A história mostra os vários fatores responsáveis pela dimensão que a epidemia do cigarro tomou.
O uso do tabaco surgiu aproximadamente no ano 1000 a.C., nas sociedades indígenas da América Central, em rituais mágicos-religiosos. A planta, cientificamente chamada Nicotiana Tabacum, chegou ao Brasil provavelmente pela migração de tribos tupis-guaranis. Quando os portugueses aqui desembarcaram, tomaram conhecimento do tabaco pelo contato com os índios. A partir do século XVI, o seu uso disseminou-se pela Europa, introduzido por Jean Nicot, diplomata francês vindo de Portugal, com utilização até para curar as enxaquecas de Catarina de Médici, rainha da França.
Suas folhas foram comercializadas sob a forma de fumo para cachimbo, rapé, tabaco para mascar e charuto, até que, no final do século XIX, iniciou-se a sua industrialização sob a forma de cigarro. Seu uso espalhou-se de forma epidêmica por todo o mundo a partir de meados do século XX, ajudado pelo desenvolvimento de técnicas avançadas de publicidade e marketing. A folha do tabaco, pela importância econômica do produto no Brasil, foi incorporada ao brasão da República.
Substâncias da Fumaça do Cigarro
Quando cigarros industrializados ou de fumo-de-rolo, cachimbos e charutos são acesos, algumas substâncias são inaladas pelo fumante e outras se difundem pelo ambiente. Essas substâncias são nocivas à saúde.
Todas as formas de uso do tabaco, inclusive os cigarros com mentol, filtros especiais, com baixos teores (light, extra-light) etc. têm uma composição semelhante, não havendo, portanto, cigarros “saudáveis” ou cachimbos e charutos que façam menos mal. Isso ocorre porque, mesmo escolhendo produtos com menores teores de alcatrão e nicotina, os fumantes acabam compensando essa redução, fumando mais cigarros por dia e tragando mais freqüente ou profundamente, ou seja, fazendo outras modificações compensatórias em conseqüência da dependência à nicotina.
A fumaça do cigarro é uma mistura de cerca de 5 mil elementos diferentes. Ela é formada pelos seguintes componentes:
Nicotina – considerada droga pela OMS. Sua atuação no sistema nervoso central é como a da cocaína, com uma diferença: chega entre 2 e 4 segundos mais rápido ao cérebro que a própria cocaína. É uma droga psicoativa, responsável pela dependência do fumante. É por isto que o tabagismo é classificado no Código Internacional de Doenças (CID-10) como grupo dos transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substâncias psicoativas. A nicotina aumenta a liberação de catecolaminas, acelerando a freqüência cardíaca, com conseqüente vasoconstricção e hipertensão arterial. Provoca uma maior adesividade plaquetária, e juntamente com o monóxido de carbono leva à arterosclerose. Contribui assim para o surgimento de doenças cardiovasculares. No aparelho gastrointestinal, a nicotina estimula a produção de ácido clorídrico, podendo levar ao aparecimento de úlcera gástrica. Também estimula o sistema parassimpático, o que pode causar diarréia. A nicotina libera substâncias quimiotáxicas, que vão atrair para o pulmão os leucócitos neutrófilos polimorfonucleares, a maior fonte de elastase, que destrói a elastina e provoca o enfisema pulmonar (Orleans e Slade, 1993; Rosemberg, 1996).
Monóxido de Carbono (CO) – tem afinidade com a hemoglobina (Hb), contida nos glóbulos vermelhos do sangue, que transportam oxigênio para os tecidos de todos os órgãos do corpo. A ligação do monóxido de carbono com a hemoglobina forma o composto chamado carboxihemoglobina, que dificulta a oxigenação do sangue, privando alguns órgãos do oxigênio e causando doenças como a arterosclerose.
Alcatrão – composto de mais de 40 substâncias comprovadamente carcinogênicas que incluem o arsênio, níquel, benzopireno e cádmio. Carcinogênios são substâncias que provocam câncer como os resíduos de agrotóxicos nos produtos agrícolas, como o DDT, e até substâncias radioativas, como é o caso do polônio 210 e do carbono 14, todos encontrados no tabaco.
Vale ressaltar que as substâncias da fumaça do cigarro têm efeitos sobre a saúde do fumante, mas também sobre a saúde do não-fumante, exposto à poluição do ambiente causada pelo cigarro.
