A vida do trabalhador antes e após a Lesão por Esforço Repetitivo (LER) e Doença Osteomuscular Relacionada ao Trabalho (DORT)
RESUMO
O objeto deste estudo qualitativo foi a vida do trabalhador antes e após o diagnóstico da LER/DORT. Seus objetivos foram verificar se suas vidas sofreram alteração após o diagnóstico da LER/DORT e analisá-las após este diagnóstico. O cenário foram setores do Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região de Maceió. Produzimos informações através de entrevistas semi-estruturadas e as analisamos a partir dos seguintes temas: a vida antes da LER/DORT, o trabalho que faz LER/DORT, o calvário do diagnóstico, uma resposta ao trabalho repetitivo e um novo olhar para o horizonte. Os resultados permitiram sugerir medidas preventivas encaminhadas ao TRT/19ª/AL, como contribuição para minimizar os danos de um trabalho repetitivo, de alta pressão sobre o trabalhador.
Descritores: Enfermagem do trabalho; Doenças profissionais; Saúde do trabalhador.
ABSTRACT
This is a qualitative work, which focused on workers routine before and after being affected by RCT/OWRD. The study aimed at verifying and analyzing if workers’ lives had changed after the disease diagnostic. The research took place at sections of the TRT-AL a Court responsible for labor conciliations in Maceió Alagoas. The information was collected based on semi-structured interviews and data were analyzed based on the following tematics: life before RCT/OWRD; the activity that caused it; the diagnosis; an answer to the repetitive work and a new perspective to the horizon. Results enabled researchers to suggest preventive care, as well as to contribute for reducing damages caused by repetitive activities and high pressure on workers.
Descriptors: Occupational health nursing; Professional diseases; Health of the worker.
RESUMEN
El objeto de este estudio cualitativo fue la vida del trabajador antes y después del diagnóstico de la LER/EORT. Los objetivos fueron verificar si sus vidas sufrieron alteración después del diagnóstico de la LER/EORT y analizarlas después de este diagnóstico. El sitio seleccionado como escenario de investigación fue los sectores del Tribunal Regional del Trabajo de la 19ª Região de Maceió. Fueran reecogidas las informaciones a través de encuestas semi-estructuradas que fueran analizados a partir de los siguientes temas: la vida antes de la LER/DORT, el trabajo que provoca LER/DORT, el sufrimiento del diagnóstico, una respuesta al trabajo repetido e un Nuevo enfoque para el futuro. Los resultados permitieron sugerir medidas preventivas que fueron encaminadas al TRT/19ª/AL, como la contribución para disminuir los daños de un trabajo repetido, de alta presión sobre el trabajador.
Descriptores: Enfermería del trabajo; Enfermedades professionales; Salud del trabajador.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho teve como objeto de estudo a vida do trabalhador antes e após o diagnóstico das lesões por esforço repetitivo e da doença osteomuscular relacionada ao trabalho (LER/DORT). O que nos suscitou a vontade de nos aprofundar neste assunto, foi o aumento gradativo e freqüente de pacientes com o diagnóstico supra citado em nosso ambiente de trabalho, pois na realidade desse ambiente os trabalhadores ao serem diagnosticados com esta patologia ficam deprimidos, angustiados, sentindo-se inferiores, impotentes, muitos iniciam o uso de uma gama de medicamentos diários, que muitas vezes não têm o resultado esperado e vão à procura de exaustivos tratamentos, culminando com longos períodos de afastamentos do trabalho.
Sobre este assunto a literatura mostra que a LER/DORT tem representado importante fração do conjunto dos adoecimentos relacionados com o trabalhador. Acomete homens e mulheres, inclusive adolescentes, em plena fase produtiva da vida(1). Além disso, ainda contamos com uma diferença quanto a denominação da patologia, que não é homogênea em todos os países, muito menos no Brasil. Porém, o que se vê de homogêneo são as possíveis causas da mesma: organização do trabalho e fatores psicológicos(2). E pudemos confirmar isto em nosso ambiente de trabalho, onde identificamos ambientes desorganizados, design inespecífico de sala, execução de tarefas repetitivas e os fatores psicológicos tais como: pressões internas e dificuldades de relacionamentos.
