RESUMO
Com o presente trabalho, caminhamos por dispor o nascimento e a amplitude que possuem os direitos fundamentais na seara jurídica brasileira. Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, a garantia de direitos humanos ficou evidenciada ao longo do seu art. 5.º, de forma principiológica. Consistem, tais direitos, em verdadeiros espeques jurídicos máximos, capazes de serem opostos até mesmo ao Estado que os criou. Tratar da verticalidade, por sua vez, consiste na satisfação do direito do Estado em relação a um particular; e da horizontalidade, na satisfação do direito de um particular perante outro. Entretanto, ainda que se criem mecanismos de efetivação de tais direitos, sempre a mora e a recursosidade processual serão tidos como freios e barreiras da Justiça.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais. Direitos Humanos. Verticalidade. Horizontalidade. Justiça.
SANTOS, Luciano Alves Rodrigues dos. The effectiveness of vertical and horizontal fundamental rights. Monograph. Law. 22 l. Cândido Mota, SP, 2010.
ABSTRACT
With this work, we will walk through the birth and the extent that possess the fundamental rights in the Brazilian legal system. Since the promulgation of the 1988 Federal Constitution, the guarantee of human rights was evident throughout their art. 5. º, so principology. Consist of such rights, in actual legal maximum spikes, able to be opposed even to the state that created them. Dealing with verticality, in turn, is the satisfaction of the State law with respect to a particular, and the horizontal, the satisfaction of the right of an individual against another. However, even if they create mechanisms for realization of such rights, lives and always will be held recursosidade procedural checks and barriers of Justice.
Key words: Fundamental Rights. Human Rights. Verticality. Horizontality. Justice.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1 O NASCIMENTO DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
1.1 Introito
1.2 O Direito como terminologia não isolada
1.3 O caráter fundamental do Direito: um contrassenso à justiça
1.4 Os direitos fundamentais
2 AS QUATRO DIMENSÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
3 A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
3.1 Eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Inicialmente, iremos abordar o nascimento dos direitos fundamentais ao longo da História, com passagens que demonstram verdadeiras eras desprovidas de lei ou mesmo autoritárias em sua essência.
E a persistência pelo uso da força, numa sociedade desprovida de leis, faz nascer o caráter injusto nas relações, preterindo pretensões de um em favor de outrem: uma verdadeira autotutela de direitos.
Outrossim, há de pontuarmos as terminologias acerca do instituto “Direito”, bem como da sua própria significação no todo, tido, em tese, como um regramento, uma ordem imposta à própria sociedade.
Trata-se, contudo, de um conjunto de normas não isoladas; um conjunto precípuo, de forma a perscrutar pela Justiça e pela paz social.
Por conseguinte, o caráter fundamental atribuído a um direito dá a este o sentido de máxima proteção e máxima garantia, capaz de buscar traços de humanidade e opor-se à própria fonte criadora (o Estado), abolindo qualquer ameaça ou perigo de lesão.
E ao falarmos em direitos fundamentais, há que suscitarmos sua eficácia no plano vertical, quando da imposição do Estado em face de um particular, bem como do ponto de vista horizontal, em que um terceiro opõe-se a outro, numa mesma linha de poder, tendo o Estado apenas como agente regulador, ainda que a sua garantia, na totalidade, seja mitigada em face da própria estrutura de poder exarada.
1 O NASCIMENTO DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
1.1 Introito
Num primeiro comento, a abordagem acerca dos direitos fundamentais nos faz inferir que sua origem tem berço edificado na História mundial, muito antes do que hoje se tem como garantia e demais perspectivas constitucionais e legais vigentes.
Existem, como à frente se verá, traços dessa matéria no período da ascensão do Cristianismo, caminhando por galgar um itinerário cada vez mais contundente.