Cigarros de Baixos Teores
O modo de fumar é determinado pela necessidade do fumante em consumir nicotina (que lhe traz a sensação de satisfação). Os fumantes utilizam artifícios para alcançar tal sensação ao fumarem cigarros com baixos teores, dando tragadas mais profundas. Assim, aumentam o número de tragadas por cigarro, aumentam o número de cigarros fumados e bloqueiam os orifícios de ventilação dos filtros para aumentar a concentração de fumaça inalada durante a tragada.
Esses artifícios são conhecidos como compensação e têm sido, extensivamente, documentados na literatura científica, sendo bem conhecidos da indústria do tabaco há mais de 20 anos. Testes demonstram que, em “condições de fumo realísticas”, existe uma diferença muito pequena entre os cigarros denominados “light” e os comuns. Na verdade, eles podem até produzir quantidades maiores de alcatrão, nicotina e monóxido que os cigarros tradicionais testados.
Um estudo realizado na Inglaterra por Kozlowski et al.(1999) demonstrou que 58% dos filtros de cigarros examinados, apresentavam sinais de bloqueio significativo e 19%, sinais de bloqueio total. A partir dos resultados de uma pesquisa realizada em 1998, a ASH e The Observer mostraram que os cigarros com baixos teores podem propiciar os mesmos teores que um cigarro tradicional, caso o fumante assim o queira e utilize apenas um dos mecanismos compensatórios antes citados.
Por mais que a indústria do fumo afirme que realiza pesquisas visando ao desenvolvimento de produtos alternativos, na verdade, ela estuda produtos e formas de distribuir a nicotina em dispositivos que contenham menos teor de determinadas substâncias, como o alcatrão, por exemplo, e mantendo a nicotina, que causa a dependência.
Doenças associadas ao Uso do Cigarro
Estima-se que, no Brasil, a cada ano, 80 mil pessoas morram precocemente devido ao tabagismo, número que vem aumentando ano a ano. Em outras palavras, cerca de 10 brasileiros morrem por hora por causa do cigarro.
As doenças associadas ao uso do cigarro revelam a abrangência dos efeitos nocivos do uso do fumo.
Câncer
O fumo é responsável por 30% das mortes por câncer e 90% das mortes por câncer de pulmão. Os outros tipos de câncer relacionados com o uso do cigarro são: câncer de boca, laringe, faringe, esôfago, pâncreas, rim, bexiga e colo de útero.
Doenças Coronarianas
25% das mortes causadas pelo uso do cigarro provocam doenças coronarianas tais como angina e infarto do miocárdio.
Doenças Cerebrovasculares
O fumo é responsável por 25% das mortes por doenças cerebrovasculares entre elas derrame cerebral.
Doenças Pulmonares Obstrutivas Crônicas
Nas doenças pulmonares obstrutivas crônicas tais como bronquite e enfisema 85% das mortes são causadas pelo fumo.
Outras doenças que também estão relacionadas ao uso do cigarro e ampliam a gravidade das conseqüências de seu uso são:
Aneurismas arteriais
úlceras do trato digestivo
infecções respiratórias
Por que as Pessoas fumam?
As pessoas começam a fumar principalmente influenciadas pela publicidade maciça do cigarro nos meios de comunicação de massa. Pais, professores, ídolos e amigos também exercem uma grande influência. A publicidade sabe aliar as demandas sociais e as fantasias dos diferentes grupos (adolescentes, mulheres, faixas economicamente mais pobres etc.) ao uso do cigarro, fazendo crer que, ao fumar, esses desejos serão realizados, aumentando o consumo do tabaco entre as pessoas mais facilmente influenciáveis. A publicidade direta é feita por anúncios atraentes e bem produzidos; já publicidade indireta, é feita através dos ídolos e modelos de comportamento em geral.
Noventa por cento dos fumantes iniciaram seu consumo antes dos 19 anos de idade, faixa em que o indivíduo ainda se encontra na fase de construção de sua personalidade. O número constante, ou mesmo crescente, de adesões ao tabagismo contribui para que a indústria do cigarro seja altamente lucrativa, investindo constantemente em publicidade, a fim de atrair mais pessoas. Existem fumantes que morrem, grande parte em decorrência das doenças relacionadas ao tabaco, e outros que, alertados sobre os malefícios do fumo, abandonam o mesmo. Esses consumidores têm que ser substituídos por novos indivíduos, o que estimula o investimento constante em publicidade. Configura-se desta forma um ciclo onde o aumento do consumo traz lucro para a indústria tabageira e para as empresas de publicidade, que, por sua vez, atraem novos fumantes e, assim, sucessivamente.
