1.1 – Introdução
Alexander Fleming, bacteriologista, publicou em 1929, em Londres,um trabalho relatando as propriedades estudadas em meios de culturas de -Staphylococcus aureus-, contaminadas por um fungo existente no ar, pertencente ao gênero -Penicillium notatun- inibindo o crescimento. A substância produzida pelo fungo, depois de isolado, foi denominado de penicilina reconhecida por Fleming, como de possível utilização nos tratamentos das infecções, descoberta esta, que não foi de imediato valorizada na sua extensão terapêutica, permanecendo como uma curiosidade. Em 1939 foi descoberta a tirotricina por Dubos, obtida a partir de -Bacillus brevis-, isolados do solo, entretanto esta substância mostrou-se ser extremamente tóxica em uso sistêmico.
Os novos métodos, naturais e artificiais, para obtenção de medicamentos como atividade antimicrobiana, somados ao aperfeiçoamento dos processos antigos, tornam necessária a revisão do conceito primitivo de antibiótico,algumas destas substâncias puderam ser sintetizadas; verificou-se que outras possuíam ação antiblástica, passou-se também a utilizá-las com finalidades industriais, em conservação de alimentos e em desinfecção, em indústrias de fermentação, seu emprego nos meios de cultura, impedindo a contaminação bacteriana, permitindo progressos a virologia.
Os antibióticos eram inicialmente obtidos somente a partir de determinados microrganismos e em seguida de vegetais superiores. Posteriormente, com o conhecimento da sua estrutura química, alguns passaram a ser sintetizados em laboratórios, enquanto, outros foram obtidos derivados semi-sintéticos que podem apresentar propriedades diferentes da substância inicial.
Durante a Segunda Guerra Mundial a demanda de quimioterápicos para tratar as infecções de feridas levou ao desenvolvimento de um processo de produção de penicilina e ao início da era dos antibióticos. Esta continua sendo na atualidade a área mais importante na investigação da microbiologia industrial.
Em 1961 eram conhecidos 513 antibióticos, 4076 em 1972, 7650 em 1985 e atualmente ao redor de 8.000. Além disso, tem sido detectadas em liquens, algas, animais superiores e plantas, em torno de 3.000 substâncias com atividade antibiótica.
Do grande número de antibióticos conhecidos de origem microbiana, somente 123 são produzidos atualmente por fermentação. Além disso, mais de 50 antibióticos são produzidos como compostos semi-sintéticos e três antibióticos: o cloranfenicol, a fosfomicina e a pirrolnitrina produzem-se de forma completamente sintética.
A produção de antibióticos poderia ter significado ecológico para a vida do microrganismo na natureza, mas existem poucas pesquisas sólidas que sustentam esta hipótese.
1.2 – Grupos microbianos que produzem antibióticos
Os antibióticos são produzidos por bactérias, actinomicetos e fungos.
Entre os fungos, somente os antibióticos produzidos por Aspergillaceae e Moniliales são de importância prática. Os compostos isolados a partir de basidiomicetos não têm uso prático.
Entre as bactérias, existem muitos grupos taxonômicos que produzem antibióticos. Maior variedade em estrutura e número de antibióticos é encontrada nos actinomicetos, especialmente no gênero Streptomyces. Outro importante grupo de substâncias são os antibióticos peptídicos, produzidos por bactérias do gênero Bacillus.
1.3 – Classificação dos antibióticos
Os antibióticos podem ser classificados de acordo com seu espectro antimicrobiano, mecanismos de ação, cepa produtora, forma de biossíntese ou estrutura química.
1.4 – Aplicações dos antibióticos
Os antibióticos são usados principalmente como agentes terapêuticos nas infecções causadas por microrganismos sensíveis a eles. A maior parte dos antibióticos são fabricados como agentes antimicrobianos para quimioterapia.
Antibióticos antitumorais: estes antibióticos são utilizados clinicamente como agentes citostáticos. Geralmente são tóxicos, mas com um cuidadoso controle das doses alguns destes antibióticos são eficazes no tratamento de certos tipos de tumores.
Atualmente são desenvolvidos antibióticos de uso exclusivo em plantas.
Os antibióticos são usados também em alimentos. Utilizam-se os seguintes compostos: pimaricina, um fungicida aplicado à superfície dos alimentos; tilosina (eficaz contra os esporos de Bacillus) e nisina (eficaz contra clostrídios), ambos utilizados na indústria de conservas.
