Ação popular é um remédio constitucional que permite a qualquer cidadão eleitor obter a invalidade de atos ou contratos administrativos ilegais do Estado, ou de entidade que o Estado participe, lesivos ao patrimônio público, ao patrimônio das entidades autárquicas ou das sociedades de economia mista. Visa, ainda, por expressa recomendação constitucional, à defesa da moralidade administrativa, do meio ambiento e do patrimônio histórico e cultural.
Ação Popular
1. Conceito
O art. 5º, LXXIII, da CF proclama que qualquer cidadão é parte legitima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio publico ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Em outro conceito, ação popular é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter invalidação de atos ou contratos administrativos – ou a estes equiparados- ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos.
2. Finalidade
A ação popular, juntamente com o direito de sufrágio, direito de voto em eleições, plebiscitos e referendos, e ainda a iniciativa popular de lei e o direito de organização e participação de partidos políticos, constituem formas de exercício da soberania popular (CF, arts. 1º a 14), pela qual, na presente hipótese, permite-se ao povo, diretamente, exercer a função fiscalizatória do Poder Público, com base no princípio da legalidade dos atos administrativos e no conceito de que a res pública (República) é patrimônio do povo. A ação popular poderá ser utilizada de forma preventiva (ajuizamento da ação antes da consumação dos efeitos lesivos) ou repressiva (ajuizamento da ação buscando o ressarcimento do dano causado).
Assim sendo, a finalidade da ação popular é a defesa de interesses difusos, reconhecendo-se aos cidadão uti cives e não uti singuli, o direito de promover a defesa de tais interesses.
3. Requisitos
São dois os requisitos para ajuizamento da ação popular:
• requisito subjetivo: somente tem legitimidade para a propositura da ação popular o cidadão;
• requisito objetivo refere-se à natureza do ato ou da omissão do Poder Público a ser impugnado, que deve ser, obrigatoriamente lesivo ao patrimônio público, seja por ilegalidade, seja por imoralidade.
Conforme decidiu o supremo tribunal federal, a ação popular é destinada “a preservar, em função de seu amplo espectro de atuação jurídico-processual, a intangibilidade do patrimônio público e a integridade da moralidade administrativa (cf, art. 5º, LXXIII)”.
4- Objeto
O objeto da ação popular é o combate ao ato ilegal ou imoral e lesivo ao patrimônio público, sem contudo configurar-se a ultima ratio, ou seja, não se exige o esgotamento de todos os meio administrativos e jurídicos de prevenção ou repressão aos atos ilegais ou imorais e lesivos ao patrimônio público para seu ajuizamento.
A Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/65), em seu art. 4º, apesar de definir exemplificativamente os atos com presunção legal de ilegitimidade e lesividade, passíveis , portanto, de ação popular, não excluiu dessa possibilidade todos os atos que contenham vício de forma; ilegalidade do objeto, inexistência dos motivos, desvio de finalidade ou tenham sido praticados por autoridade incompetente (Lei nº 4.717/65, art. 1º).
Ainda em relação ao objeto, Hely Lopes Meirelles aponta que “hoje é ponto pacífico na doutrina e na jurisprudência que não cabe ação popular para invalidar lei em tese, ou seja, a norma geral, abstrata, que apenas estabelece regras de conduta para sua aplicação. Em tais casos, é necessário que a lei renda ensejo a algum ato concreto de execução, para ser atacado pela via popular e declarado ilegítimo e lesivo ao patrimônio publico, se assim o for”.
5. Legitimação ativa
Somente cidadão, seja o brasileiro nato ou naturalizado, inclusive aquele entre 16 e 21 anos, e ainda, o português equiparado, no gozo de seus direitos políticos, possuem legitimação constitucional para a propositura da ação popular. A comprovação da legitimidade será feita com a juntada do título de eleitor (brasileiros) ou do certificado de equiparação e gozo dos direitos civis e políticos e título de eleitor (português equiparado).
Dessa forma, não poderão ingressar em juízo os estrangeiros, as pessoas jurídicas e aqueles que tiverem suspensos ou declarado perdidos seus direitos políticos (CF, art. 15). Porém, se a privação for posterior ao ajuizamento da ação popular, não será obstáculo para seu prosseguimento.
Ressalte-se que, no caso do cidadão menor de 21 anos, por tratar-se de um direito político, tal qual o direito de voto, não há necessidade de assistência.
A legitimação do cidadão é ampla, tendo o direito de ajuizar a ação popular, mesmo que o litígio se verifique em comarca onde ele não possua domicílio eleitoral, sendo irrelevante que o cidadão pertença, ou não, à comunidade a que diga respeito o litígio, pois esse pressuposto não está na lei e nem se assenta em razoáveis fundamentos.
