Para ver a primeira parte desse trabalho clique aqui
3 – A FAMÍLIA DA CRIANÇA COM SÍNDROME DE DOWN
A família é a primeira constituição social do qual uma criança faz parte.
“A família é conceituada como um conjunto de pessoas, que possuem vínculos afetivos/efetivos podendo ou não ser ambíguos. Fruto da constituição social a qual se integra diferenciando cultural e socialmente. Considerada centro integral de convivência de pessoas onde às necessidades são providas pelos membros integrantes uniformemente de forma, a manter a representação social da família”. LACERDA (1997, p. 44).
O nascimento de uma criança é um acontecimento de grande importância na família. A concepção de um filho com algum tipo de deficiência é um fato que inexiste nas consciências dos pais que esperam por uma criança, uma vez, que nossa sociedade cultua os padrões de normalidade. Assim sendo, o nascimento de um filho com Síndrome de Down geralmente causa desespero, dúvidas, conflitos, angústias e frustrações, contrariando às expectativas criadas acerca do filho normal pelo qual esperavam.
A forma como a notícia é transmitida a um casal, que concebeu uma criança com Síndrome de Down, é de grande importância, porque pode influenciar em sua relação inicial com a criança, fazendo-os agir de forma negativa ou fantasiosa e assim dificultando o processo de aceitação da criança.
Embora o núcleo familiar possa ser informado a respeito da deficiência do filho ainda no período gestacional, é a partir do diagnóstico da criança deficiente que a dinâmica familiar fica abalada e irá passar por várias fases no decorrer do crescimento desta criança.. ROJA (1993, p.5).
A partir do nascimento de um filho diferente do desejado, a família terá de se adaptar a uma nova realidade e enfrentar problemas e situações que até então lhes eram desconhecidas, pois terão uma rotina que com certeza será mais intensa do que a de uma família com um criança sem a Síndrome.
Lefévre (1981) em seu estudo de seguimento de mais de 350 crianças com Síndrome de Down e de apoio a inúmeras famílias que enfrentaram o desafio de criá-las, observou que o nascimento de uma criança com esta Síndrome desperta várias reações em seus pais; a descrença nos primeiros dias; a confusão, durante os primeiros meses, a incerteza e até a hostilidade contra o mundo. Com o passar dos anos surge uma esperança e se desenvolve o interesse pela criança e, aos poucos vai surgindo certa tranquilidade em relação ao problema á medida que a criança começa a falar e aprender a fazer algumas coisas sozinha. Entre esses sentimentos surge também a agressividade ou a teimosia diante da surpresa e a insegurança quando novos problemas se delineiam.
Esta insegurança aparece muito clara no depoimento de um pai de criança com Síndrome de Down:
O pai excepcional é o grande esquecido e sozinho. Quando este pai procura apoio não está querendo um “muleta” mas uma ajuda para continuar vivendo e promovendo a vida de seu filho. A criança precisa se sentir segura nas suas atitudes. Os amigos são críticos e conhecem soluções, espiritismo, remédios milagrosos, mas não dão a segurança necessária. LEFÉVRE (1981, p.15).
Bowlby (1993), afirma que a existência de uma criança com Síndrome de Down representa uma ruptura para os pais. Vistos como um projeção dos pais, esses filhos representam a perda de sonhos e esperanças gerando sentimento de luto e de incapacidade.
Estes pais, após o impacto da notícia catastrófica que lhes remeteram ao diferencial do filho, vivenciam um período caracterizado pela elaboração de inúmeras representações acerca de seus bebês. Representações estas, oriundas basicamente da cultura no qual estão inseridas, uma vez que a grande maioria dos pais nunca teve contato direto com a Síndrome de Down antes do nascimento do filho.
As representações portanto, são mecanismos que podem aparecer em forma de conceitos, afirmações, explicações, comportamentos e estereótipos dos quais o homem se utiliza para compreender um fenômeno (no caso a Síndrome de Down) e apropriar-se do mundo real objetivando tornar familiar à sua consciência aquilo que não lhe é familiar.
Como nos diz Rodrigues (1983, p.12), “os sistemas de representação atuam como uma grade que se estende sobre o mundo, buscando classificá-lo, codificá-lo e transformar suas dimensões sensíveis em dimensões inteligíveis”.
A Síndrome de Down foi associada, por mais de um século, à condição de inferioridade. Apesar do conhecimento acumulado sobre a Síndrome e das informações acessíveis, o estigma ainda está presente e influência a imagem que os pais constróem de sua criança.
