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segunda-feira, dezembro 23, 2024

A Identidade do Garimpeiro na Obra Cascalho de Herberto Sales

O presente artigo pretende fazer uma análise do livro Cascalho de Herberto Sales e chamar a atenção para alguns aspectos da obra voltados à questão da identidade do homem do garimpo das Lavras Diamantinas de Andaraí. A partir de fragmentos da obra será feita uma discussão em torno da condição social e principalmente da condição de servidão imposta a esses indivíduos. Ademais, pretende-se ainda fazer um panorama geral da obra destacando aspectos relevantes a essa condição como a prática do coronelismo, a condição de garimpeiro, a subalternização das autoridades a essa figura do coronel e por último o circulo vicioso vivido pelo homem do garimpo frente à força da ambição representada pelo desejo do dinheiro e a força da natureza representada pelo Rio Paraguaçu, único a não se curvar a autoridade ou desejo de alguém.

INTRODUÇÃO:

Analisar e fazer uma leitura cabal de Cascalho, obra escrita magnificamente pelo autor baiano Herberto de Azevedo Sales, torna possível conhecer um pouco mais da vida das pessoas que viveram aquele momento e um pouco da identidade dos indivíduos que habitavam as Lavras da Chapada Diamantina na década de 30. O autor nasceu na cidade de Andaraí, Bahia, na qual se passa o romance, no dia 21 de Setembro de 1917. Estudou em Salvador e depois retornou a sua cidade natal onde trabalhou como ajudante numa farmácia e exerceu efêmeras atividades comerciais. Aos vinte e dois anos já era titular do cartório de registro de imóveis e publicou alguns trabalhos avulsos na imprensa do Rio.

Estreou na literatura brasileira em 1944 com o romance Cascalho, inaugurando o ciclo temático cotidiano, relações de poder e da exploração do homem do garimpo frente ao coronelismo, capagagem, mulheres-damas e o Rio Paraguaçu, bem como, aspectos gerais que ajudam o leitor a ter uma visão do ambiente e do tempo no qual ocorreram os fatos narrados. Em especifico, a obra Cascalho ajuda o leitor a perceber a identidade do homem do garimpo, a sede de riqueza que habitava nos homens e a relação de dependência e extorsão num ciclo vicioso vivido por vários sujeitos em várias gerações.

Quando o autor se deu conta do êxito alcançado mediante a critica resolveu lagar o cartório e mudar-se para o Rio de Janeiro onde se dedicou ao jornalismo e à literatura. Em 1945 o autor resolveu fazer outra experiência romanesca com “Além dos Marimbus” também ambientado em Andaraí, mas que focalizava as atividades madeireiras de beira-rio. Porém, só publica o romance em 1961. Acabou por produzir uma extensa bibliografia que também é extremamente memorialista, na qual, contém literatura infanto-juvenil e a presença de contos além de romances.

Em sua prosa singela de uma realidade rude e marcada pela crueldade, Herberto Sales não tem um espírito demagogo, paternalista ou mesmo um discurso político em sua obra, mas, descreve uma realidade dura com inteligência e sensibilidade na forma de um realismo pungente destacando a natureza lutadora desse homem sofrido.

Segundo José Lins do Rego, o autor “procurou dar corpo as suas recordações de Andaraí”, e para tanto Cascalho é muito mais que uma romance regionalista ou realista, é principalmente um romance composto pelo viés ficcional da memória. (REGO in OLIVEIRA, 2006)

Por isso, ficou consagrado e desde 1971 tornou-se membro da Academia Brasileira de Letras e em 1975 assumiu a direção do Instituto Nacional do Livro. Faleceu em 13 de Agosto de 1999 em decorrência de um câncer de próstata e deixou uma obra riquíssima se destacando juntamente a outros escritores de renome da literatura brasileira.

Conhecer a obra Cascalho e compreender alguns aspectos relevantes desse importante romance histórico é o propósito desse artigo que visa aprofundar na questão da identidade do homem das lavras no que se refere a sua relação sociocultural e política. Inicialmente será feito um resumo da obra em estudo.