Na verdade, para que se efetue um estudo mergulhado no nife de todo esse processo evolutivo, faz-se necessário que iniciemos nosso estudo pautado pelo conceito de “direito fundamental”, e, de forma ainda mais abrangente, do que se pode entender como “direito” e do que se conclui como “fundamental”, para que depois façamos um liame de ambos os vocábulos.
1.2 O Direito como terminologia não isolada
O termo “direito”, como bem nos diz Pedro Lenza, de forma pluralizada, abrange “[…] bens e vantagens prescritos na norma […]”.
Depreende-se do exposto, num primeiro momento, que a noção de direito ora citada traz consigo uma pluralidade de benefícios, benesses estas que devem estar sedimentadas numa determinada norma. Não se cogita, tampouco, que possa existir um direito puramente imaterial, sem estar grafado ou mesmo inserto no pensamento do legislador.
Obviamente essa corrente é contemporânea e, num primeiro momento, caracteriza um óbice à História de toda formação jurídica se deixarmos de lado outros pensamentos e doutrinas.
Daí a necessidade extrema de trazermos à tona as sábias palavras de Hans Kelsen, que elucida que “o direito é uma ordem da conduta humana”. E bem emprega o termo ordem, pois se refere a um regramento, um conjunto de ações emanadas por um ente maior.
E note-se, porém, que jamais se pode alegar que consiste o direito em algo singularizado, mas sim, em um conjunto de regramentos e ações. Quando Kelsen nos mostra sua posição, afirma veementemente que jamais poder-se-ia analisar a natureza do direito se o víssemos de forma singular, já que há por detrás de sua imagem um processo congênito, erigido por inúmeras outras regras, que se concatenam para chegar a um fim último. E todo esse processo pluralizado de enxergar o direito como um conjunto de normas tem sido difundido e propalado por inúmeras gerações ao longo da História, sem que se interpusesse qualquer levante contrário ou mesmo diverso, talvez porque realmente inexista outro caminho.
Assim, povos de diferentes partes do mundo, quando conclamavam possuir um direito a um ou a outro ponto incontroverso, referiam-se claramente que havia normas ou um conjunto de regras concatenadas de tal forma a solver-lhes a celeuma havida.
Ao traçarmos um paralelo entre a noção ampla do termo “direito” e a sua difusão pelos tempos mais remotos, vislumbra-se que o próprio Moisés, ao receber das mãos divinas as Tábuas da Lei, percebe que esta contém não somente um, mas dez ordens escritas a serem adimplidas pelo seu povo, em Israel. Isto porque não se pode impor o Direito com apenas uma única ordem, pois não haveria espaço para traçar toda a dimensão do que se pretende coordenar ou obrigar.
Para um melhor vislumbrar, vejamos o que traz o Livro do Êxodo (Ex., 34, 29) com pertinência ao tema: “Descendo Moisés do monte Sinai, trazia as duas tábuas do testemunho […]”.
Note-se, assim, que o próprio Livro retrocitado descreve como sendo duas as tábuas mandamentais, ou seja, a pura descrição de que qualquer ordem de Direito emanada jamais poderia ser imposta sozinha, de forma singular e isolada, mas somada a outras mais, num sistema complexo de regramentos e imposições legais.
Ocorre, conquanto, que as normas nem sempre eram exteriorizadas ou postas materialmente, ou, muitas vezes, impostas de forma diversa. Para Platão, a norma era sempre abstrata, contida num espaço celeste, dito éter, que, quando projetada na mente, nunca chegava à realidade do modo como se havia pensado.
Já para Aristóteles, porém, a norma estava ligada ao real e à cultura de cada sociedade. E Nietzshe, num pensamento mais assertivo, dita que a experiência de cada um constitui-se num precedente fundamental para que se estabeleça a comunicação, e, por consequência, a norma.
Na atualidade, o que se tem, de forma denotativa, é que o termo “Direito” consiste “[…] num conjunto de normas da vida em sociedade […]”, isto é, num grupo de escritos, justos e avençados, de forma a reger toda uma coletividade. E tais regras, por sua vez são, na maioria dos casos, exteriorizadas e materializadas de acordo com as alterações sociais emergentes, pois aquelas que não o forem jamais serão passíveis de aplicação.
