A descrição e a exaltação da natureza americana foram muito utilizadas pelos escritores que deram início à jornada da literatura brasileira. Esta maneira de escrever não era apenas para enumerar as qualidades e aspectos da vasta natureza que o continente americano possuía. Era também, principalmente, uma maneira de valorizá-lo e atribuir a ele uma iniciação do sentimento patriótico.
Afinal, esse novo continente que começava a despontar para o Velho Mundo precisava se firmar como nação independente, para assim dar início à constituição de uma literatura própria. A literatura brasileira já existia, mas havia sido digamos, “confiscada”, pelos portugueses dos quais éramos colônia. Após setembro de 1822, com a declaração da Independência do Brasil, os escritores brasileiros começam a arregimentar – se em busca de uma autonomia literária.
Em 1826 o estudioso francês Ferdinand Denis publica Resume de l’Histoire Littéraire du Brésil, com o intuito de sugerir diretrizes a serem seguidas pelos escritores brasileiros, caso esses quisessem. Diretrizes essas que apontam a natureza como um dos seis índices de nacionalidade, funcionando como projeto literário. A descrição exagerada dos elementos da natureza, e dos aspectos locais, passou a ser uma constante, quase uma norma, nos escritos brasileiros. Em sua publicação Denis trata pela primeira vez da literatura brasileira independente da de Portugal.
A literatura brasileira começava, então, a formar sua identidade. Gonçalves de Magalhães critica o estudo de Denis, para o poeta seus estudos não passavam de uma apresentação da literatura brasileira para os que ainda não a conheciam, no caso os estrangeiros. Mas afinal, a intenção não era mesmo de apresentar um mundo novo, no caso o continente americano? Nada melhor que uma descrição detalhada, para fazer com que um leitor possa visualizar um objeto, uma pessoa, ou um continente para ela desconhecido. Denis foi muito feliz em escrever seus índices, pois eles foram seguidos como cartilha pelos escritores posteriormente.
E apesar das críticas de Magalhães podemos notar que além de Denis outros historiadores, como o também francês Ferdinand Wolf, assim como os brasileiros Francisco Adolfo Varnhagen e Fernandes Pinheiro adotaram também a descrição da natureza como meio de valorização do território nacional. Vinte e nove anos após a publicação de Ferdinand Denis, em 1865 José de Alencar lança Iracema, um romance indianista que ora fora tratado como lenda, passeando entre o limite do real e da ficção. Nele o autor utiliza dois índices de nacionalidade sugeridos por Denis. Um, que já apresentamos, foi o de valorização da natureza.
Outro índice que Denis sugeria era a valorização do índio, enquanto elemento natural e nativo para dar à literatura originalidade e mostrar suas peculiaridades. Para os escritores e poetas o tema indianista foi um prato cheio para seus escritos. Havia no território brasileiro uma quantidade enorme deles, e uma diversidade de tribos, das quais seus costumes e hábitos podiam ser estudados e utilizados para engrandecer e ilustrar a literatura brasileira. Ferdinand Denis permaneceu no território brasileiro, no Rio de Janeiro e na Bahia, por três anos. Antes de ter publicado seus estudos históricos sobre a literatura brasileira, ele aproveitou o tema indianista e escreveu, em 1823, uma novela: Les Machakalis.
Vejamos um trecho, entre os vários que poderíamos analisar, mas que é um dos mais conhecidos; Em que Alencar descreve a personagem principal, que nomeia a obra, a índia Iracema:
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Nesse pequeno trecho salta aos olhos a descrição detalhada da figura da índia. Ele utiliza símiles para fazer uma ponte entre a descrição da personagem e da natureza. Personagens esses que eram idealizados, não condiziam com a realidade. Devemos comentar aqui que a idealização indígena e essa transformação em ficção se deviam à necessidade comentada pelos historiadores e estudiosos da literatura, ora nascente, de não utilizar figuras mitológicas originadas da Grécia.