CASCALHO: UMA HISTÓRIA DE LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA

O romance já se inicia com uma cena comum naquela região. Um homem morto é trazido pelos companheiros depois de mais um dia de trabalho pesado nas lavras. Choveu muito e nas cabeceiras do Rio Paraguaçu tudo se inundou, aconteceu tão rápido a tromba d’água que os homens foram pegos de surpresa e o infeliz que estava sendo carregado não conseguiu salvar-se. Na frente, vem o velho Justino que dá a noticia ao Coronel Germano de que mais um foi morto arrastado pelas águas. É importante fazer referência ao fato de que o morto “Raimundo, aquele frente” (Cascalho, p.9, 1989) não era conhecido nem mesmo pelo sobrenome, mais apenas o primeiro nome e pelo trabalho exercido, sendo retirado dele a condição de existência enquanto cidadão.

Ao Coronel, tudo lhe pertencia e para ele tudo isso era consequência do trabalho para o qual eram pagos. As lavras em sua totalidade era território dele e como tal, todos lhe respondiam e lhe tratavam com deferência. Um fato marcante na primeira parte do romance, dividido em quatro partes, é quando Zé de Peixoto, negro que se dizia afilhado do Coronel ficou bêbado e desafiou abertamente o coronel, daí por diante, o destino do negro é selado. E sendo este um homem muito temido por sua maldade, as pessoas prenunciam sua morte após esse ato heroico de desafio. Os homens demonstravam seu poder com armas ou atos de valentia, no caso de Zé de Peixoto, apesar de ter arma na mão simplesmente permitiu que o coronel lhe tirasse a arma e pisasse em seu peito. Mostrando quanto o poder de um pode subalternizar o outro a ponto do enfrentamento deixar de existir e como mais tarde o negro afirma: “estava bêbado”.

Outros personagens se destacam na narrativa, como Filó Finança cujo sonho é bamburrar e ficar rico, mas que até então continua levando a vida difícil de garimpeiro e, infelizmente, morreu sem realizar seu sonho. Silvério, um homem sertanejo que foi a lavras com o intuito de conseguir dinheiro para comprar um pedaço de terra e sofreu grandes humilhações em busca de seu sonho. Entre outros que possuem o mesmo sonho está: Agenor Cabeça-Seca, Joaquim Boca-de-Virgem, Benedito Lasqueado, Armando Bodeiro, Tindô, Juvenal Bosta-Voa, Peba e outros mais conhecidos pelos apelidos que pelos nomes, estando em diversas posições como campagueiros, garimpeiros, donos de venda e que direta ou indiretamente viviam do mesmo sonho: enriquecer.

Todos, de certa forma têm sua dignidade roubada ou são despojados dela no processo difícil de sobrevivência das Lavras Diamantinas, pois até mesmo os nomes (apelidos) recebidos são estereótipos que indicam uma condição de subalternidade. Esse fato fica claro também no apelido dado ao irmão do coronel. Este por sua condição de autoridade é conhecido pelo nome e pela patente militar, seu irmão por outro lado, é apenas Quelezinho, indicando que é inferior diante da posição exercida social e politicamente pelo irmão.

Na elite de Andaraí, ainda aparece como figura de decisão, um amigo pessoal do Coronel Germano e de seu irmão Quelezinho, Doutor Marcolino, que ninguém sabia de onde tinha vindo, mas que já estava ali a muito tempo. Além do coronel que comprava toda a produção de ouro na região, ainda havia seu Teotônio Teixeira, antigo garimpeiro que enriqueceu e agora fazia negócios na cidade; sua vitória dava esperanças a outros que tinham o mesmo sonho de fazer dinheiro fácil. O delegado Esquivel, o juiz Canuto Rufino e o promotor Oscar do Soure são outras figuras importantes na obra. Esses últimos, apesar dos títulos recebidos devem sua autoridade e poder diretamente ao coronel. O promotor por ser novo nas lavras, ainda se indigna com os desmandos da elite, porém, descobriu rápido que nada podia fazer.

Com a coragem desmedida de Zé de Peixoto de desafiar o coronel, este decidiu mandar matá-lo. Dr. Marcolino convoca para a incumbência o delegado Esquivel. O negro que morava com prostituta Joana Magra, é assassinado em uma emboscada no beco próximo de sua residência, crime esperado por todos e que não é investigado pela Lei. Num processo de conivência tanto o juiz Canuto como o delegado dão o caso por encerrado.

