o determinar das diferenças existentes entre os cuidados prestados e a forma como são idealizados, segundo as normas preestabelecidas, e a sua aplicação na prática.
Assim, segundo a Direcção Geral dos Hospitais (1987), avaliar a qualidade dos cuidados de enfermagem “consiste em estabelecer a diferença entre a realidade e aquilo que é considerado óptimo, com o objectivo de melhorar essa realidade”.
Apesar da subjectividade inerente à qualidade dos cuidados prestados fica patente, na definição de Richardson (1976), que deve ser definido um “nível desejado de cuidados” que, posteriormente, deverá ser alvo de comparação com o “nível dos cuidados prestados no aqui e agora”.
Realçando o cuidado subjectivo desta afirmação, Trembley citado por Diniz (1995) enfatiza o facto de se ter que recorrer ao “julgamento de valor sobre uma determinada realidade, através de um processo sistemático para determinar o nível de eficiência e eficácia dos cuidados prestados face aos recursos científicos disponíveis”, partindo o julgamento de valor da “comparação de dados recolhidos com normas pré-determinadas”.
Numa perspectiva de comparação entre os resultados da assistência à saúde e os procedimentos recomendados, Pereira (1995) define a avaliação dos cuidados como um processo que visa saber “se as pessoas fazem o que deve ser feito, à vista do conhecimento disponível”.
Após a apresentação de diferentes conceptualizações em torno da qualidade dos cuidados prestados do foro da enfermagem, poderemos concluir que estamos perante uma avaliação de um processo que permite saber o que é feito e como deverá ser feito, aumentando na forma de aquisição e processamento de evidências por forma a incrementar uma melhoria no sistema de controlo e formação contínua para a qualidade global.
Qualidade global, segundo NUNES (1994), consiste na “prestação de cuidados e produção de satisfação numa determinada população de utentes, de acordo com as limitações tecnológicas que temos, os recursos de que dispomos e as características dessa população e utentes”.
O termo qualidade global na prestação de cuidados engloba a confiabilidade do desempenho (consistência do desempenho no tempo), a conformidade do desempenho (expectativas do utente) e a facilidade e flexibilidade na resolução de problemas.
A avaliação da qualidade dos cuidados prestados ao nível da enfermagem para além de abarcarem os cuidados de enfermagem propriamente ditos deverá ter em linha de conta a qualidade de vida do utente e o respectivo bem-estar, numa escala hierárquica mutável variando de indivíduo para indivíduo em termos de conforto, segurança, acolhimento, bem-estar, no que se refere ao exercício da enfermagem de um modo humanizado e holístico.
A perspectiva anteriormente referida vai ao encontro do referido por OURIVES (1993) dado que “a avaliação do desempenho do serviço de enfermagem deve abranger a totalidade dos padrões preconizados para o período em apreço, através de indicadores que possam medir a qualidade relativa à satisfação dos clientes e dos resultados dos cuidados de enfermagem”.
Fazendo um apanhado geral das definições apresentadas, fica patente um reforço significativo das vantagens, da utilidade de um ambiente de qualidade na organização e dos benefícios e interesses da avaliação da qualidade dos cuidados prestados, perspectivando o controlo e garantia dos níveis adequados e preconizados dos cuidados de enfermagem e de qualidade total dos cuidados de saúde.
2.2.2 – Utilização da avaliação dos cuidados
A avaliação da qualidade de cuidados de enfermagem acarreta um vasto número de benefícios que serão distribuídos no âmbito do utente, respectiva família e sociedade em geral, no âmbito dos profissionais de enfermagem, organização prestadora de cuidados e serviços e para os financiadores.
Todo o “universo” que envolve a avaliação dos cuidados de enfermagem, na perspectiva das suas diferentes partes, tem vantagem na utilização dos métodos correspondentes. Globalmente, visa melhorar os cuidados prestados ao utente, na medida em que nos possibilita a identificação das causas e das lacunas inerentes à prestação de unidades deficientes. Desta forma, e como consequência deste aspecto, permite a elaboração de um plano coerente e objectivo de acções a desenvolver, tendo como meta o superar das deficiências detectadas e consequente promoção da melhoria da qualidade dos cuidados de enfermagem.
Por forma a objectivarmos a vantagem referente à avaliação dos cuidados de enfermagem, é indispensável “dissecarmos” o “universo” que envolve esta avaliação, tendo em vista uma mais fácil compreensão, referindo as vantagens que cada uma das partes usufrui, directamente, a partir desta metodologia.
No que se refere ao utente permite receber cuidados de qualidade de forma holística e humanizada, assegurar-se da satisfação do utente relativamente à qualidade do serviço recebido (LAURIN, 1988).