Segundo Casarin citado por Schwatzman (2003), as famílias diferem em sua reação do nascimento da criança com Síndrome de Down. Algumas passam por um período de crise aguda, recuperando-se gradativamente. Outras tem mais dificuldade e desenvolvem uma situação crônica.
Para Bowlby (1993), existe um processo de luto, quando do nascimento de uma criança com Síndrome de Down, que envolvem quatro fases. Na primeira fase, há um entorpecimento com o choque e descrença. Na segunda, aparece ansiedade e protesto, com manifestações de emoções fortes e desejo de recuperar a pessoa perdida. A terceira se caracteriza pela desesperança com o reconhecimento da imutabilidade da perda. E, finalmente, a quarta fase traz um recuperação, com gradativa aceitação da mudança. Segundo o mesmo autor a segunda fase, é diferente, pois a criança está viva; os pais protestam contra o diagnóstico e prognóstico.
Em relação ao luto, a reação dos pais foi organizada em cinco estágios, segundo Casarin in Schwartzman (2003), citado por Drotar e colaboradores e Gath.
1º- Reação de choque. As primeiras imagens que os pais formam da criança são baseadas nos significados anteriormente atribuídos à deficiência.
2º – Negação da Síndrome. Os pais tentam acreditar num possível erro de diagnóstico, associando traços da Síndrome a traços familiares. Essa fase pode ajudar no primeiro momento, levando os pais a tratar a criança de forma mais natural, mas quando se prolonga, compromete o relacionamento com a criança real.
3º – Reação emocional intensa. Nessa fase, a certeza do diagnóstico gera emoções e sentimentos diversos: tristeza pela perda do bebê imaginado, raiva, ansiedade, insegurança pelo desconhecido, impotência diante de uma situação insustentável.
4º – Redução da ansiedade e da insegurança. As reações do bebê ajudam a compreender melhor a situação, já que ele não é tão estranho e diferente quanto os pais pensavam no início. Começa a existir uma possibilidade de ligação afetiva.
5º – Reorganização da família com a inclusão da criança com Síndrome de Down. Para conseguirem reorganizar-se, os pais devem ressignificar a deficiência e encontrar algumas respostas para suas dúvidas.
Na maioria das famílias, ocorre a aproximação entre seus membros, mas, embora o relacionamento seja próximo, há pouca abertura e pouca consciência das dificuldades.
Ainda que o choque seja inevitável, a maioria das famílias supera a crise e atinge um equilíbrio. A ajuda e a mediação de profissionais podem minimizar o impacto mostrando as possibilidades, e não somente os aspectos negativos, o que ajuda os pais a adquirir uma visão mais ampla da situação.
Muitas mães procuram orientação sobre a forma correta de tratar seus filhos com Síndrome de Down e necessitam da palavra de um profissional. Entretanto, a convivência envolve o aspecto afetivo, que gera conflitos de difícil solução para os quais não há respostas prontas. Para uma intervenção familiar, devem ser levadas em conta as informações relacionadas às características da criança, assim como mudar as percepções dos pais a respeito das necessidades dela, reavaliando suas crenças e valores. Também não se pode esquecer de considerar fatores que protegem as famílias dos impactos negativos na criação de seus filhos com atraso no desenvolvimento e que são aspectos importantes na mediação para enfrentar com êxito o problema, tais como: propiciar melhores relações familiares, criar estilos de reação adequados ante ao estresse, ampliar a rede de apoio aos pais.
Berger (apud RODRIGO & PALÁCIOS, 1998) propõe algumas considerações sobre a função do profissional na mediação da família na tarefa de educar seus filhos com atraso no desenvolvimento:
• Ajudar a enfrentar a educação da criança depois de superado o choque inicial, harmonizando as preferências e estilos educativos dos pais com um nível ótimo de interação familiar.
• Motivar os pais a propiciar estimulação sensorial, motora e comunicativa precoce. Isso é benéfico não só para a criança, mas também para os pais, porque é uma das primeiras experiências de interação e pode ajudar a vencer suas incertezas e inibições. Nessa interação é preciso tomar cuidado para que os pais não abusem de reforços externos para estimular a criança, tornando-a dependente deles, nem usem estimulação contínua, que atrapalha a interação natural.