Toda esta situação quanto às manifestações patológicas não é recente. A literatura relata que desde 1717, Ramazini já escrevia que os movimentos violentos e irregulares, bem como posturas inadequadas durante o trabalho provocavam sérios danos à máquina vital(3). Apesar de ultrapassado, esse paradigma mecanicista do homem é bastante forte principalmente no que diz respeito ao trabalho repetitivo. Do mesmo modo, em 1891, Fritz De Quervain associou a tenossinovite do polegar à atividade de lavar roupas e denominou essa patologia como “entorse das lavadeiras”(3) .
Percebemos assim que a organização do trabalho interfere na vida do trabalhador, assim como o tempo que este trabalhador passa no ambiente de trabalho, pois quanto maior a jornada, menor será o tempo possível para o convívio familiar e quanto maior o cansaço, mais será afetada a qualidade do relacionamento do trabalhador com seus familiares. Pois, como já vimos, a irritabilidade e o desânimo prejudicam os contatos interpessoais(4).
Diante de toda a literatura consultada, entendemos que são várias causas e fatores que interferem no aparecimento das lesões por esforços repetitivos e com base nestas informações perguntamos: A vida do trabalhador maceioense também muda após o diagnóstico da LER/DORT? Para responder tal questão pretendemos atingir os seguintes objetivos: Verificar se a vida dos trabalhadores sofre alguma alteração após o diagnóstico da LER/DORT, seja na área do lazer, nas atividades inerentes ao seu trabalho e nas relações familiares; analisar como se apresenta a vida desse trabalhador após o diagnóstico da ler/dort sobre os mesmos aspectos referidos acima.
Este foi um estudo relevante porque desnuda uma situação presente nas empresas e nos serviços públicos e privados, principalmente no Tribunal Regional do Trabalho em Alagoas, particularizando uma situação que, embora abordado por muitos autores, nem está esgotada teoricamente nem deixa de surpreender pela forma como modifica a vida dos trabalhadores acometidos.
2. METODOLOGIA
Esta pesquisa teve uma abordagem qualitativa porque quisemos descrever a imersão do pesquisador nas circunstâncias e contextos da pesquisa, a saber, o mergulho nos sentidos e emoções(5);o reconhecimento e práticas; os resultados como fruto de um trabalho coletivo resultante de dinâmica entre pesquisador e pesquisado; a aceitação de todos os fenômenos como igualmente importantes e preciosos: a continuidade e a ruptura, o significado manifesto e o que permanece oculto(6) .Os sujeitos pesquisados foram trabalhadores da Justiça do Trabalho, das varas do trabalho de Maceió, que estão diagnosticados como portadores de LER/DORT ou que apresentam sintomas sugestivos de LER/DORT. Esses sujeitos foram escolhidos a partir dos seguintes critérios: estarem conscientes, lúcidos, capazes de relatarem suas experiências e se posicionarem sobre suas vidas antes e depois de serem diagnosticados com LER/DORT. O ambiente da pesquisa se deu dentro do próprio local de trabalho, onde o trabalhador está entre birôs, computadores e mesas, vivendo o momento de ser entrevistado e ao mesmo tempo mostrando como acontece e se dá o seu dia a dia de trabalho.
As informações foram produzidas a partir de uma entrevista semi-estruturada a qual foi realizada com os portadores da referida patologia dentro das dependências do Tribunal Regional do Trabalho de Alagoas. A aproximação dos sujeitos se deu através de visitas aos setores onde os pesquisados trabalham. Identificamos os portadores de LER/DORT com antecedência, uma vez que trabalhamos no Serviço de Saúde do Tribunal e temos contato com todos os funcionários, por “dever de ofício”. Antes de começar, detalhamos os aspectos relativos às condições de sua participação, assegurando-lhes que não haveria riscos para eles, que suas conversas seriam mantidas em sigilo, falamos sobre os benefícios da pesquisa, os quais dizem respeito ao entendimento do que acontece na vida de uma pessoa quando ela sofre de LER/DORT, sendo este trabalho uma contribuição para uma visão/ação da instituição empregadora mais humana para com esses funcionários. Enfim, todas as informações contidas no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foram formalmente colocadas e eles havendo concordado em participar do estudo, assinaram o documento, atendendo assim ao que preconiza a Resolução CNS 196/96.
