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quarta-feira, novembro 20, 2024

ANTROPOLOGIA JURIDICA

A antropologia jurídica nos mostra que outras culturas, africanas ou orientais, descobriram antes de nós suas direções.

A antropologia jurídica se propõe estudar os direitos de culturas não ocidentais e voltar em seguida aos das sociedades ocidentais.

Nossa definição do direito de propriedade pareceriam do mesmo modo estranhos, até mesmo “primitivos”, a grande número de algumas sociedades tradicionais.

A antropologia jurídica nasce realmente no final do século XIX, em pleno triunfo tecnológico e cultural do Ocidente: a Revolução Industrial se propaga na Europa.

Os europeus daquele tempo acreditam no progresso, na civilização cujo Ocidente: o evolucionismo domina as idéias comuns e as ciências sociais. Os primeiros antropólogos do direito postulam que todas as sociedades são submetidas a leis de evolução de rigidez variável, que conduzem da selvageria à civilização.

O primeiro autor dessa linhagem é Sir H. Sumner-Maine (1822-1888) contribui para a codificação do direito indiano empreendida pelos britânicos. Maine busca nos direitos indiano, irlandês e germânico os traços de sua filiação comum. Suas pesquisas o conduzem a formular hipóteses gerais sobre a maneira pela qual evoluíram as sociedades que ele conhece. Passam de um estádio arcaico, desprovido de direito, a um estado tribal, que vê seu nascimento. A partir daí, devem-se distinguir dois tipos de sociedade: as estacionárias, que pararam de evoluir em dado momento, e as progressivas, pouco numerosas e que valorizam o individuo e constituem a ponta extrema da civilização.

Sob seu impulso aparecem os primeiros estudos sobre os direitos africanos, até então deixados de lado em razão da fascinação pelo Oriente. Na mesma época, H. E. Post, começa uma longa série de livros, que culmina com a publicação da Jurisprudência etnológica na qual ele se esforça por ordenar todos os sistemas jurídicos conhecidos segundo os princípios de um evolucionismo rígido. R. Thurnwald pertence à geração seguinte. É também, com B. Malinowski o primeiro antropólogo “moderno”. Até então, os autores trabalhavam largamente como historiadores, a partir de documentos, na calma de seus escritórios.

R. Thurnwald decide perceber as coisas por si mesmo. De 1906 a 1915, permanece na Micronésia, depois na Nova Guiné, B. Malinowski o segue de perto nessa parte do mundo.

A pesquisa in loco é com razão uma fase essencial da formação de um antropólogo. Aproximando-se da fonte do observador, ele lhe dá os meios de interpretá-los com mais fidelidade. A antropologia se edifica, no século XX, sobre bases mais sólidas.

Os antropólogos contestam a noção de progresso, mostrando que foi definida segundo critérios que as beneficiavam. Nos anos 1970, os mais avançados entre eles inverterão completamente o processo tentando mostrar que o progresso se acha mais entre os “primitivos” do que entre nós, tendo aqueles conseguido brecar o fatal encadeamento que leva à divisão política e social, fonte de muitos males.

O século XX vê também outras mudanças. Os anglo-saxões tomam-lhe o lugar e dominam todo esse século com os trabalhos que empreendem na África negra, na Ásia e na própria América.
A antropologia norte-americana reina soberana em toda a área do solucionamento dos conflitos.

Embora a França conte com grande antropólogos, ela sobressai muito tempo sobretudo por seu silêncio em matéria de antropologia jurídica. Mas temos de esperar meados do século para que alguns historiadores fundem realmente a disciplina. Embora desenvolvida muito desigualmente conforme os paises, ela continua fundamentalmente um luxo de paises ricos.

A África negra e a pluralidade do direito

A África negra não tem o monopólio das sociedades tradicionais. Estas existem em toda parte, e o próprio Ocidente contou com muitas delas até um passado recente.

A África, a América pré-colombiana tiveram seus imperitos, e, sentido inverso, o feudalismo europeu oferece aos antropólogos partituras das quais conhecem muitas notas. É antes pelo grau de aumento de complexidade que passa o corte da distinção. Uma sociedade menos complexa não é mais simples ou mais rudimentar do que uma sociedade com estratificação sóciopolítico apurada. Corresponde simplesmente a condições e a escolhas de outra natureza. Podemos considerar em vários níveis esse aumento de complexidade: Econômico, Sociológico, Político, Cultural.

Portanto, semelhanças e diferenças se associam no modo pelo qual essas sociedades pensam o direito. Qual visão as sociedades da África negra têm dele?

Depende largamente de suas crenças religiosas: o invisível deve explicar o visível.

A criação por diferenciação progressiva acarreta o reconhecimento oficial da pluralidade do direito. Nas cosmogonias africanas, diferenciação continua e coerência da criação vão de par: as diferenças tornam solidárias, a divisão social é concebida em termos de complementaridade.

Essa preocupação com a ordem leva a outra construção, igualmente desnorteante para o jurista ocidental: o menor peso das normas, entendidas no sentido de regras gerais e abstratas, que enchem nossos códigos.

No plano jurídico, o conceito de diferenciação explica a desconfiança sentida por essas sociedades pelas legislações uniformizadoras. Atualmente, a maioria dos Estados da África negra vive em situação de pluralismo jurídico.

