Autor: Sérgio de Carvalho
Insuficiência Cardíaca
Introdução
Insuficiência cardíaca esquerda aguda leva a aumento na água extravascular pulmonar, redução do volume e da complacência pulmonar, e aumento da resistência pulmonar, resultando em aumento do trabalho respiratório e aumento do consumo de oxigênio por volume ventilado (custo de oxigênio da ventilação). Em muitos casos, a combinação entre insuficiência cardíaca esquerda e insuficiência respiratória gera um ciclo vicioso que culmina no edema agudo dos pulmões, situação clínica na qual o risco de vida é iminente, a menos que medidas apropriadas e imediatas sejam adotadas.
No edema pulmonar cardiogênico, apesar da suplementação de oxigênio e da administração de drogas que têm como finalidade reduzir a quantidade de água extravascular e melhorar o dsempenho miocárdico, muitos pacientes caminham para insuficiência respiratória aguda. A utilização de ventilação mecânica invasiva restabelece a oxigenação, alivia o trabalho respiratório e diminui a sensação de dispnéia, porém essa modalidade ventilatória pode acarretar complicações hemodinâmicas e respiratórias. Porém, hoje sabemos que os mesmos objetivos também podem ser alcançados, em pacientes selecionados, com o uso da ventilação não-invasiva com pressão positiva, sem os riscos inerentes ao uso do tubo traqueal, e com a facilidade de descontinuação da ventilação não-invasiva sempre que necessário.
A fisioterapia através de suas condutas representa papel importante em qualquer cirurgia que explore tanto o tórax como o andar superior do abdome. As alterações mecânicas que os processos cirúrgicos causam podem ser fatores complicantes na recuperação e isto é, particularmente, valorizado na cirurgia cardíaca . A cirurgia pode ter sido um sucesso, contudo, o paciente no pós-operatório pode apresentar insuficiência respiratória devido ao padrão ventilatório restritivo que se instala devido à manipulação do tórax, incisão cirúrgica e presença dos drenos pleurais. Os volumes e capacidades pulmonares bem como a força diafragmática sofrem alterações após a cirurgia e pode permanecer até 14 dias por isso que as atelectasias com conseqüentes hipoxemias são freqüentes. Isto tudo ainda pode fica mais complicado se o paciente apresentar comorbidades, assim como ser portador de alguma doença broncoobstrutiva, ser idoso ou obeso.
Ventilação mecânica não-invasiva
A ventilação não-invasiva é definida como uma técnica de ventilação mecânica onde não é empregado qualquer tipo de prótese traqueal (tubo orotraqueal, nasotraqueal, ou cânula de traqueostomia), sendo a conexão entre o ventilador e o paciente feita através do uso de uma máscara. Dessa forma, diversas modalidades ventilatórias podem ser aplicadas utilizando-se essa técnica. Segundo Chatburn e Branson, quando a ventilação é iniciada e/ou finalizada exclusivamente pelo ventilador, sem qualquer interferência do paciente, é chamada de mandatória. A ventilação mandatória pode ser assistida (disparo por pressão ou fluxo), controlada (disparo por tempo), ou assistida/controlada (o ciclo é deflagrado de forma mista, predominando o primeiro sinal que surgir). Ventilação espontânea é aquela em que o paciente de alguma maneira determina o início e o final da ventilação. A ventilação espontânea pode ter um suporte pressórico a cada inspiração (por exemplo, modo pressão de suporte) ou não (por exemplo, pressão positiva contínua nas vias aéreas). A forma mais estudada de ventilação mecânica não-invasiva no cardiopata é a pressão positiva contínua. Essa razão deve-se principalmente à facilidade de instalação do mesmo, bem como à simplicidade de utilização dos equipamentos que fornecem pressão positiva contínua.
Histórico
A partir da década de 1930, surgiram trabalhos pioneiros, publicados por Motley e colaboradores e Barach e colaboradores, que descreveram a técnica e os benefícios do uso da ventilação com pressão positiva, oferecida através de uma máscara, para pacientes com insuficiência respiratória de variadas etiologias. O uso de pressão positiva contínua fornecida através de máscara facial, em pacientes com edema pulmonar, foi primeiramente descrito por Poulton, há mais de 60 anos. Muitas dessas observações e recomendações referentes ao uso da ventilação não-invasiva permanecem absolutamente atuais, apesar de passado mais de meio século.
