Autor: Lucivania de Paula de Carvalho
Introdução
A Dor Pélvica Crônica (DPC) é extremamente comum, afetando 1 em cada 7 mulheres (especialmente durante a idade fértil) e respondendo por cerca de 10% das consultas ao ginecologista. Mas a DPC não é um problema exclusivo das mulheres e pode acometer homens após episódios de prostatite crônica, orquialgia crônica e prostatodinia, por exemplo.
A DPC pode ser definida como dor não-relacionada à menstruação durante 3 ou mais meses, localizada na região da pelve anatômica e intensa o suficiente para produzir incapacidade e necessitar tratamento clínico / cirúrgico.
Assim como tantos outros problemas crônicos, a DPC produz um sofrimento considerável, comprometendo a qualidade de vida do paciente. A fisiopatologia multifatorial é a grande responsável pela dificuldade no manejo de indivíduos com DPC.
A Dor Pélvica Crônica (DPC) é um problema comum e pode ser extremamente desafiador devido à sua etiologia incerta, história natural complexa e dificuldade de tratamento. Muitos pacientes com DPC apresentam vários problemas associados, incluindo disfunção vesical, intestinal ou sexual e outros sintomas sistêmicos / constitucionais. Depressão, abuso de drogas e distúrbios da ansiedade também podem coexistir, complicando ainda mais a abordagem do (a) paciente .
Exame Clínico.
A história clínica minuciosa é essencial na avaliação de todo paciente com DPC. Esta é a única maneira de contextualizar a doença e os distúrbios associados. A semiologia da dor pode encurtar significativamente o caminho entre a suspeita diagnóstica e a abordagem terapêutica bem-sucedida. Localização, tipo, distribuição e severidade da dor, bem como os fatores precipitantes e atenuantes, devem ser registrados em detalhes.
Durante a anamnese, deve-se passar criteriosamente por todos os sistemas (incluindo: reprodutor, gastrintestinal, músculo-esquelético, urológico e neuropsiquiátrico). Hipermenorréia costuma estar associada a leiomiomas ou adenomiose. Antecedentes cirúrgicos levantam a suspeita de aderências abdominais ou pélvicas. Pacientes com estenose da cérvice uterina em geral relatam infecções crônicas com várias intervenções (criocirurgia, excisão em alça ou ressecção endometrial). Deve-se suspeitar de Doença Inflamatória Pélvica (DIP) em mulheres com múltiplos parceiros. História de parto normal difícil com episiotomia ou ruptura perineal sugere distúrbio do assoalho pélvico. Dor tipo queimação (p.ex: vulvodinia sem dispareunia) é típica da neuralgia dos nervos pudendos. Finalmente, os antecedentes psicossociais e psicossexuais devem ser levantados para excluir possíveis distúrbios psiquiátricos coexistente (p. ex: somatização).
A boa relação médico-paciente é importante para o exame físico na DPC. Os exames obstétricos e de outros sistemas podem ser demorados e estressantes. Em geral, após ectoscopia e anotação dos dados vitais, o(a) paciente é examinado(a) em posição de litotomia, iniciando-se com inspeção da genitália e pesquisa de pontos dolorosos. A colposcopia, o toque bimanual e o exame retal podem ser necessários. O exame neurológico e osteomuscular devem fazer parte da avaliação física de todo paciente com queixa de DPC.
TABELA 1 – CAUSAS DE DPC
Distúrbios extra-uterinos
Endometriose, aderências, cistos anexiais, gravidez ectópica crônica, salpingite (inclusive tuberculosa), síndrome de retenção ovariana (síndrome do ovário residual), distrofia ovariana, cisto peritoneal pós-cirúrgico, ovário acessório residual.
Distúrbios uterinos
Adenomiose, endometrite crônica, dismenorréia atípica, estenose da cérvice, pólipos endometriais ou cervicais, leiomiomatose, relaxamento pélvico sintomático (prolapso genital), dispositivo contraceptivo intra-uterino.
Distúrbios Urológicos
Neoplasia vesical, infecção crônica do trato urinário, cistite intersticial, cistite actínica, cistite recorrente, urolitíase, divertículo uretral, síndrome uretral crônica, carúncula uretral.
Distúrbios Músculos-esqueléticos
Fratura das vértebras lombares por compressão, problemas posturais, fibromialgia, lumbago, coccigodinia crônica, distensões musculares, mialgia do assoalho pélvico (espasmo do levantador do ânus), síndrome do piriforme, hérnias.
Distúrbios Gastrintestinais
Carcinoma colônico, obstrução intestinal intermitente, colite, constipação crônica, doença diverticular, doença inflamatória intestinal, síndrome do intestino irritável.
Distúrbios Neurológicos
Neuralgia, aprisionamento de raiz nervosa (p.ex.: por cicatriz cirúrgica), herpes zóster, artropatia degenerativa, herniação discal, espondilose, epilepsia abdominal, neoplasia de medula espinhal ou de nervos sacrais.
Distúrbios Psicológicos e outros
Distúrbios da personalidade, depressão, distúrbios do sono, antecedente de abuso sexual.
