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quinta-feira, dezembro 26, 2024

A História do Cinema Brasileiro

Autoria: Anderson

Cinema Brasileiro

“Não somos europeus nem americanos do norte, mas destituídos de cultura original, nada nosso é estrangeiro, pois tudo o que é. A penosa construção de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre o não ser e o ser outro. O filme brasileiro participa do mecanismo e o altera através de nossa incompetência criativa em copiar” (Paulo Emílio Sales Gomes in Cinema: Trajetória no subdesenvolvimento. SP: Paz e Terra, 1996)

Cinema Brasileiro

Após a Bela Época, período áureo do cinema entre 1908 a 1912, o cinema entra em crise, as produções caem num ritmo quase inexistente, dando vazão para as telas serem ocupadas com filmes franceses e americanos. No íncio da década de 20, temos os primeiros sinais de revitalidade, através dos ciclos regionais tomam seu lugar na história. De Pernambuco a Porto Alegre, pessoas e máquinas movidas a manivela constroem uma parte do registro brasileiro, fora do nascente eixo Rio-São Paulo. O mundo conhece diversas movimentos cinematográficos históricos como o futurismo, surrealismo, expressionismo e as vanguardas russas.

Na década de 30, já com o domínio da estética e linguagem cinematográfica, nascem os primeiros clássicos do cinema mudo brasileiro, modalidade já decadente em outras partes do mundo com a inauguração oficial do sistema sonoro em 1927. Com a entrada do som nas salas de cinema, o cinema vira indústria de fato. A era de ouro hollywoodiana é imposta mundialmente, estabelecida através dos modelos de studio system, star system e cinema de diferentes gêneros. Os franceses seguram o realismo poético e os ingleses com sua escola de documentaristas. Nesta mesma década e na seguinte, com o fim dos ciclos regionais nacionais, os cariocas detém praticamente toda a produção nacional com a produção de comédias populares e musical.

O conteúdo deste sofrerá fortes resumos com fontes bibliográficas descrito no final do trabalho. O pouco tempo no qual foi proposto a execução deste não permitiu a profundidade temática merecida.

A retomada da produção nos anos 20

Alguns pontos contemplam a retomada do cinema nacional na década de 20, mais precisamente em 1922, quando um gesto melancólico para as comemorações do centenário da Independência deu origem a trabalhos nacionais em forma de documentários e cinejornais. O lançamento da revista Cinearte conjugou a união entre os jovens realizadores, antes dispersos pelos país. Através desta comunicação, estimulou-se o diálogo e a vinculação de novos contatos e projetos. Aqui é estabelecido um marco para algo que pode ser considerado um movimento do cinema brasileiro, uma verdadeira tomada de consciência cinematográfica.

Os focos de criação surgem em diversos pontos do país: Campinas, Recife, Belo Horizonte, Rio Grande do Sul, Sul de Minas Gerais. Estes ciclos, em sua maioria, foram formados por pequenos artesãos ou jovens técnicos, com espaço para o fervor juvenil e orgulho regional por queimar película em sua terra.

Poderíamos citar muitos nomes de destaque, mas vamos ater a apenas um: Humberto Mauro. Vindo da fase mineira de Cataguases, este cineasta desenvolveu a primeira carreira contínua, coerente e bela que o cinema do Brasil conheceu. Aprimoramento estético e busca de uma linguagem contendo valores nacionais foram os seus principais legados para a história e seus seguidores, dentre eles, Glauber Rocha.

Outro fruto do periódico Cinearte foi a criação da companhia cinematográfica Cinédia, de onde saíram filmes direta ou indiretamente vinculados com a produtora como Lábios sem Beijos e Ganga Bruta de Humberto Mauro e Limite de Mário Peixoto.

Anos 30 e 40 – Crise e hegemonia carioca

Antonio Costa inicia no capítulo “O Cinema sonoro dos anos 30 aos 50” de seu livro: “O aparecimento do cinema sonoro implicou uma verdadeira revolução não só na estética do filme mas principalmente nas técnicas de produção e nos níveis econômicos da indústria cinematográfica.”

Cineastas de peso tiveram as suas dúvidas quanto a novidade revolucionária da época: “É compreensível que os cineastas que tinham feito da ausência da palavra e do som o princípio estrutural da expressão fílmica, tenham resistido a tais inovações: foi o caso de Chaplin, quem não se adaptou à nova técnica mas tentou adaptá-la a suas exigências, entre mil dúvidas e incertezas … Da mesma forma, os cineastas soviéticos preocuparam-se em circunscrever, com o chamado ‘movimento do assincronismo’, as novidades do cinema sonoro, tratando de evitar os perigos de um retrocesso aos modelos do teatro e da literatura. O manifesto, assinado por Eisenstein, Pudovkin e Alexandrov, tentava explicitamente canalizar o uso do som na direção do contraponto, do conflito entre trilha sonora e ótica, visando garantir a primazia da montagem como princípio organizador e estético do filme.”

O triunfo do som nos cinemas foi principal causa da nova crise no cinema nacional. Com poucas chances de competir com os estrangeiros, sem verbas para comprarem equipamentos de captação de som e falta de recursos para a continuidade de produção, paulatinamente extinguem os ciclos regionais e a produção fixa-se exclusivamente em território fluminense, mais precisamente nos estúdios da Cinédia e na Brasil Vita Film, empresa dirigida por Carmen Santos com Humberto Mauro na direção de alguns filmes.

Esta crise entra em paradoxo com a situação política no país. Com a intervenção do Estado na atividade cinematográfica, é vendido o sonho de uma verdadeira indústria que era legitimado pela própria Revolução de 1930, que representa para o país o paradigma do poder agrário para o urbano.

A realidade brasileira neste período foi agitadíssima. Fatos como a Coluna Prestes ou a participação na Segunda Grande Guerra não surtiram efeitos relevantes na produção cinematográfica. Tal comodismo pode ser considerado em parte pela mãos de ferro do Departamento de Imprensa e Propaganda do período varguista. Com a dominação dos jornais cinematográficos, levam a derrocada a maioria das produtoras. Afrânio Catani em seu capítulo “A aventura industrial e o cinema paulista” do livro organizado por Fernão Ramos, conclui que “a propaganda (getulista ou ademarista, governamental ou privada) era a base de sustentação dos nossos filmes naturais.”

A receita de gênero brasileiro que durou quase vinte anos foram a comédia musical e a chanchada, com grande apelo popular e tipicamente nacional, fora dos padrões predominantemente americanos.

Bem no final da década de 40, duas estrelas maiores sobem no panorama nacional com as chanchadas e comédias apolíticas da Atlântida e a Vera Cruz, onde tinha como meta produzir filmes brasileiros com qualidade internacional.