A década de 1960 trouxe novos horizontes para a ventilação mecânica com pressão positiva. A utilização dos conhecimentos de mecânica desenvolvidos durante a Segunda Guerra Mundial, os avanços tecnológicos, principalmente da eletrônica, provenientes da corrida espacial, e a incorporação de microprocessadores tornaram os ventiladores artificiais mais sofisticados, confiáveis e acessíveis. A crescente experiência com o uso das cânulas de traqueostomia e dos tubos orotraqueais tornou a utilização dessas próteses o procedimento padrão para a ventilação mecânica em Unidades de Terapia Intensiva.
Os tubos traqueais, com os respectivos balonetes para oclusão da traquéia, mostraram-se de grande utilidade para a manutenção da permeabilidade da via aérea superior e para a garantia do volume corrente ofertado durante o suporte ventilatório no atendimento de pacientes graves. Por outro lado, não tardaram a surgir as descrições de complicações diretamente relacionadas ao uso dessas próteses artificiais. Hoje sabemos que, além da lesão local, secundária à isquemia da mucosa da via aérea superior, a agressão aos mecanismos de defesa pulmonar facilita a ocorrência de pneumonia nosocomial, sendo esta, atualmente, a mais temida complicação relacionada à intubação traqueal.
O sucesso obtido por Sullivan e colaboradores com o uso da pressão positiva contínua para o tratamento da apnéia obstrutiva do sono foi um passo importante para o retorno da ventilação não-invasiva ao ambiente hospitalar. Esse fato levou ao aperfeiçoamento das máscaras, tornando-as cada vez mais confortáveis, assim como dos ventiladores, que passaram a ser desenhados especialmente para a ventilação não-invasiva.
Diversos relatos de sucesso no emprego da ventilação não-invasiva, principalmente com o uso da pressão positiva contínua, para o tratamento da insuficiência respiratória tornaram-se freqüentes. Bersten e colaboradores atenderam 39 pacientes consecutivos com insuficiência respiratória por edema pulmonar cardiogênico que foram, após randomização, tratados segundo a rotina clínica (20 casos), ou esta associada ao uso da pressão positiva contínua não-invasiva (19 casos). Dos sete pacientes que necessitaram de intubação traqueal, todos pertenciam ao grupo submetido exclusivamente ao tratamento clínico, e nenhum dos pacientes do grupo tratado com pressão positiva contínua necessitou de ventilação mecânica invasiva. Neste trabalho, não houve diferença na mortalidade entre os grupos.
Um número crescente de trabalhos, criando casuística consistente, foi sucessivamente publicado, enaltecendo o poder de a ventilação não-invasiva evitar a intubação, e diminuir a freqüência de complicações relacionadas à ventilação mecânica e o tempo de permanência nas unidades de cuidados intensivos para os pacientes com insuficiência respiratória. Recentemente, um estudo multicêntrico europeu, no qual 43 pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica agudizada foram randomizados para o tratamento clínico “convencional” comparado com este associado à ventilação não-invasiva (pressão de suporte através de máscara facial), demonstrou redução da mortalidade hospitalar no grupo tratado com ventilação não-invasiva, consolidando essa forma de suporte ventilatório na descompensação aguda da doença pulmonar obstrutiva crônica. Com relação à insuficiência respiratória aguda, de origem cardiogênica, ainda não há evidência de redução da mortalidade nesses pacientes, porém vários trabalhos demonstram inequivocamente os benefícios agudos do uso de pressão positiva contínua na insuficiência cardíaca congestiva.
Efeitos fisiológicos do uso da pressão positiva contínua
Efeitos hemodinâmicos
Sabe-se que a pressão intratorácica é capaz de interferir no desempenho cardíaco. Para a melhor compreensão dos efeitos fisiológicos da pressão positiva contínua, iniciaremos esta exposição pelos efeitos fisiológicos da pressão negativa intratorácica. Durante a realização voluntária de pressão negativa intratorácica, o aumento da capacitância venosa pulmonar diminui o enchimento do ventrículo esquerdo e concomitantemente aumenta também o volume sistólico final do ventrículo esquerdo, refletindo em redução do desempenho cardíaco. Essa explicação encontra-se na sugestão de que a pós-carga do ventrículo esquerdo relaciona-se mais fielmente à pressão transmural do ventrículo esquerdo do que à pressão na raiz da aorta. Durante esforço inspiratório intenso e prolongado, criam-se pressões negativas intratorácicas de grande magnitude, que modificam o volume sistólico final do ventrículo esquerdo, correlacionado diretamente à magnitude de pressão transmural do ventrículo esquerdo. De fato, a pressão transmural do ventrículo esquerdo pode ser traduzida na fórmula pressão transmural (PTM) = pressão do ventrículo esquerdo (PVE) – pressão pleural (PPL). Por meio dessa fórmula podemos perceber que a pós-carga do ventrículo esquerdo depende não apenas da pressão da raiz da aorta, como também das variações da pressão pleural.