Entrevistar esses trabalhadores foi uma experiência muito interessante. Os seus relatos nos reportavam seguramente para os nossos próprios trabalhos e nos sensibilizamos com cada um deles. Pudemos verificar como as pessoas reagem diferentemente diante da dor, da perda da capacidade laborativa, tenha sido ela total ou parcial. Em alguns momentos nos surpreendemos com a vontade de alguns de superarem suas dificuldades e como outros preferem recolher-se, buscando preservar seus empregos.
Algumas entrevistas foram curtas, com pessoas muitas fechadas ou donas de um discurso por demais objetivo. Outras foram mais expansivas, produzindo um documento mais rico. Entrevistamos homens e mulheres, de idades mais ou menos aproximadas e cada um foi uma fonte rara de aprendizado. O quadro 1 apresenta as principais características desse grupo de sujeitos.
3. RESULTADOS
Os dados desta pesquisa registrados nas entrevistas transcritas nos permitiram extrair temas, que aglutinaram os depoimentos. Foram eles: a vida do trabalhador antes da LER/DORT, o trabalho que faz LER/DORT, vivendo o calvário em busca do diagnóstico, uma resposta ao trabalho repetitivo, olhos em um novo horizonte.
A vida antes da LER / DORT: percebemos nas entrevistas que as pessoas pesquisadas relatam que tinham uma vida tranqüila, como pode ser verificado nos discursos que se seguem:
Trabalhava em casa fazia todos os serviços domésticos e ainda trabalhava numa Vara na função de protocolo (Trabalhador 1).
…Praticava luta livre, jogava bola, fazia exercícios físicos, e hoje não aço mais…(Trabalhador 5).
…Estudava música no teclado eletrônico e hoje não posso mais fazer isto….(Trabalhador 4).
…Antes das dores pratica voley ball, fazia ginástica e todos os serviços domésticos, o que já não consigo pois me poupo de tudo para render no trabalho (trabalhador 8).
Percebemos assim que os entrevistados viviam suas vidas de forma comum conforme seus hábitos de atividades diárias, cuidavam de seus lares e de seus familiares, pegando peso, exercitando-se, praticando instrumentos musicais enfim, um modo de viver bem, sem dor. Uma vez a doença instalada, este desconforto aumentava, formando aquele jeito de viver numa péssima qualidade de vida.
O presente trabalho apresentou dados de grande importância, pois, demonstraram que o trabalhador acometido por LER/DORT tem sua vida modificada conforme apresentam essas falas:
“Pois não sou a mesma de antes, já não consigo lavar uma calcinha, pôr meu filhinho no colo, escovar os dentes entre outras coisas, tive depressão, fiquei impressionada com a doença e achava que a vida não teria graça, sentindo-me como um vaso quebrado”. (trabalhador 1).
…Hoje passei a usar diariamente no trabalho uma tala de proteção para evitar a dor. (Trabalhador 3)
…Não faço nenhum trabalho doméstico para render no trabalho, depois dessa doença, meu sono não é mais o mesmo, uso remédio antidepressivo, pois passei a ter depressão, passei a ter insônia. (Trabalhador 8)
Estas falas refletem o comportamento dos pacientes acometidos por LER/ DORT, por esta razão Barreto já falava que o apoio psicológico tornou-se bastante necessário no tratamento da LER / DORT principalmente para aqueles pacientes que muitas vezes apresentam componentes ansiosos depressivos, e que são portadores de LER / DORT(7).
Outro tema encontrado foi o trabalho que faz LER/DORT, ou seja a repetição dos movimentos é visível em todas as tarefas desenvolvidas na vara do trabalho tais como: digitar, carimbar, grampear e perfurar.Encontramos este depoimento que sintetiza o pensamento dos trabalhadores:
Depois que vim para trabalhar na Vara é que passei a usar o computador, pois tenho que notificar todos os processos, grampeio, pego e guardo os processos.Sei que o serviço é constante pois todos os processos tem tempo definido par se cumprir os prazos. (Trabalhador 4).
Trabalho no TRT há mais ou menos 6 anos, após o 1° ano comecei a sentir estas dores pois digitava em media ate 25 audiências por dia. (Trabalhador 5).