1.3 O caráter fundamental do Direito: um contrassenso à justiça
Expor o caráter fundamental do Direito é medida que deve ser explicitada numa visão posterior ou ulterior do tema, de forma que se possa traçar um paralelo entre sua gênese e a ligação final às normas jurídicas.
Primeiramente, como etimologia do termo “fundamental”, podemos vislumbrar que se trata, ainda que de forma figurada, daquilo “que tem caráter essencial e determinante; básico, indispensável”. Todavia, não é pequena a porção de pessoas que julgam indispensável qualquer tipo de direito, bastando que seja o seu, como mesmo nos mostra George Marmelstein, expondo o seguinte exemplo: “Há quem se considere titular de um direito fundamental de andar armado.”
Note que a própria sociedade diverge no que concerne à ideia do caráter fundamental: uns porque se inspiram na própria conduta do ser; outros porque têm consigo que somente o seu direito é fundamental; e outros porque ligam o termo fundamental ao vocábulo “Justiça”.
O senso de justiça, presente em toda e qualquer sociedade, parece, num primeiro momento, estar intrinsecamente ligado ao Direito. E assim o é porque este, na medida em que é elaborado, deve sim fornecer àquela um provimento justo a quem o implora.
Mas a maioria dos estudiosos sabe que nem sempre o que é justo para um é para outrem. Um Direito perfeito, se assim existe, pode ser totalmente justo para uma sociedade e insano e arbitrário para outra.
Não se pode, então, acolher o termo “justo” como semelhante a “fundamental”, pois este deve, sem qualquer exceção, ser indispensável; enquanto aquele pode oscilar para uma forma leal ou arbitrária. E justiça, como preceitua Hans Kelsen, “[…] é a felicidade social”. E felicidade, como todos sabemos, é variante, adjetivo que não pode subsistir junto a “fundamental”, que é essencial ao ser; e, óbvio, ao Direito.
Um direito fundamental, deste modo, não deve ser um direito que conceda tão-somente felicidade social, mas também um direito que seja indispensável à sociedade, sem o qual esta não poderá subsistir; algo que garanta, ainda que de forma ínfima, as mais válidas porções de vida, liberdade, propriedade e segurança.
Diante deste comento, ao nos transportarmos para o âmbito brasileiro, vemos que o Direito, para galgar seu escopo fundamental – a paz social –, necessita, vigorosamente, dos seguintes requisitos: a) possuir imediata aplicabilidade, sem que se cogitem quaisquer indagações duvidosas sobre sua existência ou eficácia; b) ser moldado num robusto sistema pétreo, que não se altera com simples ordem, manifestação popular ou lei; c) ser hierarquicamente respeitado por qualquer outra lei e até mesmo pela lei que o instituiu.
Infere-se, portanto, que todo aquele direito que não se prestar a tais mandamentos citados tampouco perderão sua consistência jurídica, mas serão tidos como direitos comuns a todas e demais situações, regulações ou garantias; direitos que têm força obrigatória, mas sem caráter fundamental.
Nos resta, outrossim, inferirmos no próximo subcapítulo o nexo entre direito e sua perspectiva fundamental, para, assim, podermos mensurar sua gênese e aplicabilidade no campo político e social.
1.4 Os direitos fundamentais
Como pudemos observar até esse ponto, há distinções entre ser um direito fundamental ou justo, bem como ser ele fundamental ou não. E vimos também que o direito não é uno, e sim, plural, composto de normas e regras que se concatenam para formar um todo, um sistema complexo de regulações, nunca aplicadas de forma isolada.
Percorrido todo esse iter, é imprescindível voltarmos nossa atenção à junção entre os vocábulos “direito” e “fundamental”, na sua forma pluralizada, de forma que tratemos unicamente das espécies normativas indispensáveis ao ser e à sociedade que o circunda.