Em contrapartida, a manobra de Valsalva, que é oposta à manobra de Müller, provoca diminuição do gradiente de pressão transmural do ventrículo esquerdo, tendo efeito de redução da pós-carga desse ventrículo. Na verdade, esses efeitos da pressão intratorácica sobre a função cardíaca são mais acentuados no paciente com insuficiência cardíaca congestiva.
A aplicação de pressão positiva contínua, através de máscara facial ou nasal, em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva descompensada pode provocar aumento agudo no débito cardíaco ou aumento do desempenho do ventrículo esquerdo. Os efeitos positivos da pressão positiva contínua sobre o desempenho cardíaco podem ser traduzidos como redução da pré-carga, por meio da redução do retorno venoso, e de redução da pós-carga, por meio de redução da pressão transmural do ventrículo esquerdo. Efeitos crônicos sobre a melhora da fração de ejeção do ventrículo esquerdo também foram relatados após a aplicação noturna diária de pressão positiva contínua em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva e, concomitantemente, apnéia obstrutiva do sono.
Os efeitos hemodinâmicos agudos da pressão positiva contínua no cardiopata estável são controversos, principalmente o efeito sobre o débito cardíaco, que pode aumentar, diminuir, ou ficar inalterado. Essas diferenças refletem as variadas populações de cardiopatas estudadas. Pacientes que respondem à pressão positiva contínua com aumento de débito cardíaco apresentam, como efeito predominante da pressão positiva contínua, a redução da pós-carga, ao passo que nos que não respondem o efeito principal da pressão positiva contínua concentra-se na redução do retorno venoso. Admite-se que, na insuficiência cardíaca congestiva, o débito cardíaco seja mais sensível às modificações da pós-carga do que da pré-carga. Apesar dessas controvérsias sobre a modificação do débito cardíaco induzidas pelo pressão positiva contínua, há unanimidade sobre os efeitos benéficos da pressão positiva contínua quando aplicada no paciente com edema agudo dos pulmões de origem cardiogênica, especulando-se, ainda, a colaboração de mecanismos reflexos para a melhora do desempenho cardíaco.
Efeitos respiratórios
O edema pulmorar cardiogênico causa deterioração da mecânica respiratória, ocorrendo aumento da resistência de vias aéreas e diminuição da complacência pulmonar. Esses efeitos somados aumentam o trabalho respiratório e o gasto de oxigênio pela ventilação e provocam uma necessidade de geração de pressões intratorácicas mais negativas para a manutenção da ventilação. Esse aumento de trabalho respiratório e redução da pressão pleural submete o paciente a aumento da pós e da pré-carga, bem como a aumento do consumo de oxigênio, submetendo o paciente cardiopata a sobrerga adicional a seu sistema circulatório. Já está bem documentado que a aplicação de pressão positiva contínua nesses pacientes reduz a freqüência respiratória, a PaCO2, a pressão transpulmonar e o trabalho respiratório. Quando o trabalho respiratório foi mensurado utilizando-se medidas da pressão esofágica, pôde-se observar redução nos componentes resistivos e elásticos do sistema respiratório. No edema pulmonar cardiogênico, a oxigenação encontra-se afetada pelo aumento de “shunt” pulmonar. A utilização de pressão positiva contínua melhora a oxigenação desses pacientes reduzindo o “shunt”. Esse efeito é explicado pela capacidade da pressão positiva contínua de recrutar unidades alveolares colapsadas.
