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domingo, dezembro 1, 2024

APLICAÇÃO E EFICÁCIA DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

Do Ato Infracional: aplicação e eficácia das medidas socioeducativas em meio aberto

unlawful acts: application and effectiveness social-educative measures on open environment investigating

RESUMO

A aplicação das medidas socioeducativas e a redução da maioridade penal vêm ocupando posição de destaque na agenda nacional. Tais fatos se devem, primordialmente, ao crescente índice de atos infracionais de grave relevância penal cometidos por adolescentes e à urgência em se equacionar de forma eficiente a aplicação dessas medidas, delimitando competências institucionais, sob o risco de comprometer o conjunto de políticas para infância e juventude. À esses motivos, soma-se o imperativo ético-social de garantir às crianças e adolescentes, autores ou não de atos infracionais, condições e meios para avançar no seu processo de desenvolvimento, atendendo à condição especial em que se encontram enquanto pessoas em fase de construção de sua personalidade. A presente abordagem tem por escopo tecer algumas considerações acerca da aplicação das medidas protetivas em meio aberto, voltando-se especialmente para a comprovação de sua eficácia enquanto medida de recuperação e combate à marginalização do menor infrator.

ABSTRACT

The imposition of social-educative measures and the reduction of penal adulthood have been on top of the national agenda. Such facts are mostly due to the growing rate of unlawful acts with serious penal relevance committed by adolescents as well as to the urgency in efficiently equating the imposition of these referred measures. That implies defining institutional competences under the risk of compromising the set of public policies for childhood and youth. Moreover, a both social and ethical imperative obliges assuring that children and adolescents, whether or not they have had unlawful conduct, are given the necessary means and ways to advance their development process, appropriately regarding their special condition of a not yet completely formed personality. The scope of the present approach is to elaborate some considerations on the application of the educative measures on open environment investigating its efficiency on the recovery of delinquent minors and its effectiveness as a way of hindering their social marginalization.

PALAVRAS-CHAVE: Ato Infracional; Medidas Socioeducativas; Criança e Adolescente; Redução da Maioridade Penal.

KEY WORDS: Unlawful acts; Social-educative measures; Childhood ; Reduction of penal adulthood

INTRODUÇÃO

A partir dos anos 90, questões sociais relacionadas aos segmentos mais vulneráveis da população, como a criança e o adolescente, puderam contar com legislações (CF/88 e ECA/90) e normativas orientadoras para as ações do Estado e da sociedade.

A Constituição Federal inovou em relação à proteção da questão da infância e da juventude e progrediu ao estabelecer uma gama de direitos e respectivos deveres em relação à este segmento da população.

A raiz constitucional da legislação de proteção à infância seguiu o princípio da proteção integral à criança e ao adolescente, atendendo à condição especial em que se encontram enquanto pessoas em fase de desenvolvimento e em construção de sua personalidade.

Esta conquista tornou-se relevante na medida em que a complexidade de alguns fenômenos ganharam vulto no cenário nacional: A adolescência em conflito com a lei, por exemplo, vem mobilizando opiniões conflitantes, em um debate polarizado, ora estigmatizando os adolescentes como puros agentes de violência e crime, ora reconhecendo-os apenas como vítimas de processos econômicos e sociais excludentes.

O artigo 227 do texto da Carta Constitucional ao assegurar uma série de direitos à criança e ao adolescente estabeleceu como obrigados a sociedade, os pais e o Estado. Baseado nessa premissa, o artigo 98 do ECA estabeleceu que sempre que houver violação de direitos por “ação ou omissão da sociedade ou do Estado” ou “dos pais ou responsável” serão aplicadas as medidas de proteção. O inciso III do art. 98 também elenca o próprio comportamento da criança e do adolescente como causa para aplicação das medidas protetivas; não se verificando, necessariamente nesse caso, omissões ou abusos de terceiros. Estas hipóteses correspondem, principalmente, mas não exclusivamente, aos casos de cometimento de atos infracionais, que veremos adiante.

As seis medidas socioeducativas fundadas pelo ECA1 buscam a responsabilização dos jovens por meio de uma graduação que vai da advertência à privação de liberdade e pautam-se em uma concepção da infância e da adolescência plena de direitos. As medidas se dividem em 2 grupos, quais sejam: As medidas em meio aberto, não privativas de liberdade (Advertência, Reparação do dano, Prestação de Serviço à Comunidade e Liberdade Assistida) e as medidas privativas de liberdade ( Semi-liberdade e Internação).