Na Antiguidade, em ampla comunhão, todos os doutrinadores afirmam não haver traços de direito fundamental, já que imperava um regime de escravidão, com diminuição de raças, crenças e sexo. O Estado, quando se fez forte para reger a própria sociedade que o erigiu, voltou-se a ela de forma autoritária, embasado em pura busca por poder.
O ente estatal nada mais é do que um forte conglomerado de pessoas, unidas em prol de organização e governo. Contudo, algumas formações de poder estatal tornaram-se arbitrárias, com poder de mando inclusive sobre a vida de cada ente.
Em Roma antiga, por exemplo, todo o fundamento de sua organização fundava-se na autoridade, já que a norma era levada a rigor, ainda que favorecesse a maioria, pois quem detinha maior poder aquisitivo era sempre mais privilegiado. A sociedade era assim estruturada de acordo com a gama de poder de cada membro.
E todas as demais partes do mundo rumaram por ter uma organização forte, soberana e autoritária, já que a descrença pelos valores estatais era grande e a possibilidade de grandes revoltas erigia a cada passo, sendo contida com rigor, fosse pela morte, exílio, prisão etc. Todo aquele que não se prostrasse perante o Estado deveria ser punido. Não havia qualquer garantia de direito, fosse ele fundamental ou não.
Porém, numa perspectiva mais ampla do momento, via-se que aquele “[…] Estado com poder absoluto, sem limites jurídicos e políticos, foi enfraquecido […]”, fato que obtinha uma roupagem inspirada, na maioria dos movimentos de massas, nos lemas: fraternidade, igualdade e liberdade, a exemplo da Revolução Francesa, de 1789, que mais tarde fora seguida pelas correntes de Direitos Humanos, Organizações Mundiais etc.
E com o enfraquecimento estatal emergente, enxergava-se a cada dia a possibilidade de se almejar direitos até então jamais cogitados ou inexistentes, como o direito à propriedade, à dignidade, ao trabalho etc.
Buscava-se, a cada formação estatal, uma forma de incutir dentre os seus mandamentos algumas perspectivas tendentes a abolir toda forma impura de governo, rompendo com valores imorais e arbitrários, e garantindo à sociedade formada um caráter mais cidadão, com normas emanadas do povo e para o povo, mais dignas e materializadas, pois a tendência abstrata da época era imperiosa, isto é, o direito não era escrito ou posto; aplicava-se-lhe da mesma forma como trazia Platão: a norma se projetava no éter e nem sempre chegava à tona como fora fabricada.
Deste ponto, contudo, eram grandes as batalhas travadas entre Estado e sociedade. E começavam, então, a surgir gerações sociais distintas, e, por conseguinte, dimensões diversas de direitos: uns amplamente sociais, outros aparentemente justos etc., como se verá no próximo capítulo.
2 AS QUATRO DIMENSÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Como se viu até então, o Estado começava a ser atacado por correntes sociais em busca de normas menos autoritárias, ou seja, fundamentais.
E na História dos direitos fundamentais podem ser destacadas quatro grandes gerações, ou, num termo mais assertivo para a atualidade, quatro grandes dimensões de direitos fundamentais, tidos como “direitos humanos”.
A primeira dimensão, por volta dos séculos XVII a XIX, segundo nos ensina Pedro Lenza, buscou a liberdade como principal meio, traduzida em céleres documentos, dos quais cabe destacar a Magna Carta do Rei João, de 1215.
A liberdade, num contexto amplo e explicativo, segundo Marmelstein, reside no fato de “[…] cada indivíduo decidir por si mesmo que lugares deseja frequentar, em qual religião deve acreditar, com quais pessoas queira se reunir ou se associar, qual profissão que deseja seguir, quais os livros que pretende ler e assim por diante”.