Este tipo de trabalho é estudado nas ciências da Ergonomia, a qual relata que as melhorias ergonômicas podem se referir a vários aspectos do trabalho: o planejamento e localização de dispositivos e materiais de trabalho: as características do posto, tais como cadeiras, mesas, bancadas; o planejamento e localização de dispositivos e materiais de trabalhos, a quantidade , qualidade e localização da iluminação, indicadores sobre melhoria nas condições de ruído e seu controle, indicações sobre melhoria na organização da atividade, incluído o planejamento de novos dispositivos de trabalho ou modificações nos existentes e alterações no ritmo e conseqüentemente das varias tarefas desempenhadas ´pelo operador(2).
Queremos dizer com isto que a LER/DORT de hoje não é simplesmente uma lesão causada por um esforço repetitivo qualquer, as causas vão além dos sintomas físicos, passam pela organização do trabalho, dificuldades interpessoais bem como os fatores ergonômicos. Não podemos deixar de considerar aqui o lado patronal, pois este também sofre pelo aparecimento exagerado da doença e por também não entender e não aceita-la bem como não aceitar que precisa adotar medidas preventivas capazes de minimizar o problema.
É certo que pacientes com LER/DORT apresentam evidências de depressão, ansiedade e angústia, porém, em geral, trata-se de quadros decorrentes de situações concretas de perda da identidade no trabalho, na família e no círculo social, além da penosidade de se submeter aos tratamentos longos, de resultados lentos e incertos, e perícias nas quais estão sendo constantemente questionados como se estivessem querendo “estar doentes”. Observa-se que pessoas com o problema eram consideradas no trabalho como rápidas, eficientes e às vezes competitivas; porém, acreditamos que essas características são determinadas e/ou reforçadas pela organização do trabalho, o que identificamos com estas falas dos trabalhadores abaixo:
…Minha vida pessoal mudou como um todo completamente inclusive passei a ter depressão…(Trabalhador 5).
…Há muita pressão na sala de audiência, não posso sair nem para ir ao banheiro nem pra tomar água, preciso trabalhar par sobreviver, como também da gratificação, se começo a tirar licença fico sem ela… (Trabalhador 6).
Apesar do reconhecimento dos inúmeros fatores que, combinados, podem refletir no adoecimento por parte do trabalhador, algumas questões individuais, podem facilitar ou predispor o trabalhador ao desenvolvimento de LER / DORT. Isso não quer dizer que é possível descartar a relação entre a doença e o trabalho, significa apenas que alguns fatores podem se somar ao desgaste provocado pelo trabalho, resultando em LER/DORT. Entre estes fatores estão algumas condições patológicas sistêmicas, como o diabetes, situações reumáticas, hipotireoidismo, colagenoses vasculares, tuberculose e infecções(8). A complexa combinação dos fatores contributivos para potencialização de uma determinada atividade de risco, não são raras em muitas situações de trabalho e vão além das linhas de produção e dos setores onde predomina a mão de obra feminina(8).
Vemos assim que o trabalhador já tem dois tipos de situação laboral predisponente, quais sejam: problemas de doenças crônicas degenerativas anteriores e o tipo de trabalho que desenvolvem como tarefas repetitivas, algumas monótonas, muitas vezes exercidas sob pressão ou que exigem esforço físico do braço. Os sujeitos deste estudo se enquadram perfeitamente nesta descrição. Como demonstra o seguinte depoimento:
Trabalho na Vara do Trabalho há mais ou menos 8 anos, só que antes eu trabalhava com máquina de datilografia. Depois que vim para o TRT é que passei a usar o computador, pois tenho que notificar todos os processos da Vara, onde digito, escrevo, grampeio, perfuro, pego e guardo o processo. Sei que o serviço é constante, pois todos os processos têm tempo definido para serem cumprido os prazos (Trabalhador 2).