A combinação dos efeitos sobre a mecânica respiratória, a oxigenação e o sistema circulatório resulta em melhora no balanço entre a oferta e o consumo de oxigênio nos pacientes com insuficiência cardíaca congestiva. A soma desses efeitos pode ser demonstrada na redução da necessidade de ventilação mecânica nos pacientes que se submeteram ao tratamento com pressão positiva contínua. Teoricamente, o uso de outras modalidades de ventilação não-invasiva, que utilizem ventilação assistida (como, por exemplo, pressão de suporte associada a pressão positiva contínua), no cardiopata agudo traria redução ainda maior do trabalho respiratório, podendo ter efeitos adicionais no tratamento da insuficiência respiratória aguda de origem cardiogênica. O único trabalho que explora o suporte ventilatório não-invasivo através de ventilação em dois níveis de pressão (BIPAP) em pacientes com edema agudo dos pulmões demonstra melhora mais rápida dos parâmetros ventilatórios na população que utilizou BIPAP, quando comparada a outra população que utilizou a pressão positiva contínua. O tempo de permanência hospitalar, a mortalidade e a necessidade de ventilação mecânica não foram diferentes entre esses dois grupos, porém a incidência de infarto agudo do miocárdio na população que utilizou BIPAP foi de 71%, contra 31% do grupo que utilizou pressão positiva contínua. Essa incidência elevada de infarto agudo do miocárdio (mais elevada inclusive que o controle histórico) ressalta a necessidade de novos estudos para a elucidação da influência de outros modos de ventilação assistida sobre a hemodinâmica e sobre as taxas de infarto.
Efeitos crônicos da pressão positiva contínua em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva
O uso crônico noturno de pressão positiva contínua tem papel importante em pacientes com concomitância de insuficiência cardíaca congestiva e distúrbios respiratórios do sono, os quais incluem apnéia obstrutiva do sono e respiração de Cheyne-Stokes com apnéias centrais. A apnéia obstrutiva do sono é caracterizada por perda do tono da musculatura inspiratória das vias aéreas superiores durante o sono, que é superimposta a uma faringe estreita e altamente complacente. Como resultado, a faringe colaba durante o sono, levando a apnéias obstrutivas. A respiração de Cheyne-Stokes é uma forma de respiração periódica, caracterizada por apnéias centrais, que se alternam com períodos regulares de ventilação, ocorrendo de forma crescente-decrescente. Portanto, a maior diferença entre apnéia obstrutiva do sono e respiração de Cheyne-Stokes é a caracterização da natureza das apnéias. Enquanto durante a apnéia obstrutiva do sono o paciente, na tentativa de respirar contra uma via aérea superior fechada, gera pressão negativa intratorácica, durante a respiração de Cheyne-Stokes não existe geração de esforço respiratório, o que permite classificar as apnéias como centrais.
A prevalência de apnéia obstrutiva do sono em populações de indivíduos normais, entre os 30 e os 60 anos de idade, é relativamente alta (aproximadamente 9% em homens e 4% em mulheres). Em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, além de alta incidência de apnéia obstrutiva do sono, grande número apresenta respiração de Cheyne-Stokes (em torno de 30% de pacientes com insuficiência cardíaca congestiva grave). Quando somados, os distúrbios respiratórios do sono em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva são extremamente comuns, chegando a 45%. Apesar desses números extremamente altos, o diagnóstico de distúrbios respiratórios do sono em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva é baixo. O principal fator está provavelmente relacionado ao pequeno reconhecimento da importância dos distúrbios respiratórios do sono pela comunidade médica. Adicionalmente, em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, sintomas como dificuldades para manter o sono, dispnéia noturna, sonolência e fadiga diurna superpõem-se aos sintomas relacionados à insuficiência cardíaca, tornando o diagnóstico desses distúrbios ainda mais difícil.
Durante o sono, em condições normais, existe redução do metabolismo basal, da atividade nervosa simpática, da freqüência cardíaca, do débito cardíaco e da pressão arterial sistêmica. A resultante de todas essas alterações fisiológicas é uma redução do trabalho imposto ao miocárdio. Em contraste, nos pacientes com apnéia obstrutiva do sono, os múltiplos episódios de apnéias obstrutivas desencadeiam uma complexa cadeia de eventos fisiopatológicos que incluem geração de pressão intratorácica negativa com aumento da pós-carga imposta ao ventrículo esquerdo, hipoxia, retenção de CO2, freqüentes despertares, ativação do sistema nervoso simpático (desencadeada por todos os mecanismos citados) e aumento cíclico da pressão arterial sistêmica. Todos os elementos descritos são potencialmente deletérios para o sistema cardiovascular, em especial nos pacientes que já apresentam disfunção cardíaca. O tratamento da apnéia obstrutiva do sono em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva é similar ao tratamento quando na ausência de insuficiência cardíaca congestiva. O objetivo principal é a manutenção da patência das vias aéreas superiores e a prevenção da apnéia e suas conseqüências. Algumas medidas gerais, como perder peso e evitar o uso de álcool e de medicamentos sedativos, podem ajudar a evitar o fechamento das vias aéreas durante a noite. O tratamento específico de eleição na maioria dos casos de apnéia obstrutiva do sono é o uso de pressão positiva contínua. A pressão positiva contínua elimina as apnéias obstrutivas ao atuar como uma “tala pneumática” que previne o colapso das vias aéreas superiores. Malone e colaboradores demonstraram melhora significativa da fração de ejeção durante o dia em associação com melhora da classe funcional após o tratamento por um mês em pacientes com cardiomiopatia dilatada e apnéia obstrutiva do sono concomitante. Adicionalmente, a retirada por apenas uma semana da pressão positiva contínua foi suficiente para determinar o retorno da fração de ejeção para valores pré-tratamento.