Tabagismo Passivo
Absorção da Fumaça do Cigarro por Não-Fumantes
Os não-fumantes expostos à fumaça do cigarro absorvem nicotina, monóxido de carbono e outras substâncias da mesma forma que os fumantes, embora em menor quantidade. A quantidade de tóxicos absorvidos depende da extensão e da intensidade da exposição, além da qualidade da ventilação do ambiente onde se encontra a pessoa.
Considerando-se o monóxido de carbono, sabe-se que o padrão de qualidade do ar bom é de 9ppm (partes por milhão) e que a concentração máxima permitida no ar urbano é de 30ppm. Nas cidades com altos índices de poluição ambiental, ao serem atingidas 40ppm de monóxido de carbono, são acionadas medidas de controle de poluição, a fim de proteger e alertar a população para o problema.
Nos ambientes de trabalho fechados, a Organização Internacional do Trabalho-OIT considera 50ppm como a concentração máxima a ser atingida, uma vez que o homem é um ser biológico capaz de suportar exposições dessa natureza por algum tempo. No entanto, colocando-se 25 fumantes consumindo 4 cigarros por hora em uma sala de 1.000 m³, rapidamente se atingirá 100ppm de monóxido de carbono, sem que haja nenhum controle ou preocupação em desencadear ações para o controle da poluição ambiental.
A permanência em um ambiente poluído faz com que se absorvam quantidades de substâncias tais como a nicotina em concentrações semelhantes às de quem fuma. Tal comprovação é feita através da medição da cotinina, principal produto da decomposição da nicotina. Esta substância pode ser encontrada no sangue e na urina de não-fumantes que moram ou trabalham com fumantes.
Tendo em vista que as pessoas passam 80% de seu tempo em locais fechados tais como trabalho, residência, locais de lazer e hospitais, o cigarro é considerado, pela Organização Mundial de Saúde, como o maior agente de poluição doméstica ambiental.
Cada vez mais autoridades governamentais estabelecem regulamentos que protegem o não-fumante. Além disso, houve um aumento da conscientização dos indivíduos sobre o ar que eles respiram, não só em casa, como nos ambientes de trabalho e locais públicos. No Brasil progressivamente surgem leis em nível estadual e municipal preservando os direitos dos não-fumantes, o que mostra um avanço na conscientização das autoridades no que tange à poluição tabágica ambiental.
Mas pode-se fazer mais, estimulando-se locais de trabalho, escolas, unidades hospitalares e outros setores da sociedade a desenvolverem uma política de proteção ao não-fumante em ambientes fechados.
Efeitos da Fumaça sobre a Saúde do Não-Fumante
Os fumantes passivos sofrem os efeitos imediatos da poluição tabágica ambiental, tais como irritação nos olhos, manifestações nasais, tosse, cefaléia, aumento de seus problemas alérgicos, principalmente das vias respiratórias, e aumento de problemas cardíacos, principalmente elevação da pressão arterial e angina (dor no peito). Outros efeitos a médio e longo prazos são a redução da capacidade funcional respiratória (o quanto o pulmão é capaz de exercer a sua função), aumento do risco de ter artérioesclerose e aumento do número de infecções respiratórias em crianças. Além disso, os fumantes passivos morrem duas vezes mais por câncer de pulmão do que as pessoas não submetidas à poluição tabágica ambiental.
As crianças, principalmente as de baixa idade, são enormemente prejudicadas em sua convivência involuntária .
O Fumo e as Mulheres
A relação da mortalidade por doença arterial coronária entre homens e mulheres que em 1970 era de 10 para 1, hoje é 2,45 para 1 no Estado de São Paulo. Apesar de reconhecermos que parte desta diferença foi ocasionada pelo diagnóstico inadequado da doença arterial coronária nas mulheres, a prevalência do tabagismo em 1970 foi inferior a 10% nas mulheres com idade entre 15 e 64 anos e atualmente é ao redor de 25%, sendo de até 33% nas mulheres na fase fértil. As mulheres brasileiras têm também um dos mais elevados coeficientes de mortalidade por doença cerebrovascular no mundo, principalmente antes dos 64 anos(3).