O Sociólogo Marcelo Calombelli 2 define “a nomenclatura medidas de proteção é emblemática na determinação da natureza dessas medidas. A legislação menorista está embasada na doutrina de proteção integral, que reconhece na criança e no adolescente indivíduos portadores de necessidades peculiares, não se olvidando a sua condição de pessoas que se encontram em fase de desenvolvimento psíquico e físico, condição que os coloca merecedores de especial atenção por parte do Estado, da sociedade, dos pais ou responsáveis”.

Um dos pressupostos que norteiam a implantação das medidas socioeducativas em meio aberto é a necessidade de oferecer aos adolescentes que estejam em conflito com a lei condições e meios para que estabeleçam um novo projeto de vida, de cidadania e de ruptura com a prática de atos infracionais. O que se busca garantir é que as políticas de atendimento ao adolescente infrator não se atenham apenas a componentes pedagógicos, mas que possibilitem uma inserção menos desigual na sociedade. Por isso mesmo a implantação de um serviço de execução de medida socioeducativa deve ter como foco o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários dos adolescentes, esforçando-se em integrar ações nas áreas da educação, saúde, lazer e trabalho, evitando uma superposição ou fragmentação dos programas e serviços.

I – A Evolução do Direito da Infância e da Juventude

De acordo com o artigo 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente, considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal e, embora seja descrita como criminosa, não há a configuração de culpa em razão da imputabilidade do adolescente. Dessa forma, a conduta delituosa da criança ou adolescente será denominada de ato infracional, abrangendo tanto o crime como as contravenções penais, as quais constituem um elenco de infrações penais de menor porte que se encontram elencadas na Lei das Contravenções Penais 3..

Atualmente, o que se verifica é um crescente índice de infrações cometidas por jovens, revelando o aumento da crise econômica e a incapacidade estatal de promover o reequilíbrio social. A flagrante falta de apoio conduz essa juventude a adentrar na marginalidade revelando a situação de abandono a que se vê exposta.

O fato é que a responsabilização do menor foi alvo de constantes discussões, desde os tempos mais remotos em todos os sistemas jurídicos. “Admitia-se que o homem não poderia ser responsabilizado pessoalmente pela prática de um ato tido como contrário ao julgamento da sociedade, sem que para isso tivesse alcançado uma certa etapa de seu desenvolvimento mental e social. Contudo, os menores passaram por exaustivos sacrifícios, inclusive tendo que pagar com sua própria vida até garantir uma codificação de seus direitos mais fundamentais ” conforme relata Marcelo Callombelli 2.

Na Grécia Antiga, havia o costume de sacrificar as crianças nascidas com deformidades físicas. Em Esparta, cidade-estado da Grécia antiga que primava pela organização militar de sua sociedade, o infanticídio servia para eliminar aqueles meninos que não renderiam bons soldados. Segundo o Evangelho de Mateus 4, Heródes, rei da Judéia, mandou executar todas as crianças menores de 2 anos, na tentativa de se livrar do já então conhecido rei dos Judeus, o menino Jesus. Vê-se assim que a época do paganismo foi marcada pelas injustiças e agressões aos menores, que não dispunham a esta época da proteção que hoje lhes é conferida.

O marco inicial das garantias às crianças e adolescentes adveio dos dogmas trazidos pelo Cristianismo, que conferiu direitos àqueles, com vistas ao seu bem estar físico e material.

O Direito Romano também exerceu forte influência na formação dos direitos da criança e do adolescente. Trouxemos deles a noção da organização familiar centrada na forte figura do pai, que à época, estava autorizado a matar, maltratar, vender e até mesmo abandonar seus filhos. Ainda assim, o Direito Romano adiantou-se ao estabelecer de forma específica uma legislação penal que distinguia os menores púberes dos impúberes. Para estes, era reservado o discernimento do juiz que, contudo, estava adstrito à obrigação de aplicar-lhes penas bem mais moderadas. Os infantes menores de 7 anos eram considerados absolutamente inimputáveis. Dentre as sanções previstas pelo Direito Romano, estavam a obrigação de reparar o dano e o açoite, sendo, contudo, proibida a pena de morte, como se extrai da Lei das XII tábuas, assim explicitada por MEIRA 3 ( 1972. P. 168-171)

“Tábua II

Dos julgamentos e dos furtos

Se ainda não atingida a puberdade, que seja fustigado com varas, a critério do pretor, e que indenize o dano.