Relativamente à organização, a avaliação permite garantir a qualidade dos cuidados; determinar a diferença que existe entre os cuidados prestados e as normas de actuação preestabelecidas; analisar a pertinência das normas de actuação e critérios de avaliação dos cuidados; implementar medidas correctivas; favorecer o diálogo entre gestores e prestadores de cuidados; estimular a inovação e a criatividade no processo de melhoria da qualidade; atingir melhores resultados dos cuidados de saúde através do envolvimento de todos os colaboradores num processo de melhoria continua.
Quanto à profissão de enfermagem, a avaliação dos cuidados prestados permite esclarecer o que são bons cuidados; adequar as normas de actuação e critérios de avaliação à prestação de cuidados de enfermagem; especificar as acções correctivas conducentes à melhoria da qualidade dos cuidados de enfermagem; medir a qualidade dos cuidados de enfermagem; gerir correctamente os recursos de enfermagem; definir áreas de competência, elevar o nível da profissão e garantir a autonomia da profissão de enfermagem; identificar necessidades de formação e estabelecer prioridades; favorecer as actividades de ensino e de pesquisa no sentido de mudar atitudes e comportamentos (LAURIN, 1985).
Actualmente, e com a evolução e incrementar da avaliação dos cuidados de enfermagem, têm sido utilizados diversos métodos destinados a avaliar a qualidade dos cuidados. Destes podem ser destacados o método directo, que consiste numa observação directa das práticas de enfermagem, simultaneamente com a realização de entrevistas aos principais implicados no processo, enfermeiros, utentes e família.
A determinação do nível de aplicação das normas de actuação profissional protocolizadas após terem sido definidas pela organização e baseadas nos padrões de qualidade das unidades de enfermagem é denominada de método indirecto.
Relativamente ao método retrospectivo, este baseia-se na análise dos registos de enfermagem após os cuidados de enfermagem e respectiva alta hospitalar.
Por último, o sistema de auditorias é um outro método de avaliar os cuidados prestados no qual o auditor comprova se os cuidados prestados vão ao encontro das normas preestabelecidas pela organização.
A avaliação dos cuidados prestados deve ser realizada por todos aqueles que têm um papel activo na planificação, que participam e beneficiam dos cuidados, devendo estes ser, prioritariamente, da responsabilidade dos serviços e profissionais envolvidos, dado que só eles podem garantir a aplicação de medidas correctivas.
O processo avaliativo, em toda a sua complexidade deve ser constituído por três traves mestras, interagindo entre si sendo denominadas de estrutura, processos e resultados.
Apesar de actualmente, já se poder recorrer a vários métodos de avaliação da qualidade, poderemos referenciar dois dos métodos mais utilizados, um geral e outro específico.
O método de carácter geral refere-se ao Modelo de Donabedian que subdivide a avaliação da qualidade em três dimensões distintas, como já foi referido anteriormente: estrutura, processo e resultados.
No que respeita ao método específico, o Método de Avaliação da Qualidade de Cuidados de Enfermagem Hospitalar (MAQCEH) o seu cerne corresponde, essencialmente, à avaliação do processo de cuidados, embora com uma vertente de resultados obtidos através de entrevistas aos utentes.
Avaliar a qualidade dos cuidados é uma etapa essencial, sendo das mais complexas de todo o processo de cuidar. A avaliação tem por base um julgamento sobre o valor da prática do cuidar e, por conseguinte, sobre a do serviço prestado pelos profissionais à população.
Trata-se de um assunto sensível que implica, de qualquer maneira, o discernir sobre o que está bem ou não.
Por vezes, é notória uma certa confusão entre a avaliação da prática de cuidados e o recurso a determinados instrumentos de medida. Pode ser uma prova deste facto o querer objectivar a prática recorrendo aos instrumentos que atribuem um carácter irrefutável aos resultados obtidos, permitindo desde logo, comparações (LAURIN, 1985).
Se os instrumentos de avaliação de cuidados são indubitavelmente úteis, estes não podem, no entanto, englobar e concentrar todos os aspectos. A prudência impõe-se a fim de não dar aos instrumentos de avaliação o que eles não podem exprimir.
Reter-se-á, pois, que é necessário medir apenas o que é mensurável e renunciar à medição daquilo que não pode ser alvo de mensuração tendo em conta as fronteiras existentes entre o mensurável e o não mensurável.
2.3. – MODELO DE GESTÃO PARA A QUALIDADE
Para a melhoria da qualidade não é suficiente um investimento em tecnologias. Torna-se cada vez mais indispensável repensar estratégias, reequacionar os modos de organização e, sobretudo, abordar formas de gestão motivadoras da participação do pessoal. (APOLINÁRIO, 1995).