• Ensinar aos pais a adotar uma atitude mais relaxada e recíproca. É necessário que a diretividade que caracteriza a interação seja acompanhada de maior sensibilidade e sincronização com as necessidades da criança. Por outro lado, é preciso que modifiquem suas estratégias conforme a criança evolui. Os profissionais devem ajudar a estabelecer interações positivas que sejam desfrutadas tanto pelos pais quanto pelas crianças, para evitar que se convertam em situações de aprendizagem cansativas e pouco agradáveis.
• Proporcionar boas orientações aos pais com respeito à interação com a criança; para tanto, é necessário conhecer as crenças dos pais sobre seu papel. Se acreditarem que seu papel é ensinar a criança, corrigirão seus erros e o uso inadequado dos jogos, impedindo a criança de explorar ao seu gosto. Porém, se crerem que seu papel é de mediador na aprendizagem, proporcionarão à criança oportunidades de experimentar, de cometer erros e de desfrutar do momento.
• Conhecer a organização e estruturação da vida cotidiana familiar. O objetivo do profissional não é modificar radicalmente a rotina diária, mas conhecê-la e aproveitar essa informação para introduzir novos elementos, ou adaptar os já utilizados, para conseguir melhor organização. Deve ser levado em conta e respeitado o estilo natural dos pais ao organizar suas atividades para favorecer o desenvolvimento de seus filhos.
• Conscientizar as famílias para que vejam como um fato natural pedir ajuda aos profissionais em sua interação com a criança com atraso no desenvolvimento. Essa ajuda deve ocorrer não só nos primeiros momentos de adaptação à criança, mas também em outros momentos de seu desenvolvimento, pois as necessidades que estas manifestam vão mudando com o passar do tempo.
As famílias que são atendidas fortalecem-se a partir do momento que tem seus problemas compartilhados, sentem-se ouvidas e apoiadas. Conscientizam-se de que há formas de melhorar a qualidade de suas vidas e a de seus filhos, modificam posturas, transformam o relacionamento com seus filhos, estabelecem novas formas de interação e, finalmente, conseguem identificar potenciais, habilidades e capacidades na criança, passando a incluí-la definitivamente no grupo familiar.
3.1 – O papel da família no processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança com Síndrome de Down.
A família é o apoio, a sustentação, fonte de afeto e moral, de formação de valores tão necessários para a formação humana de todas as pessoas e essa importância fica ainda maior nas famílias em que os filhos apresentam algum tipo de anomalia, como é o caso da Síndrome de Down, pois essas crianças precisam de cuidados especiais indispensáveis para o seu desenvolvimento. É na relação com a família que a criança cresce, se desenvolve e aprende a se relacionar com o mundo que o cerca. Os pais não podem mudar a condição genética de seus filhos, mas podem e devem proporcionar a ela tudo de que ela precisa, amor e um ambiente necessário para desenvolver todo o seu potencial.
De acordo com Buscaglia (1993) o papel da família é oferecer um campo de treinamento seguro, onde as crianças possam aprender a ser humanas, a amar, a formar sua personalidade única, a desenvolver sua auto-imagem, e a relacionar-se com a sociedade da qual e para a qual nascem.
Segundo Kaloustian (1988), a família é o lugar indispensável para a garantia da sobrevivência e da proteção integral dos filhos e demais membros, independentemente do arranjo familiar ou da forma como vêm se estruturando. É a família que propicia os aportes afetivos e sobretudo materiais necessários ao desenvolvimento e bem-estar dos seus componentes. Ela desempenha um papel decisivo na educação formal e informal, é em seu espaço que são absorvidos os valores éticos e humanitários, e onde se aprofundam os laços de solidariedade. É também em seu interior que se constróem as marcas entre as gerações e são observados valores culturais.
Gokhale (1980), acrescenta que a família não é somente o berço da cultura e a base da sociedade futura, mas é também o centro da vida social. A educação bem sucedida da criança na família é que vai servir de apoio à sua criatividade e ao seu comportamento produtivo quando for adulto. A família tem sido, é e será a influência mais poderosa para o desenvolvimento da personalidade e do caráter das pessoas.
De acordo com Vygotsky (1988a, p. 99), “desde o início do desenvolvimento da criança, suas atividades adquirem um significado próprio dentro do contexto social em que vive”. Enfatiza a importância dos processos de aprendizado, que, segundo ele, desde o nascimento, estão relacionados ao desenvolvimento da criança. Os primeiros anos de vida de uma criança constituem um período crítico em seu desenvolvimento e aprendizagem, e o papel que a família desempenha nesse período é de fundamental importância.