A respiração de Cheyne Stokes pode existir como conseqüência de disfunção cardíaca grave ou de doenças neurológicas. O elemento fisiopatológico principal envolvido na gênese da respiração de Cheyne-Stokes em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva é a congestão pulmonar, que, por meio da estimulação vagal, determina hiperventilação e hipocapnia, que, por sua vez, desencadeia apnéias centrais. A respiração de Cheyne-Stokes não é somente um marcador de mau prognóstico em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, como também existem evidências de que uma vez estabelecida a respiração de Cheyne Stokes, esta participa de um ciclo vicioso que contribui para rápida deterioração cardiovascular. Os elementos fisiopatológicos que podem estar envolvidos na deterioração cardíaca em pacientes com respiração de Cheyne-Stokes incluem despertares freqüentes, hipoxia recorrente, oscilações da pressão arterial, e freqüência cardíaca e ativação do sistema nervoso simpático. Ao contrário da apnéia obstrutiva do sono, onde o tratamento com pressão positiva contínua elimina as apnéias quase que imediatamente, o tratamento de respiração de Cheyne-Stokes com pressão positiva contínua é mais lento e envolve mecanismos que não são completamente conhecidos. Entre eles incluem-se diminuição da pré e da pós-carga do ventrículo esquerdo, diminuição do trabalho respiratório e melhora da função cardíaca com diminuição da congestão pulmonar e sua conseqüente hiperventilação. A pressão positiva contínua também funciona como uma resistência expiratória que pode elevar o CO2 e estabilizar o sistema respiratório. Vários trabalhos demonstraram que a aplicação de pressão positiva contínua noturna em pacientes clinicamente estáveis sob terapia máxima para a insuficiência cardíaca congestiva, por períodos de um a três meses, levou à melhora de grande número de parâmetros. Entre eles incluem-se: melhora da força da musculatura respiratória, redução da atividade nervosa simpática, redução de regurgitação mitral com concomitante redução dos níveis de fator natriurético atrial e aumento da fração de ejeção.
Portanto, o reconhecimento e o tratamento adequado de distúrbios respiratórios do sono associados a insuficiência cardíaca congestiva por meio de pressão positiva contínua envolvem não só a melhora da qualidade do sono e sintomas de sonolência diurna, mas principalmente deve ser entendido como um tratamento não-farmacológico, que tem o potencial de melhorar a função cardíaca nos pacientes clinicamente estáveis, porém com insuficiência cardíaca grave.
Pré-operatório Fisioterápico na Cirurgia Cardíaca
O papel do fisioterapeuta nestas cirurgias começa, precocimente, no pré-operatório. Este período representa toda uma fase de avaliação e orientações. O paciente tem uma historia clínica colhida além de ser avaliado quanto aos aspectos ventilatórios, laboratoriais e de imagem. Estes dados avaliativos em conjunto com a história do paciente permitem qualificar os riscos de complicações, sendo que isto será importante para que o fisioterapeuta já esteja preparado quanto a sua conduta no pós-operatório. A avaliação muscular global também é feita para constatar se o paciente não possui nenhuma alteração motora como déficit de força.