Peculiaridades do tabagismo nas mulheres
1. Implicações na fase reprodutiva
A taxa de fertilidade é menor nas mulheres fumantes. Este efeito foi constatado examinando a concentração de nicotina e de cotidina no fluido folicular ovariano e a capacidade do oócito ser fertilizado in vitro. A fertilização foi observada em 75% e 57%, respectivamente, na ausência ou presença dessas substâncias.Ocorrendo fertilização, durante a gravidez, o tabagismo acarreta ações consideravelmente deletérias para a mãe e para o concepto. A nicotina reduz o fluxo placentário, determinando envelhecimento precoce da placenta e favorecendo descolamento prematuro, abortamento, menor crescimento do feto, neonato com baixo peso e, portanto, maior natimortalidade. Fumar de um a quatro cigarros já reduz consideravelmente o fluxo placentário.
Em estudo realizado e no Estado de Missouri (EUA) no período de 1979 a 1983, pela análise de 360 mil certificados de nascimento, foi observado 25% e 50% maior risco de morte fetal ou neonatal em ulheres que fumavam, respectivamente, menos ou mais de 20 cigarros por dia.
Mais preocupante ainda é o uso de anticoncepcionais hormonais em fumantes, pois eles potencializam os efeitos trombogênicos. O risco de doença coronária chega a ser 39 vezes e o risco de acidente vascular cerebral 22 vezes superior em fumantes que usam anticoncepcionais com não fumantes ou com fumantes que deles não fazem uso . Isto torna imperioso o interrogatório sobre o tabagismo, particularmente quando há indicação do uso de anticoncepcionais.
As ações desfavoráveis do tabagismo sobre o perfil de coagulação, lipídico, metabólico (síndrome de resistência a insulina e o dano endotelial por ele causado são responsáveis pelo aparecimento e desencadeamento da doença aterosclerótica coronária e cerebral em ambos os sexos. Acrescenta-se ainda nas mulheres ação antiestrogênica, ocasionada pela nicotina, proporcionando elevação no risco de aparecimento de doença aterosclerótica antes da menopausa. Foi constatado que nas mulheres fumantes maior metabolização hepática de estrógeno, sendo este efeito dose-dependente, ou seja, quanto maior o consumo de cigarros menor a concentração sérica de estrógenos e sua produção ovariana. Esta situação é reversível quando da interrupção do fumo.
Hoje sabemos que a menor incidência de eventos isquêmicos nas mulheres antes da menopausa são determinados pelos efeitos cardioprotetores dos estrógenos, e que nas mulheres fumantes é significativamente maior a ocorrência de menopausa precoce, antecipando o risco do aparecimento da doença cardiovascular. Estudo com 32 mil mulheres de 43 a 50 anos observou maior prevalência da menopausa entre as fumantes.
2. Implicações na menopausa
Ainda em conseqüência da ação antiestrogênica, há maior incidência de osteoporose, principalmente, na fase da menopausa. Evidências dessa alteração foram observadas em estudos com o uso da densitometria óssea, em que foram constatadas maiores perdas ósseas em fumantes. A interrupção do fumo antes da menopausa possibilita redução de 25% na ocorrência da osteoporose.
Existe grande evidência derivada de estudos epidemiológicos que a reposição hormonal possa diminuir o risco cardiovascular das mulheres na menopausa, principalmente na prevenção primária; além de proporcionar alívio de sintomas (ondas de calor, irritabilidade, depressão) e impedir a rápida progressão da desmineralização óssea. Nas mulheres fumantes, existe diminuição da efetividade do tratamento com reposição hormonal. Contudo, a proporção de mulheres fumantes que se beneficiam com o tratamento foi consideravelmente maior que não fumantes.
Evidências epidemiológicas do aumento de risco cardiovascular
O tabagismo é o principal fator de risco para doença arterial coronária nas mulheres. Estudo com 11843 homens e mulheres na faixa etária de 25 a 52 anos, residentes na Noruega, revelou que as mulheres que fumavam mais de 20 cigarros por dia tinham seis vezes mais chances de ter infarto agudo do miocárdio quando comparadas a não fumantes. Nos homens fumantes o risco foi três vezes maior.
Interessante ressaltar que não existe diminuição do risco de infarto do miocárdio nas mulheres que fumam cigarros com menores teores de alcatrão e nicotina .