A qualidade não se verifica se não existirem pessoas de qualidade. A maioria das pessoas pode ser de qualidade quando certas no local certo, motivadas e envolvidas.
A qualidade ao nível dos cuidados começa na qualidade da gestão dos recursos humanos da organização, na medida em que a qualidade é da responsabilidade de todos e depende do envolvimento de cada um no processo e da capacidade de envolver os outros.
O gestor de recursos humanos e de projectos de qualidade tem que ser um verdadeiro líder, aplicando as técnicas de liderança no exercício da gestão, pois é do conhecimento de todos, que o tipo de gestão e de organização dos cuidados influencia a qualidade dos mesmos. É, portanto, função do gestor promover o envolvimento pessoal e a auto-responsabilização na auto-avaliação do desempenho dos subordinados. Para tal, é fundamental que o líder possua competências a nível conceptual, técnico, mas, essencialmente, competências ao nível humano e relacional (APOLINÁRIO, 1995).
O enfermeiro gestor está inserido neste contexto de gestão, através do conteúdo funcional definido no Dec.-Lei nº 437/91, de 8 de Novembro, no qual lhe são atribuídas funções e competências em todos os níveis de prestação de cuidados e da gestão de recursos materiais e humanos.
Para uma melhor compreensão das referidas funções, torna-se pertinente a abordagem de alguns princípios importantes no desempenho das funções de administração, direcção e chefia.
2.3.1 – Liderança
A liderança é a arte de dirigir, coordenar e motivar pessoas em grupo. O líder é aquele que tem a capacidade de reunir outros indivíduos para com eles atingir os objectivos da organização e dos profissionais. Deste modo, o tipo de liderança desenvolvido é determinante do envolvimento colectivo, condição essencial para a melhoria contínua da qualidade. (CARVALHO, 1994).
Para POLÓNIA (1993), a gestão da qualidade passa por uma abordagem técnica e uma abordagem de gestão centrada na liderança e nas relações humanas. Para tal, a implementação de um processo desta natureza passa por uma mudança de atitudes, crenças e da mentalidade de cada um dos colaboradores.
O tipo de liderança desenvolvido ou aplicado é um passo determinante para o envolvimento colectivo do hospital/instituição, pelo que deve existir um esforço de compatibilização da individualidade e necessidade de cada profissional, com a filosofia e objectivos organizacionais ou do serviço. Na criação de um ambiente de qualidade total, o líder deve orientar a sua actividade para acções de apoio e acções directivas, o que poderá conduzir a quatro estilos de liderança: direccional, apoio, participativo e delegativo, consoante a fase de implementação do projecto de qualidade. (CARVALHO, 1994).
Com o estilo direccional pretend ganhar-se a confiança; com o segundo estilo explicar os “porquês”; no terceiro ambiciona-se a participação dos colaboradores e no quarto uma transição de poder para as pessoas, aumentando a sua responsabilidade e envolvimento. A utilização destes diferentes estilos de liderança visa, essencialmente, a diminuição da tendência para resistir à implementação e participação nos programas e projectos. (POLÓNIA, 1993).
Segundo o mesmo autor, a resistência à mudança resulta de factores de ordem estrutural e humano relacionados com a organização. Prendem-se essencialmente com o excesso de burocracia, desconhecimento do plano e dos objectivos, baixa remuneração, trabalho rotineiro, insegurança do posto de trabalho e falta de ambição.
Num ambiente onde se verifique qualidade, os factores anteriormente referidos têm que ser fortemente contrariados, na medida em que os vários autores concluíram que a gestão estratégica é um factor primordial e de significância elevada no momento da implementação de um sistema de controlo da qualidade total.
Na liderança autocrática ou democrática pode existir uma grande taxa de sucesso, desde que a imagem do líder tenha importância para a organização e para os colaboradores.
Uma liderança baseada na desconfiança, no medo, na tensão e na falta de comunicação com os colaboradores, conduz facilmente a sentimentos de insegurança e também à realização de acções incorrectas de forma consciente ou inconsciente. Existe da mesma forma, uma forte resistência à mudança. Por tal facto, num ambiente onde se pretende a promoção da qualidade dos cuidados, a gestão deverá ser do tipo participativo, baseada numa prática efectiva do processo de negociação, gestão contratual, participação nas tomadas de decisão, sistemas de incentivos remuneratórios e outros, na medida em que se exige maior capacidade e responsabilidade dos colaboradores. (CARVALHO, 1994).
2.3.2 – Método de trabalho
O tipo de método de trabalho é outro importante factor na qualidade dos cuidados de enfermagem.