Considerando a LER / DORT como um fenômeno multifatorial, variam só os fatores que contribuem para sua manifestação na realidade laboral. Utilizamos assim a divisão de grupos, usada por Miranda e Dias(9) em três grandes grupos:
Fatores de Natureza ergonômica – encontramos mesas e cadeiras antiergonômicas, layout inadequado para o tipo de trabalho, inadequação postural frente aos equipamentos do posto de trabalho, manoplas antiergonômicas, exigência física demasiada. Isto se confirma neste discurso:
Trabalho no TRT há 6 anos, após o 1º ano, comecei a sentir estas dores pois digitava em média até 25 audiências por dia, saí da sala de audiência pois fui convidada para ser assistente de diretor, passei a digitar mais, pois continuo pegando muito mais processos. Pego em média,100 processos por dia para digitar, todos os recursos necessários, sei que o trabalho na Vara é como enxugar gelo (Trabalhador 8)”.
Fatores de natureza organizacional e psicossocial – percebemos nesta pesquisa que os fatores do grupo incluem: ausências de pausas, ritmo muito intenso de trabalho, gratificação atrelada ao trabalho, cobrança excessiva na produção e no cumprimento dos prazos, problemas nas relações e interações pessoais, ambientes de trabalho estressante, privação das necessidades fisiológicas. Confirmando as nossas observações nos postos de trabalho, a trabalhadora relata:
Há muita pressão na sala de audiência, não posso sair nem para ir ao banheiro e nem para tomar água, preciso do trabalho para sobreviver, como também da gratificação, pois se começo a tirar licença fico sem ela, e, me programei contando com a gratificação, porém me pergunto até quando vou agüentar?” (Trabalhador 6).
Trabalho numa vara no setor de notificação, pego e recebo processos, digito muito, grampeio,perfuro e tenho que obedecer todos os prazos dos processos que trabalho.( Trabalhador 5).
Trabalho no serviço de digitação do TRT, tenho que atender aos usuários internos e realizar os programas internos também, tudo é pra ontem.(Trabalhador 4).
Fatores de natureza sócio-econômica e cultural: medo de perder a gratificação e prejudicar a coordenação motora, falta de reconhecimento social da doença no ambiente de trabalho, ausência de solidariedade humana. Comprovando estes fatores, a trabalhadora informou:
Fui discriminada no trabalho, ninguém acreditava em mim, passei a ser vista pelas chefias, como se não quisesse trabalhar. (Trabalhador 1).
…Em casa o problema também traz conseqüências chatas, pois não posso colocar meu filho no colo ( Trabalhador 4).
Hoje vivo cheia de remédios e já não posso fazer o que gosto, não posso praticar luta livre como esporte, pois não agüento, fico preocupada porque tenho que cumprir as exigências do trabalho …(Trabalhador 5)
Procuro não fazer nenhum trabalho doméstico para render no trabalho, não jogo vôlei, meu lazer ficou prejudicado não faço musculação minha vida mudou completamente…(Trabalhador 8)
De fato as LER / DORT consistem em distúrbios funcionais ou orgânicos resultantes de fadiga de origem ocupacional resultante de fadiga localizada e afecções dos fatores ocasionados pelas pressões internas ao trabalho, pelas desorganizações internas e externas e pelos fatores psicossociais. Com isso percebemos também que algumas pessoas que nunca tinham trabalhado com tarefas repetitivas ao passarem a realizar essas tarefas começaram a sentir dores.
O reconhecimento público da LER / DORT como patologia associada às condições do trabalho, traz à tona a ponta de um iceberg de dimensões incalculáveis: o de doenças associadas as condições auto agressivas do trabalho, no mundo; o da qualidade de vida humana no trabalho, o dos significados e valores do trabalho na vida humana hoje(9). É bem verdade que no ambiente pesquisado temos de um lado o avanço tecnológico, com a modernização da informática, mas contamos com um agravante que é a pressão exercida pelo cumprimento legal dos prazos jurídicos, sendo este um forte agravante nas mentes dos trabalhadores. Isso implica no reconhecimento de como o trabalho modifica o trabalhador e como é importante a ação do Serviço de Saúde Ocupacional que atua de acordo com a legislação tão duramente conquistada pelos trabalhadores, destinando-se a avaliar situações de risco ou de alteração da saúde no trabalho (embora) atuando prioritariamente na saúde individual a partir da solicitação do trabalhador(10).