O Dr. Oscar de Soure, promotor de Andaraí não se conformou com a situação e resolveu denunciar as autoridades na capital os desmandos na região e o não cumprimento da lei. Esse fato resultou na expulsão do promotor que no processo tem sua imagem e sua moral denegrida pelos mandatários da cidade por meio de uma conhecida marchinha chamada Mineiro-pau, cuja finalidade era achincalhar, sujar a moral do promotor que é obrigado a fugir. Mais uma vez, a sobrevivência que busca o homem das lavras diamantíferas é também a de sua identidade enquanto homem, pois a desmoralização pública requereria também o enfrentamento ao coronel, algo que é preferível não se fazer, e nesse caso, fugir é a opção mais viável mesmo a custa de parecer covarde.

Nesse momento, também está ocorrendo uma baixa no mercado diamantífero que deixa a elite preocupada. O coronel é obrigado a comprar e guardar os diamantes até um momento oportuno. Por conta de uma fraude que aconteceu, as pedras ficaram desvalorizadas e os gringos (como os estrangeiros eram conhecidos) não quiseram comprar por um tempo até estabilizar o mercado. O sírio Mansur, autor da fraude é o único personagem na obra que enganou a autoridade do coronel e saiu da cidade com o dinheiro e sem possibilidade de sofrer uma represália.

No entanto, para Filó Finança é um momento singular. Ele, Silvério e Boca de Virgem conseguem bamburrar e gastam o dinheiro todo com mulheres-damas e pagamentos de bebidas aos companheiros de profissão, pois o principio é permanecer no garimpo e conseguir ganhar mais. Nesse momento do romance, Silvério abandona o povoado da Passagem com o dinheiro que conseguiu e provavelmente volta para casa. Como o circulo é vicioso, na manhã seguinte ao bamburro, Filó e seus companheiros voltam as grunas onde este encontra a morte. Uma cabeça d’água atinge o Paraguaçu e como havia pressa para o termino do trabalho, ele e seus companheiros passam a noite embaixo da terra recolhendo o cascalho para a cata do diamante. Em pouco tempo as águas alagam tudo e mais uma vez a noticia se repete: apenas um homem morreu. É como se tudo estivesse pronto para começar outra vez.

As mulheres pouco aparecem na obra Cascalho e quando aparecem estão sempre em condição de servidão, seja diante do marido ou do amante, como acontecia com dona Santa e Nenzinha, respectivamente esposa e amante do Coronel Germano. Ou ainda são mulheres-damas que se deitavam com os garimpeiros por uns trocados ou se amasiavam a algum como foi o caso de Joana Magra com Zé de Peixoto. Como acontece com os homens, as alcunhas também são parte do nome das mulheres, conhecidas por alguma característica física como a negra Vitalina, Joana Magra, Sinhá do Ouro e outros nomes que destacam suas condições naquela sociedade de esposas, amantes, filhas, mulheres-damas, rezadeiras… Evidentemente, também são despojadas de suas identidades e permanecem na condição servil, nem que sejam subalternas a um homem. Na luta pela sobrevivência, as mulheres mostravam sua resistência diante de uma sociedade machista.

Todas as personagens no livro inclusive o coronel tinham plena consciência de que a única força nas lavras que poderia derrotá-los era o Rio Paraguaçu, tão rico e tão traiçoeiro. Detentor de toda a riqueza cobiçada pelos homens e também detentor de suas vidas. Pois a sobrevivência era a regra diária e ganhar o sustento a necessidade de todos, não importando de que forma isso aconteceria.

RELAÇÕES DE PODER E IDENTIDADE EM CASCALHO

Quando falamos em relações de poder é impossível não lembrar no processo de mais-valia pregado por Marx no século XIX, principalmente porque esse processo ocorre diariamente no capitalismo atual, no qual vendemos a nossa força de trabalho irrisoriamente para o enriquecimento de alguns numa sociedade extremamente desigual. Segundo Aníbal Ponce, desde que a ‘Educação enquanto saber torna os homens superiores uns aos outros, e esse saber é usado para manipular e dominar os indivíduos que não detém tal conhecimento, a Educação passa a ser mantenedora dos privilégios e confere poder a quem domina seus processos’.

Portanto, um olhar mais arguto na obra em estudo nos revela a verdade dessas declarações, uma vez que, nas lavras o trabalho duro era feito por muitos e os lucros ficavam nas mãos de poucos. O trabalhador braçal vendia sua força de trabalho e era mal pago por isso e o comprador no intuito de proteger seus lucros se aproveitava da ignorância de seus trabalhadores para manipulá-los e enganá-los.

A identidade do garimpeiro passa a ser a de alguém que trabalha muito tem grandes esperanças, mas não tem competência para atingir seus sonhos, pois abandonam suas famílias, terras, tudo que tem na busca de ficar rico.