A qualidade exige uma gestão científica e participada com recursos a instrumentos de gestão, utilizando também metodologias de organização de cuidados que permitam, não apenas, cuidados globais e personalizados, mas também a definição de padrões de qualidade, avaliação do desempenho em função dos objectivos organizacionais e individuais, numa intervenção ampla em que a Enfermagem vai da liderança estratégica à operacionalização dos cuidados.
Segundo alguns autores como Biley, citado por GRAY (1987), somos levados a crer que o método de distribuição de trabalho que melhor responde às exigências da qualidade é o método por enfermeiro responsável. Este método é uma forma eficaz de organizar e aplicar os cuidados de enfermagem, no qual cada enfermeiro fica responsável por um determinado número de utentes, desde a sua admissão na unidade até à sua alta ou transferência.
O enfermeiro é responsável pela avaliação inicial do utente, pelo planeamento, execução e avaliação dos cuidados de enfermagem. Quando o enfermeiro responsável se encontra, por qualquer motivo ausente, os seus colegas funcionam como assistentes, aplicando os cuidados prescritos e actualizando os planos de cuidados quando se verificam alterações no estado de saúde do utente. (GRAY, 1987).
Ao analisar a Enfermagem “por responsável”, BILEY (1990) identificou quatro elementos neste método de organizar e aplicar os cuidados de enfermagem:
Responsabilidade – o enfermeiro é responsável pelos cuidados nas 24 horas e durante todo o internamento;
Autonomia – o enfermeiro tem autoridade para tomar decisões sobre os cuidados;
Coordenação – o enfermeiro comunica directa e continuamente com os colegas que também participam nos cuidados;
Globalidade – o enfermeiro providencia todos os cuidados de enfermagem quando se encontra de serviço;
Embora este método ofereça muitas vantagens, nem sempre é possível a sua aplicação por diversos factores: a resistência à mudança, por falta de preparação e motivação, falta de recursos humanos e em especial por problemas de gestão.
Na impossibilidade de utilização deste método, deve aplicar-se o método individual ou, então, o método de trabalho em equipa, especialmente nos turnos da noite, e às vezes no turno da tarde, em consequência do número reduzido de pessoal.
Desta forma, os enfermeiros gestores que pretendam implementar a qualidade dos cuidados na sua unidade, deverão fazer um esforço por desenvolver o processo de enfermagem e utilizar como método de organização e prestação de cuidados, a enfermagem por enfermeiro responsável. Esta forma de trabalho conduz a um aumento da autoridade e responsabilidade, fazendo com que os enfermeiros se sintam motivados para realizar cuidados de enfermagem de qualidade. (BILEY, 1990).
Outros factores estão implicados na gestão das unidades e dos cuidados, podendo influenciar fortemente a qualidade que se pretende atingir. São exemplos destes factores, a informação/comunicação, a formação e a orientação aos colaboradores.
A informação/comunicação é um instrumento de gestão vital em projectos de qualidade, sendo imprescindível a comunicação a todos os níveis e a todos os colaboradores da organização.
A formação é também um dos factores a considerar num processo de qualidade dos cuidados. A formação permite dotar os meios humanos de conhecimentos, habilidades e atitudes, por forma a que os colaboradores desempenhem as suas funções de acordo com o desejado. Através da formação podem eliminar-se muitos problemas que surgem no início de um projecto, pois muitas pessoas resistem por sentirem-se inseguras ou por desconhecimento do seu papel na organização. Quando se pretende melhorar a qualidade, a formação deverá ser intensa e contemplar todos os estratos profissionais que estão envolvidos nos projectos.
Relativamente ao processo de orientação, é sabido que todo e qualquer projecto em fase de desenvolvimento precisa de um acompanhamento sistemático, para orientação, supervisão e avaliação do processo e dos resultados.
No que se refere à implementação de projectos de qualidade, o trabalho em equipa é um dos aspectos muito defendidos pelos especialistas da qualidade total, na medida em que a expressão “total” implica totalidade de empenho e de utilização de recursos materiais e humanos. Grande parte do sucesso da implementação de um projecto deve-se ao trabalho de grupo e à utilização do método de resolução de problemas num grupo (POLÓNIA, 1993).
No contexto da chefia e da liderança, verifica-se a enfatização do papel do chefe no esclarecimento, informação e motivação dos colaboradores, com os quais deverá formar uma óptima equipa de trabalho dentro da instituição (GRAÇA, 1989).
Segundo GANHÃO (1993), a qualidade dos cuidados é um elemento preponderante para o sucesso da organização, mas dificilmente existirá qualidade se não pensarmos a forma de agir e gerir mesmas organizações. Neste contexto, o autor recomenda que é necessário romper com o passado em áreas, por forma a estabelecer novas políticas, objectivos, planos, organização, medições e controlos; melhoria contínua da qualidade, hoje, amanhã e sempre; formação de todos os colaboradores em processos para se atingir, controlar e melhorar a qualidade.
