“Os artistas não criam no vazio, eles são constantemente estimulados por outros artistas” – Ana Mae Barbosa
Ao examinarmos o corpus literário, verificamos que ele é composto de poemas, romances, narrativas poéticas que, em grande parte, vêm acompanhados de imagens cuja função vai além da simples ilustração, formando uma unidade híbrida. No nível frasal, o autor emprega o procedimento da colagem verbal, ao inserir textos provenientes de diversas fontes, modificando-os, na maioria das vezes, com fins paródicos. No nível da palavra, a colagem é caracterizada na criação de neologismos e jogos de palavras.
Na verdade, os procedimentos literários utilizados respondem, de maneira geral, ao “programa literário surrealista”, isto é. à operação de reforma da linguagem poética proposta desde o primeiro Manifesto. Assim como os poetas, Ernst utilizou a escrita (semi-automática), as associações verbais, os tema oníricos, as metáforas e os jogos de palavras, como meios de captar e dar forma às imagens poéticas interiores.
Ao examinarmos as definições de colagem, tal como foram enunciadas por Ernst, Aragon ou Breton, na década de vinte e além, constatamos que, primeiro, todas valorizam o recurso poético em detrimento da técnica; segundo, as definições chamam a atenção para o processo de produtividade (Kristeva), seja do texto literário, seja do trabalho plástico, isto é, para a produção do texto enquanto absorção e transformação de outros textos; terceiro, as definições evidenciam o caráter ” intertextual” das obras, ou seja, obras que se constroem como um mosaico de citações.Tais observações apontam para a proximidade entre a colagem e as formas de intertextualidade, fazendo com que a colagem torne-se sinônimo de intertexto : “Colagem: termo emprestado à pintura; designa os procedimentos que consistem em colar materiais heterogêneos; por extensão, torna-se sinônimo de citação e intertexto, e remete a qualquer fragmento (seja ou não verbal) integrado em um novo conjunto.” Enquanto técnica que consiste em reunir elementos heteróclitos, a colagem alcançaria, ainda, objetivos próximos aos das formas de escrita imitativa, como a citação, o pastiche ou a paródia.
O processo da escrita é visto, sob o prisma da intertextualidade, como resultante do processo de leitura de outros textos. O exame das relações que os textos tramam entre eles, o estudo do trabalho de transformação e assimilação de um ou vários textos por um texto centralizador, permite questionar as razões que levaram o autor do texto a reler, reescrever, copiar ou relançar no seu tempo, textos anteriores, refletindo sobre o novo sentido que o autor lhes atribui com esse deslocamento.
Da mesma forma que fragmentos de texto heterogêneos intervêm (e podem ser identificados) em certos trechos da narrativa, caracterizando assim uma forma de intertextualidade, os fragmentos de imagens acrescidos sobre a imagem-suporte podem, em grande parte, ser identificados, sem prejuízo para a sensação de estranhamento onírico que se depreende do todo.
A produção de imagens que mantém diálogo com outras já existentes é uma característica de grande parte dos artistas desde o século XV. Estas imagens, reformuladas ou escamoteadas, com outros contextos, fazem com que esta segunda geração de imagens, tenham outros significados, enriquecendo nosso estoque visual. A arte contemporânea explora o mundo das imagens produzidas anteriormente como referência. Este empréstimo designado “citação”(Barbosa, 1990), ou exploração das imagens, não significa que estes artistas perderam sua capacidade de criação.
Todos os movimentos na história da arte foram gerados de algum outro movimento, isto é, se o homem das cavernas não tivesse registrado seus primeiros momentos, provavelmente não teríamos nos desenvolvido tanto culturalmente. Este citacionismo ou intertextualidade, termos diferentes para o mesmo assunto, na arte é considerado também como um fenômeno que alguns autores atribuem a pós modernidade ou a falta de inspiração do fim do século. Pode-se chamar de fenômeno pois a utilização ou apropriação de imagens para a elaboração de outras tem suas raízes no século XV, onde começou a ficar mais evidente este uso imagens. Picasso foi duramente criticado ao fazer uma releitura das “Meninas” de Velásquez, e assim segue com muitos outros artistas. A reelaboração é explícita, o artista apenas modifica alguns aspectos da obra original, e por fim, a citação, quando a obra, quando a obra remete a outra. Neste caso a utilização de imagens já existentes pode ser implícito ou explícito, quando o remetimento for evidente.