Relato

Por: Anderson M. Cortez

A novidade cinematográfica chegou cedo ao Brasil. Os aparelhos de projeção exibidos ao público europeu e americano no inverno de 1895-1896 começaram a chegar ao Rio de Janeiro em meio deste último ano. No ano seguinte, a novidade foi apresentada inúmeras vezes nos centros de diversão da capital. Em 1898, foram realizadas as primeiras filmagens no Brasil.

Durante os dez primeiros anos, porém, o cinema teve pouca expressão , tanto como atividade comercial de exibição de fitas importadas quanto como fabricação artesanal local. Só em 1907 houve no Rio energia elétrica produzida industrialmente, e então o comércio cinematográfico floresceu, com um quadro técnico, artístico e comercial do nascente cinema, formado quase que exclusivamente por estrangeiros que já tinham alguma experiência na área cinematográfica em seus países de origem. Quanto aos homens que abordaram o cinema como negócio, eles não pertenciam ao mundo comercial estabilizado e rotineiro dominado por portugueses. Eram quase sempre italianos, aventureiros. Esses empresários atuavam, concomitantemente como produtores, importadores e proprietários de salas, situação que condicionou ao cinema brasileiro um harmonioso desenvolvimento, pelo menos durante poucos anos.

1ª fase – 1896-1912

Entre 1908 e 1911, o Rio conheceu a idade do ouro do cinema brasileiro, predominando uma produção em que os filmes reconstituíam os crimes, crapulosos ou passionais, que impressionavam a imaginação popular. Essa idade do ouro não poderia durar, pois sua eclosão coincide com a transformação do cinema artesanal em importante indústria nos países mais adiantados.. Subsistiu, contudo, um debilíssimo cinema brasileiro. De 1912 em diante, durante dez anos, foram produzidos anualmente apenas cerca de seis filmes de enredo, nem todos com tempo de projeção superior a uma hora. Os principais realizadores do período foram Francisco Serrador, Antônio Leal e os irmãos Botelho.

Todas as filmagens brasileiras realizadas até 1907 limitavam-se a assuntos naturais. A ficção cinematográfica, o “filme posado” só apareceu com o surto de 1908 e a primeira fita de ficção realizada no Brasil foi Os estranguladores de Antônio Leal.

2ª fase – 1912 – 1922

Este período é marcado pela primeira grande crise do nosso cinema, com problemas de produção e dificuldades de exibição nas salas de cinema, ocupadas pelos filmes norte-americanos, que vinha predominando no mercado mundial. Nestes anos, o cinema brasileiro foi amparado pela produção de documentários e cine-jornais, que levantavam recursos para a produção de filmes de ficção. São dessa época as chamadas “cavações”, onde por exemplo uma grande indústria contrata um cinegrafista e sua equipe para fazer um documentário institucional sobre a empresa, ou ainda importantes famílias encomendavam o registro de casamentos ou batizados. Entre os filmes desse tempo, destacam-se os calcados em obras célebres da literatura brasileira, principalmente as do período romântico.

3ª fase – 1923-1933

Aproximadamente em 1925, dobra a média de produção anual, e há progresso na qualidade. Além do Rio de Janeiro e de São Paulo, produzem também as capitais de Pernambuco, do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais (com o famoso ciclo de Cataguases, de Humberto Mauro e a Phebo Films) . Em torno de 1930, nasceram os clássicos do cinema mudo brasileiro e houve uma incursão válida na vanguarda ou ou menos hermética. Porém, quando o nosso cinema mudo alcança essa relativa plenitude, o filme falado já está vitorioso em toda parte.

Datam destes anos também os primeiros sinais da tomada de consciência cinematográfica nacional, com as revistas e jornais dedicando colunas e matérias ao filme brasileiro, como por exemplo a Cinédia.. Consagram-se nessa época alguns nomes do cinema brasileiro, entre eles Mário Peixoto (O limite), Gilberto Rossi, Edgar Brasil, Humberto Mauro. É nessa época, com os filmes Barro Humano e Brasa Dormida realizados por Humberto Mauro que se demonstrou que o cinema nacional começava a dominar os recursos do cinema narrativo. Os dois expoentes dessa época, realizados pela Cinédia, produtora de Ademar Gonzaga, foram Ganga Bruta de Humberto Mauro e Limite de Mário Peixoto.

4ª fase – 1934 -1949

A história do cinema falado brasileiro abre-se com um longo e penoso reinício. Durante as décadas de 1930 e 1940, a produção se limita praticamente ao Rio de Janeiro, onde se criam estúdios mais ou menos aparelhados. O resultado mais evidente foi a proliferação do gênero da comédia popularesca, vulgar e freqüentemente musical, registrou e exprimiu alguns aspectos e aspirações do panorama humano do Rio de Janeiro através das chanchadas. Os principais estúdios que se mantiveram ativos foram Brasil Vita Filmes ,de Carmem Santos e Cinédia de Ademar Gonzaga.

Essa produção de chanchadas carioca lançou um conjunto de atores como Mesquitinha, Oscarito e Grande Otelo, que foram os principais responsáveis pela aproximação do filme brasileiro com o público. Enquanto a década de 30 foi marcada por uma produção sob a égide da produtora Cinédia, os anos 40 já conta com a hegemonia da Atlântida, buscando desenvolver temas brasileiros

5ª fase – 1950-1966

A década de 1950 marca,em São Paulo, a tentativa de se implantar a indústria cinematográfica, juntamente com a inauguração de um importante movimento teatral, marcado pela fundanção do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) e a implementação das artes plásticas, abrindo as portas do MAM (Museu de Arte Moderna). A fundação da Vera Cruz fez parte de um projeto estético-cultural mais amplo, que previa para São Paulo a vitalização da vida cultural, conduzida pela burguesia industrial, buscando uma hegemonia na vida política e cultural do país.

A produção da Vera Cruz era caracterizada por um sistema de estúdios, com a preocupação de produzir industrialmente seus filmes, que constituíam dramas universais, no melhor estilo hollywoodiano, lançando no mercado um verdadeiro star-system composto por nomes como os de Tônia Carrero, Anselmo Duarte, Jardel Filho, Marisa Prado, Eliana Lage entre outros. O grande salto dado pela Vera Cruz foi sem dúvida o qualitativo técnico, pois era bem equipada, contava com uma equipe técnica – maior parte estrangeira – que trazia consigo a experiência de fora, suas produções traduziam a preocupação de ser um cinema sério, bem diferente das chanchadas cariocas produzidas pela Atlântida. No entanto os motivos do fracasso do estúdio são, entre outros, alto custo dos seus filmes, a ausência de uma distribuidora própria – sofrendo dificuldades de escoar seus produtos ao mercado e salas de cinema brasileiras. A sua principal obra comercial, que ganhou Cannes, foi o Cangaceiro, de Lima Barreto, que inaugura o gênero de cangaço.