3 – VALIDAÇÃO DOS CUIDADOS DE ENFERMAGEM
Por definição, Validação constitui o “acto ou efeito de validar ou de tornar válido, legitimação do acto, para que se torne eficaz ou produza efeitos de direito” (Michaelis, 2002).
No âmbito dos cuidados de Enfermagem, faremos seguidamente uma abordagem teórica, abrangendo o modelo teórico, os conceitos, padrões, normas e critérios como fundamentos da teoria de enfermagem. Não esqueçamos que no actual desfasamento teoria-prática concorrem factores como o desajuste teórico e a deficiente capacidade reflexiva, imprescindíveis para a perfeita validação dos cuidados.
3.1 – IMPORTÂNCIA DO MODELO TEÓRICO EM ENFERMAGEM
O enfermeiro actual tem o dever de definir de forma rigorosa o seu contributo pessoal, no seio de uma equipa multidisciplinar, quer para a sua realização pessoal, quer por respeito para com a sociedade que pretende servir. Com o passar dos tempos os profissionais de enfermagem têm sentido cada vez mais a necessidade de reflectir sobre as suas práticas, o que conduziu ao surgimento de teorias e modelos teóricos de enfermagem, funcionando como referências preestabelecidas para aprender a organizar, estruturar e utilizar diferentes conhecimentos em função das situações de cuidados.
A palavra teoria tem origem no grego theoria, que significa “visão”. Com base nessa natureza sensorial, o desenvolvimento de teorias deve ser encarado como racional e intelectual conduzindo à descoberta da verdade (GEORGE, 1993). A mesma autora indica que o propósito das teorias é a descrição, explicação, previsão e controlo de acontecimentos.
KERLINGER (1965) encara as teorias como um conjunto de conceitos interrelacionados que proporcionam uma visão sistemática de enfermagem.
Segundo PEARSON (1992), a teoria é um guia de toda a prática, referindo mesmo um ditado antigo que diz “não há nada tão prático como uma boa teoria”. Mas, embora concordemos com esta verdade sabemos também da dificuldade de operacionalizar as teorias na prática de cuidados, surgindo então vários autores que procuram maximizar a sua aplicabilidade com a criação dos modelos de enfermagem.
Na perspectiva de COLLIÈRE (1989) examinando o que se qualifica como modelo teórico de cuidados de enfermagem, apercebemo-nos de que, ou esta expressão foi introduzida posteriormente aos escritos de certos autores ou então reveste-se de um sentido muito variável, mesmo nos escritos de um mesmo autor.
Assim, e de acordo com ADAM (1994), o modelo conceptual ou modelo teórico é uma representação estrutural da realidade, e não a própria realidade. É uma abstracção, uma concepção, uma criação do espírito. No tocante à enfermagem modelo conceptual pode significar a imagem mental da profissão, uma concepção daquilo que a mesma poderia ou deveria ser, isto é, um quadro de referência constituído por três componentes: valores, postulados e elementos:
Os postulados que sustentam o todo;
Os valores e crenças que justificam o todo;
Os elementos: objectivo, utente, papel profissional, a origem da dificuldade sentida pelo utente, a intervenção do profissional e as consequências.
(Johnson citado por ADAM, 1994).
A enfermagem teórica é rica em modelos o que dificulta a escolha de um ou mais destes esquemas para guiar a prática. No entanto esse pluralismo denota o desejo da assunção de escolas de pensamento caracterizando, assim, uma fase pré-paradigmática. Cada modelo teórico realça o cuidar já que este “parece ser o núcleo central, ou a estrutura fundamental subjacente, para tudo o que é enfermagem (MICKENNA, 1994, p.33)”.
A importância dos modelos teóricos reside na utilidade que os profissionais de enfermagem descobrem aquando da sua aplicação prática. Orientam o modo organizacional do serviço, apreciam, planeiam, executam e avaliam os cuidados, traçam aspectos de relação entre a equipa de enfermagem.
COLLIÈRE (1989), refere que o modelo é uma regra de conduta científica chamada a modelar a pessoa do enfermeiro, e expõe que os modelos ajudam essencialmente a:
Clarificar o significado de enfermagem;
Identificar o sistema de valores da enfermagem;
Orientar a prática profissional;
Definir conteúdo funcional e aumentar a autonomia;
Definir conhecimentos teóricos, técnicos e relacionais necessários ao exercício;
Suportar a incrementação do processo de enfermagem;
Promover mudanças nos métodos de trabalho;
Definir áreas de investigação;
Fornecer directivas de formação;
Guiar a gestão de cuidados de enfermagem;
Neste contexto o modelo precede o processo de enfermagem, porque orienta a forma de colher os dados para apreciação, de definir problemas de enfermagem, de definir objectivos, elaborar planos, de executar acções, de avaliar e orientar a elaboração dos registos.