Antibióticos são utilizados também como estimuladores do crescimento animal e na medicina veterinária: as rações animais são processadas mais eficientemente no sistema digestivo do animal, se utilizado como aditivo um antibiótico em concentrações subterapêuticas (1-10mg/kg peso). Inicialmente adicionavam-se às rações grandes quantidades de antibióticos úteis terapeuticamente (como penicilinas, tetraciclinas, eritromicinas, bacitracina ou estreptomicina). Devido ao uso extensivo dos antibióticos comuns, aumenta o risco do desenvolvimento rápido de resistência aos antibióticos.
Antibióticos como ferramentas na bioquímica e na biologia molecular: o uso dos antibióticos como inibidores seletivos tem dado uma contribuição vital ao entendimento de certas funções celulares, como a replicação do DNA, a transcrição, a tradução e a síntese da parede celular.
1.5 – Importância econômica dos antibióticos
A produção mundial de antibióticos está por volta das 100.000 toneladas por ano e as vendas brutas estimadas para 1980 foram de US 4,2 bilhões. As vendas brutas anuais, só nos EUA, são de US$ 1 bilhão, com a cefalosporina em primeiro lugar; seguida da ampicilina e as tetraciclinas.
1.6 – Objetivos das investigações sobre antibióticos
Antes de 1960 aproximadamente 5% dos antibióticos isolados eram úteis terapeuticamente. Nos anos seguintes foram descobertos novos antibióticos a uma velocidade aproximadamente constante, porém o percentual dos novos antibióticos que realmente chegam ao mercado diminuiu de 2,6% em 1961-1965 para 1% em 1966-1971. Isso se deve primeiramente a um grande aumento nos custos do desenvolvimento e das provas clínicas.
Em muitos casos as propriedades dos antibióticos naturais não são ótimas para a aplicação terapêutica. São necessárias as seguintes melhorias: maior atividade com igual ou menor toxidade, menores efeitos colaterais, faixa antimicrobiana mais ampla, maior seletividade contra certos patógenos, melhores propriedades farmacológicas.
Não existem antibióticos adequados disponíveis em muitos campos da medicina humana e em áreas não médicas.
Desde o ínicio da quimioterapia, o número de cepas resistentes tem aumentado. O uso indiscriminado dos antibióticos tem sido responsável em grande parte pelo aumento da resistência. Atualmente a única alternativa para superar o problema de resistência é a descoberta de novos antibióticos.
1.2 – ANTIBIÓTICOS – LACTÂMICOS
Os antibióticos -lactâmicos podem se dividir em cinco classes diferentes. As penicilinas e cefalosporinas pertencem aos mais eficazes de todos os agentes terapêuticos para o controle das enfermidades infecciosas. Nos últimos anos têm sido desenvolvidos sistemas de anéis -lactâmicos completamente novos, utilizando métodos modernos e específicos de procura.
1.2.1 – Produção de penicilina
A primeira aplicação clínica da penicilina se realizou em 1941. As penicilinas são produzidas por muitos fungos, particularmente espécies de Penicillium e Apergillus. As penicilinas naturais são eficazes contra numerosas bactérias gram-positivas.
Os antibióticos -lactâmicos são inibidores específicos da síntese da parede celular bacteriana (peptidoglicano). Um ponto adicional de ataque dos antibióticos -lactâmicos parece envolver a síntese de fosfolipídios.
1.2.1.1 – Estrutura química
A estrutura básica das penicilinas é o ácido 6-aminopenicilânico (6-APA), que consiste em um anel tiazolidínico com um anel -lactâmico condensado.
Se a fermentação da penicilina é conduzida sem a adição de precursores da cadeia lateral, produzem-se as penicilinas naturais. A partir dessa mistura somente a benzil-penicilina é útil terapeuticamente. A fermentação pode ser melhor controlada, adicionando um precursor da cadeia lateral, de forma que produza somente uma penicilina desejada. Nos processos comerciais, somente a penicilina G e a penicilina V têm sido produzidas.
Para se produzir penicilinas semi-sintéticas a penicilina G é hidrolisada química ou enzimaticamente para formar 6-APA, que é reciclado quimicamente para produzir outro derivado da penicilina.
Aproximadamente 38% das penicilinas produzidas comercialmente são utilizadas em medicina humana, 12% em medicina veterinária e 43% como matéria-prima para a produção de penicilinas semi-sintéticas. No ínicio dos anos 80 a produção mundial de penicilinas era 12.000 toneladas, uma quantidade grande se considerarmos a grande atividade destes agentes.
1.2.1.2 – Biossíntese e regulação
Conhecem-se vários mecanismos regulatórios da biossíntese da penicilina. A lisina é sintetizada a partir da via que origina o ácido L–aminoadípico, de forma que a penicilina e a lisina compartilham uma via biossintética ramificada comum. A lisina inibe a síntese de penicilina, porque é um retroinibidor da homocitrato-sintase, uma enzima envolvida na síntese de -AAA. Se o L-AAA é deficiente, não pode sintetizar penicilina. Portanto, a retrorregulação por lisina não parece ser uma etapa limitante na biossíntese de penicilina. Por conseguinte, as fermentações originais de penicilina foram conduzidas somente com lactose, que é metabolizada lentamente.