As legislações ocidentais, introduzindo a filiação indiferenciada, contribuíram em geral para a fragmentação das sociedades tradicionais.

Muitas crenças e os costumes delas decorrentes eram muitos difíceis de ser compreendidos por um europeu. O espaço que o separa das tradições orientais é ainda maior.

A tradição chinesa e a supressão do direito

Praticamente todos os povos do Extremo Oriente partilham uma atitude assombrosa para o europeu: não têm confiança no direito para assegurar a ordem social e a justiça, ainda que tenham adotado, sob a influencia estrangeira, codificações caladas nos modelos ocidentais.

A tradição chinesa pensa outro universo. O mundo é infinito no tempo. O mundo encontra sua coerência na conjunção dos contrários, não se pode pensar a matéria sem o espírito, o racional sem o sensível, a ordem sem a desordem, o bem sem o mal, o yin sem o yang.

Desse universo de pensamento, o direito não está excluído, mas constitui um modo extremamente rudimentar de regulação social.

O direito chinês é acima de tudo penal. Ao direito e ao julgamento, prefere-se de longo o acordo e a conciliação.

A conciliação é facilitada pelo fato de que a educação habitua cada qual a perguntar-se se os conflitos nos quais se encontra envolvido não se originaram por culpa sua.

No inicio do século XX, a China se dotou de códigos inspirados no Ocidente.

Em 1957 Mao pronuncia um discurso em que se discerne facilmente, sob a maquiagem marxista, as categorias do pensamento tradicional. Para ele, existem dois tipos de contradições. As internas ao povo, que podem resolver-se pela reeducação, pela discussão e pela persuasão. As existentes entre o povo e seus inimigos, que se deve esclarecer recorrendo ao direito e às suas punições pela ditadura. Há na China menos de 5 mil advogados para mais de um bilhão de habitantes.

O individualismo nem sempre é de bom-tom, como prova a concepção das liberdades fundamentais.

Para que serve a antropologia jurídica?

O direito tem histórias: a do Ocidente o dota de um sistema de representações especifico. O direito vem de alhures, de uma entidade superior que o dota de sua onipotência.

Admite-se cada vez menos que uma norma pretenda impor-se sem se justificar; a moral é solicitada quando se pretende criar algumas normas em certas áreas.

O Estado já não é o único interprete dessa moral: confia-se de bom grado sua definição à sociedade e às suas emanações, pois os especialistas concordam em reconhecer que esta se liberta cada vez mais do respeito ao direito. Todos esses fenômenos explicam que o direito fique menos claro e estão na origem dos caracteres às vezes contraditórios que se lhe atribuem. Outros inspiram as esperanças em um direito mais humano.

Encontramos ativos em nossa própria sociedade modelos observados alhures ou outrora.

O direito ensinado nas faculdades, oriundo do Estado, não é observado por todos. Nós também vivemos várias lógicas jurídicas. Recorremos ao modelo jurídico estatal ou somos forçados a segui-lo: atos importantes da vida ou comercial. Nem todos os nossos procedimentos são enquadrados pelas diretrizes do Estado.

A oralidade e a reciprocidade representam um grande papel, que qualificamos de “diretas” as relações que nos ligam, as que dão aos direitos das sociedades tradicionais uma boa parte de seus caracteres específicos.

Cada vez que o individuo age no âmbito de uma das comunidades às quais pertence, vemos reaparece os modelos familiares aos antropólogos.

Nas aldeias muitos conflitos são solucionados de modos diferentes do recurso aos tribunais do Estado. Mas essas diferentes comunidades coexistem no interior de uma mesma sociedade global.

O direito estatal, que formula princípios comuns ou intervém quando o direito interno é insuficiente para resolver as dificuldades experimentadas.

As próprias elites burocráticas funcionam em geral segundo esses mesmos modelos “tradicionais”.

A antropologia jurídica nos permite compreender melhor as nossas próprias sociedades. Sua primeira utilidade é descritiva de ordem prospectiva.

Os transplantes de nossos órgãos jurídicos nas outras sociedades com demasiada freqüência terminaram em fracassos para que não sejamos muito prudentes.

Embora diminua a importância do escrito em face de outros modos de comunicação, as relações que temos com o Estado e o poder não são de face a face.

Uma parte considerável do trabalho dos antropólogos do direito consiste em determinar as condições segundo as quais modelos inspirados em sociedades tradicionais podem ser eventualmente aclimatados na França.

Pode-se contribuir para as mutações necessárias, a antropologia atual permite-nos igualmente tornar melhor a medida de nossos desejos.

Alguns temem que na França o consensualismo político-social que resulte na instauração de uma sociedade com duas velocidades, ainda mais dura com os excluídos porque estes figuram ainda mais marginalizados e quase fariam figura de intocáveis modernos.

A antropologia jurídica não oferece soluções muito simples, ela mostra que o direito tem histórias, que às vezes se encontram onde menos se esperava.

Dentre as numerosas pistas de pesquisa que ela sugere, três parecem-me solicitar de maneira mais premente o homem de nosso tempo. A primeira questão concerne às relações entre o direito e o Estado. Depois enfrentamos a questão das relações entre o direito e os valores.

Outras são de todas as idades. Que seremos nós em relação ao mundo vivo e inanimado que nos rodeia, o da natureza.

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