Em suma, os modelos teóricos de enfermagem são fulcrais à prática profissional, pois facilitam a compreensão e a definição da qualidade e validação dos cuidados de enfermagem que desejamos.
3.2 – CONCEITOS
A fim de clarificar o que caracteriza de facto a disciplina de enfermagem, vários teóricos analisaram os registos de enfermagem e aperceberam-se que, de forma implícita ou explícita, estavam presentes quatro conceitos. Estes quatro conceitos formam a estrutura de base a partir da qual o conhecimento evolui. Contudo estes conceitos per si não são suficientes para precisar a contribuição da enfermagem aos cuidados de saúde. No entanto, é na relação particular destes quatro conceitos que está o coração da disciplina de enfermagem (MENKE, 1990).
É possível, portanto, analisar as várias escolas no tocante aos quatro conceitos (Homem, Ambiente, Saúde e Enfermagem).
Nightingale foi a primeira teórica a apresentar uma concepção de enfermagem que tem orientado a prática, a formação e a gestão durante várias gerações. Foi preciso esperar até finais da década de 50 para que novas teóricas propusessem novas concepções para a disciplina.
Tomando como exemplo a escola das necessidades defendida por Virgínia Henderson, o conceito de Homem aparece como sendo um todo complexo com catorze necessidades fundamentais, cada uma delas bidimensional (bio-fisiológica e psico-sócio-cultural); ambiente é a natureza ou meio agindo de forma positiva ou negativa sobre a pessoa; a finalidade da enfermagem passa por conservar ou restabelecer a independência do doente na satisfação das suas necessidades, o mais rapidamente possível. Esta escola não apresenta um conceito formal de saúde, no entanto das suas notas infere-se que saúde é a capacidade que a pessoa tem de satisfazer independentemente as suas necessidades fundamentais.
3.3 – PADRÕES, NORMAS E CRITÉRIOS
O nível de qualidade dos cuidados de enfermagem prestados em muito depende da definição dos padrões, das normas e dos critérios de qualidade.
A definição de padrões de cuidados parte da finalidade específica da enfermagem, do seu modelo conceptual e da metodologia científica utilizados no exercício da profissão. Simbolizam o cumprimento integral do serviço de enfermagem, administrando parâmetros para a monitorização e apreciação da qualidade.
Essa definição dos padrões de cuidados é um pressuposto para a definição de normas de actuação profissional em termos gerais e específicos, para as diferentes categorias, operacionalizando assim os próprios padrões.
Finalmente, os padrões de cuidados podem ser referidos como padrões de quantidade, de tempo, de custo, de qualidade e focalizam-se nos destinatários (OURIVES, 1993).
A norma consiste nas habilidades, conhecimentos e atitudes e na capacidade de as aplicar no exercício da profissão. É um conjunto de regras de desempenho e representa o nível desejado de excelência.
O critério é um facto observável que permite saber se a norma foi ou não atingida. É uma característica do desempenho que deve ser pertinente, objectiva e formulada em termos de comportamento esperado (OURIVES, 1993).
No que respeita aos cuidados de enfermagem, as normas e os critérios guiam o enfermeiro na prestação dos cuidados e constituem a base sobre a qual se avaliam e validam esses mesmos cuidados.
3.4 – PENSAMENTO CRÍTICO E PRÁTICA REFLEXIVA EM ENFERMAGEM
Na visão de BANDMAN (1994) pensamento crítico é definido como o exame racional das ideias, inferências, princípios, argumentos, conclusões, factores, crenças e acções. Este exame abarca um processo científico, incluindo o processo de enfermagem, a tomada de decisões e a aplicação da razão (reasoning) nos parâmetros controversos. Na óptica deste autor são quatro os tipos de reasoning: dedutivo, indutivo, quotidiano e prático.
Uma razão para pensar criticamente é tornar-se consciente e reflectir sobre o nosso papel e identidade no mundo, em relação a coisas, acontecimentos e outras pessoas. Pela clarificação dos meios e dos fins dos modos de vida, o pensamento crítico ajuda a focar e a aguçar a consciência.
O pensamento crítico tem uma importância fulcral na enfermagem. Ao definir as condições sobre as quais as conclusões válidas são descritas, o pensamento crítico facilita a compreensão e aplicação do processo de enfermagem. É, assim, uma força libertadora em toda a actividade humana reflectida.