O tabagismo tem sido também associado a espasmos coronarianos em mulheres na pré-menopausa. Estudo caso-controle comparou 21 mulheres com angina de peito cuja a cineangiocoronariografia revelou somente espasmo coronariano induzido ou não por drogas, com 59 mulheres de mesma faixa etária assintomáticas e sadias. O tabagismo esteve presente em 62% das mulheres com espasmos e somente em 17,5% das mulheres assintomáticas e sadias.
O seguimento por seis anos de mulheres com mais de 55 anos submetidas a cirurgia de revascularização do miocárdio revelou risco 1,6 vez maior de morte nas tabagistas em comparação com as que abandonaram o tabagismo(16). Este comportamento também foi observado entre as mulheres com menos de 55 anos de idade.
Estudo da Saúde das Enfermeiras Americanas mostrou risco 2,58 vezes maior de acidente vascular cerebral nas fumantes. Este risco incluiu o acidente vascular cerebral isquêmico e hemorrágico, e foi tanto maior quanto maior o número de cigarros fumados.
Nas mulheres, o tabagismo constituiu fator de risco para aterosclerose de artérias membros inferiores, diminuindo a tolerância a caminhadas inclusive no plano horizontal.
Interrupção do tabagismo
A interrupção do tabagismo esta associada a redução de 50% a 70% do risco para doenças cardiovasculares nas mulheres. Após dois a três anos de abandono do tabagismo as ex-fumantes têm risco cardiovascular igual as das mulheres que nunca fumaram(20). Entretanto, apesar do grande benefício em parar de fumar, as mulheres apresentam mais dificuldades que os homens. Não é incomum muitas interromperem o tabagismo durante a gestação, motivadas por preocupação com o feto ou por aversão ao cigarro proporcionada pelas alterações hormonais próprias da gravidez. No entanto, a taxa de recaída após a concepção é muito elevada. Fora do período da gravidez, a preocupação com ganho de peso é muitas vezes responsável por recaídas ou mesmo, importante fator desmotivador.
Parar de fumar envolve ganho de peso em ambos os sexos. Estudo que acompanhou 5887 homens e mulheres fumantes com idade entre 35 a 60 anos, residentes no EUA e Canadá (Lung Health Study)(21), no período de 1986 a 1994, observou, nas mulheres que pararam de fumar, uma média de ganho de peso de 5,2 ± 5 quilos no primeiro ano e 3,4 ± 5,5 quilos até o quinto ano. Entre os homens, o ganho de peso foi 4,9 ± 4,9 no primeiro ano e 2,6 ± 5,8 quilos até o quinto ano. Quando se utilizou produtos farmacológicos que diminuem a abstinência a nicotina o ganho de peso foi menor. No Instituto de Coração realizamos tratamento com nicotina transdérmica em 100 fumantes, sendo 50 homens e 50 mulheres(22). O sucesso em parar de fumar ao final de um ano foi de 50% nos homens e 32% das mulheres. O ganho de peso nas mulheres foi de 3,9 ± 3,4 quilos e nos homens de 3,7 ± 2,5 quilos. Possivelmente este efeito tenha sido decisivo para menor eficácia do tratamento nas mulheres. Entendemos que para otimizarmos os resultados na abordagem do tabagismo nas mulheres, devamos acrescentar orientações dietéticas específicas e valorizar a necessidade de incorporar atividade física durante esta abordagem. Recentemente, temos a possibilidade de prescrever no tratamento da abstinência ao fumo o antidepressivo bupropiona, que parece minimizar o ganho de peso por diminuição do apetite.
Fumo e Gravidez
Fumar durante a gravidez traz sérios riscos. Abortos espontâneos, nascimentos prematuros, bebês de baixo peso, mortes fetais e de recém-nascidos, complicações com a placenta e episódios de hemorragia (sangramento) ocorrem mais freqüentemente quando a mulher grávida fuma. A gestante que fuma apresenta mais complicações durante o parto e têm o dobro de chances de ter um bebê de menor peso e menor comprimento, comparando-se com a grávida que não fuma.Tais agravos são devidos, principalmente, aos efeitos do monóxido de carbono e da nicotina exercidos sobre o feto, após a absorção pelo organismo materno.