A estimulação na fase inicial da vida é extremamente importante para o desenvolvimento da criança com Síndrome de Down, minimiza algumas dificuldades, na primeira infância, que poderão trazer sérias conseqüências futuras. Pois no período da primeira infância, o cérebro humano é altamente flexível. O trabalho de estimulação precoce procura propiciar o desenvolvimento do potencial da criança. Porém, segundo Casarin citado por Schwartzman (2003), observa-se uma ambigüidade: os pais estimulam, mas não acreditam no desenvolvimento e mantêm a pessoa com Síndrome de Down como uma eterna criança. Isso compromete a possibilidade de exploração e ampliação das representações que a criança pode fazer do ambiente. O alto grau de diretividade manifestado pelas mães pode ser resultado de sua adaptação às peculiaridades de seus filhos, devido ao baixo nível de participação da criança, ou também ao desejo dessas mães em mudar o comportamento seus filhos.
A família, desorganizada pela presença da Síndrome de Down, encontra alívio na intensa atividade de estimulação, mas muitas vezes essa atividade pode tomar o lugar do relacionamento afetivo e da disponibilidade da mãe em perceber e interagir com a criança. Mães que conseguem manter a ligação afetiva, estreita e positiva com a criança favorecem a aprendizagem, proporcionando condições de desenvolvimento e de segurança para sua independência e autonomia.
Para Rodrigo & Palácios (1998), o desenvolvimento das crianças com deficiência mental não depende só do grau em que são afetadas intelectualmente, pois numa visão mais sistêmica considera-se vários fatores, nos quais afetando o desenvolvimento, dos quais o principal é o ambiente familiar.
Mannoni (1991, p. 42) enfatiza neste sentido:
O que para mim constitui um problema é a diversidade muito grande de êxito escolar e social nestas crianças com QI insuficiente. Cada criança tem sua história particular que afeta todo seu futuro humano. O contexto afetivo foi descuidado durante anos por conta de uma orientação baseada estritamente num fator quantitativo da deficiência.
Segundo Bowlby (1989), há uma complementaridade entre o comportamento do bebê e a pessoa que cuida dele. A família, em especial a mãe, que reconhece a dependência da criança e se adapta às suas necessidades, oferece oportunidades para o bebê progredir no sentido da integração, do acúmulo de experiências, enfim, do desenvolvimento. São as primeiras experiências emocionais e de aprendizagem, vivenciadas nas relações com os pais, que serão responsáveis pela formação da identidade e, em grande parte, pelo desenvolvimento da criança.
De acordo com Melero (1999), no caso das crianças com Síndrome de Down, essas primeiras experiências podem ficar comprometidas pelo impacto que a notícia de ter um filho com essa Síndrome produz na família. Tal impacto pode dificultar que a mãe tenha reações, de acordo com sua sensibilidade natural, impedindo que as primeiras experiências ocorram satisfatoriamente.2
Para Casarin citado por Schwartzman (2003), além da condição de anomalia da qual é portadora, a criança com Síndrome de Down tem ainda a conseqüência secundária dessa condição, pois a dificuldade de uma ligação afetiva adequada entre a mãe e a criança pode afetar suas possibilidades de desenvolvimento.
A qualidade da interação que os pais estabelecem com a criança, produz efeitos importantes no desenvolvimento das áreas cognitivas, lingüísticas e socioemocionais da criança com Síndrome de Down.
A nossa sociedade tem dificuldade para conviver com as diferenças, isolando na maioria das vezes a pessoa com deficiência, pois cada um de nós carrega idéias preconcebidas em relação às pessoas com deficiência, o que influencia nas atitudes e na interação com elas. São muitas as situações pelas quais a sociedade mostra sua insensibilidade, falta de conhecimento, rejeição e preconceito em relação à deficiência. Os efeitos desses sentimentos refletem sobre a família que recebe uma criança com Síndrome de Down, e tais atuações podem ser reveladas ou não.
A superproteção dos pais em relação à criança pode influenciar de forma negativa no processo de desenvolvimento da criança e normalmente estes se concentram suas atenções nas deficiências da criança de modo que os fracassos recebem mais atenção que os sucessos e a criança fica limitada nas possibilidades que promovem a independência e a interação social. “As habilidades de autonomia pessoal e social proporcionam melhor qualidade de vida, pois favorecem a relação, a independência, interação, satisfação pessoal e atitudes positivas”. BOWLBY (1997, p 25).