Pois essas já haviam sido, por assim dizer, utilizadas demais, e como se tratava de um novo continente era esperado que ele viesse com novidades, novos personagens, além de utilizar sua cor local. Havia índios e natureza em outros territórios? Havia sim. Mas com certeza as características, a fauna, a flora, os costumes, as culturas eram diferentes. Por isto a necessidade vista por Denis em estabelecer índices que pudessem ajudar na valorização dos componentes de cada território, não só o Americano.
Os escritores que faziam uso dos índices de Denis eram elogiados, já os que achavam que não deveriam segui-lo eram criticados, como assim foram Tomás Antônio Gonzaga, Silva Alvarenga e Cláudio Manuel da Costa. Vejamos uma crítica feita a Silva Alvarenga, por Fernandes Pinheiro:
Na Gruta Americana, primorosa alegoria no estilo de Goethe, abundam louçanias poéticas, que ainda mais numerosas seriam se renunciasse abertamente às ficções mitológicas e pintasse a natureza, que tão esplêndida e garbosa aos seus olhos se ostentava.
É visível o descontentamento do crítico no que diz respeito à falta cometida pelo escritor, segundo ele, que não deixou de lado as figuras mitológicas e que não utilizou a natureza abundantemente para aquilatar sua obra.
Na visão do crítico o primeiro representante da Literatura Brasileira é Gonçalves de Magalhães Confederação dos Tamoios, para quem o crítico escreveu após a leitura dessa obra:
[…] reflete nestes versos a natureza brasílica, e ninguém ao lê-lo poderá duvidar da nacionalidade do poeta. Tudo aqui é nosso, os assuntos, os nomes, as comparações, as imagens, tudo é americano. É com produções desta ordem que incontestavelmente firmamos a nossa independência literária.
Podemos imaginar assim, que, para agradar aos críticos e historiadores era necessário apenas seguir os índices apontados por Denis. O escritor que não o seguisse teria que agüentar críticas severas dos historiadores que perdurariam por todo o sempre na história da Literatura Brasileira.
Ao escrever os índices de nacionalidade a intenção de Denis era de nortear os escritores para utilizarem o que de mais bonito e importante tínhamos em nosso continente, a natureza. Pela quantidade de escritores que o utilizaram em suas obras, podemos deduzir que Denis não estava errado. A descrição da natureza, assim como os outros cinco índices de nacionalidade, deram sim um caráter distinto à Literatura Brasileira. Já que a intenção era de fazer com que nossa literatura fosse uma novidade, e não apenas uma cópia da literatura lusa e européia, ele conseguiu.
Com certeza as obras dos escritores, que utilizaram a natureza como cenário principal, ganharam um elemento ímpar para ajudar a florear seu cenário. Assim foram se passando os anos, uns escritores utilizando os índices, outros não, e a história da Literatura Brasileira foi sendo escrita e ganhando sua identidade e autonomia nacional, no cenário mundial. Se hoje em pleno século XXI, os estrangeiros sabem que no Brasil desfrutamos de um clima tropical, de uma fauna e flora riquíssima, conhecem nossa história de independência e conhecem o nosso povo, tudo isto é fruto do que leram durante todos estes anos nas obras de autores que deram importância aos índices de nacionalidade.
Graças a Denis não achamos minotauros ou cavalos de tróias como personagens principais em obras de autores brasileiros. E sim Iracemas, Peris e Cecis. O que é mais condizente com o povo brasileiro, que aqui se formou, com nossa cultura, nossa sofrida época de colônia e com nossos costumes.
REFERÊNCIAS:
– ALENCAR, José de. Iracema – São Paulo: Editora FTD, 1999. – (Coleção grandes leituras)
– CARVALHO, Flávia Paula. A natureza na literatura brasileira: Regionalismo pré – modernista – São Paulo: Terceira Margem, Editora Hucitec, 2005. (Linguagem e Cultura, 36).