Fazendo um retrocesso histórico, podemos dizer que se houve expansão nas tecnologias utilizadas nos trabalhos e oportunidades múltiplas para o ser humano, com o surgimento de novos empregos, bem como oportunidades e uma produção mais acelerada dos bens de consumo, por outro lado trouxe também uma gama de problemas altamente significativos, dentre estes a LER / DORT.
É importante ressaltar que não apenas o trabalho determina a LER/DORT, mas as características individuais dos trabalhadores, como suas posturas inadequadas, pré-disposição genética, peso, a relação com o trabalho entre outras. Percebemos também que algumas características como: perfeccionismo e inadequação de falhar, necessidade de ultrapassar limites, necessidade de reconhecimento, preocupação com produção e prazos a serem cumpridos. Devido a essas características surge o sentimento de culpa de alguns trabalhadores que até não chegam a dizer que estão com dores, por medo de serem taxados de preguiçosos(2).
Quero ser o máximo não gosto de acumular serviço, fico muito ansiosa por todo o trabalho para fica em dia e ficava com vergonha de reclamar no trabalho sobre minhas dores. (Trabalhador 8).
A sintomatização é um recurso usado pelo trabalhador como forma deste externar sua dor, no entanto nem sempre onde ele aponta que esta doendo é realmente o que esta doendo(2). Percebemos isto nesta fala:
Minhas dores começaram nos braços em direção ao pescoço e depois por todo membro. A mão doe sem parar. Todas as articulações das mãos estão inflamadas (Trabalhador 5).
Devido a tudo isto muitos ficam em silencio e não recamam da sua dor.
O outro tema extraído foi o calvário do diagnóstico conforme se vê nos discursos que se seguem:
Fui a vários médicos e o diagnóstico ainda não foi confirmado a única coisa que dizem é que é uma fibromialgia e continuo com as dores e sem dormir (Trabalhador 5).
Só com os agravos dos sintomas é que comecei a procurar um médico e percebi que tudo estava ligado ao trabalho, porém ainda não fui orientada o suficiente sobre a doença, nem o diagnóstico final confirmado (Trabalhador 6).
…Depois de uma não de sintomas fui a um ortopedista que garantiu que iria fica bom depois da cirurgia falto que não aconteceu pois as dores diminuíram mas não fui curado (Trabalhador 4).
Os sintomas apresentados são os mais diversos possíveis tais como: dores musculares, lombares, no ombro, punho, região cervical enfim todos os membros superiores. Como chegam ao diagnóstico afinal? O caminho até este estágio é longo e incerto pois os profissionais ainda não têm muito domínio no diagnostico precoce e rápido.
As patologias músculo-esqueléticas que podem provocar sintomas dolorosos são inúmeras, mas o que ocorre na pratica clinica diária é que dentro do conhecimento cientifico atual, não se consegui ainda diagnosticar a razão etiológica do quadro doloroso na maioria dos pacientes. Apesar dos avanços tecnológicos descobrir a causa da dor pode esta ligada a condição psicossocial enfrentada pelo trabalhador. Encontramos na fala do Entrevistado 6, o reflexo da condição psicossocial que passa o trabalhador:
…Há muita pressão na sala de audiência, não posso sai nem para ir ao banheiro nem para tomar água, preciso do trabalho pra sobreviver, Omo também da gratificação, pois se começo a tirar licenças fico sem ela, e me programei contanto com a gratificação porém me pergunto ate quando vou agüentar? (Trabalhador 6).
Um outro tema encontrado foi uma resposta ao trabalho repetitivo, oque se confirma nesta fala:
No meu setor não senti rejeição pois as pessoas entenderam o problema pelo qual estava passando, em casa o problema também traz conseqüências chatas pois já não posso carregar meu filho no colo, não toco mais órgão, pois este era meu lazer preferido e hoje tenho uma vida limitada devido a doença aparecendo também depressão pois existe a frustração de não poder realizar certas atividades, tive que para a musica, as com uma acentuada queda na digitação no Maximo uma folha posso digitar (Ttrabalhador 4).
Percebe-se assim que o trabalho realizado nas Varas do Trabalho de Maceió associado a todas as condições favoráveis para o aparecimento desta doença provoca Ler//DORT. Uma vez que todos os trabalhadores estão submetidos tanto aos movimentos repetitivos como também aos fatores intrínsecos à organização do trabalho.