A sociedade necessita de um amplo e contínuo esclarecimento em relação às crianças com Síndrome de Down, para que mudanças aconteçam fortalecendo as famílias e proporcionando a elas condições de interagir.
A criança com Síndrome de Down deve ser educada e disciplinada como qualquer outra criança. Os pais devem ensinar-lhe os limites, não permitindo que ela faça tudo que quiser. Será necessário maior cuidado e atenção, pois a criança demorará mais para aprender a andar, falar, ler, escrever, etc.
Os pais devem ser pacientes e insistir porque a criança vai progredir, embora em seu próprio ritmo. Clínicas, instituições e escolas especializadas oferecem programas de estimulação para criança com Síndrome de Down, que poderão orientá-los nos exercícios específicos.
Para Knobel (1992), a família é um dos grupos primários da nossa sociedade, em que o ser humano vive e se desenvolve. Nessa interação familiar, configura-se precocemente a personalidade, com suas características sociais, éticas, morais e cívicas. Portanto, tornasse importante incluir a família no processo educacional e terapêutico da criança. Por mais que a escola e os profissionais se esforcem no sentido de promover o desenvolvimento da criança com Síndrome de Down, seus esforços serão bastante limitados se não incluírem, tanto em sua filosofia educacional quanto em sua prática de ação, uma orientação aos pais.
Para Stelling (1996, p. 68) “a orientação de pais deve ser mais do que aconselhá-los. Cabe à escola definir os papéis, tanto da família, quanto da própria escola, enquanto colaboradores do processo educativo”. Há de se permitir aos pais um conhecimento bastante amplo de modo simples para que socializem com este universo de conhecimento. A orientação familiar deve buscar a mudança de comportamento dos pais, a mobilização e o engajamento nas tarefas que lhe competem executar.
A educação das crianças com Síndrome de Down deve ser vista num contexto mais amplo do que apenas escolar ou terapêutico. Os profissionais devem proporcionar tanto apoio prático como emocional às famílias. Os pais devem sentir que podem discutir suas dificuldades, compartilhar suas ansiedades e, principalmente, que podem confiar.
Acreditamos que a adequada educação permanente das crianças com Síndrome de Down, pelos familiares, seja um dos principais alvos que a maioria dos profissionais que atende essas crianças pretende alcançar. “As características próprias de cada núcleo familiar devem ser respeitadas para um bom termo no processo de orientação das famílias”. D’ANTINO (1998, p. 35).
Quanto mais estruturada emocionalmente for a família, com relações afetivas satisfatórias, convivências de trocas verdadeiras, e quanto mais precocemente puder ser informada e orientada, tanto maior será sua possibilidade de reestruturação de funções e papéis e, consequentemente, de facilitação do processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a fecundação do óvulo pelo espermatozóide inicia-se a formação de um novo ser. Cromossomos do pai juntam-se com os da mãe e forma uma nova pessoa. Neste processo, pode ocorrer uma combinação diferenciada de cromossomos acarretando o que chamamos de Síndrome de Down. Geneticamente ela se define como a trissomia do cromossomo 21, que deveria ter dois pares de cromossomos e neste caso possui três.
A Síndrome de Down conhecida hoje como resultado de uma alteração genética foi ignorada durante muito tempo, seus portadores negligenciados e vistos da mesma forma que os outros, também, considerados deficientes. Procurava-se escondê-los, afastá-los da convivência social. Esse quadro pessimista e desumano persistiu durante muito tempo, influenciando na percepção que se mantinha sobre tais pessoas, tão carregada de maus prognósticos e com tão poucas perspectivas de aprendizagem e desenvolvimento. Nas últimas décadas, a partir dos avanços científicos, este quadro gradativamente vem sendo alterado. Essas pessoas passam a ser percebidas sob um enfoque mais humanizado. A repercussão no desenvolvimento, na aprendizagem e no comportamento deles vem desencadear indagações objetivas em torno das preocupações sobre as possibilidades de poderem atender às expectativas da sociedade, como pessoas e como cidadãos.
Quando nasce uma criança com Sídrome de Down, a maioria dos pais vivenciam sentimentos esmagadores de choque e incredulidade.