E na alusão ao documento do Rei João, este retrata claramente essa disputa de direitos: de um lado o poder soberano, sujeito a renunciar do autoritarismo, e de outro aqueles que lutavam por ideais liberais. Vejamos parte de sua perspectiva legal:
É um documento de 1215 que limitou o poder dos monarcas da Inglaterra, especialmente o do Rei João, que o assinou, impedindo assim o exercício do poder absoluto. Resultou de desentendimentos entre João, o Papa e os barões ingleses acerca das prerrogativas do soberano. Segundo os termos da Magna Carta, João deveria renunciar a certos direitos e respeitar determinados procedimentos legais, bem como reconhecer que a vontade do rei estaria sujeita à lei.
Em complementação ao exposto, segundo nos conta Von Jhering, “[…] pode tornar-se difficilimo distinguir o ponto em que cessa a coacção e começa a liberdade”. Isso porque o Estado também possui seu conceito do que é ser livre e o exara por meio de suas próprias leis. Daí o choque entre o que espera a sociedade de um direito fundamental e o que tem o Estado para fornecer como garantia.
Por conseguinte, a segunda dimensão de direitos (a partir do século XIX), segundo Lenza, caminhou na busca dos direitos sociais, direitos estes voltados à proteção na relação de trabalho, bem como direitos culturais e econômicos. Como documento desse momento, cabe ser grifada a Constituição de Weimar, de 1919.
Em melhor assunta, a aludida Constituição Alemã, segundo nos conta a História, é vista sob o seguinte ponto de vista:
A Constituição de Weimar representa o auge da crise do Estado Liberal do séc. XVIII e a ascensão do Estado Social do séc. XX. Foi o marco do movimento constitucionalista que consagrou direitos sociais, de 2.ª geração/dimensão (relativos às relações de produção e de trabalho, à educação, à cultura, à previdência) e reorganizou o Estado em função da Sociedade e não mais do indivíduo.
Note que o trecho ora grifado por nós retrata veementemente a submissão do Estado ao indivíduo e não deste em favor daquele, tendo como marco fundamental o movimento constitucionalista da época, que, segundo Canotilho, é uma técnica específica de limitação do poder, com fins garantísticos.
A terceira dimensão de direitos fundamentais intensificou-se em virtude do grande crescimento industrial e desenvolvimento tecnológico. Procurou-se, de certa forma, sopesar valores, de forma a preservar o consumidor, parte fraca de toda relação, o meio ambiente etc., culminando no termo “solidariedade”. E solidariedade, segundo o dicionário mais bem quisto, significa o “compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas às outras e cada uma delas a todas”.
Isso nos mostra, de antemão, a mútua cooperação que deve haver entre empresas e consumidores, empresas e meio ambiente e pessoas e pessoas.
A quarta e última dimensão, segundo Lenza, nasce em virtude dos grandes avanços na engenharia genética, que colocariam “[…] em risco a própria existência humana, através da manipulação do patrimônio genético”.
Esta última corrente deve ser entendida como a mais traumática de todas, pois há de se sopesar o desenvolvimento tecnológico junto ao incerto, ao inimaginável.
Quando pensamos na manipulação genética, de primeira mão nos vem à tona o uso de células-tronco para pesquisas, assunto bastante discutido em âmbito nacional, chegando ao órgão máximo julgador, nossa excelsa Corte, assim conclamada Supremo Tribunal Federal (STF).
Cabe lembrarmos, neste ponto clímax, que a pauta trazida à pretória Corte advinha de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), sob o n. 3.510, em face do art. 5.º da Lei n. 11.105, de 24 de março de 2005. Como tese principal, o Procurador Geral da República alegava que “[…] a vida humana acontece na, e a partir da fecundação, sustentando que o referido preceito desrespeita a inviolabilidade do direito à vida e a dignidade da pessoa humana”.
A Suprema Corte, em sessão histórica, por seis votos a cinco, decidiu pela constitucionalidade do artigo da Lei em espeque, pelo fato de que, se a vida termina com a morte cerebral, jamais poderia o zigoto, objeto de estudo genético, possuir cérebro, e, consequentemente, vida.