TABELA 2 – DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS DE DPC
Abscesso e cisto perianal
Abscesso peritoneal
Abscesso prostático
Bexiga neurogênica
Distúrbio bipolar
Câncer ou obstrução dos cólons
Câncer uterino
Carcinoma endometrial
Carcinoma vesical
Cervicite
Cistite (bacteriana e não-bacteriana)
Colagenoses
Constipação intestinal
Depressão
Dismenorréia
Discopatia lombar
Doença inflamatória intestinal
Doença inflamatória pélvica (DIP)
Distrofia simpática reflexa
Distúrbios do Sono
Distúrbios ureterais (câncer, divertículos, estenoses)
Diverticulite
Endometriose
Endometrite espondilite lombar
Febre familial do mediterrâneo
Fibromialgia
Fístulas vesicovaginais e ureterovaginais
Hérnias abdominais
Herpes Zóster
Infecções do trato urinário
Infecções gonocócicas
Neoplasias do intestino delgado
Porfiria
Prolapso uterino
Prostatodinia
Prostatite bacteriana aguda
Prostatite crônica
Síndrome da fadiga crônica
Tumores anexiais
Tumores ovarianos benignos e malignos
Tumores vulvares benignos e malignos
Síndrome do intestino irritável
Síndromes do assoalho pélvico
Vaginite / Vulvovaginite
Varicosidades pélvicas
Exames Complementares
A maioria dos exames laboratoriais produz achados inespecíficos, mas que podem ser úteis no contexto clínico do paciente. Sorologias para doenças sexualmente transmissíveis, urinálise e dosagens hormonais podem ser solicitados.
Dependendo da hipótese diagnóstica em mente, alguns exames de imagem podem ser bastante úteis. A radiografia simples da coluna é capaz de detectar fraturas, infecções, tumores e outras anormalidades estruturais capazes de se manifestar como DPC. A ultra-sonografia (US), a tomografia computadorizada (TC) e a ressonância nuclear magnética (RNM) ajudam a identificar massas ou cistos pélvicos e suas origens, além de varicosidades pélvicas, hérnias, distúrbios prostáticos e outras alterações locorregionais .
A histerossalpingografia é importante em pacientes com suspeita de infiltração dos ligamentos uterossacrais por endometriose, além de ser útil em casos de pólipos endometriais, síndrome de Asherman e adenomiose.
Enema baritado, colonoscopia, sigmoidoscopia, estudo do trânsito intestinal e manometria anorretal podem ser utilizados possíveis etiologias gastrintestinais. A cistoscopia com hidrodistensão está indicada em pacientes com suspeita de cistite intersticial.
A laparoscopia é um recurso valioso: mais de 60% das mulheres com DPC apresentam pelo menos uma alteração detectável à laparoscopia. As alterações mais comumente observadas incluem endometriose, aderências pélvicas, DIP, cistos ovarianos, hérnias, síndrome da congestão pélvica, síndrome do ovário remanescente, síndrome da retenção ovariana, cistos peritoneais pós-cirúrgicos. A determinação da velocidade de condução nervosa e a eletromiografia podem ser empregados para avaliar neuropatias compressivas ou de aprisionamento, bem como o estado funcional do próprio assoalho pélvico.
Finalmente, a dosagem sérica de CA 125 é solicitada com freqüência em pacientes com DCP. Infelizmente, este exame apresenta baixa sensibilidade / especificidade. O CA 125 pode estar elevado em pacientes com endometriose, leiomiomatose, DIP, gravidez, menstruação em curso e em diversas neoplasias (p.ex.: câncer ovariano, endometrial, colônico ou de mama).
Tratamento
O tratamento da dor pélvica é complexo, em geral consistindo de medidas específicas e acompanhamento psicológico e fisioterápico simultâneo. A relação médico-paciente é essencial para garantir boas chances de sucesso à abordagem terapêutica. As metas do tratamento devem ser realistas e focadas na restauração das atividades habituais (incapacitação mínima), melhoria da qualidade de vida e prevenção de recorrências sintomáticas.
Paracetamol, ibuprofeno, aspirina ou naproxeno são os fármacos mais empregados inicialmente. Caso os resultados não sejam satisfatórios, deve-se associar outros analgésicos, evitando, se possível, a administração de barbitúricos e opiáceos. Antidepressivos, tais como amitriptilina, nortriptilina, fluoxetina e sertralina também costumam ser usados, com respostas variáveis.
Tratamento Fisioterapêutico
A fisioterapia oferece diversas técnicas para relaxamento muscular e alívio da dor, consistindo um recurso terapêutico importante, especialmente em pacientes com distúrbios do assoalho pélvico. O acompanhamento psicológico complementa a abordagem de relaxamento e de fato reduz a freqüência e severidade das crises álgicas.
Pacientes com neuromas ou dores miofasciais podem se beneficiar de injeções e bloqueios locorregionais utilizando anestésicos e corticosteróides. Existem várias técnicas para neuroablação, incluindo termocoagulação, crioablação e injeção de agentes químicos (p.ex.: álcool).
Casos severos de DPC podem ser considerados candidatos para procedimentos cirúrgicos mais extensos, incluindo neurectomia pré-sacral (excisão do plexo hipogástrico superior), desnervação paracervical (ablação laparoscópica da inervação uterina) e excisão gangliônica uterovaginal (excisão do plexo hipogástrico inferior). Obviamente, a avaliação especializada é sempre essencial para indicar corretamente a conduta invasiva a ser adotada.
Conclusão
A dor pélvica crônica (DPC) é um distúrbio tão comum quanto mal compreendido. A variedade de distúrbios possíveis – muitos freqüentemente coexistentes – dificulta o diagnóstico. Por isso, a abordagem da DPC deve ser multidisciplinar e a orientação / educação do paciente deve fazer parte de todo o processo terapêutico. O tratamento da DPC consiste em medidas específicas (caso se tenha um diagnóstico etiológico), uso de analgésicos, fisioterapia e acompanhamento psicológico. Casos mais severos ou refratários podem ser tratados cirurgicamente.
Referência Bibliográfica
Baracho E. Fisioterapia Aplicada à obstetrícia, Aspectos de ginecologia e neonatologia. 3ª ed. Rio de Janeiro: Medsi, 2002.
Baracat E. C, Lima G. R., Guias de medicina ambulatorial e hospitalar unifesp ginecologia.São Paulo: Manole, 2005.