Paralelamente aos estúdios e em oposição a eles, tanto na sua vertente paulista quanto carioca, surgiu uma geração de realizadores independentes, que asseguraria a continuidade dos filmes de pretensões artísticas. Entre estes, destaca-se a produção de cineastas como Walter Hugo Khouri, que deu seguimento ao cinema de pretensões universalistas da Vera Cruz, realizando dramas psicológicos nos moldes do cinema clássico, e Nelson Pereira dos Santos, que enveredou por um cinema de tom neo-realista, fugindo aos padrões dos estúdios ao filmar Rio 40º e Rio, Zona Norte. Nelson assume papel de destaque no cinema brasileiro, fundando aqui o cinema moderno, aproximando-se da geração de jovens críticos e realizadores, e compondo com eles o Cinema Novo, o mais importante movimento do cinema brasileiro e momento de plena maturidade artística e cultural do nosso cinema.

Os cinco primeiros anos da década de 1960 são dominados, entretanto, pelo fenômeno baiano, que se constitui de um conjunto de filmes realizados na Bahia, produzidos alguns por baianos e outros por sulistas: Bahia de todos os santos e o Pagador de Promessas, destacam-se , o primeiro pelo pioneirismo de sua função, e o segundo pelo equilíbrio de sua fatura. Projeta-se, então, no cinema propriamente baiano, a figura de Glauber Rocha, que em 1961 estreou com Barravento e a seguir realizou esse poderoso Deus e o Diabo na terra do Sol.

É a erupção do chamado Cinema Novo, movimento notadamente carioca que engloba de forma pouco discriminada tudo o que se fez de melhor no moderno cinema brasileiro. Com diretores premiados como Glauber Robcha, Paulo César Sarraceni, Joaquim Pedro de Andrade, Ruy Guerra, Carlos Diegues, Sérgio Ricardo Walter Lima Jr…

Se durante aproximadamente uma década o cinema tardou em entrar para o hábito brasileiro, isso foi devido ao nosso subdesenvolvimento em eletricidade, inclusive na capital federal. Quando a energia foi industrializada no Rio, as salas de exibição proliferaram. Os donos dessas salas comerciavam com o filme estrangeiro, mas logo tiveram a idéia de produzir e assim, durante três ou quatro anos, a partir de 1908, o Rio conheceu um período que se pode considerar a Bela Época do Cinema Brasileiro.

Assim, depois da Bela Época, um outro marco importante no cinema brasileiro são as chanchadas da Atlântida. Com ela, a produção foi ininterrupta durante cerca de vinte anos de filmes musicais e de chanchada, ou a combinação de ambos, se processou desvinculada do gosto do ocupante e contrária ao interesse estrangeiro. O público que garantiu o sucesso dessas fitas encontrava nelas, de forma reinventada e reinterpretada, modelos de espetáculos que possuem parentesco em todo o Ocidente mas que emanam diretamente de um fundo brasileiro constituído e tenaz em sua permanência. A esses valores relativamente estáveis os filmes acrescentavam a contribuição das invenções cariocas efêmeras em matéria de anedota, maneira de dizer, julgar e de se comportar, fluxo contínuo que encontrou na chanchada uma possibilidade de cristalização mais completa do que anteriormente na caricatura ou no teatro de variedades.

É bom lembrar que essas obras, com passagens rigorosamente antológicas, traziam, assim como o seu público, a marca do subdesenvolvimento; contudo o acordo que se estabelecia entre elas e o espectador era um fato cultural mais vivo do que o produzido até então pelo contato entre o brasileiro e o produto cultural norte-americano.

Resumo e Relato dos Jornalistas

Botticelli, Da Vinci e Michelangelo só foram considerados artistas do “Rissorgimento” italiano alguns séculos depois de terem morrido. Mas os cineastas brasileiros já exprimem o sentimento de fazer parte do renascimento do cinema no Brasil. Como se imaginasse um organismo que um dia nasceu, depois cresceu e se reproduziu, a maioria se refere ao nosso cinema como a uma espécie de cadáver embalsamado que retorna à vida durante estes dez últimos anos do milênio. 0 óbito ocorrera, súbito e inapelável, no começo desta década, em conseqüência de uma espécie de execução oficial (governo Collor), logo seguida de uma respiração boca a boca (governo ltamar) igualmente estatal. Historicamente referido, o acontecimento é forçosamente inédito, mas a referida sensação de nascer novamente não énovidade. Em diversas outras ocasiões, o cinema brasileiro pareceu ressuscitar de algum tipo de falecimento. Paschoal Segreto, Humberto Mauro, Adhemar Gonzaga e Nelson Pereira dos Santos, por exemplo, foram igualmente pioneiros. Em suma, nesta trajetória de pouco mais de cem anos, a consciência de participar de uma forma qualquer de recomeço já se manifestou tantas outras vezes, que fica a impressão de ver o cinema sempre engatinhando no Brasil.

De fato, não há como negar o momento de clivagem que atravessamos, lutando para ultrapassar o zero quase absoluto que caracterizou 1992 e 1993 – anos em que só se lançaram quatro longas metragens no mercado. Em 1994, já voltamos a respirar, subindo para dez títulos lançados – entre eles o emblemático Lamarca, de Sérgio Rezende. E entretanto, a reafirmação só se confirma de 1995 para cá, ultrapassando a marca de 85 lançamentos (cálculo referente ao primeiro semestre de 98). Quantidade ainda tímida, se comparada com o mínimo necessário para a consolidação de uma atividade economica em escala industrial, ou com os índices que a produção nacional alcançava nos anos 70, quando se chegou a cem títulos anuais.

Vivemos, sem dúvida, o início de uma nova etapa: mal voltamos a filmar e, de cara, já disputamos mercado interno e prestígio internacional, exibindo um desempenho bastante razoável para uma atividade econômica e cultural que apenas recomeça. Palmas para Central do Brasil, de Walter Salles, premiado em Berlim, para 0 sertão das memórias, de José Araújo, agraciado no Sundance Festival, e para 0 quatrilho, de Fábio Barreto, e 0 que é isso companheiro, de Bruno Barreto, indicados para o Oscar. Aos aplausos, porém, é oportuno acrescentar a observação de que, enquanto contam histórias e transmitem emoções, todos esses filmes falam do Brasil e da sua gente. Ou seja, o cinema nacional desenvolve o gosto de falar do país e de si mesmo. 0 resto do mundo começa a perceber o fato. Em sua edição de agosto de 1998, a exigente revista Cahiers du Cinèma dedica um artigo ao fenômeno que aqui abordamos, vendo-o igualmente como uma forma de renascença. Através do texto do crítico Renê Sotomayor, ficamos sabendo que a retomada da produção também acontece na Argentina, no Chile, na Colômbia e no México. Além de explicar o funcionamento da Lei do Audiovisual, ele analisa os mais representativos filmes do periodo, cometendo alguns equívocos, como por exemplo em relação a 0 quatrilho.