1.2.1.3 – Desenvolvimento de cepas
A produção de penicilina pela cepa isolada por Fleming era de aproximadamente 2 unidades internacionais / ml; os processos atuais produzem um título de penicilina de aproximadamente 85.000 unidades / ml. É um aumento de 0,0012 g/L até aproximadamente 50 g/L, e ilustra bem o valor e o poder de um programa de seleção de cepas.
Os aumentos de rendimento têm sido o objetivo principal do desenvolvimento das cepas, porém outros fatores que têm um efeito sobre a fermentação e a eficiência de recuperação do produto também foram otimizados. No início da década de 70 a melhoria de cepas pelo mero uso da mutação havia alcançado seu limite.
A maior porcentagem de cepas com produção elevada de penicilina o produziram a partir dos haplóides segregados dos cruzamentos entre mutantes de diferentes linhagens.
O uso da tecnologia do DNA recombinante para aumentar a formação de enzimas que sejam passos limitantes, mediante a amplificação gênica ou melhora da transcrição, não tem sido todavia possível em P.chrysogenum, devido à ausência de dados biossintéticos precisos e à ausência de bons sistemas vetor-hóspede. Portanto, tem-se construído um banco de genes para P.chrysogenum e desenvolvido um sistema de transformação.
1.2.1.4 – Métodos de produção
A penicilina G e a penicilina V são produzidas utilizando processos submersos em fermentadores de 40.000-200.000 litros. Devido às dificuldades de aeração não podem ser empregados tanques maiores. Alguns fabricantes utilizam fermentadores Waldhof ou fermentadores aeroelevados, porém isto é somente possível em mutantes que geram baixa viscosidade. A faixa de temperatura ótima é de 25-27ºC.
Depois de várias etapas de crescimento está preparado o cultivo de produção.
Na fermentação típica de penicilina há uma fase de crescimento de aproximadamente 40 horas, com um tempo de duplicação de 6 horas, durante o qual se forma a maior parte da massa celular.
Alimentando o meio com diferentes componentes, a fase de produção pode estender-se até 120-160 h.
Os processos com alimentação de glicose ou melaço também têm tido sucesso. Aproximadamente 65% da fonte de carbono metabolizada é utilizada para os gastos energéticos, 25% para crescimento e somente 10% para a produção de penicilina. Quando se considera que 50% dos custos de produção derivam dos componentes do meio, é obvio que o controle do metabolismo do carbono oferece um importante ponto de partida para a otimização adicional do processo de produção. Têm sido descritos aumentos de rendimento de 25% adicionando glicose e ácido acético.
A tentativa da produção de penicilina por fermentação contínua, porém, tem sido difícil devido à instabilidade das cepas de produção. Como alternativa foi sugerido um sistema de <>. Nesse processo, 20-40% do conteúdo da fermentação é retirado e alimentado novamente com solução fresca de nutrientes; este processo pode ser repetido até dez vezes sem a redução do rendimento.
O uso de técnica de células imobilizadas tem sido proposto para a produção de penicilina, embora esta técnica ainda não está sendo utilizada em escala industrial.
A penicilina é excretada no meio de cultivo e menos de 1% permanece unida ao micélio.
1.2.2 – Produção de cefalosporinas
As cefalosporinas são antibióticos -lactâmicos, que contêm um anel dihidrotiazínico com ácido D- aminoadípico como metade acila .A cefalosporina C foi descoberta em filtrados de cultivos de Cephalosporium acremonium em 1953. Antibióticos cefalosporânicos são também produzidos por outros fungos, como Emericellopsis e Paecilomyces.
As cefalosporinas são avaliadas não só devido à sua baixa toxidade, mas também devido ao fato de que são antibióticos de amplo espectro, comparáveis em ação à ampicilina.
As cefalosporinas, com uma participação de 29% no mercado dos antibióticos, são o grupo concreto mais importante de antibióticos. Treze cefalosporinas semi-sintéticas terapeuticamente importantes são produzidas comercialmente. As cefalosporinas são economicamente tão importantes como as penicilinas.