Tábua VII

Dos delitos

Se o autor do dano é impúbere, que seja fustigado a critério do pretor e indenize o prejuízo”

Já na Idade Média, havia a determinação da impossibilidade de serem os adultos punidos pelos crimes que foram por eles praticados na infância.

No final do século XVIII, através da promulgação do Código Civil Francês , houve o aparecimento das primeiras medidas reeducativas e o sistema de atenuação das penas com aspecto recuperativo. Entretanto, foi na Declaração de Genebra, em 1924, que houve a primeira manifestação internacional neste sentido, seguindo-se da Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente que fora adotada pela ONU no ano de 1959.

A Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente estabeleceu onze princípios em consideração à imaturidade física e mental da criança e do adolescente, evidenciando a necessidade de sua proteção legal.

Em 1979, a declaração do Ato Internacional da Criança proclamou o texto da Convenção dos Direitos da Criança, obrigando, no ano de 1989, que os países signatários se adequassem às normas internacionais previstas.

Por fim, em 1990, é sancionada no Brasil a Lei 8.069, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente, considerada uma das mais modernas legislações menoristas do mundo.

O Estatuto da Criança e do Adolescente alterou significativamente as possibilidades de intervenção do Estado na vida das crianças e jovens, estabelecendo, por exemplo, à restrição estabelecida quanto à aplicação da medida de internação, que a partir de então, passou a ser restrita aos casos de cometimento infracional, aplicando-o como último recurso 7 .

Desde a promulgação do Estatuto, houve uma crescente participação do 3º setor nas políticas sociais, consubstanciando um grande esforço do setor governamental e não-governamental na tentativa de sua implementação. A constituição dos Conselhos dos Direitos, uma das normativas da política de atendimento apregoada na lei, determinou que a formulação das políticas para a infância e a juventude fosse realizada por um grupo formado paritariamente por membros representantes de instituições governamentais e membros representantes de organizações da sociedade civil.

Com a promulgação do Estatuto, o conceito sustentado pelas práticas do Código de Menores deu lugar à noção de “formação para a cidadania” . Neste sentido, adotou-se a idéia de regeneração do adolescente, buscando sobretudo, nas palavras de Mário Otoboni (“Cristo sorrindo no Cárcere”, Edições Paulinas, 3ª ed., 1983) :
Preparar o homem para voltar ao convívio social do que abandoná-lo à própria sorte, nos fundos de uma cela, onde, ao final da pena, sua presença na comunidade passa a representar seríssimo perigo pelo aumento da periculosidade que o convívio carcerário propicia .

Contudo, muito ainda há de ser feito para que a implementação do ECA possa ser considerada satisfatória no nosso país. A concepção de “recuperação ” agora é pautada nas diretrizes da descentralização, flexibilidade e parceria. Acenam para a modernidade técnica, onde o exercício da cidadania plena é a razão de ser das instituições que atendem adolescentes com medidas socioeducativas.

Antonio Carlos Gomes da Costa, em texto intitulado “O Desfio da Implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente” 6 , denomina de “salto triplo” os três pulos necessários à efetiva implementação da lei. São eles:
1.Mudanças no panorama legal: os municípios e estados precisam se adaptar à nova realidade legal. Muitos deles ainda não contam, em suas leis municipais, com os conselhos e fundos para a infância.

2.Ordenamento e reordenamento institucional: colocar em prática as novas institucionalidades trazidas pelo ECA: conselhos dos direitos, conselhos tutelares, fundos, instituições que executam as medidas socioeducativas e articulação das redes locais de proteção integral.

3.Melhoria nas formas de atenção direita: É preciso aqui “mudar a maneira de ver, entender e agir” dos profissionais que trabalham diretamente com as crianças e adolescentes”. Estes profissionais são historicamente marcados pelas práticas assistencialistas, corretivas e muitas vezes repressoras, presentes por longo tempo na historia das práticas sociais do Brasil.