Para o redator de Cahiers ou Cinema, o filme peca por não exibir “o experimentalismo dos anos 60, nem um principio radical sobre a identidade brasileira. É um filme de reconciliação, que sela um pacto entre a TV e o cinema, entre uma nova geração de cineastas e o público”. Como vemos, ainda há comentaristas que consideram o experimentalismo como sinônimo de excelência. Sucede que a obra de Fábio Barreto vale também por revelar, em sua feitura, uma experiência acumulada desde os tempos da Companhia Cinematográfica Vera Cruz que, muito antes da TV, já perseguia um padrão de qualidade. É natural que, assim como Sotomayor, certos jornalistas estrangeiros não considerem indicadores de uma ‘identidade brasileira’ um espetáculo tão aparentemente italiano como 0 quatrilho. Se conhecesse melhor este país, o crítico saberia que, além das matrizes portuguesas, africanas e indígenas, ele é também resultado das múltiplas correntes migratórias que o fizeram tão diversificado. Poderia perceber que, entre os seus muitos acertos, o filme de Barretc, mostra exatamente como aqui as raizes culturais européias não se limitam a reproduzir o velho continente, mas podem se transfigurar, apontando para uma civilização original – cujo cinema, aliás, já possui uma história própria, tão rica quanto desigual e conturbada.

Esta última década do século e do milênio marca um ponto de inflexão na trajetória histórica de uma cinematografia que já completou cem anos de existência. Estamos diante, portanto, de uma oportunidade privilegiada para refletir a respeito, uma vez que, no Brasil, as políticas públicas para o cinema – ou a ausência delas – refletem diretamente na dinâmica da produção. Enquanto aqueles que se ocupam de planejar essas políticas se questionam sobre o melhor caminho a seguir, os cineastas vão colocando seus filmes em cartaz, oferecendo suas propostas para integrar este renascimento.

Observando os filmes realizados entre 1994 e 98, cabe perguntar que tipo de cinema brasileiro estaria renascendo? A ‘época dourada’ da Embrafilme, ou Cinema Novo dos anos 60/70? 0 cinema industrial tipicamente paulista, da Vera Cruz e da Maristela nos anos 40/50? 0 cicio do cangaço, ou as chanchadas cariocas da Atlântida e da Cinédia? Cada uma dessas categorias corresponde, é evidente, a uma etapa específica da nossa história. Espelham a economia, as condições sociais e a estética que a marcavam. Ocorre, porém, que muitos dos filmes recentes apontam para este ou aquele parâmetro histórico. Indicam, de certo modo, uma espécie de filiação a uma determinada linhagem à qual pertenceriam. Como se, nesse reinício de vida, boa parte dos realizadores buscassem casos exemplares, ou referências concretas no estoque de experiências passadas, para orientar as suas opções. Mais ou menos como fizeram os artistas do Renascimento, pesquisando os clássicos gregos ou romanos: ao construir uma imagem estruturada acerca de um passado anterior àIdade Média, elaboravam formas e conceitos inteiramente modernos, que apontavam – e ainda apontam – para o futuro da produção cultural.

Essa analogia é ainda mais sugestiva quando se leva em consideração que, apesar das imensas limitações materiais que os realizadores de cinema precisam enfrentar neste país, reina a mais ampla liberdade no setor. Como repara Hector Babenco, “a Lei do Audiovisual e a Lei Rouanet permitiram que pudéssemos voltar a fazer cinema, mas, graças a Deus, ninguém do governo nos determinou que tipo de filme deveríamos fazer”. Para avaliar a importância dessa constatação, basta lembrar da época em que era quase obrigatório enfeitar o elenco com astros e estrelas do rádio para que o filme chamasse a atenção do público. Refiro-me aos anos 50, como poderia também me referir aos anos 80, em que a obrigatoriedade imposta pelo mercado se transferiu para o erotismo. Num momento imediatamente anterior à explosão da oferta de filmes pornográficos através do mercado de vídeo doméstico, fosse comédia ou drama, o filme brasileiro que pretendesse disputar bilheteria precisava necessariamente apresentar um bom número de cenas eróticas.

Nos últimos quatro anos, ao contrário, não se consolidaram nem determinações mercadológicas e nem imposições políticas capazes de influenciar a criação cinematográfica. Colocando de outro modo, cada um fez o filme que conseguiu, ou que escolheu fazer. Por isso mesmo, é no mínimo curioso identificar determinados paradigmas de que alguns realizadores se serviram, nesse período, para trabalhar. Com esse recurso, pode-se delinear um conjunto de tendências, ou no mínimo regularidades de intenções e de procedimentos, passíveis de serem usadas como características inclicativas do período.

Independentemente dos prêmios e dos resultados das bilheterias, esta fase se caracteriza pela extrema diversidade de temas e de estilos. Destaca-se, porém, a tentativa de uma análise desapaixonada e amadurecida da realidade brasileira (ver quadro 1), associada a uma clara proposta de reflexão sobre o sentido da nossa própria cinematografia (quadro 2). Em consonância, portanto, com este que é um dos traços mais firmes e inconfundíveis, talvez até exclusivos, da cultura brasileira: quanto mais contraditório, diferenciado e aberto às múltiplas influências da civilização contemporânea, mais autêntico e nacional o cinema brasileiro se tem mostrado. Pedindo licença a Oswald de Andrade, arrisco-me a supor que talvez nunca tenhamos exercido, com tanta franqueza e apetite, a nossa proverbial vocação para a antropofagia. Em busca de embasamento para esta hipótese, apresento alguns casos concretos de cleglutição da nossa própria experiência cinematográfica.

Quais seriam os pontos de contato entre as comédias do passado e os exemplos recentes do gênero? Tomemos o caso de Carlota Joaquina, Princesa do Brasil, de Carla Camurati. 0 fato deste último ser um espetáculo de época, com uma produção quase luxuosa, não nos permite identificá-lo com a safra de super-produções históricas que a Embrafilme do regime militar estimulava nos anos 70. Associando irreverência e bom humor, Camurati nos oferece uma versão do passado brasileiro que contraria as interpretações tradicionais e costumeiras. Conquistando, também por isso, a entusiasmada adesão das platéias, geralmente sedentas de piadas que nos permitam achar graça da nossa própria existência. Mais ou menos como ocorria nos anos 40 e 50, com o saudoso ‘teatro de revista’. Quase um milhão de espectadores representa uma proeza individual da cineasta e uma conquista coletiva para o cinema brasileiro que, em 1995, através desse filme, se reencontrou com o grande público do qual se achava divorciado.