Embora, se pense que o período pré-operatório corresponda apenas a coleta de dados para obtenção de parâmetros, é neste período que o paciente é orientado sobre a cirurgia propriamente dita e como deve proceder após a cirurgia diante do uso do tubo orotraqueal, dos drenos torácicos, da presença da dor e quanto a sua própria recuperação. Hall et al., em 1996 evidenciaram a importância da fisioterapia no pré- operatório. Um grupo controle, que não realizou fisioterapia nem no pré e no pós-operatório, apresentou 47% de complicações respiratórias. O grupo que fez fisioterapia pré- operatória teve 27%, enquanto que o grupo que fez fisioterapia pré e pós-operatória teve apenas 12 % de complicações. Um pré-operatório bem feito reflete resultados finais positivos na cirurgia cardíaca, pois além de nortear o fisioterapeuta também promove autoconfiança do paciente.
Pós- operatório Cirurgia Cardíaca
O pós – operatório é o momento de grande importância pois este que começou ainda no centro cirúrgico representa as repercussões da cirurgia cardíaca sobre a fisiologia dos subsistemas devem ser entendidas como variações previstas de suas funções, caso permaneçam dentro dos limites preestabelecidos. O papel do fisioterapeuta neste momento é avaliar o paciente fisicamente, adaptá-lo corretamente a ventilação mecânica e conforme a estabilidade clínica e hemodinâmica do paciente, evoluir o seu desmame.
Contudo, para que isto ocorra todo um entendimento fisiológico da convalescência do paciente no pós- operatório imediato cardíaco vai conduzir ao correto manuseio das condutas fisioterápicas no desmame e após este, onde técnicas específicas como ventilação não invasiva são realizadas. Qualquer conduta proposta tem como objetivo manter ou devolver condições fisiológicos e para tanto, é fundamental saber o que é fisiológico.
Pós- operatório Imediato de Cirurgia Cardíaca
Quando o paciente chega ao CTI em ventilação mecânica, ainda em coma anestésico e por vezes hipotérmico, deve ser recepcionada por uma equipe multiprofissional, com funções bem definidas e atuação integrada.
Os dados do paciente são passados pelo anestesista e cirurgiões para equipe, os quais incluem as intercorrências do ato cirúrgico, quais condutas foram iniciadas, o tipo de intervenção, se houve ou não transfusões sangüíneas, se há infusão de drogas e em que quantidade, bem como o balanço hídrico do paciente.
A análise clínica com exame físico minucioso da área explorada pela cirurgia ( toracotomia, drenos torácicos) em conjunto com as extremidades e seus pulsos, bem como adaptação do paciente ao respirador e obtenção dados indiretos de avaliação do débito cardíaco são medidas iniciais (o cateter de Swan-Ganz só é utilizado em casos selecionados).
Bioquímica, radiografia de tórax e eletrocardiograma são realizados e ,se necessário, são repetidos com intervalos progressivos. A pressão arterial média invasiva é utilizada apenas nas primeiras horas e modificada para mensuração não-invasiva quando a estabilidade hemodinâmica do paciente é alcançada.
Outro aspecto importante é a extubação no pós-operatório de cirurgia cardíaca. Existe atualmente uma tendência de retirada precoce do tubo orotraqueal, sobretudo nos casos mais simples. Contudo, isto obedece alguns critérios, como o retorno nível de consciência, PaO2 > 80 mmHg com FIO2 < 0,4 em modo ventilatório espontâneo com pressão de suporte menor que 12cm/H2O e Volume minuto menor que 15l/min. O pH sangüíneo deve estar em taxas normais no momento da extubação o que denotará redistribuição vascular e ausência de trabalho respiratório. O paciente deve ainda estar sem sangramento excessivo, hemodinamicamente estável (ainda que hipovolêmico e com drogas vasoativas) e com retorno de sua temperatura corporal à normalidade. A sonda nasogástrica é retirada em conjunto com a extubação do paciente, se houver retorno da peristalse. A realimentação, ainda que com dieta líquida, só se faz em torno de 8 a 10 horas após a extubação, uma vez que o fechamento da glote poderá ser anormal nesse período, com possibilidade de aspiração brônquica. A hidratação após a cirurgia cardíaca visa à reposição do volume intravascular, que está sempre em déficit. Isso ocorre por vários fatores, mas sobretudo pela importante perda líquida insensível, devido à toracotomia prolongada, estimada entre 6 ml/kg/h e 8 ml/kg/h. A circulação extracorpórea induz a extravasamento capilar difuso pela ativação das cininas e dos sistemas de complemento, resultando em edema intersticial importante, volume intravascular diminuído e volume corporal aumentado. Deve ser considerada também