A enfermagem encontra-se em estado de mudança, extremamente activa em definir a sua teoria, a sua prática, investigação, a sua representação social e crítica perante o seu status actual e corrente.
Alguns teóricos de enfermagem apresentam os seus conhecimentos de um ponto de vista singular, monolítico e concreto. Esse tipo de abordagem elimina a possibilidade de dúvida pelo questionamento, curiosidade fornecendo alternativas. O pensamento crítico oferece métodos para transformar estudantes e profissionais em participantes activos no seu próprio crescimento intelectual.
A profissão de enfermagem experiencia actualmente uma fase em que pressões várias a fazem autonomizar-se em relação à parente Medicina. É, pois, um momento auspicioso para o uso do pensamento crítico na definição das crenças, objectivos e valores que caracterizam a Enfermagem. Em suma, o pensamento crítico fornece uma ajuda na tomada de decisão sobre o que realmente importa, o que é importante, e como alcançar os verdadeiros objectivos e aspirações da enfermagem (BANDMAN, 1994).
O processo de enfermagem define-se como a variação do conceito científico de reasoning e é utilizado pelos enfermeiros com o intuito de diagnosticar e dar resposta a potenciais e actuais problemas de saúde do ser humano.
Assim, o processo de enfermagem é uma abordagem geral aos sistemas familiares, individuais, grupais ou comunitários Pela sua generalidade, o processo de enfermagem pode ser utilizado para extrair, deduzir ou inferir a partir de dados, a análise das esferas práticas de aplicação à enfermagem. Também relacionado com a sua generalidade, o processo de enfermagem pode ser utilizado no contexto de vários conceitos que são competitivos e contraditórios em vários aspectos (FERNANDEZ, 1998).
O pensamento crítico ajuda racionalmente a resolver controvérsias ligadas aos cuidados de saúde. Num sentido, apelamos facilmente às regras de inferências ou às falácias como adjuvantes na resolução de desacordos, conflitos e dilemas. Por outro lado, apelamos às regras mais informais ou aos critérios de argumentação.
O papel do pensamento crítico na resolução dos conflitos dos cuidados de saúde prende-se com o facto de que existe um movimento da liberdade para exprimir ideias e sentimentos para uma liberdade enriquecida, indutiva, que goza das regras informais da inferência. A tentativa de resolver conflitos consiste em examinar racionalmente os conceitos, as políticas e as práticas propensas de serem contestadas, e é um processo contínuo. Mas mesmo quando todas as estratégias são utilizadas existem questões que ficam sem resposta.
Muitas vezes, não sabemos o que fazer ou dizer a um doente. Outras, não sabemos como resolver um conflito entre os desejos do doente em fase terminal, os familiares mais próximos e os profissionais de saúde. Procuramos métodos práticos e conceptuais para aceder às dinâmicas interiores que causam esses conflitos. Portanto, muitos dos conflitos podem não ter solução. Nem tudo está perdido… Podemos guiar-nos pelo pensamento de Wittgenstein: “um processo interior precisa sempre de um critério exterior, tal como um mapa (critério externo) ajuda um viajante a encontrar o seu caminho”. Um conflito tem um processo interno com causas e efeitos, e o papel dos critérios externos consiste em aceder aos próprios processos internos. São esses mesmos critérios que auxiliam o enfermeiro a orientar, a compreender e a avaliar os processos interiores, que podem incluir os factores chave que acendem a controvérsia. Contra estes processos interiores podemos utilizar o pensamento crítico pela resolução das controvérsias. Aqui o pensamento crítico consiste em aceder aos dados que envolvem as disputas, examinar, generalizar e testar as inferências e, por último, formar e rever continuamente os julgamentos do que consideramos razoável, credível e justificável.
O pensamento crítico não é unicamente crítico, ele é também criativo, podendo ajudar a resolver aspectos controversos em enfermagem, gradualmente, gerando ideias e argumentos.
Há algumas linhas condutoras para uso do pensamento crítico na resolução racional das controvérsias nos cuidados de saúde, que permitem conduzir a decisões, no âmbito da enfermagem, cada vez melhor fundamentadas.
A prática profissional incorrecta pode considerar-se como o aspecto controverso que temos vindo a referir. Segundo QUEIRÓS (2001) uma situação de prática profissional incorrecta interfere com a habilidade do enfermeiro para desenvolver intervenções de enfermagem de acordo com os padrões profissionais definidos, podendo ter um efeito perigoso para o utente. Ao agir perante um problema profissional, o enfermeiro protege os doentes de algum dano e evita o conflito, para além de ser responsável e, portanto, possuir o dever de prestar contas para assegurar que se mantêm os padrões de intervenção profissional.
