Quando decidi me matricular no curso de Pós-graduação Cultura, Literatura e História africanas e afro-brasileiras, eu apenas imaginava que pudesse adquirir novos conhecimentos sobre algo que já conhecia e, até então, não considerava uma deturpação da realidade. Eu queria cultura extra. Saber mais. Conhecer. Enxergar. Eram alguns verbos que me situavam neste momento. Pluriculturalidade. Expressão. Religiosidade. Olhar novo. Vida. São vocábulos que definem o que penso atualmente sobre a África.
Sinto que só pude verdadeiramente compreender o continente africano, quando percebi as multifaces de sua cultura. Hoje entendo perfeitamente que houve – e infelizmente ainda há – um equívoco no tratamento referencial relacionado a esse continente e a seu povo. É necessário entender quem olha, a maneira como se olha e, o mais importante, o contexto em que se olha.
Atualmente percebo que os conhecimentos sobre a África, outrora legitimados pelos que detinham todos os saberes, apoiavam-se em um “olhar imperial” que sempre procurou atender aos desejos e aos interesses dos colonizadores. Neste momento passei a entender que o olhar que nós lançarmos sobre a África precisa envolver “ o eu e o outro” para que compreendamos as nossas diferenças e similitudes, a começar pela palavra.
Equívocos, pré-noções e preconceitos sobre a África decorrem, na sua maioria, das lacunas do conhecimento quando não do próprio desconhecimento sobre o referido continente. A África sempre foi analisada pejorativamente. O mais grave dessa deturpação, como já foi citado anteriormente, é que essas idéias estão legitimadas pelos que são considerados mais capazes, como Hegel que, erroneamente, afirma “a África não tem povo, não tem nação, nem Estado, não tem passado, logo, não tem História”.
Durante os módulos até então presenciados, pude romper fronteiras consideradas intransponíveis no que concerne à África para que preconceitos, por longo tempo arraigados, pudessem vir a ser questionados. Presenciei, aqui, um novo método de abordagem sobre a cultura africana de maneira séria e acadêmica.
Consegui, nesses encontros, entender o que julgava estranho, virgem. Como professora de Língua Portuguesa, pude constatar que a história da África está pautada na tradição oral que envolve uma visão peculiar de um mundo considerado como um todo integrado onde seus elementos constitutivos se inter-relacionam e interagem entre si. A palavra africana é sagrada e busca sempre uma unidade.
Uma coisa que Hampâté Ba diz traduz o que sinto quando tento entender a importância da tradição oral para os africanos: “Escuta! Tudo fala. Tudo é palavra. Tudo procura comunicar-nos alguma coisa, um conhecimento ou um modo de ser indefinível, mas misteriosamente enriquecedor e construtivo”.
Sem a sua língua, sem a sua vivacidade, sem a sua energia, sem a sua voz e sem a sua crença, um povo não existe. O povo africano tem tudo isso e muito mais. O povo africano tem comércio. Tem história. Tem “griot”. Tem arte. O povo africano tem cultura que precisa urgentemente ser reconhecida. O povo africano tem mérito. Nada é fechado ou estático na África. Tudo é representativo, simbólico e imbuído de imenso valor.
A cultura africana é a representação de uma realidade intangível, intocável e invisível que reside em um plano superior, muito além da compreensão ocidental comum que nos ensinaram adquirir e aceitar. A África é um continente multifacetado, multicultural e plurigeográfico.
Nesse curso estou tendo a oportunidade de constatar a “urgência e a importância de prestarmos atenção à África como um continente que tem que se inserir como sujeito diferente diante de suas enormes contradições e fragilidades no processo de mundialização que o possa libertar como nações livres e independentes” (PAULO FREIRE, SÉRGIO GUIMARÃES).
Através das exposições feitas por nossos mestres que são pessoas altamente gabaritadas, consegui viajar por esse continente, pois como diz ROUANET “viajar é preciso. A partida reproduz o trauma do nascimento(…) o percurso, travessia biográfica; a chegada, o momento humano por excelência que movimenta todo o processo”. Desejei ardentemente essa viagem fantasiando o novo, com a esperança de chegar e encontrar uma África trajada com novas roupagens, despida de preconceitos obsoletos e vista por quem tem o “olhar de dentro” , isento de interesses colonizadores. “A viagem obriga-nos a sermos outros, a deslocarmo-nos para fora de nós” (MIA COUTO).
A minha presença nesse curso está sendo uma experiência encantadora, significa, para mim, romper com conhecimentos erroneamente transmitidos e implica no desejo de libertar-me de uma visão deturpada e compreender o processo histórico de formação da África como um entrelaçamento de diversas culturas de identidades complexas.
Tudo isso e muitos outros conhecimentos que pretendo adquirir nos próximos módulos, trazem-me a convicção da imensa contribuição que os estudos sobre Cultura, Literatura e História africanas e afro-brasileiras acrescentaram à minha existência, ensinando-me a reconhecer o valor real do continente africano, olhando-o sob um novo prisma. Hoje posso compreender verdadeiramente a influência da cultura africana sobre o meu país e sobre mim mesma. Talvez compreender não seja a palavra mais apropriada. Reconhecer, ou melhor, sentir me parece mais conveniente.
A África é ativa. A África é cultura. A África é força. A África é metonímia. A cultura africana observada nesse “novo olhar” mostrou-me que o mundo e as pessoas podem ser muito maiores do que eu pensava que eles fossem.