a perda sanguínea no ato cirúrgico e no pós-operatório para o cálculo da reidratação. Esse déficit volêmico é, por vezes, difícil de ser reposto ou corrigido no centro cirúrgico, devido ao aumento da resistência vascular periférica induzido, muitas vezes, pela hipotermia. Essa reposição deve também levar em conta as situações mórbidas presentes no pré-operatório, como insuficiência cardíaca e/ou renal. Considera-se, ainda, que há diminuição da complacência ventricular esquerda, pelo edema miocárdico, resultante do trauma cardíaco ou da inadequada proteção miocárdica à isquemia. Essa hidratação, parcialmente iniciada no centro cirúrgico, é continuada na terapia intensiva, preferencialmente com cristalóides isotônicos, como Ringer simples ou lactato. O uso de sangue e/ou de seus derivados deve obedecer indicações específicas e não devem ser utilizados como expansores volumétricos. Para o cálculo do volume a ser administrado, são muito úteis as determinações da pressão de oclusão da artéria pulmonar, da pressão venosa central, da medida do débito cardíaco, da diurese e da pressão arterial média. É importante lembrar, no entanto, que a pré-carga excessiva pode ser deletéria por aumentar a pressão de enchimento ventricular esquerda como diminuição da complacência pulmonar, aumentando o trabalho respiratório e gerando hipoxemia. Além dos pulmões, essa sobrecarga hídrica pode produzir edema intersticial no cérebro, no fígado e nos rins. Essa fase de reposição de volume se completa, em média, entre 12 e 20 horas após a cirurgia, quando o volume intravascular está completo e o extravasamento capilar já não ocorre. Esse momento pode ser facilmente percebido quando qualquer administração de volume extra produz aumento imediato e exagerado da pressão venosa central e da pressão de oclusão da artéria pulmonar. Embora o volume intravascular seja normal, a água corporal total está aumentada. Nessa fase, mesmo com evidente balanço hídrico positivo, poderá advir oligúria, ainda que em presença de débito cardíaco adequado, que possivelmente se deve à secreção inapropriada do hormônio antidiurético. O uso de diuréticos nesse período é avaliado com critério. A circulação extracorpórea, além da retenção de sódio e água, poderá causar diminuição da quantidade total de potássio corporal. Outra provável causa para o déficit de potássio encontrado nessa fase, apesar da acidose que pode estar presente nas primeiras horas pós-circulação extracorpórea (acidose de “washout”), é a elevação do hormônio antidiurético e da aldosterona nesse período. A hiponatremia, nessa fase, apesar da retenção de sódio, é provavelmente dilucional e não se recomenda sua reposição além da que é normalmente feita quando se utilizam soluções de cristalóides, salvo se houver manifestações clínicas decorrentes dessa situação, ou na necessidade de reposição rápida do intravascular por hipotensão arterial, ou, ainda, em situações especiais, como na cetoacidose diabética. Outro aspecto que merece destaque no pós-operatório de cirurgia cardíaca é a analgesia, de fundamental importância para o conforto do paciente e para a obtenção de sua colaboração no pós-operatório.A dor no pós-operatório é prejudicial à convalescença normal por causar vasoconstrição, hipertonia muscular, taquicardia e taquipnéia por estímulo bulbar, podendo gerar graves arritmias, atelectasias e retenção de secreções na árvore brônquica. A analgesia controlada pelo paciente com infusões programadas para doses fixas, com intervalos mínimos, embora pouco utilizada ainda na maioria das terapias intensivas, tem-se mostrado bastante efetiva no combate da dor com pouca quantidade de analgésicos.
Conclusão
A utilização da pressão positiva contínua em cardiopatas já faz parte do arsenal terapêutico não-farmacológico. O benefício da pressão positiva contínua no edema agudo dos pulmões sobre as condições respiratórias e hemodinâmicas é indiscutível. Está definido que a pressão positiva contínua melhora a oxigenação e diminui o trabalho respiratório e o esforço ventilatório, reduzindo a necessidade de intubação e de ventilação mecânica. A pressão positiva contínua reduz a pressão transmural do ventrículo esquerdo, sugerindo melhora do desempenho cardíaco. Os efeitos da utilização da pressão positiva contínua noturna em cardiopatas crônicos parecem promissores no tratamento do cardiopata estável, principalmente se este apresentar distúrbio do sono concomitante.
Ainda faltam estudos que correlacionem esses efeitos benéficos (agudos e crônicos) com a influência sobre a mortalidade dos pacientes com insuficiência cardíaca grave.