A Constituição brasileira de 1988 é a Lei Fundamental e Suprema do Brasil, servindo de parâmetro de validade a todas as demais espécies normativas, situando-se no topo da pirâmide normativa devido à sua rígidez – isto é, exigir um procedimento mais difícil e solene para a elaboração de emendas do que exige para todas as demais espécies normativas. É a sétima (ou a oitava, para alguns, considerando a Emenda nº 1, decretada pela Junta Militar à Constituição Federal de 1967, como uma nova Constituição Federal de 1969) a reger o Brasil desde a sua Independência.
Desde 1964 estava o Brasil sob o regime da ditadura militar, e desde 1967 (particularmente subjugado às alterações decorrentes dos Atos Institucionais) sob uma Carta Magna imposta pelo governo.
O sistema de exceção, em que parte das garantias individuais e sociais eram voltadas para garantir os interesses da ditadura (através de conceitos como: segurança nacional, direito de associação etc.) fez crescer, durante o processo de abertura política, em meio ao governo do general João Baptista Figueiredo – último dos militares a ocupar a Presidência da República – o anseio por dotar o Brasil de uma nova Constituição, defensora dos valores democráticos. Anseio este que se tornou necessidade após o fim da ditadura militar e a redemocratização do Brasil, ir de 1985.
A CONSTITUIÇÃO DE 1988
É a Constituição em vigor. Elaborada por uma Assembléia Constituinte, legalmente convocada e eleita, é promulgada no governo José Sarney. É a primeira a permitir a incorporação de emendas populares. Boa parte dos dispositivos constitucionais ainda depende de regulamentação.
Principais medidas – Mantém a tradição republicana brasileira do regime representativo, presidencialista e federativo. Amplia e fortalece os direitos individuais e as liberdades públicas que haviam sofrido restrições com a legislação do Regime Militar -, garantindo a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Conserva o Poder Executivo forte permitindo a edição de medidas provisórias com força de lei – vigoram por um mês e são reeditadas enquanto não forem aprovadas ou rejeitadas pelo Congresso. Estende o direito do voto facultativo a analfabetos e maiores de 16 anos.
Estabelece a educação fundamental como obrigatória, universal e gratuita. Enfatiza a defesa do meio ambiente, transformando o combate à poluição e a preservação da fauna, flora e paisagens naturais em obrigação da União, estados e municípios. Reconhece também o direito de todos ao meio ambiente equilibrado e a uma boa qualidade de vida. Determina que o poder público tem o dever de preservar documentos, obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, bem como os sítios arqueológicos.
Reformas – Começam a ser votadas pelo Congresso Nacional a partir de 1992. Algumas das principais medidas abrem para a iniciativa privada atividades antes restritas à esfera de ação do Estado. Essa desregulamentação é feita com o objetivo de adequar o país às regras econômicas do mercado internacional. Para isso é liberada a navegação pela costa e interior do país (cabotagem) para embarcações estrangeiras.
O conceito de empresa brasileira de capital nacional é eliminado, não havendo mais distinção entre empresa brasileira e estrangeira. A iniciativa privada, tanto nacional quanto internacional, é autorizada a explorar a pesquisa, a lavra e a distribuição dos derivados de petróleo, as telecomunicações e o gás encanado. As empresas estrangeiras adquirem o direito de exploração dos recursos minerais e hidráulicos.
Na política ocorre a regulamentação de questões eleitorais, o mandato do presidente da República é reduzido de cinco para quatro anos e, em 1997, é aprovada a reeleição do presidente da República, de governadores e prefeitos. Candidatos processados por crime comum não podem ser eleitos, e os parlamentares submetidos a processo que possa levar à perda de mandato e à inelegibilidade não podem renunciar para impedir a punição.
A Constituição também passa a admitir a dupla nacionalidade para brasileiros em dois casos: quando estes têm direito a outra nacionalidade por ascendência consangüínea ou quando a legislação de um país obriga o cidadão brasileiro residente a pedir sua naturalização.
A instalação da Assembléia Nacional Constituinte ocorreu em 1º de fevereiro de 1987 sob a presidência do Ministro José Carlo Moreira Alves, então Presidente do Supremo Tribunal Federal. A Assembléia preferiu não partir de um projeto já elaborado.
Em 25 de junho o seu relator, Bernardo Cabral, apresenta um trabalho em que reúne como pode estes ante projetos em uma só peça de 551 artigos, que acabou por ganhar o nome de “Frankenstein”.