Como eixo principal a unir essas duas pontas da história, salientamse discursos humorísticos montados sobre um projeto de divertimento francamente popular. Quando bem-sucedido, aliás, esse é o único tipo de projeto que, infalivelmente, propicia longas filas nas portas dos cinemas. De fato, Pequeno dicionário amoroso, de Sandra Werneck, atraiu cerca de 400 mil, Tieta do Agreste, de Carlos Diégues, foi visto por 500 mil e Carlota Joaquina já se aproxima de um milhão de espectadores. Ainda assim, não podemos afirmar que a tendência dominante do período seja a comédia, de modo geral. Até porque o género representa apenas 12 % do total de filmes produzidos (ver quadro 3). Por outro lado, uma única comédia atraiu quase 60% de todos os espectadores que pagaram para assistir filmes brasileiros em 1998.
Com quase dois milhões de espectadores, o mais recente campeão de bilheteria é 0 noviço rebelde, de Tizuka Yamasaki – herdeiro indiscutível da tradição da chanchada, que predominou nas décadas de 1930, 40 e 50.
As comédias musicais reunidas sob o rótulo de ‘chanchadas’ se constituíam numa modalidade muito peculiar de produto cinematográfico. Desde Alô, alô, Carnaval, de Adhemar Gonzaga, em 1936, elas se mantiveram atreladas de maneira ancilar ao rádio e à indústria fonográfica, porque seu sucesso dependia dos cantores e cantoras famosas que pudessem incluir no elenco. Não fosse a todo-poderosa ‘Rádio Nacional’ uma empresa pública, aqueles filmes poderiam ser classificados como rebentos diretos e puros do mercado. Sem qualquer apoio do governo e fabricados com capital próprio das empresas produtoras, estreavam sempre às vésperas do Carnaval, ou em torno das festas juninas, para promover a vendagem dos discos do mês. Não havia a menor possibilidade de ‘mestiçagem’ com o Estado, porque, entre 1933 e 1966, o único órgão estatal de apoio ao cinema era o Instituto Nacional de Cinema Educativo, que só apoiava filmes pedagógicos.

Além de uma surrada comicidade, que se limita a diluir e minimizar o que o grupo Os Trapalhões repetiram em décadas de televisão, 0 noviço rebelde tem como principal atrativo os números musicais e a presença cênica da dupla de adolescentes Sandy e Júnior, sulperastros da música popular, especializados em canções românticas e infantis. Filhos de um dos integrantes da dupla Chitãozinho e Xororó, esses jovens têm vendido mais discos que o próprio Roberto Carlos. A garota Sandy, aliás, exerce agora um estrelato equivalente ao que Vanderléa ou Celi Campello desfrutaram na época da ‘jovem guarda’. Escrito, produzido e protagonizado por Renato Aragão, 0 Noviço Rebelde recorre a Sandy e Júnior assim como as chanchadas recorriam a Ângela Maria e Cauby Peixoto.

Pode-se até dizer que Tieta, Carlota Joaquina e Pequeno Dicionário tambem se apóiam em artistas conhecidos da televisão e que, além disso, Pequeno Dicionário Amoroso utiliza uma linguagem de humorismo atualmente em voga na TV – melhor dizendo na Rede Globo (Comédia da vida privada, A vida ao vivo, etc.), que corresponde ao que a Rádio Nacional representava antes dos anos 60. A comicidade de Diégues, Camurati e Werneck, no entanto, é montada em dramaturgia e não nas piadas de ‘pastelão’ e nas palhaçadas meramente visuais que caracterizavam a maioria das chanchadas e os filmes de Aragão. Destaco esse fato para me remeter ao final da década de 1940, quando do berço sofisticado do Teatro Brasileiro de Comédia, em São Paulo, brotou a Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Naquele instante estabeleceu-se no cinema brasileiro uma dicotomia equivalente à que separa o popular e o erudito, na história da arte deste século.

Apoiada por uma elite de intelectuais e financistas que desprezavam as chanchadas e, por extensão, todo o cinema brasileiro, a nova empresa produtora se colocava numa posição diametralmente oposta aos filmes de grande público, associando-os a noções de ‘vulgaridade’ e ‘baixo nivel cultural’. Igualmente criado por intelectuais, ainda que de tipo diferente, o Cinema Novo também renegava a comédia carnavalesca e circense, quando se iniciou no fim da década de 1950. Adjetivos como ‘alienante’ ou ‘colonizado’ serviam para designar as produções de grande público. Agora, em plena renascença, o popular responde ao erudito, com cerca de dois milhões de espectadores consagrando 0 noviço rebelde como o filme comercialmente mais bem-sucedido no momento. Sucessor de Oscarito e Mazzarolpi, Aragão já fez 140 milhões de espectadores em seus outros 38 longas realizados entre 1965 e 1991. Em matéria de renda, 0 noviço rebelde só perdeu para Titanic, Independence day e 0 Mundo Perdido.

Alguém dirá que esse vitorioso filme representa a superação dialética entre o erudito e o popular, uma vez que é dirigido por Tizulka Yamazaki, cineasta prestigiada pela crítica e premiada por obras sérias como Gaijin – os caminhos da liberdade.

Em 1991, aliás, ela foi bastante combatida por ter dirigido Lua de Cristal para Xuxa Meneghel. Profissional habilidosa, em 0 Noviço Rebelde, ela se encarrega de providenciar urna imagem limpa e uma montagem que chega a impressionar pela eficiência. Tanto que, em algumas passagens, especialmente musicais, consegue-se esquecer das lamentáveis gracinhas escatológicas que pontuam o roteiro. Críticos como Sérgio Augusto consideram essa linha humorística de gênero ‘pastelão’ uma forma de ‘subchanchada’. Outros, como Ortiz Ramos e Fatimarlei Lunardelli saem em defesa de Aragão, detectando em seus filmes ‘estilo próprio’ e descobrindo, na figura do ‘palhaço inteligente’, valores culturais calcados na tradição cômica autênticamente brasileira. Esse juizo talvez valha para algum de seus 38 filmes anteriores. Mas em 0 Noviço Rebelde, ele se contenta em oferecer um melancólico pastiche de seu próprio trabalho anterior.

De qualquer maneira, essa comparação entre os dois momentos históricos sugere uma reflexão. Até os anos 60, o cinema comercial não mereceu cuidados por parte dos govemantes, provavelmente porque aparentava não necessitar de qualquer política estatal, uma vez que já possuía um grande público e parecia caminhar com as próprias pernas. Nos dias de hoje talvez se possa evitar erros desse tipo e não deixar de lado a questão do público, nas políticas a serem adotadas nesta nova etapa que se abre. Especialmente o público infantil, que é mais numeroso e representa o futuro das platéias e da nação. 0 noviço rebelde, sem dúvida, só conseguiu uma bilheteria tão vasta porque conta com o interesse das crianças, junto a quem a televisão divulga intensivamente tanto os shows de Sandy e Júnior quanto o indefectível programa dos Trapalhões.