“… a identidade do garimpeiro, praticamente é a mesma, são pessoas que abandonam famílias e se deslocam para onde foi descoberto um novo garimpo. Lá trabalham, se ganharem dinheiro, logo buscam a família. Caso não encontrem o bamburro esperado, saem à procura de um novo garimpo.” (SILVA, p.29, 2006)

Nessa fala fica claro, que conseguir bamburrar é um sonho possível mais nem sempre aproveitado, pois o garimpo é como uma febre de jogo fazendo o garimpeiro pensar sempre em trabalhar mais e ganhar mais, estando sempre explorado e na miséria absoluta. Tendo poucas oportunidades de estudar e exaustos pelo trabalho braçal, o garimpeiro não tinha oportunidade de aprender a ler e escrever, o que resultava numa ignorância não só das letras, mas também dos números. Dessa forma ele também é espoliado da sua condição de cidadão não tendo os mínimos direitos respeitados por aqueles a quem prestam serviços, pois se não for para esse patrão será a mesma condição com outro.

Daí, o diferencial do personagem Filó Finança, que recebeu esse apelido justamente por deter certo conhecimento das letras e se destacar na narrativa por não ser enganado nas contas todo o tempo, como seus companheiros, não só pelos compradores de pedras preciosas mais também pelos donos das vendas e por seus patrões. Por exemplo, a cena em que Filó Finança consegue bamburrar é de grande interesse aqui, pois, ao ir falar com o patrão e negociar o carbonato que havia encontrado, ele e seus companheiros não tem ideia do valor real da pedra que levam. O patrão, seu Teotônio, aproveita-se disso e quando Neco diz que está pouco o dinheiro oferecido e que a pedra valia mais, diz que ele os companheiros poderiam ver se alguém dava mais dinheiro, a reação de seu Teotônio é de auto-afirmação de sua autoridade.

“_ Correr a praça? Você se esquece de que trabalha em minha serra? _ Ao proferir as últimas palavras, sentiu a necessidade imperiosa de repeti-las; elas tornavam mais convictas seu tom desabrido. _ Em minha serra? _ continuou. _ Então você acha que eu vou consentir que diamante ou carbonato saído em minha serra vá parar nas mãos de outro comprador?

Filó interferiu: não compreendia como Neco podia ter feito uma pergunta tão estúpida.

_ Veja se o senhor pode dar mais alguma coisa _ disse.

Mas o capangueiro prosseguiu:

_ É por estas e outras que eu estou suspendendo muitos garimpeiros que trabalham em minha serra. Nem todos sabem cumprir com sua obrigação.” (SALES, p.221,1989)

Assim, a reação de seu Teotônio nada mais é que uma auto-afirmação de seu direito de mandar e desmandar sem dar aos trabalhadores as condições de exercer o direito de venda de forma democrática, uma vez que as terras e tudo o que está nela pertence ao dono. Portanto, Filó e seus companheiros acostumados a não ir de encontro aos patrões aceitam de forma paternalista o dinheiro ganho e não reclamam mesmo estando certos.

Mais uma vez, a condição de inferioridade e de subalternidade demonstrada pelas personagens denuncia a condição dos garimpos, onde esses homens aceitavam o que lhes era oferecido sem reclamar. E quando aflora em algum momento um pensamento ou um reflexo de rebeldia, rapidamente é extirpado pela ameaça latente de perder a única fonte de renda e sobrevivência: o garimpo. Percebe-se que esses sujeitos são proibidos de pensar por si mesmos e dessa forma tudo que pode fazer é se curvar aos mais fortes.

Fica claro que a condição vivida ali, faz parte do imaginário psicossocial a tal ponto que aceita-se essa condição como um fato, não passível de mudança. O fato de viver nas serras e nunca entrar em contato com outras realidades além de sua, faz com que esses indivíduos fiquem alheios ao descompasso social no qual vivem sendo enganados no sonho de enriquecer e principalmente aceitando essa condição e atribuindo-a ao divino.

_ Nós é que não passamos disto: vivemos sempre com uma mão atrás e outra adiante. Nunca temos nada…

_ O bocado não é pra quem faz – disse um dos garimpeiros que tinham chegado por último.

E acrescentou:

_ Pobre na festa, pau na testa.

_ Deus já fez o mundo assim – opinou Joaquim Boca-de-Virgem. –

Ninguém pode consertar o que Deus fez. Cada qual já nasce com o seu destino traçado.