Como fez o Trabalhador 4, uma forma de responder ao trabalho repetitivo é respeitar o ritmo que o corpo suporta. Mudar de função poupar-se das atividades repetitivas que puderem ser evitadas, evitar carregar peso e buscar novas atividades compatíveis com suas limitações é uma resposta possível, se associadas a uma revisão dos conceitos pessoais, que lhe permita compreender que a pessoa pode ser útil, necessária e produtiva, mesmo em uma função diferente do que estava habituado. Como já foi dito, o apoio psicológico e o envolvimento terapêutico neste momento são importantes tanto para a pessoa, como para a família, como para a própria empresa que não perde a capacidade produtiva do trabalhador, ao encaminhá-lo para o reconhecimento dos seus outros talentos que ainda estavam ocultos, devolvendo-lhe algum sentido para a vida.
Outro tema encontrado foi “um novo olhar no horizonte”. Com isto queremos dizer que apesar da doença instalada estes trabalhadores podem ser reaproveitados em seus ambientes de trabalho sem nenhum prejuízo financeiro ou de trabalho, pois mudaram suas vida em favor da atividade laboral. Os diversos atores sociais envolvidos neste tema fazem que seja necessário um novo olhar, contando com a participação dos empregadores na busca de solução. É necessário que empregador planeje e desenvolva ações promotoras da melhoria da qualidade de vida do trabalhador, com a participação de seus empregados, sindicatos e profissionais da área da saúde e segurança no trabalho. E não podemos esquecer que a doença foi adquirida nas dependências do ambiente de trabalho:
Agora estou melhor mudei de setor e percebo que as coisas estão melhorando, voltei a estudar, minha coordenação motora está diminuída, pão posso escrever muito, mas vou conseguir superar, quem confia no Senhor vence (Trabalhador 1).
Hoje procurei a yoga e a homeoterapia para estimular e aumentar as minhas defesas porem procurei desenvolver uma melhor qualidade de vida investindo na minha vida fora do trabalho para render cada vez mais dentro dele, pois acredito se estou bem lá fora aqui dentro rendo melhor (Trabalhador 7).
É importante aproveitarmos o conhecimento desses trabalhadores sobre a funcionabilidade do trabalho e com isto evitaremos os treinamentos desnecessários que tanto encarece os cofres das instituições como um todo seja ela pública ou privada. Entendemos assim que a melhor forma de lidar com as LER/DORTs é a prevenção e se detectada precocemente as mudanças na vida do paciente serão menores. Além de criar condições no ambiente para o retorno do paciente o mais breve possível. Existem novos tratamentos , tanto na medicina clássica como a Mesoterapia, utilizada em lesionados sem múltiplas lesões. Em nível de Terapias complementares também existem tratamentos como Do-in, Shiatsu, Acupuntura. Nesta pesquisa aprendemos a não só entender o comportamento apresentado pelos portadores como também a conviver com a uma realidade: o tratamento da LER/DORT é multidisciplinar. Há que se ter vontade de melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores diagnosticados e com isto, resgatar sua cidadania, sendo atingida pelas adversas condições de trabalho oferecidas pelas Varas do Trabalho deste regional.
4. CONCLUSÃO
Este trabalho resultou de uma pergunta nascida nas nossas reflexões sobre o ambiente e as pessoas que estão diariamente conosco no trabalho. Objetivamos analisar se há mudanças na vida do trabalhador quando ele adquire LER/DORT. Para alcançar esse objetivo delineamos um estudo qualitativo e os depoimentos tomados nos permitiram concluir que há mudanças significativas na vida do trabalhador ante e depois do diagnostico da LER/DORT, demonstrando assim o alcance do nosso objetivo.
A mudança na vida dessas pessoas parece estar descritas nos temas que foram extraídos de suas falas e que nos levam a presumir o intenso sofrimento porque passam num processo que os fazem recordar como era sua vida antes da LER/DORT, vidas comuns, preenchidas pelas coisas do cotidiano, participativas, divididas entre o espaço doméstico, o trabalho e o lazer.