E conclui “há ainda um longo caminho a ser percorrido antes que se atinja um estado de garantia plena de direitos com instituições sólidas e mecanismos operantes. No entanto, pode-se dizer com tranqüilidade que avanços importantes vêm ocorrendo nos últimos anos, e que isto tem um valor ainda mais significativo se contextualizado a partir da própria história brasileira, uma história atravessada mais pelo autoritarismo que pelo fortalecimento de instituições democráticas. Neste sentido, a luta pelos direitos humanos no Brasil é ainda uma luta em curso, merecedora da perseverança e obstinação de todos os que acreditam que um mundo melhor para todos é possível” 6.

II – A inimputabilidade como Cláusula Pétrea

De acordo com o artigo 3º do ECA, a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais à pessoa humana, sendo-lhes assegurado todas as oportunidades e facilidades, a fim de facultar o seu desenvolvimento em condições de dignidade e devendo tais direitos ser observados com absoluta prioridade.

Não obstante o ECA ter representado um avanço, ganha força a tese que defende a redução da maioridade penal para 16 anos como forma de combate à crescente criminalidade juvenil, inclusive no meio jurídico.

Os meios de comunicação, importantes formadores de opinião, dispensam enorme espaço em seus noticiários às rebeliões e fugas ocorridas nos centros de internação, aos adolescentes que apresentam maior periculosidade e aos atos infracionais que causam maior repercussão na população.

Inicialmente, cabe lembrar que, ao prever em seu artigo 228, a inimputabilidade aos dezoito anos de idade, a Constituição Federal no Capitulo dos Direitos Sociais deixou claro que este artigo constitui um direito ou seja, uma garantia individual inerente à criança e ao adolescente, inalienável, intransferível, inegociável, indisponível e imprescritível. E sendo a inimputabilidade classificada como um direito social de segunda geração e elevada a categoria de garantia individual da criança e do adolescente, mister se faz sua integral e permanente proteção para salvaguardar e garantir a efetividades de suas garantias constitucionais.

“Art. 228 – São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial”

No Brasil, a fixação da imputabilidade penal é opção apoiada em critérios de política criminal, conforme se depreende da justificativa constante na exposição de motivos da Lei 7209/84 12:

Manteve o Projeto a inimputabilidade penal ao menos de 18 anos. Trata-se de opção apoiada em critérios de Política Criminal. Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação de caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal. De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinqüente, menor de 18 anos, do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento de delinqüente adulto, expondo-o à contaminação carcerária.

No que tange à questão da inimputabilidade como Cláusula Pétrea, a Constituição Federal em seu artigo 60, § 4º preceitua que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: inciso IV, os direitos e garantias individuais. Esses Direitos são aqueles garantidos por nossa constituição escrita, inerentes a pessoa humana, são os direitos naturais, resultado também do exercício da Democracia representativa.

Assim embora o artigo 5º traga um rol exaustivo com LXXVII incisos prescrevendo os direitos individuais e coletivos, esse rol não é taxativo, pois as garantias individuais não se encontrarem restritos ao rol do artigo 5º, resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caráter individual dispersos no texto na Carta magna.

Basta para tanto analisarmos o artigo 228 da Constituição Federal e veremos dentro do Capítulo dos direitos sociais que a inimputabilidade penal aos 18 anos de idade constitui uma garantia individual, conforme descrito pelo Professor José Barroso Filho 8 , em seu artigo Do ato infracional:

Se a inimputabilidade penal aos 18 anos de idade é um direito social e constituiu um direito individual, inerente à criança e ao adolescente, que deve ter seus direitos observados com absoluta prioridade, logo se conclui que a inimputabilidade penal aos 18 anos constitui uma “clausula Pétrea” uma clausula imodificável da constituição. Portanto, qualquer modificação a ser feita neste aspecto somente é possível constitucionalmente através de um poder constituinte Originário, que é inicial, ilimitado e incondicionado.

III- Medidas Socioeducativas em meio aberto: Aplicação e Eficácia

De modo geral, pode-se dizer que as orientações vigentes para o atendimento de adolescentes a quem se atribui a autoria do ato infracional apontam para uma prática pedagógica com ênfase na educação, em sentido lato. São priorizadas atividades de educação formal, atividades de lazer, culturais e de iniciação ou formação profissional – “trabalho educativo”- que estimulam potencialidades e favorecem a autonomia do adolescentes, de modo que não sejam meramente utilizadas para ocupação do tempo ocioso, mas que sejam planejadas e compartilhadas de forma participativa.