_ E se chorar é pior – observou outro garimpeiro.

_ E se torcer – ajuntou outro – o buraco é maior. Desde o começo do mundo que existem ricos e pobres. É da vida. Em todo lugar é assim.

(…) E Boca-de-Virgem completou:

_ Se não fossem os pobres, os ricos não existiam. Mas também, se os ricos não existissem, de que é que os pobres iam viver? ( SALES, p.203, 1989)

No fragmento acima, fica claro o quanto o autor se utiliza do conhecimento do homem em si que vivia aquela condição, interagindo com sua sensibilidade e até com seu desespero diante da condição absurda em que vive. Mesmo tendo até mesmo sua identidade sendo trocada pelos apelidos recebidos, em conseqüência de características físicas e/ou mesmo alterado no processo de integração com a natureza (serras) e com a grosseria do ambiente diamantino, ainda assim ele permanece esperançoso de mudar sua condição. Os apelidos recebidos (Bosta-Voa, Peba, Boca de Virgem, Tindô, etc.) são marcas de sua integração com a condição de objeto, a qual é submetido, pois, mesmos se as alcunhas incomodassem o melhor seria não se “aporrinhar” porque nem mesmo dos apelidos são capazes de livrar-se, uma vez que representam também os preconceitos e a condição histórica de inferioridade na qual estão inseridos.

Essa condição, porém, apesar de ser social ela é também psicológica, pois a pesar dos jogos de poder, a condição do personagem Quelezinho é a de alguém que apesar de estar numa condição socialmente privilegiada, também é servil a figura de seu irmão e sujeito a seus desmandos. Ele, porém, aceita tal condição como justa mesmo sendo desrespeitado.

CONCLUSÃO

Desta forma, observamos o quanto da prática do regionalismo literário está presente na obra de Sales quando fazemos uma retrospectiva de outras obras que tem um cunho semelhante, porém, são totalmente diferentes de Cascalho. Uma vez que, essa questão do homem sertanejo, desrespeitado e alquebrado pelo trabalho sendo explorado pelos detentores do poder, aparece com freqüência em obras de outros autores como Raquel de Queiroz em “O quinze”, José Lins do Rego em “Fogo morto” e principalmente em Graciliano Ramos em “Vidas Secas” e não se pode deixar de citar as várias obras de Jorge Amado que seguem essa linha; a obra de Sales é principalmente rica porque ela fala da condição do homem na vivência da sua bruta realidade sem em momento algum tentar imitar a linguagem do grupo forçando um reconhecimento pelo leitor, mas, faz com que este reconheça a condição dos personagens e se identifique com ela pensando que uma mudança de sua condição é necessária.

A figura do garimpeiro entra numa condição de igualdade no que se refere a região, a exploração e o desrespeito, mas se distância no que se refere a não imitar a forma de falar do garimpo, mais ao mesmo utilizar sua linguagem cotidiana.

As condições apresentadas no romance é também uma denúncia social como eram os outros da mesma época do Modernismo de 1945, no entanto, a análise é feita a partir da condição de conhecedor dos fatos narrados e por isso livre de um discurso demagógico, paternalista ou político. Não tenta construir um discurso identitário para o garimpeiro, pois sua identidade já é óbvia desde o momento em que se inicia a narrativa. Porém, apesar de sua condição de servidão nas lavras, o garimpeiro é antes de tudo um forte, pois mesmo preso em circulo vicioso tem esperanças de vencer a situação no qual está inserido socialmente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Assis. Herberto Sales: Regionalismo e utopia. Ensaio. Coleção Austregésilo de Athayde, volume, 7. Com prefácio de Alberto da Costa e Silva. Academia Brasileira de Letras, 2002.

HACK, Andréia Beatriz. A religiosidade na obra do intelectual Herberto Sales. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2006. Acesso em 26/09/2009 www.bibliotecadigital.ufba.br/tde_busca/arquivo.php?…526

OLIVEIRA, Ângela Vilma dos Santos. A poética da memória: O romance de Herberto Sales. Tese apresentada à Coordenação de Pós-Graduação em Letras da UFPE para obtenção do Grau de Doutor em Teoria da Literatura. Recife, 2006. Acesso em 26/09/2009 no www.ufpe.br/pgletras/2006/teses/tes-angela-vilma-oliveira.pdf

SALES, Herberto. Cascalho. Circulo do livro, São Paulo, 1989.

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