As instalações insidiosas da doença ocasionadas pelo trabalho que faz LER/DORT as fizeram mudar o jeito de viver e as levaram a percorrer um calvário, ate a definição do diagnóstico, sendo este calvário representado pelos sintomas, pelo preconceito, pelo medo de perder a função ou gratificação. No entanto, a constatação do estado da doença e da perda da qualidade de vida levou as pessoas a buscarem uma resposta a esse trabalho repetitivo, mudando de função, aprendendo outras formas de viver, retomando os estudos e antigos prazeres abandonados, levando-as a olhar para o futuro em busca de novos horizontes.
A leitura repetida das entrevistas provocou nas pesquisadoras emoções fortes e um alento a mais para enfrentar os desafio de promover na instituição discursos sobre as mudanças que o trabalho impõe ao trabalhador tão bem descritas por Albornoz(11) e Dejours(12), em busca de formas de minimizar os efeitos de um trabalho tão estressante e de efeitos tão insidiosos.
Diante de todos os fatos vividos e mencionados concluímos que, como já se explicou, as causas de LER/DORT são múltiplas e complexas originadas de fatores isolados e conjuntos, mas que exercem seus efeitos de forma simultânea e interligada.
As LER/DORT resultam da superutilização do sistema osteomuscular, instalando-se progressivamente no trabalhador sujeito a fatores de risco técnico-organizacionais. Ao se compreender os mecanismos dessa multicausalidade, percebe-se a necessidade da abordagem global para se prevenir as LER/DORT.
Por fim, as vidas dos trabalhadores acometidas por LER/DORT nas varas do Tribunal Regional do Trabalho de Maceió mudaram consideravelmente. Após o diagnostico da doença, estes passaram a viver de forma que mudaram suas vidas extra trabalho para render mais no ambiente do trabalho. Estas constatações confirmaram nossas advertências de que o tratamento dos doentes acometidos pela LER/DORT deve objetivar, portanto, a exploração dos potenciais remanescentes, a melhora da qualidade de vida e não apenas o controle da dor, pois, apesar do seu alívio permitir melhora da qualidade de vida em significativa parcela dos indivíduos, nem sempre há correlação entre ambas as condições. Componentes biológicos, emocionais e sociais podem estar tão comprometidos devido à prolongada duração da dor que é preciso ter uma avaliação além da dor, considerando todos os fatores mencionados anteriormente. Por fim concluímos que a vida dos portadores da doença nas varas do Tribunal Regional do Trabalho de Maceió mudou significativamente após o diagnóstico da LER/DORT.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS – CONTRIBUIÇÕES PARA A ENFERMAGEM DO TRABALHO
Após toda a revisão de literatura e a análise dos depoimentos tomados consideramos o seguinte: que as autoridades locais, os médicos, enfermeiros e demais profissionais envolvidos no cuidar destes trabalhadores acometidos pela LER/DORT sejam sensíveis e encontrem formas de minimizar as inadequações dos ambientes de trabalhos para que a prevenção da LER/DORT seja proclamada em todos os ambientes deste Regional. Assim sendo os resultados do estudo propõem:
– Que o Tribunal Regional do Trabalho melhore as instalações físicas, elétricas e ergonômicas dos ambientes das Varas de trabalho;
– Conceda a prática da ginástica laboral orientada voltada exclusivamente para prevenção da LER/DORT;
– Que estude e identifique os trabalhadores acometidos pela referida doença juntamente com o setor de saúde local , para que possam ser transferidos sem que haja perda salarial;
– Que nos setores de maiores agravos sejam instalados temporizadores nos microcomputadores para que se dê pausa necessária para o descanso do operador deste;
– Política de sensibilização: dirigida aos chefes, diretores e gerentes, com o objetivo de comprometê-los com a implantação de um programa de prevenção da LER/DORT;
– Política de conscientização: conjunto de tarefas informativas e orientadas visando conscientizar-se o conjunto dos trabalhadores sobre a gravidade das LER, levando-os a desenvolver atitudes prevencionistas. Nesse aspecto, o Programa contém sugestões e orientações sobre mudanças na organização do trabalho, no mobiliário e nos equipamentos, para que sejam atingidas as transformações pretendidas;
– Que sejam dados treinamento internos para melhorar as relações interpessoais;
– Que seja estimulada a criação de grupos da referida patologia para ajudarem na convivência com a doença.
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