As medidas socioeducativas são aplicáveis aos adolescentes autores de ato infracional, apurada sua responsabilidade após o devido processo legal 13 .

Pode ser aplicadas cumulativamente, ou seja, há a possibilidade de cumprimento simultâneo de duas medidas socioeducativas, aplicadas por uma mesma sentença ou por sentenças diversas, conforme regra trazida no art. 99, combinado com o art. 113 do ECA.

Devido a peculiar situação dos adolescentes, pessoas em desenvolvimento, a lei previu também a possibilidade de substituição, ou seja, a troca de uma medida socioeducativa por outra ao longo do processo de execução, independente de novo ato infracional, decorrente de fatores internos à própria medida.

Existem as seguintes possibilidades: a) Progressão que é substituição de uma medida mais severa por outra menos severa e se dará pelos méritos do socioeducando, através da reavaliação, ou pelo decurso do prazo estabelecido no art. 121 do ECA; b) Regressão, contrário da Progressão; c) Alteração, que representa a troca de uma medida em meio aberto por outra de igual severidade e se dará quando há a aferição de um fato novo, surgido após a sentença, que revele maior adequação de uma medida às necessidades pedagógicas do socioeducando do que a outra em curso.

Todas estas questões reclamam a regulamentação através de uma lei de execução, procurando afastar a indesejável discricionariedade no julgamento de cada caso.

4.1 – Da Advertência:

Por ser a mais branda das medidas, é indicada nos casos de adolescentes sem histórico infracional e nas infrações de natureza e conseqüências leves.

Consiste na admoestação solene feita pela autoridade judicial ao infrator em audiência, na presença dos pais ou responsável, que poderão, por sua vez, serem inseridos no atendimento, caso necessário, com a aplicação das medidas previstas no art. 129 do ECA.

Para a aplicação dessa medida, deverá estar comprovada a materialidade e haver indícios de autoria.

Existe a corrente que defende, muito acertadamente, a aplicação da advertência também às crianças autoras de ato infracional:

Sem embargo, seria desejável que o legislador tivesse previsto a aplicação à criança infratora da medida de advertência(…) que constitui medida muito positiva, capaz, inclusive, de produzir melhores frutos quando aplicada a uma criança do que a um adolescente.14

4.2 – Da obrigação de reparar o dano:

A medida de obrigação de reparar o dano é prevista para os casos de infrações com reflexos patrimoniais. Assim, quando os antecedentes do adolescente, sua intenção de recuperação e disponibilidades, física ou financeira, lhe favoreçam, haverá a possibilidade de determinar ao infrator três hipóteses de satisfação da obrigação, a saber: a restituição da coisa, o ressarcimento do prejuízo e a compensação do prejuízo por qualquer meio.

Dada a sua natureza, deverá ser aplicada em audiência, na qual o adolescente deverá estar acompanhado pelos pais ou responsável e assistido por advogado.

O acordo só terá validade se contar com a anuência do adolescente, nos termos do art. 112, § 2º do ECA. Se o adolescente ou seus pais não puderem cumprir a obrigação imposta, a medida poderá ser substituída por outra adequada.

4.3 – Da prestação de serviços à comunidade

Consiste na realização de tarefas gratuitas e de interesse geral, afastado o trabalho forçado, por período não superior a 6 meses.

O Serviço de prestação de serviço à comunidade propicia ao adolescente em conflito com a lei a oportunidade de um corte um sua trajetória, favorecendo condições para que construa outros laços e aposte em novos caminhos.

No contexto dessa medida, é fundamental que o adolescente possa perceber-se como capaz de inserir-se nos grupos sociais mediante ações positivas. O serviço também possibilita aos adolescentes em conflito com a lei as condições de assistência e orientação para o cumprimento da determinação judicial, garantido os aspectos de proteção, segurança e valorização da vida em sociedade.

Explorar as potencialidade, as competências e habilidades dos adolescentes estimulando-os positivamente para que usem novas formas de expressão e de valor sobre si mesmo, deve ser o objetivo primeiro, no relacionamento com os mesmos.