A arte de um modo geral sempre foi considerada elitista, e agora na contemporaneidade, a pulverização de conceito na arte , talvez esteja afastando cada vez mais o espectador da obra. De qualquer forma, os grandes acervos de arte se encontram na Europa e em museus nas grandes capitais, limitando o acesso de expectadores a arte. Mesmo com a possibilidade de maior contato com imagens, através de jornais, revistas, televisão e a internet, as pessoas que tem acesso a essas médias, se encontram numa parcela muito pequena diante da população mundial. A questão do citacionismo, nestes centros culturais, já foi assimilado pelo espectador de forma a contribuir cada vez mais, para que faça novas relações com outras obras e estabeleça um diálogo entre ele e o mundo criado pelo artista.
A abertura da obra de arte à recepção, relacionada necessariamente às três fases produtivas da arte: a obra artesanal (imagens de primeira geração), industrial (imagens de segunda geração) e eletro-eletrônica (imagens de terceira geração), detona vários graus para a interpretação. A Obra Aberta se identifica com a abertura de primeiro grau pois remete à polissemia, à ambigüidade, à multiplicidade de leituras e à riqueza de sentido. Já a abertura de segundo grau da obra, se identifica com as alterações estruturais e temáticas que incorporam o espectador de forma mais ou menos radical. Trata-se da chamada arte de participação onde processos de manipulação e interação física com a obra, acrescentam atos de liberdade sobre a mesma. Agora, com os processos promovidos pela Interatividade tecnológica, na relação homem-máquina, postula-se a abertura de terceiro grau. Esta abertura, mediada por interfaces técnicas, coloca a intervenção da máquina como novo e decisivo agente de instauração estética, própria das Imagens de Terceira Geração.
Pensar a arte interativa dentro do contexto das Novas Tecnologias da Comunicação, como uma nova categoria de arte, requer um mergulho na história recente, à vista da expansão das noções de arte, de criação e também de estética. Além disso, no decorrer deste século, verifica-se um deslocamento das funções instauradoras (a poética do artista) para as funções da sensibilidade receptora (estética), o que produz no meio artístico uma grande confusão conceitual caracterizada, ainda, pela mistura e hibridação de gêneros, poéticas e atitudes artísticas. Por outro lado, a compreensão dos novos meios costuma-se fazer apartir de metáforas e conceitos de tecnologias anteriores.
O tema da recepção percorre quase todo o século XX. Marcel Duchamp já afirmara: “é o espectador que faz a obra e, a arte nada tem a ver com democracia”. O que indicava uma preocupação com a recepção. Anteriormente, Isidore Ducasse, Conde de Lautréamont escreveu: “a poesia deve ser feita por todos, não por um”. Para os simbolistas, o princípio estético da sugestão era fundamental. Mallarmé dizia: “nomear um objeto é suprimir três quartas partes do gozo de um poema”.
No âmbito do texto dramático, os estudos, até recentemente, majoritariamente, apenas aludiam a possíveis “fontes” ou “influências” no trabalho dos dramaturgos. Fatos novos, como a dramaturgia de um Heiner Muller ou a costumeira criação de texto no/durante o próprio processo de encenação de um espetáculo teatral e em que as fronteiras entre as diferentes linguagens artísticas se atenuam e diferentes códigos, verbais e não-verbais, entrelaçam-se numa construção de texto multireferencial e até multicultural, merecem novas direções de investigação. Os termos texto, intertexto, contexto, metatexto, pré-texto, sub-texto, autotexto tornaram-se moeda corrente. O texto dramático e o texto cênico são dialógicos, polifônicos, intertextuais por sua própria natureza.
A crítica literária moderna reconhece no Don Quixote de la Mancha a maior paródia de todos os tempos. Ao parodiar as peripécias do romance de cavalaria, Cervantes criticou a fatuidade do gênero e criou a nova linguagem da ficção.
Paródia é a recriação cômica ou imitação burlesca de uma obra ou de um gênero, com modificação de suas intenções e significado. De caráter lúdico ou ideológico e conteúdo crítico mais ou menos explícito mas sempre presente, a paródia encerra juízos sobre os costumes de uma época. Pela relação entre criação e destruição de valores que nela se estabelece, consiste num elemento de ruptura na evolução linear dos gêneros. Para Aristóteles, o inventor da paródia foi Hégemon de Tasos, com sua sátira à A batalha dos gigantes, apresentada à época da expedição militar ateniense à Sicília. O grande parodista da Grécia antiga foi Aristófanes, que com suas imitações caricaturais das tragédias de Eurípides e dos oradores democráticos, tratou a paródia como arma ideológica. Depois do Renascimento, a paródia ganhou mais importância. O campo preferido dos parodistas foi o teatro. Na França, a paródia teatral criticou as obras de Corneille e Racine, no século XVIII; as de Victor Hugo e Alexandre Dumas Filho, no século XIX; e o vaudeville, assim que este se firmou como gênero. Na Itália, a paródia esteve muito em voga no século XVIII e no século seguinte, voltou-se para as peças ultra-românticas. Na Rússia, a paródia teatral foi freqüente na segunda metade do século XIX: estiveram em voga na época os kapustniki, imitações cômicas de peças famosas. No início do século XX, a paródia russa chegou ao auge no cabaré Krivoi Zerkalo, famoso pela encenação de imitações cômicas de óperas, operetas, balés e peças. A paródia foi muito usada também pelos revolucionários de 1917.