Veja como os direitos fundamentais, por mais bem postos que estejam na legislação de um Estado, podem confrontar-se com eles próprios, a exemplo do exposto anteriormente: de um lado o direito à vida, violado em pesquisa genética, e de outro o direito à dignidade da pessoa em obter a cura para diversos males que a cercam, ou, como mesmo evidencia o Ministro Marco Aurélio, do Supremo, o “princípio da razoabilidade”.
Começa a se impor, neste ponto, que os direitos fundamentais, para serem conseguidos ao longo da História, travaram batalhas imensuráveis, desde a época do Rei João Sem Terra, em 1215, ao período atual, no qual se disputam tecnologias como forma de contrabalancear sua amplitude.
E é desse ponto, então, que evidenciaremos, no capítulo seguinte, o porquê dos choques entre direitos fundamentais, seja em âmbito público ou em seara privada, sobrevindo o clímax deste trabalho, que consiste na sua eficácia horizontal e vertical como forma de garantia social e de justiça.
3 A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Primeiramente, abordarmos eficácia legal em plena era digital nos parece um tanto angustiante. Contudo, ainda que nossa Constituição Federal tenha sido promulgada em 05-10-1988, a mesma guarda potentes direitos, capazes até mesmo de opor-se à sociedade ou a quem quer que seja.
O art. 5.º da nossa Lei Maior, ao longo de seus incisos, demonstra autossuficiência e autodeterminação de um povo que se reuniu, após um período ostensivo e militar, com portas fechadas, de forma que fizesse valer a sua vontade.
Contudo, a vontade à época consistia em liberdade a toda forma de opressão estatal, tal como o voto direto, a eleição periódica de representantes etc. Não se pensava, jamais, que o tempo pudesse se alterar e a própria sociedade rebelar-se, alegando direitos amplamente paternalistas e protecionistas, com presunção de liberdade e ampla defesa etc.
Fez-se, assim, a vontade de um povo com máximo interesse em ver-se livre de injustiças, que pudesse levantar a lei a toda forma de ameaça, tendo o Estado como seu garantidor, pois deteve este para si o jus puniendi, preterindo qualquer forma de autotutela ou autodefesa dos direitos.
E num único documento, preambulado pela proteção de Deus, tido como revolucionário, solene e rígido, nasceram os direitos fundamentais de cada cidadão, com influência magna dos direitos humanos e das correntes jusnaturalistas, que, para a maioria dos entendedores do direito, coleciona não somente garantias em seu art. 5.º, mas sim, em todo o seu corpo, assim denominado: Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
3.1 Eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais
Abordar a verticalidade que possui um direito incita expor sobre a relação Estado-cidadão. Como o Estado ergueu-se forte e soberano, detendo para si todo o controle geral da sociedade, imagina-se que este esteja numa posição acima daquela. E aquela, quando o busca, o faz num sentido vertical, como o próprio termo nos mostra: “situado no ponto mais alto, no vértice, sobre a cabeça ou na sua direção”.
Quando buscamos solução para um dado problema, devemos fazê-lo por meio de um ente despersonalizado, usando dos meios que ele próprio dita, sob pena de incorrermos em violência ou grave ameaça a terceiro, conduta esta vedada pelo art. 345 do Código Penal. Vejamos: “Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.”
Consiste, na verdade, em buscar do Estado uma lei por ele posta para nossa satisfação.
Contudo, nem sempre a eficácia esperada pelo terceiro, com pretensão, é obtida, seja pela morosidade ou pela própria insuficiência legislativa do ente maior.
E note-se, porém, que a própria Constituição Federal, mãe dos direitos fundamentais, elenca, em seu art. 5.º, XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Trata-se de um direito fundamental sumariamente declarado, mas que nem sempre é tutelado. Isso porque esta busca vertical pelo socorro estatal é, de certa forma, mitigada, seja pela mora judiciária ou mesmo pela ausência de complementação legal.