O erro fundamental da Constituinte: a pulverização dos seus trabalhos em múltiplas subcomissões que eram obrigadas a trabalhar sem que tivesse havido qualquer aprovação prévia de diretrizes fundamentais. Isto conduzia necessariamente as subcomissões a enveredarem por um trabalho detalhista, minucioso e, o que é mais grave, receptivo a reclamos e pleitos vindos de todos os rincões da sociedade.
Este fenômeno não foi estranho o próprio fato de a maioria dos parlamentares ser absolutamente inexperiente e despreparada para a tarefa constitucional.
Não há lugar para os grandes temas e os pequenos são resolvidos também em pequenas comissões. O divórcio entre o que se ia produzindo e o que a nação esperava já a esta altura era muito profundo.
No dia 28 de janeiro, são aprovadas as primeiras matérias: o perambulo e o Título I. No final de julho de 1988 inicia-se o 2º turno de votação. As características aqui já foram muito diversas. A votação teve no fundo um caráter meramente chancelador ou homologatório do que houvera sido aprovado antes.
A ELABORAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
O processo de elaboração constitucional esteve condicionado pelas particularidades da transição política que se caracterizou por ser nem um simples continuísmo, nem uma efetiva ruptura, mas uma transição pelo alto, pactada inclusive com o Estado autoritário.
Lassalle tinha assim razão quando afirmava que a essência da Constituição são os fatores reais de poder, as relações de forças políticas existentes na sociedade. A Constituição formal ou jurídica representa, num primeiro instante, a racionalização jurídica de uma determinada ordem social, convertendo em instituições jurídicas os fatores reais de poder. A Constituição adequada seria então aquela que correspondesse no fundamental à Constituição real e efetiva.
Por tudo isto, “os problemas constitucionais não são primariamente problemas de direito, mas de poder”. Entretanto, a Constituição formal ou jurídica não pode ser uma simples fotografia da realidade, traduzindo em disposições escritas os fatos, a reboque dos fatos, portanto. Ela é mais do que uma simples “folha de papel” como afirmava Lassalle. Se deve obedecer no essencial às condições sociais, ela deve também pretender elevar-se acima das práticas condenáveis e ultrapassadas. Em suma, não podemos desconhecer a força ativa da Constituição formal ou jurídica, sua eficácia renovadora e até, em determinadas circunstâncias, transformadora, apontando para um horizonte histórico mais avançado.
Assim como podemos distinguir entre uma Constituição formal ou jurídica, por um lado, e uma Constituição real e efetiva, os fatores reais de poder, por outro, devemos igualmente diferenciar o poder constituinte material do poder constituinte formal. O poder constituinte material identifica-se com a força política protagonista da mudança institucional, enquanto que o poder constituinte formal confunde-se com a entidade responsável pela elaboração da Constituição formal ou jurídica.
De acordo com Jorge Miranda, o poder constituinte material representa “um poder de autoconformação do Estado segundo certa idéia de Direito”; o poder constituinte formal “um poder de decretação de normas com a forma e a força jurídica próprias das normas constitucionais (MIRANDA, Jorge, in Manual de Direito Constitucional, v. II – Introdução à Teoria da Constituição.
Coimbra, Coimbra Editora Limitada, 2a edição revista, 1983, pp. 62-63)”. Neste sentido, o poder constituinte material precede e conforma o poder constituinte formal, embora este último confira juridicidade ao poder constituinte material. Porém, o poder constituinte formal não pode ser automaticamente deduzido do poder constituinte material. Os princípios genericamente enunciados pelo poder constituinte material devem sofrer por parte do poder constituinte formal as necessárias determinações que inevitavelmente comportam opções e alternativas jurídico-políticas fundamentais.
Mas não apenas isto: as circunstâncias políticas podem eventualmente favorecer, sobretudo tratando-se de um processo onde a hegemonia política não esteja ainda cristalizada, o papel e a importância do poder constituinte formal na própria definição daqueles princípios.
As Constituições costumam representar nas democracias liberais um compromisso multifacetado: compromisso entre as tradições políticas existentes e o direito constitucional geral; compromisso entre forças conservadoras e forças reformadoras, entre outros.
Por isto mesmo, dificilmente poderemos esperar ou exigir das Constituições o que elas não podem ou não devem oferecer, isto é uma perfeita homogeneidade ideológica ou política, embora deva ser assegurada e preservada sua unidade e coerência jurídicas.
A questão principal a ser respondida no nosso caso é aquela referente a favor de qual projeto ideológico ou político operou-se prioritariamente este compromisso. Inegavelmente, ele ocorreu favoravelmente ao liberal-conservadorismo que juntamente com o autoritário-modernismo são as duas principais vertentes de nossa história constitucional.