Nesse sentido, deve-se comemorar o bom desempenho do encantador Menino maluquinho, de Helvécio Ratton, que mesmo sem dispor do apoio publicitário da TV, foi assistido por mais de 331 mil espectadores. Simples e comovente, a história de Ziraldo inaugura uma linha de espetáculos infantis destinados a agradar, sem que seja preciso pedir socorro aos astros do disco e da TV, nem abusar da escatologia e do “pastelão”. Além de Patrícia Pillar – que, curiosamente, também está em 0 Noviço Rebelde – o elenco de Menino Maluquinho não tem gente famosa da TV. Seu ponto forte é o roteiro, que consegue entremear a alegria das brincadeiras infantis com a dureza da realidade. Pode ser resumido como um apanhado da vidinha inconseqüente de um garoto mineiro dos anos 60 que, aos nove anos, enfrenta a separação dos pais e a morte do avô. Se cada criança que leu o livro de Ziraldo resolver assistir o filme, Menino Maluquinho poderá alcançar um dia a marca de três milhões de espectadores.

Mudando o foco da comparação histórica, deparamos com A guerra de Canudos, de Sérgio Rezende, A ostra e o vento, de Walter Lima Jr, e Anahy de las Missiones, de Sérgio Silva. Num certo sentido, lembram a solenidade formal e o apuro técnico dos grandes espetáculos da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, fundada pelo empresário Franco Zampari. Apenas lembram, porque trabalham com emoções muito mais densas do que aquelas que afloravam do cinema paulista da década de 1950. Ainda que sonhasse secretamente com a exportação de seus produtos, Zampari não produzia para o público brasileiro como um todo. Até porque, naquela década, o mercado cinematográfico nacional apresentava um perfil diferente do atual: o alvo era a burguesia urbana bem comportada das grandes cidades, que costumava freqüentar teatro e que ainda não dispunha da TV para obter uma diversão mais barata e amena.

A guerra de Canudos, de Sérgio Rezende, ao contrário, nasceu com o compromisso de tentar a comunicação com os diversos setores do público atual. Belíssimo espetáculo, inteligente, didático e dramaticamente empolgante, foi transformado em minissérie, para ser exibido com destaque na televisão – onde precisou disputar audiência com o futebol e com as novelas. Talvez seja o mais competente de todos os filmes históricos feitos nesta safra e o que melhor abordou o tema até hoje. Com ele, Rezende superou os entraves narrativos que prejudicaram Lamarca, quando se mostrou emocionalmente paralisado diante do assunto que abordava. Para contar minuciosamente a história do guerrilheiro morto em 1971, em lugar da dramaturgia clássica e funcional de Canudos, ele inundara o roteiro de flash-backs que pesavam como chumbo, emperrando a narrativa. A propósito, o filme político mais interessante do período é 0 que é isso companheiro? De Bruno Barreto. Porque, além de não se perder em proselitismo, demagogia e vãs teorizações, nos presenteia com um thriller capaz de espantar o sono do mais preguiçoso dos espectadores. Com ele e com 0 quatrilho, a clã dos Barreto conseguiu fincar no pantanoso terreno deste período a bandeira do cinema industrial, desfraldada nos anos 50, pelos empresários paulistas.

Figuras da história paulistana como as de Zampari, da Vera Cruz, Anthony Assunção, da Multifilmes e Mário Audrá, da Maristela, justificam ainda mais a designação de ‘renascimento’ atribuída à retomada da produção que se verifica atualmente. Quinze séculos depois da morte, aquele nobre romano que protegia as artes e que se chamava Mecenas foi o inspirador de uma elite européia engajada em renovar a cultura. Do mesmo modo, Zampari, Assunção e Audrá não imaginavam que as suas experiências de investimento em cinema – tidas, aliás, como fracassadas por alguns observadores apressados – seriam incorporadas aos mecanismos legais responsáveis pela renascença desta segunda metade dos anos 90. Eram capitalistas que, provavelmente, perceberam no cinema uma possibilidade de obter produtos de elevada rentabilidade a partir de investimentos bem mais modestos do que os exigidos pela maioria das indústrias da época.
Gente daquele tipo não existe mais e nem as condições econômicas que possibilitaram seus empreendimentos cinematográficos, realizados sem qualquer apoio estatal, enfrentando a má vontade dos governantes e a descrença dos jornais. Mais grave ainda: com o crescimento da população e do mercado, hoje seriam necessários centenas de Zamparis e Audrás para repetir, no presente, o cicio industrial que eles protagonizaram. De certa maneira, é o que pretendem a Lei do Audiovisual e a Lei de Incentivo Fiscal à Cultura. Elas desenvolveram mecanismos de incentivo fiscal e de investimentos especiais, para instituir o mecenato, que tem permitido a realização de mais ou menos duas dúzias de filmes a cada ano.

Voltando ao texto da Cahiers du Cinèma, para o comentarista Sotomayor, o que melhor simboliza esse renascimento é o retorno do sertão como cenário. Apesar de chileno, ele padece desse deslumbramento europeu pelo Brasil rural e arcaico. Acredita que “a terra seca do Nordeste brasileiro é a mais fecunda em mitos reaparecidos recentemente na paisagem fílmica brasileira”. Fora a temática, nem Corisco e Dadá, de Rosemberg Cariri, nem 0 baile perfumado, de Paulo Caldas e Lírio Ferreira, apresentam qualquer ligação estilística com os épicos de cangaço produzidos nos anos 60. Muito poucos iam além de reproduzir, na paisagem nordestina, os esquemas habituais do western hollywoodiano. Corisco e Dada é um ‘docudrama’ empenhado em desvendar a função da mulher entre os bandidos rurais do Nordeste. Já 0 baile perfumado pode ser definido como o ousado making-off de um documentário célebre: o registro verdadeiro do bando de Lampião pelo fotógrafo libanês Benjamim Abrahão. Mesmo questionável, entretanto, a afirmação de Sotomayor pode conduzir a uma reflexão histórica de certa utilidade.

Entre o fim das grandes empresas paulistas e a fundação da Embrafilme foram feitos quase trinta filmes de cangaço. Tudo começou em 1953 com 0 cangaceiro, de Lima Barreto, produzido na Vera Cruz – o primeiro filme brasileiro a fazer sucesso internacional. Uma obra tão marcante que foi refilmada, em 97, por Anibal Massaini. Mesmo após o fim da Vera Cruz, 1 . à nos anos 60, os filmes sobre cangaceiros se multiplicavam. Em que pesem as diferenças de qualidade que apresentavam entre si, todos vinham embebidos das memórias difusas de um Brasil arcaico e sertanejo. De modo esquemático, na época, a produção brasileira se achava polarizada em dois blocos: as empresas que se movimentavam no espaço deixado pelas grandes produtoras falidas e os inovadores do Cinema Novo, que propunham um ‘cinema de autor’, ou seja, liderado por realizadores que, além de escrever e dirigir, produziam os próprios filmes.