Com isso, cabe dizer que a cada direito fundamental preterido outro tem lugar, formando-se uma cadeia legal.
Nossa Lei Maior, quando trouxe no artigo retrocitado que o peso da lei deverá recair de forma favorável àquele que dela necessita, esbarrou-se no seu próprio art. 5.º, LV, in verbis: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Com isso, nascendo o direito de um, mitigado estará ele em face do direito de outrem, pois para este nasce o direito de resposta, nas mesmas condições, também denominada de “eficácia horizontal”.
E bem se emprega o termo “horizontal”, pois não há soberania de um em face de outrem, mas sim, isonomia, concedida pela própria lei, muito diferente do poder vertical que tem o Estado em face de um particular. E igualdade, por sua vez, é elencada no próprio caput do art. 5.º da Constituição. Vejamos:
Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […].
A Lei Constitucional, no entanto, vem tentando garantir que a verticalidade e a horizontalidade estejam em harmonia, ditando, para tanto, regras mais eficazes, a exemplo do art. 5.º, LXXVIII, in verbis: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Ocorre que nem sempre o escrito é cumprido na sua integralidade, pois efetivar a máxima e estrita celeridade é algo quase impraticável para a lei, principalmente quando se tem abarrotamentos processuais em todo o Estado.
Como dissemos anteriormente, a ampla garantia de defesa torna prejudicial a eficácia absoluta de qualquer direito, seja ela horizontal ou vertical, pois esta, quando suscitada, encontra barreiras na própria sociedade e no próprio mecanismo, e aquela, por ser morosa e recursosa.
Por fim, um choque de garantias entre direitos fundamentais pode sobrevir de forma assombrosa, pois não se sabe ao certo quais os limites impostos pela lei.
Assim, por exemplo, até onde é possível a cessão de um direito fundamental? Qual o limite de um direito, quando pensamos em programas de televisão que expõem a vida alheia a qualquer preço, cuja imagem é posta à prova e à venda? Trata-se de um direito à intimidade, mas, em contrapartida, em choque com o direito à liberdade individual de cada um.
Os direitos fundamentais, por sua essência, são indisponíveis, insuscetíveis de alienação. Porém, seria uma forma de venda da imagem a participação em programas como esse?
As respostas, contudo, ainda não têm fundamentação lógica. Entendemos que deve haver uma cedência de um em favor de outro direito, uma forma maleável de conduta, em que se é possível sacrificar a imagem e intimidade em favor da liberdade.
E certo é, contudo, que o sacrifício de um direito fundamental, por mais valioso que seja, deve ser sopesado, seja pelo próprio titular ou pelo ente maior, sob pena deste incorrer em sanções cíveis, administrativas e penais, conquanto, à luz de nossa legislação, tampouco se veja desenvolvidas técnicas de preservação, e, quem sabe, num futuro próximo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo, pudemos observar todo o itinerário histórico do Direito como ciência, abstrata e advinda do Estado, detentor único do jus puniendi, bem como da ideia de justiça como felicidade do ser.
Além disso, pôde-se, com clareza, expor diferenciações entre formas de resolução litigiosa do passado até a atualidade, pautada, ao longo dos tempos, pela incidência de quatro grandes dimensões legais, bem como do nascimento dos direitos, do mais rupestre ao mais fundamental, marcados por inúmeros documentos célebres.
Colocamos, ainda, o quesito fundamentalidade, em favor dos Direitos, preconizados em nossa Lei Maior de 1988, os quais, vez outra, são opostos de forma horizontal ou vertical a um ou a outro ente, bem como ao Estado.
Enfim, pudemos nos deter quanto à proporcionalidade existente entre direitos e princípios fundamentais, quando um indivíduo, em favor de sua liberdade, sacrifica, p. ex., sua intimidade.
REFERÊNCIAS
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