Para execução desse serviço é necessária a articulação de uma rede de entidades e instituições parceiras que ao compartilhar dos pressupostos teóricos que orientam a prática irão ofertar postos de trabalho/atividades significativas para o adolescente. Além da definição de uma atividade socioeducativa, é identificado, na instituição/entidade o profissional que será responsável pelo acompanhamento desse adolescente durante o cumprimento da medida no estabelecimento.

O convívio do adolescente nessas entidades, em processo de cooperação e assistência, tem um significado pessoal e social . Por vezes, os adolescentes apresentam um desempenho tão satisfatório que, após o término da medida, acabam sendo contratados para trabalharem nesses locais:

Inserida num contexto comunitário abrangente ( entidades assistenciais, hospitais, escolas, programas comunitários, governamentais, etc) a medida possibilita o alargamento da própria visão do bem público e do valor da relação comunitária, cujo contexto deve estar inserido numa verdadeira praxis, onde os valores de dignidade, cidadania, trabalho, escola, relação comunitária e justiça social não para alguns, mas para todos, sejam cultivados durante sua aplicação 15

4.3.1- Aspectos Práticos: Em Belo Horizonte, no ano de 2003, a Vara da Infância e da Juventude encaminhou 88116 adolescentes para cumprimento dessa medida, sendo 1.234 entidades conveniadas. Só este ano já foram encaminhados 345 adolescentes, gerando uma sobrecarga nas comunidades onde há um elevado número de infratores. Como são encaminhados para locais próximos de suas comunidades, existem unidades com a capacidade esgotada, atendendo até 6 adolescentes. Isto gera ociosidade, pois não há tarefas para todos, levando a perda do objetivo da medida.

Nádia Queiroz17 esclarece também: “ Muitos adolescentes aos quais é aplicada a medida não tem perfil psicológico adequado a nenhuma instituição parceira e acabam expondo-as a riscos e até a atos infracionais ainda mais graves do que os cometidos anteriormente à sentença, tais como: furtos de receituários nos centros de saúde, vandalismos, atentado ao pudor no interior das instituições, ameaças aos profissionais das instituições ( na maioria dos casos, são ameaçados para que confirmem o cumprimento da medida). Tudo isto leva a reclamações e cria resistência nas instituições em receber novos encaminhamentos”.

4.4 – Liberdade Assistida:

A medida de Liberdade Assistida consiste no acompanhamento, auxílio e orientação ao adolescente, por profissional capacitado, visando a sua perfeita integração familiar e comunitária.

O cumprimento se dá pelo desempenho, ou seja, a estratégia pedagógica é definida e redefinida conforme as necessidades demonstradas pelo socioeducando ao longo do processo socioeducativo e de cuja assimilação de conteúdo pelo jovem depende a averiguação do cumprimento. Não é medida privativa de liberdade mas sim, restritiva de direitos.

A aplicação da medida se dá em audiência, na qual o Juiz estipulará as condições a serem cumpridas pelos socioeducandos e fiscalizadas pelo orientador, cujas funções estão dispostas no art. 119/ ECA.

Controvérsia comum se apresenta sobre o tempo de cumprimento: A lei diz que a medida deverá ser fixada pelo prazo mínimo de 6 meses e, após, afirma que ela pode ser revogada a qualquer tempo, o que, poderia parecer um contra-senso.

Entretanto, nos parece que a primeira parte é um comando para o juiz e o termo usado é “fixação”, não se falando, por exemplo, que “o tempo de cumprimento deve ser de, no mínimo, 6 meses”.

Como é, talvez, medida na qual o caráter educativo é muito mais evidente que o punitivo e, desde que atingido o fim pedagógico, poderá ser revogada, mesmo antes do prazo de 6 meses, ou seja “a qualquer tempo” , conforme disposto no art. 118, § 2º/ECA.