Apesar de contarem com parcelas diferentes do público, os dois blocos competiam vigorosamente no campo da qualidade. Caso típico foi 0 Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte, produzido em 1962 por Oswaldo Massaini, o primeiro filme brasileiro a receber a Palma de Ouro do Festival de Cannes. 0 espetáculo parecia ter a alma de um filme do Cinema Novo, no corpo de uma obra construída nos moldes clássicos da Vera Cruz. Dois anos mais tarde, Glauber Rocha se interessou pelo tema do cangaceiro e realizou Deus e o Diabo na terra do Sol, um dos pilares do movimento. A partir daí, a caatinga nordestina, peixeiras afiadas e gibões de couro invadiram as telas, com alguns resultados excelentes dentro e fora do Cinema Novo. Com esse relato, queremos ressaltar a importância da competição na produção cultural.

A adrenalina que vem da ação competitiva é, sem dúvida, responsável pelo interesse despertado pelos filmes que recentemente disputaram festivais internacionais. 0 Ministério da Cultura tem consciência de que é preciso fortalecer o nosso sistema de estrelas e, para esse fim, tem aproveitado a oportunidade das comemorações anuais do Dia da Cultura, sempre no começo de novembro. Em 1997, o produtor Luís Carlos Barreto, de 0 quatrilho e 0 que é isso companheiro, foi condecorado pelo presidente Fernando Henrique com a medalha da Ordem do Mérito Cultural. Os veteranos Hector Balbenco, Ruy Guerra e Nelson Pereira dos Santos, além da iniciante Tata Amaral foram agraciados com o polpudo Prêmio Ministério da Cultura, criado em 1995 em homenagem à memória do cineasta Humberto Mauro.

Para brincar com as ilações históricas insinuadas na abertura deste texto, que especulava em torno da idéia de renascimento, imaginemos uma premiação para o cinema brasileiro que tivesse os artistas da Renascença como patronos. Quem mereceria ser indicado para o prêmio Shakespeare pela melhor dramaturgia? 0 que é isso companheiro, Quem matou Pixote, de José Joffilly e Sertão das memórias, de José Araújo, que se baseiam em personagens reais da vida nacional? Ou Como nascem os anjos, de Murilo Salles, Os matadores, de Beto Brant e Boieiros, de Ugo Giorgetti, que, através da ficção, se aprofundam na discussão de questões profundamente brasileiras? Para quem iria o prêmio Bocaccio para a melhor comédia de costumes? Para Pequeno dicionário amoroso, ou para Como ser solteiro no Rio de Janeiro, de Rosane Svartman?

0 favorito para o prêmio Camões talvez seja Central do Brasil. Afinal, a obra de Salles Jr. apresenta – por meio de uma linguagem poética a um só tempo racional e emocionante – a odisséia de uma gente brasileira que sobrevive muito além do que prometia a força humana. Mas não resta a menor dúvida que o ganhador de um prêmio Cervantes seria Policarpo Quaresma, o herói do Brasil, de Paulo Thiago. Há momentos em que a aparência do personagem criado pelo escritor Lima Barreto lembra a triste figura de Quixote, tal como nos acostumamos a conhecer, através das ilustrações de Gustave Doré. Mesmo assemelhados na temeridade visionária e na tendência para fracassar, entretanto, os personagens trilham caminhos opostos.

Enquanto Dom Quixote resistia às mudanças, sobrepondo a elas os seus delírios de nobreza, Quaresma aplaude os novos tempos, idolatrando os líderes emergentes e transformando em mitos algumas das suas alternativas ideológicas. 0 Senhor da Mancha transfigurava o mundo em que vivia para suportar o contato com ele, mas Policarpo Quaresma se integra de tal maneira à realidade, que termina por se afastar do que ela tem de essencial, perdendo a possibilidade de nela interferir. Assim, é um adesista feroz que acaba sacrificado pelo próprio esquema político que venera. Bem intencionado, provoca a destruição daqueles que procura ajudar, como os mendigos a quem entrega uma parte de suas terras. Por tudo isso, o personagem pode funcionar como metáfora de um cinema engajado que, de tanto se preocupar com o povo, acabou perdendo a comunicação com aquela entidade a serviço de quem se colocara.

Um palpite para os futuros professores de história do cinema, que tentarem esquematizar o período que abordamos neste texto: para que os alunos o memorizem com facilidade, bastará enfatizar que ele se inicia com Lamarca e se encerra com Policarpo Quaresma, o herói do Brasil – figuras tão diametralmente opostas e, ao mesmo tempo, tão paralelas, em sua semelhança com os quixotescos heróis da Renascença e deste povo brasileiro, por vezes romântico, rebelde e sertanejo. Colocadas assim, lado a lado, essas duas figuras nos sugerem uma conclusão: neste período, através do cinema, todos nós, artistas, empresas e governantes, conseguimos acertar um pouco o passo. E esse passo se mostrou, sem dúvida, digno de herói.

Premiações

Dia 23 de março de 1998 poderá ficar marcado como o dia em que o Brasil finalmente ganhou o Oscar. Como se sabe, o filme O que é isso, companheiro?, de Bruno Barreto está concorrendo na categoria de Melhor Filme de Língua Não Inglesa, categoria esta, mais conhecida como Melhor Filme Estrangeiro. É a terceira vez que o Brasil concorre, depois de O pagador de promessas, em 1962 e O quatrilho, em 1995.

O que é isso, companheiro?, que teve uma recepção bastante tumultuada no Brasil e assistido por cerca de 270 mil pessoas, nos Estados Unidos, ao contrário, está tendo uma acolhida muito positiva desde que entrou em cartaz em janeiro, em nove cidades. Até a primeira semana de março, o filme que ali foi rebatizado de Four days in september, já havia rendido US$ 380 mil e a indicação para o Oscar. Confira, a seguir, as participações (diretas e indiretas) do Brasil na festa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.

1944 – Indicação de Melhor Canção para “Rio de Janeiro”, autoria de Ary Barroso e Ned Washington, do filme Brazil. Ganhou “Swinging on a star”, de James Van Heusen e Johnny Burke, do filme O bom pastor (Going my way).

1959 – Orfeu do carnaval (Orfeu negro), de Marcel Camus, representando a França, ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. O filme foi inteiramente filmado no Rio de Janeiro, baseado ne peça de Vinicius de Moraes, com atores brasileiros, falado em português, mas com produção francesa.

1962 – Indicação de O pagador de promessas, de Anselmo Duarte, para Melhor Filme Estrangeiro. Ganhou o francês Sempre aos domingos (Les dimanches de Ville-D’Avray), de Serge Bourguignon. Os outros indicados foram o grego Electra, de Michael Cacoyannis, o italiano Quatro dias em Nápoles e o mexicano Tlayucan.

1978 – Indicação da co-produção franco-brasileira Raoni, de Jean-Pierre Dutilleux e Luiz Carlos Saldanha, para Melhor Documentário Longo. Quem concorre nesta categoria é o produtor. No caso de Raoni, concorreram os produtores Jean-Pierre Dutilleux, Michel Gast e Barry Williams. Ganhou Scared straight!, produção de Arnold Shapiro.