No século XX, o maior nome da paródia é James Joyce, que refez ironicamente em Ulysses (1921) todos os estilos possíveis, dos classicistas ingleses aos romances sentimentais, e parodiou a própria linguagem literária. A paródia no século XX subsiste mais como espírito do que como processo literário.
A “fortuna” do texto literário está ligada a uma série de fatores, dentre eles a referência. Atualmente, tem-se questionado o que constitui a natureza da referência na ficção, de que maneira a linguagem se prende à realidade. Se partirmos do princípio de que referência não é correspondência chegaremos à conclusão de que nenhuma referência lingüística é totalmente direta, necessitando de mediação. Se aceitarmos a ficção não como mimese, mas como interpretação do real teremos como referente a instância contextual da criação da obra. Sob esse ponto de vista, a antinomia ficção-realidade terá como mediação o dado histórico, do qual a narrativa é expressão e interpretação.
No entanto, intertextualidade não é uma característica da Pós-Modernidade; teve origem na Europa moderna com o colonialismo, que fez proliferar diversas variações da língua e a tradução para os diferentes idiomas se fazia necessária para garantir a comunicação. Pode ser interpretada, como a expressão de um determinado fenômeno descrito por diferentes linguagens ou a tradução de uma linguagem em outra. As citações, inserções de idéias de um autor, em obra de outro que mesclam a produção literária e a reprodução de uma obra por um outro autor, num outro contexto, também resultam em intertextualidade. Na Pós-Modernidade o conceito se amplia e ganha novas características. Na Pós-Modernidade, intertextualidade refere-se à combinação ou agrupamento de textos de diferentes linguagens, apresentados em um mesmo suporte e à utilização de diferentes linguagens na elaboração de uma mensagem textual ou discursiva, visando a produção de sentidos pré-determinados no público que interage com ele.
Porém, essa expressão é também utilizada para fazer referência a união assistemática de diferentes textos, através de uso do controle remoto da TV, vídeo ou do som, alinhavando cenas ou músicas de gêneros diferentes de programas e possibilitando a construção de um outro texto ou discurso.
Com a multiplicidade de traduções e apropriações a que assistimos nos dias de hoje, podemos falar na desmaterialização do texto e num processo cultural, intertextual e multi-textual.
Uma análise da produção artística dos meados do século XX mostra-nos que a Pós-Modernidade redefine o gesto artístico, que deixa de ser um produto de habilidades motoras e passa a ser essencialmente um produto da intuição, inteligência e criatividade aliados à técnica. As transformações dos modos de produção também permitem que se fale em morte do autor, uma vez que a obra é resultado da técnica envolvida no seu suporte, ou produto de uma equipe.
Considerando-se o universo artístico podemos dizer que desenvolveram-se duas correntes avaliando as mudanças ocorridas na segunda metade do século XX. Dentro de uma postura pessimista há os que prevêem a morte da arte, nos moldes da arte como a conhecemos. Por outro lado, muitos críticos consideram a interatividade como um forma de democratização de meios e mensagens em substituição a formas autoritárias de pensar, que privilegiavam a harmonia, a linearidade e a lógica. Alegam que em outros campos da atuação humana, como na arte e nos sonhos, estas formas de pensar tornam-se totalmente disformes e desarmônicas. A partir de uma análise do homem com o mundo através da arte, principalmente a arte-técnica, é possível caminharmos no sentido de entender a cultura dos dias de hoje, marcadamente imagética e que define novos tempos e novos espaços, caracterizando o que vem sendo denominado de Pós-Modernidade e definida principalmente, em função das transformações nas diferentes formas de expressão artísticas.
E que lembremos da “antropofagia” de Oswald de Andrade, do processo criativo de Ariano Suassuna e da “estética do plágio, do arrastão, da era do plagicombinador” e sua “entropia acelerada” proposta este ano por Tom Zé.
Bibliografia
CARVALHAL, Tânia Franco. Literatura Comparada. São Paulo : Ática, 1992.
BARBOSA, A.M, L.B. Ferrara e Vernaschi (orgs) “A metáfora da Intertextualidade”. O ensino das artes nas Universidades, São Paulo, EDUSP.1993.pg 77-89
www.cce.ufsc.br