A jurisprudência e a doutrina majoritária entendem que o cidadão, autor da ação popular, age como substituto processual, pois defende em juízo, em nome próprio, um interesse difuso, pertencente à coletividade, pois como ensina Hely Lopes Meirelles, “tal ação é um instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros. Por ela não se amparam direitos individuais próprios, mas sim interesses da comunidade. O beneficiário direto e imediato desta ação não é o autor; é o povo, titular do direito subjetivo ao governo honesto. O cidadão promove em nome da coletividade, no uso de uma prerrogativa cívica que a Constituição Federal lhe outorga”.
Discordamos dessa posição, pois a ação popular, enquanto instrumento de exercício da soberania popular (CF, arts. 1º e 14), pertence ao cidadão, que em face de expressa previsão constitucional teve sua legitimação ordinária ampliada, e, em nome próprio e na defesa de seu direito – participação na vida política do Estado e fiscalização da gerência do patrimônio público -, poderá ingressar em juízo. Canotilho e Moreira, em análise ao mesmo instituto previsto na Constituição da República Portuguesa, prelecionam que “a acção popular traduz-se, por definição, num alargamento da legitimidade processual activa a todos os cidadãos, independentemente do seu interesse individual ou da sua relação específica com os bens ou interesses em causa”.
Assim entende José Afonso da Silva, para quem “a ação popular consiste num instituto de democracia direta, e o cidadão, que a intenta, fá-lo em nome próprio, por direito próprio, na defesa de direito próprio, que é o de sua participação na vida política do Estado, fiscalizando a gestão do patrimônio público, a fim de que esta se conforme com os princípios da legalidade e da moralidade”.
O Ministério Público, enquanto instituição, não possui legitimação para o ingresso de ação popular, porem como parte publica autônoma é incumbido de zelar pela regularidade do processo de promover a responsabilização civil e criminal dos responsáveis pelo ato ilegal e ilesivo ao patrimônio público, manifestando-se, em relação ao mérito, com total independência funcional (CF, art. 127, §1º).
6. Legitimação passiva
Os sujeitos passivos da ação popular são diversos, prevendo a Lei nº 4.717/65, em seu art. 6º, § 2º, a obrigatoriedade de citação das pessoas jurídicas públicas, tanto da Administração direta quanto da indireta, inclusive das empresas públicas e das sociedades de economia mista, ou privadas, em nome das quais foi praticado o ato a ser anulado, e mais as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado pessoalmente o ato ou firmado o contrato impugnado, ou que, por omissos, tiverem dado oportunidade à lesão, como também, os beneficiários diretos do mesmo ato ou contrato.
7. Natureza da decisão
A natureza da decisão na ação popular é desconstitutiva-condenatória, visando tanto à anulação do ato impugnado quanto à condenação dos responsáveis e beneficiários em perdas e danos.
8. Competência
A competência para processar e julgar a ação popular será determinada pela origem do ato a ser anulado, aplicando-se as normais regras constitucionais e legais de competência.
Importante ressaltar que seguindo uma tradição de nosso direito constitucional, não há previsão na Constituição de 1988, de competência originária do Supremo Tribunal Federal, para o processo e julgamento de ações populares, mesmo que propostas em face do Congresso Nacional, de Ministros de Estado ou do próprio Presidente da República, ou das demais autoridades que, em mandado de segurança, estão sob sua jurisdição.
9. Sentença e coisa julgada
As conseqüências da procedência da ação popular são:
• invalidade do ato impugnado;
• condenação dos responsáveis e beneficiários em perdas e danos;
• condenação dos réus à custa e despesas com a ação, bem como honorários advocatícios;
• produção de efeitos de coisa julgada erga omnes.
Por outro lado, quando a ação popular é julgada improcedente, deve-se perquirir a razão da improcedência, para se analisarem seus efeitos. Se a ação popular for julgada improcedente por ser infundada, a sentença produzirá efeitos de coisa julgada erga omnes, permanecendo válido o ato. Porém, se a improcedência decorrer de deficiência probatória, apesar da manutenção da validade do ato impugnado, a decisão de mérito não terá eficácia de coisa julgada erga omnes, havendo possibilidade de ajuizamento de nova ação popular com o mesmo objeto e fundamento, por prevalecer o interesse público de defesa da legalidade e da moralidade administrativas, em busca da verdade real.
Em ambas as hipóteses de improcedência, ficará o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.
A ratio dessa previsão constitucional é impedir a utilização eleitoreira da ação popular, com objetivos político-partidários de desmoralização dos adversários políticos, levianamente.