1981 – Indicação de El Salvador: another Vietnam, dirigido e produzido pela brasileira Tetê Vasconcellos, para Melhor Documentário Longo. Ganhou Genocide, produção de Rabbi Marvin Hier e Arnold Schwartzman.

1985 – A co-produção entre Brasil e Estados Unidos, O beijo da Mulher Aranha, ganhou quatro indicações: Melhor Filme, Melhor Direção para Hector Babenco, Melhor Roteiro Adaptado, de Leonard Schrader, baseado na novela de Manuel Puig e Melhor Ator para William Hurt, que saiu vencedor. O melhor filme foi Entre dois amores (Out of Africa), de Sidney Pollack.

1995 – Indicação de O quatrilho, de Fábio Barreto, para Melhor Filme Estrangeiro. Ganhou o holandês A excêntrica família de Antônia, de Marleen Gorris. Os outros indicados foram o sueco Todas as coisas são belas, de Bo Wideberg, o argelino Dust of life e o italiano O homem das estrelas, de Giuseppe Tornatore.

1997 – Indicação de O que é isso, companheiro?, de Bruno Barreto, para Melhor Filme Estrangeiro. Concorrem também o holandês Personagem (Karakter), de Mike van Diem, o alemão Além do silêncio (Jenseits der Stille), de Caroline Link, o russo O ladrão (Vor), de Pavel Chukhrai e o espanhol Segredos do coração (Secretos del corazón), de Montxo Armendariz.

Dia 23 de março de 1998 poderá ficar marcado como o dia em que o Brasil finalmente ganhou o Oscar. Como se sabe, o filme O que é isso, companheiro?, de Bruno Barreto está concorrendo na categoria de Melhor Filme de Língua Não Inglesa, categoria esta, mais conhecida como Melhor Filme Estrangeiro. É a terceira vez que o Brasil concorre, depois de O pagador de promessas, em 1962 e O quatrilho, em 1995.

O que é isso, companheiro?, que teve uma recepção bastante tumultuada no Brasil e assistido por cerca de 270 mil pessoas, nos Estados Unidos, ao contrário, está tendo uma acolhida muito positiva desde que entrou em cartaz em janeiro, em nove cidades. Até a primeira semana de março, o filme que ali foi rebatizado de Four days in september, já havia rendido US$ 380 mil e a indicação para o Oscar. Confira, a seguir, as participações (diretas e indiretas) do Brasil na festa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.

1944 – Indicação de Melhor Canção para “Rio de Janeiro”, autoria de Ary Barroso e Ned Washington, do filme Brazil. Ganhou “Swinging on a star”, de James Van Heusen e Johnny Burke, do filme O bom pastor (Going my way).

1959 – Orfeu do carnaval (Orfeu negro), de Marcel Camus, representando a França, ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. O filme foi inteiramente filmado no Rio de Janeiro, baseado ne peça de Vinicius de Moraes, com atores brasileiros, falado em português, mas com produção francesa.

1962 – Indicação de O pagador de promessas, de Anselmo Duarte, para Melhor Filme Estrangeiro. Ganhou o francês Sempre aos domingos (Les dimanches de Ville-D’Avray), de Serge Bourguignon. Os outros indicados foram o grego Electra, de Michael Cacoyannis, o italiano Quatro dias em Nápoles e o mexicano Tlayucan.

1978 – Indicação da co-produção franco-brasileira Raoni, de Jean-Pierre Dutilleux e Luiz Carlos Saldanha, para Melhor Documentário Longo. Quem concorre nesta categoria é o produtor. No caso de Raoni, concorreram os produtores Jean-Pierre Dutilleux, Michel Gast e Barry Williams. Ganhou Scared straight!, produção de Arnold Shapiro.

1981 – Indicação de El Salvador: another Vietnam, dirigido e produzido pela brasileira Tetê Vasconcellos, para Melhor Documentário Longo. Ganhou Genocide, produção de Rabbi Marvin Hier e Arnold Schwartzman.

1985 – A co-produção entre Brasil e Estados Unidos, O beijo da Mulher Aranha, ganhou quatro indicações: Melhor Filme, Melhor Direção para Hector Babenco, Melhor Roteiro Adaptado, de Leonard Schrader, baseado na novela de Manuel Puig e Melhor Ator para William Hurt, que saiu vencedor. O melhor filme foi Entre dois amores (Out of Africa), de Sidney Pollack.

1995 – Indicação de O quatrilho, de Fábio Barreto, para Melhor Filme Estrangeiro. Ganhou o holandês A excêntrica família de Antônia, de Marleen Gorris. Os outros indicados foram o sueco Todas as coisas são belas, de Bo Wideberg, o argelino Dust of life e o italiano O homem das estrelas, de Giuseppe Tornatore.

1997 – Indicação de O que é isso, companheiro?, de Bruno Barreto, para Melhor Filme Estrangeiro. Concorrem também o holandês Personagem (Karakter), de Mike van Diem, o alemão Além do silêncio (Jenseits der Stille), de Caroline Link, o russo O ladrão (Vor), de Pavel Chukhrai e o espanhol Segredos do coração (Secretos del corazón), de Montxo Armendariz.

Dupla vitória para o Brasil no Festival Internacional de Cinema de Berlim

Depois de uma coleção de Ursos de Prata, o cinema brasileiro ganhou o Urso de Ouro, o prêmio máximo do Festival Internacional de Berlim, com Central do Brasil, de Walter Salles. O filme deu ainda o Urso de Prata de Melhor Atriz para Fernanda Montenegro. É a terceira vez que uma atriz brasileira ganha este prêmio. Confira, a seguir, as distinções berlinenses para o cinema brasileiro.

1964 – Urso de Prata para Os fuzis, de Ruy Guerra

1969 – Urso de Prata para Brasil ano 2000, de Walter Lima Jr.

1973 – Urso de Prata para Toda nudez será castigada, de Arnaldo Jabor

1978 – Urso de Prata para A queda, de Ruy Guerra e Nelson Xavier

1986 – Urso de Prata de Melhor Atriz para Marcélia Cartaxo, por A hora da estrela

1987 – Urso de Prata de Melhor Atriz para Ana Beatriz Nogueira, por Vera

1990 – Urso de Prata para Ilha das Flores, de Jorge Furtado

1998 – Urso de Prata de Melhor Atriz para Fernanda Montenegro, por Central do Brasil

1998 – Urso de Ouro para Central do Brasil, de Walter Salles

Bibliografia

BARRO, Máximo. O Cinema aprende a falar. São Paulo, Centro Cultural de São Paulo, 1997.

COSTA, Antonio. Compreender o Cinema. São Paulo, Editora Globo, 1989.

GOMES, Paulo Emílio Sales. Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento. São Paulo, Paz e Terra, 1996.

RAMOS, Fernão (organizador). História do Cinema Brasileiro. São Paulo, Art Editora, 1987.

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