Um único cigarro fumado por uma gestante é capaz de acelerar, em poucos minutos, os batimentos cardíacos do feto, devido ao efeito da nicotina sobre o seu aparelho cardiovascular. Assim, é fácil imaginar a extensão dos danos causados ao feto, com o uso regular de cigarros pela gestante.Os riscos para a gravidez, o parto e a criança não decorrem somente do hábito de fumar da mãe. Quando a gestante é obrigada a viver em ambiente poluído pela fumaça do cigarro ela absorve as substâncias tóxicas da fumaça, que pelo sangue passa para o feto. Quando a mãe fuma durante a amamentação, a nicotina passa pelo leite e é absorvida pela criança.
Efeitos da Fumaça sobre a Saúde da Criança
Se a mãe fuma depois que o bebê nasce, este sofre imediatamente os efeitos do cigarro. Durante o aleitamento, a criança recebe nicotina através do leite materno, havendo registro de intoxicações atribuíveis à nicotina (agitação, vômitos, diarréia e taquicardia) em filhos de mães fumantes de 20 ou mais cigarros por dia. Em recém-nascidos, filhos de mães fumantes de 40 a 60 cigarros por dia, observou-se acidentes mais graves como palidez, cianose, taquicardia e crises de parada respiratória, logo após a mamada. Estudos mostram que crianças com sete anos de idade, nascidas de mães que fumaram 10 ou mais cigarros por dia durante a gestação, apresentam atraso no aprendizado quando comparadas a outras crianças: observou-se atraso de três meses para a habilidade geral, de quatro meses para a leitura e cinco meses para a matemática. Há também uma maior prevalência de problemas respiratórios (bronquite, pneumonia, bronquiolite) em crianças de zero a um ano de idade que vivem com fumantes, em relação àquelas cujos familiares não fumam. Observa-se que, quanto maior o número de fumantes no domicílio, maior o percentual de infecções respiratórias, chegando a 50% nas crianças que vivem com mais de dois fumantes em casa.
É, portanto, fundamental que os adultos não fumem em locais onde haja crianças, para que não as transformem em fumantes passivos.
O Consumo de Cigarro no Brasil
De acordo com o Banco Mundial, o consumo do fumo gera uma perda mundial de 200 bilhões de dólares por ano. Esta perda é causada por diversos fatores, como sobrecarga do sistema de saúde com tratamento das doenças causadas pelo fumo, mortes precoces de cidadãos em idade produtiva, maior índice de aposentadoria precoce, aumento de 33% a 45% no índice de faltas ao trabalho, menor rendimento no trabalho, mais gastos com seguros mais gastos com limpeza, manutenção de equipamentos e reposição de mobiliários, maiores perdas com incêndios e redução da qualidade de vida do fumante e de sua família.
Mesmo assim, a receita proveniente da taxação do tabaco, a geração de empregos e as exportações são argumentos empregados pela indústria fumageira no seu lobby econômico para convencer as instâncias governamentais da importância da indústria do fumo para a economia do país, o que, é claro, acaba por dificultar as ações de controle do tabagismo.
O recolhimento de impostos que incidem sobre o cigarro é muito significativo para a economia do país, mas os prejuízos decorrentes do tabagismo superam qualquer questionamento puramente econômico. O Brasil taxa, atualmente, o maço de cigarro em 74%, enquanto outros países como a Dinamarca o taxam em até 83%.
Outro aspecto importante, que deve ser contabilizado nessas perdas, são as agressões ao meio ambiente e à saúde daqueles que lidam com a cultura do tabaco.
Perfil de Consumo
A relação do poder aquisitivo com o consumo de cigarros mostra que há um menor consumo nas classes de maior rendimento familiar per capita (renda de mais de dois salários mínimos per capita por mês). O maior consumo está na classe sem nenhum rendimento, com 25,4% dos indivíduos fumando. Essa diferença é, em grande parte, causada pela maior desinformação das classes sociais economicamente mais pobres e se repete em muitos países do mundo.
É importante otar que, entre a população de menor renda, uma grande parcela dos rendimentos é gasta com cigarros, em detrimento de outros itens prioritários, como, por exemplo, a alimentação. Este consumo maior, somado a outras condições às quais este grupo está submetido, como desnutrição, doenças infecciosas e do trabalho, leva a um adoecimento mais freqüente. Convém considerar que os ambientes confinados das pequenas moradias favorece, em muito, a inalação passiva das substâncias tóxicas por crianças, gestantes e pessoas doentes.
Ou seja: mais pobres, menor acesso ao sistema de saúde, menor informação, maior exposição a fatores de risco, entre eles o tabagismo, significando piora progressiva na qualidade de vida.