1.2.2.1 – Biossíntese e regulação
Como no caso da benzil-penicilina, as primeiras etapas da biossíntese de cefalosporina (Fig. 5.8) provêm de -(-aminoadipil)-L cisteinil-D-valina a isopenicilina-N. Na etapa seguinte forma penicilina N por transformação da cadeia lateral de L–AAA na forma D, pela ação de uma racemase muito lábil. Depois da expansão do anel a deacetoxicefalosporina, pela reação da <> ocorre a hidroxilação controlada por uma dioxigenase a deacetilcefalosporina C. A acetilação da cefalosporina C por uma transferase dependente de acetil-CoA é o ponto final da via biossintética em fungos.
Em contraste com a penicilina, a metade D–AAA não pode ser trocada com alimentação de precursores.
A produção de cefalosporina é afetada pela regulação pelo fosfato, assim como por nitrogênio e regulação catabólica por carboidratos. As fontes de carbono rapidamente metabolizáveis, como glicose, maltose ou glicerol reduz a formação de cefalosporinas.
Deve-se observar que, na biossíntese de cefamicinas por estreptomicetos, o -AAA não é um precursor da L-lisina, porque os estreptomicetos sintetizam a lisina pela via do ácido diaminopimélico.
1.2.2.2 – Desenvolvimento de cepas
O desenvolvimento de cepas tem sido realizado com a cepa original de Brotzu, C.acremonium CM149137, utilizando mutação, seleção e técnicas parassexuais. Tem-se isolado mutantes com metabolismo defeituoso do enxofre. As técnicas de fusão de protoplastos têm sido combinadas com reprodução parassexual para desenvolver um mapa completo dos genes de biossíntese de cefalosporina C. O gene para a isopenicilina N sintetase de C.acremonium tem sido clonado em E.coli, e tem desenvolvido um sistema efetivo de transformação de C.acremonium que possibilita que as etapas chave na produção de cefalosporina, sejam objeto de análise e modificação. Os títulos de cefalosporina C das cepas atuais de alta produção, onde a proporção de penicilina N é reduzida, são aproximadamente 20 g/L.
1.2.2.3 – Processos de produção
A fermentação das cefalospirinas é similar à da pelicilina. Utilizam-se meios complexos como líquido de maceração de milho, extrato de carne, sacarose, glicose e acetato de amônio. Nos últimos anos tem sido desenvolvida a síntese química de cefalosporina, por expansão do anel da penicilina. Esse processo tem interesse especial, devido ao baixo preço da matéria-prima, a penicilina. Um exemplo de como esse enfoque tem sido comercializado, é uso de penicilina V para produzir oraspor, uma cefalospororina ativa oralmente.
1.2.3 – Novos sistemas de anéis -lactâmicos
Desde os anos 70 têm sido descobertos novos sistemas de anéis utilizando métodos de seleção, como o uso de cepas supersensíveis a -lactamas usados como microrganismos testes ou a utilização de provas enzimáticas para detectar inibidores na Figura 5.10 têm-se alguns exemplos específicos.
A ácido clavulânico, um sistema de anéis -lactâmico-oxazolidínico, é produzido junto com as cefalosporinas por Streptomyces clavuligerus. O ácido clavulânico é só ligeiramente eficaz como anti-bacteriano, porém inibe uma ampla faixa de -lactamases em concentrações menores de 0,1 g/ml. O ácido clavulânico tem sido comercializado em combinação com amoxicilina.
A tienamicina e os ácidos olivânicos têm em comum um sistema de anel -lactama-pirrolin. A tienamicina, a primeira de uma série de cabapernemas com estruturas muito similares, foi isolada em 1976 de um cultivo de streptomyces cattleya. A tienamicina atua como inibidora de -lactamases e como antibiótico de amplo espectro contra bactérias gram-positivas e gram-negativas, incluindo a Pseudomonas aeruginosa, porém é extremamente instável.
Os ácidos olivânicos e as estreitamente relacionadas epitienamicinas mostraram uma atividade mais baixa frente a Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus.
As nocardicinas são -lactamas monocíclicas.
As monobactamas, que são também -lactamas monocíclicas, têm sido isoladas de cultivos bacterianos. Contudo são só debilmente antibacterianas. Os compostos com um grupo metóxilo em posição 3a são resistentes às -lactamases, ao passo que o resto das monobactamas mostram graus variáveis de sensibilidade às -lactamases. O aztreonam, uma monobactama semi-sintética produzida a partir de treonina, tem baixa toxicidade e uma excelente atividade frente aos microrganismos gram negativos e encontra-se em fase de provas clínicas.
Referências Bibliográficas
– Biotecnologia – Suzana D. B. Maluhy; Mauricio Covre Coimbra; Paulo Cilas Rubio – Editora: Do Brasil
– Biotecnologia industrial, volume 3 – Urgel de Almeida Lima; Eugenio Aquarone; Walter Borzani; Willibaldo Schmidell – editora Edgard Blucher – 1ª edição – 2001 – São Paulo