Afinal, cuidar com autonomia em enfermagem também passa por minimizar as possibilidades de práticas profissionais incorrectas.
3.5 – ESTRATÉGIAS DE VALIDAÇÃO
Quando os profissionais de enfermagem executam o seu trabalho numa atmosfera humanizante, como profissionais autónomos, trabalhando em colaboração com outros profissionais e outras disciplinas, estão mais aptos a reduzir a desumanização dos cuidados, culminando numa perfeita validação desses mesmos cuidados.
DRACUP (1990), influenciada pela escola do pensamento crítico em enfermagem, expõe algumas condições para que haja validação dos cuidados de saúde: holismo, tomada de decisão colaborativa, presença de ambiente flexível, de empatia e afecto ao invés da neutralidade.
3.5.1 – Holismo
O conceito de cuidado holista sempre fez parte do sistema de valores de enfermagem. Actualmente significa cuidar do utente, não pela acumulação de diagnósticos de enfermagem, mas tomando-o como um indivíduo único, insubstituível e parte integrante de um passado e de um presente com valor. A empatia toma aqui um papel preponderante. QUEIRÓS (1999) citando Chalifour, afirma que o termo empatia indica a capacidade de imersão num mundo subjectivo do outro, isto é, a capacidade de verdadeiramente se colocar no lugar do outro, vendo o mundo como ele o vê.
BARRET (1994) considera que a empatia é a qualidade responsável pela criação de um ambiente “cuidativo”.
Em suma, a empatia humaniza tanto o doente como o enfermeiro, e a validação dos cuidados de enfermagem passa, em grande parte, pela consciencialização dos princípios fundamentais do holismo, bem como pela educação empática na base da prestação dos cuidados.
3.5.2 – Tomada de decisão colaborativa
A formação actual dos enfermeiros tem em conta a responsabilidade que emerge da prestação de cuidados por si só. Alguns mecanismos institucionais, tais como a gestão participativa e uma filosofia de prática colaborativa, proporcionam apoio e autonomia, facilitando a participação integral dos enfermeiros nas várias tomadas de decisões presentes nos cuidados de saúde.
Os doentes têm o direito á autodeterminação, mesmo quando os prestadores de cuidados não concordam com as escolhas feitas pelos utentes. Este direito é baseado no princípio ético da autonomia, que estabelece a ligação com o valor mais abrangente da dignidade da pessoa humana (KUCZEWSKI, 1994; NEVES, 2000). Logo, o processo de validação dos cuidados também se relaciona com a descoberta de mecanismos que evidenciam a autonomia de cada doente. Por exemplo, o consentimento informado para um tratamento ou um estudo de investigação deve ser um processo colaborativo e não um ritual de assinatura no formulário de consentimento informado.
É frequente nos cuidados de saúde que muito pouco se saiba sobre os valores e desejos do doente acerca do tratamento. Quando possível, o simples facto de se perguntar aos doentes acerca dos seus pontos de vista e preferências várias, pode evitar conflitos no decurso dos tratamentos/internamento (DRACUP, 1990).
3.5.3 – Ambiente flexível
Todo e qualquer profissional de enfermagem necessita de apoio no estabelecimento de um ambiente favorável à recuperação do utente. Assim, devem procurar formas de providenciar mais flexibilidade à sua rotina diária e ás suas interacções com os doentes. Alguma desta flexibilidade será conseguida quando os enfermeiros delegarem funções que são mais adequadamente realizadas por outros (DRACUP, 1990).
Um ambiente flexível necessita de uma boa liderança (na pessoal do Enfermeiro Chefe). Para além disso, essa flexibilidade em muito deve ao facto de se tomar em conta as necessidades do doente e família.
COUSINS (1983) explica que um ambiente flexível e crítico de cuidados por si só não permite que o doente esqueça que está realmente doente. Este autor descreveu que o enfermeiro possui formação e deve possuir capacidade para dissipar esses sentimentos menos positivos por parte do doente, através da prestação de cuidados racionais baseados no apoio, compreensão e empatia. Já NIGHTINGALE (1959) disse que “o que a enfermeira deve fazer é colocar o doente na melhor condição para que a natureza aja sobre ele”. O que ela quereria dizer era que uma pessoa doente necessita de um ambiente que conduza à saúde: limpo, livre de ruídos desnecessários, com ar e luz suficientes. Este ambiente também inclui a família, os amigos que conduzem ao bem estar do doente. Nesta concepção, o prestador de cuidados deveria observar e estar atento às necessidades do doente. Estas recomendações da fundadora da enfermagem moderna continuam a ser relevantes para os enferm