Para tanto, o Serviço de Liberdade Assistida tem como objetivos:

a)Criar condições para que o adolescente em medida de Liberdade Assistida construa um projeto de vida que contemple a ruptura com a prática do ato infracional;

b)Estabelecer com o adolescente um contrato preciso sobre as possibilidades e limites de ajuda que irá encontrar e sobre as normas que regulam seu período de permanência em Liberdade Assistida; estabelecendo com a família um contrato de ajuda mútua em torno das necessidades dos adolescentes e os limites que o cumprimento da medida continuada impõe;

c)Mobilizar lideranças e organizações não-governamentais para inserção dos jovens na própria comunidade; viabilizando alternativas comunitárias para a profissionalização e geração de renda;

d)Desenvolver uma experiência referência no atendimento ao adolescente infrator que possa contribuir, com um atendimento de qualidade, condizente com os princípios da cidadania, dignidade e justiça social;

e)Inserir e acompanhar o adolescente na vida escolar;

f)Desenvolver no adolescente a confiança e a capacidade de reflexão sobre suas vivências, dificuldades e ação na sociedade;

g)Avaliar periodicamente com o adolescente o seu percurso no cumprimento da medida de Liberdade Assistida.

NOTAS

1- Estatuto da Criança e do Adolescente – art. 101.

2- Aspectos da aplicação das medidas protetivas e socioeducativas do Estatuto da Criança e do Adolescente: teoria e prática – elaborado em 08/2004 – disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5993 . Acesso em 04/05/2008.

3 – MEIRA, Silvio B. A Lei das XII Tábuas ( 1972. P. 168-171).

4- Ver art. 228, da CF/88: “São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Decreto-Lei N.° 3.688, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941- Lei de Contravenções Penais “ A Contravenção Penal é o ato ilícito de menos importância que o crime, e que só acarreta a seu autor a pena de multa ou prisão simples.”

5– Evangelho de Mateus, Cap. 2.16 – “A Matança dos Inocentes”.

6- O pedagogo Antonio Carlos Gomes da Costa, em texto intitulado “O Desafio da Implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente”. Em “É possível mudar: a criança, o adolescente e a família na política social do município”. Editora Malheiros, 1993. Foi responsável pela administração da Febem, de Ouro Preto e do Estado de Minas Gerais, foi oficial de projetos do Unicef e da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Trabalhou como perito no Comitê dos Direitos da Criança da ONU, em Genebra (Suíça) e participou, no Brasil, do grupo de redação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

7- Apelação Cível nº 70002669521, 7ª Câmara Cível do TJRS, Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis. 22.08.2001. Des. José Carlos Giorgis,. CONTRA, admitindo que a exclusão da ilicitude afasta a aplicação de medida socioeducativa, dentre outros: “ECA. ATO INFRACIONAL. HOMICÍDIO. MEDIDA EXTREMA. A aplicação de medida extrema ao infrator justifica-se quando restam comprovadas a materialidade e autoria do homicídio, bem como afastada a hipótese do jovem ter agido em legítima defesa. Apelo improvido.”

8 – José Barroso Filho, magistrado da Justiça Militar Federal, professor universitário, doutorando em Administração Pública pela Universidad Complutense de Madrid (Espanha), mestre em Direito pela UFBA, especialista em Direito Público pela UNIFACS, pós-graduado pela Escola Judicial Edésio Fernandes/MG e pela Escola de Formação de Magistrados/BA

9 – Art. 201,ECA in verbis:
Compete ao Ministério Público:

VIII – Zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.

10 – Art. 100, §3º, ECA in verbis:

§3 – A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo.

11- O STJ decidiu que “As Medidas socioeducativas perdem a razão de ser com o decurso do tempo. Consequentemente, a fortiori, tratando-se de menores, é de ser aplicado o instituto da prescrição” ( Recurso Especial nº 241477/SP, 5º Turma do STJ, Rel. Min. Félix Fischer. J. 08/06/2000, Publ. DJU 14/08/2000 p.191)

12 – Lei 7209 de 11 de julho de 1984. “ Conhecida como Reforma da Parte Geral do Código Penal”. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá outras providências.

13 – Art. 112, ECA- in verbis:

I-Advertência;
II-Obrigação de reparar o dano;
III-Prestação de serviços à comunidade;
IV-Liberdade Assistida;
V-Semiliberdade
VI-Internação

14- DESA. Áurea Pimentel – cit. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, comentários jurídicos e sociais.

15- Augusto César da Luz Cavalcanti – CRISP/UFMG.

16- Nota emitida pela Vara Infracional da Infância e Juventude de Belo Horizonte/MG, no dia 02 de junho de 2008.

17- Nádia Queiroz Sales – Comissária de Justiça, Coordenadora do SOFES, órgão da Vara da Infância e Juventude de Belo Horizonte, responsável pela fiscalização da medida de prestação de serviços à comunidade.

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