A relação familiar, principalmente entre pais e filhos sempre se mostrou de muita importância, sobremaneira nas famílias em que os filhos são portadores de algum tipo de deficiência, como é o caso da Síndrome de Down, pois nas pessoas com esta Síndrome a estimulação dos pais produz um melhor desenvolvimento físico, motor e psicológico e consequentemente uma melhor relação dessa pessoa com o mundo a sua volta.
É evidente, também, a necessidade de um apoio psicológico a essas famílias, elaborado com base nas interações familiares, o que facilitaria o processo de integração da criança de forma mais adequada, principalmente, se este apoio vir de programas de intervenção direcionados a essa população específica.
Concluímos que os pais que aceitam bem o filho, apesar de suas limitações diferentes das crianças consideradas “normais” ajudam na sua estimulação social e pessoal e consequentemente proporcionam a essas crianças um melhor desenvolvimento físico, motor e psicossocial.
A cooperação dos pais constitui um dos principais fatores para o êxito do processo de desenvolvimento e aprendizagem destas crianças. Quando não há esta colaboração, dificilmente estas crianças conseguirão atingir um desenvolvimento satisfatório; perto de toda a sua capacidade.
Todos esperaram que no futuro o conhecimento do valor da pessoa com Sídrome de Down não seja só da “boca para fora”, mas que lhe seja oferecida uma posição na qual se respeita seus direitos e privilégios como cidadão de uma sociedade democrática, na qual se preserve, verdadeiramente, sua dignidade. A sociedade deve se dar conta de que os indivíduos com Sídrome de Down são pessoas dignas, independentemente de suas realizações limitadas na área de desempenho acadêmico, e, assim sendo, têm necessidades, desejos e esperanças que merecem ser reconhecidos.
Acredita-se que o futuro da criança com Síndrome de Down pode vir a ser cada vez melhor devido às pesquisas e descobertas. Hoje, estas pessoas já provaram que tem capacidades para ter um bom desempenho na escola, no trabalho e na sociedade. No entanto , elas só terão chance de conquistar seu espaço e sua independência se os familiares e profissionais trabalharem juntos no sentido de conscientizar a sociedade de suas obrigações. Só assim, a pessoa com Síndrome de Down terá seus direitos garantidos, como qualquer outra pessoa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEE, Helen. A Criança em Desenvolvimento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
BOWLBY, J. Apego e perda. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
BOWLBY, J. Formação e rompimento dos laços afetivos. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BOWLBY, J. Uma base segura: aplicações clínicas da teoria do apego. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
BUSCAGLIA, L. F. Os deficientes e seus pais. Um desafio ao aconselhamento. Rio de Janeiro: Record, 1993
D’ANTINO, M. E. F. A máscara e o rosto da instituição especializada. São Paulo: Memnon, 1998.
FERNÁNDEZ. A. A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da criança e da família. Porto Alegre: Artes médicas, 1991.
FERREIRA, Aurélio Buarque de H. Miniaurelio século XXI escolar: o minidicionário da língua portuguesa. 7º. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteiras, 2002.
FONSECA, Vitor da. Introdução às dificuldades de aprendizagem. 2ª ed. Revista e aumentada.. Porto Alegre: Artes Médica, 1995.
GALLAHUE, D.L.. Estratégias de Ensino- Aprendizagem da modalidade tênis de campo para portadores de Síndrome de Down Congresso Brasileiro e Encontro Latino-Americano sobre Sídrome de Down (I e II, 1997, Brasília) Anais, Brasília, FNDE,1997.
GOKHALE, S.D. A Família Desaparecerá? In Revista Debates Sociais nº 30, ano XVI. Rio de Janeiro, CBSSIS, 1980.
KALOUSTIAN, S.M. Família Brasileira, a Base de Tudo. São Paulo: Cortez; Brasília. UNICEF, 1988.
KNOBEL, M. Orientação familiar. São Paulo: Papirus, 1992.
LACERDA, M. R. O cuidado transpessoal de enfermagem no contexto familiar. Revista Cogitare Enfermagem. Curitiba. v.2, n. 1, p.44-49. 1997.
LEFÈVRE, Beatriz H. Mongolismo orientação para famílias. São Paulo, Ed. Almed, 1981.
MAGILL, R. Aprendizagem motora: conceitos e aplicações. São Paulo: Edgard Blucher, 1984.
MANNONI, M. A criança retardada e a mãe. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
MELERO, M. L.. Aprendiendo a conocer a las personas con síndrome de Down. Málaga: Ediciones Aljibe, 1999.
PIAGET, J. Epistemologia Genética. São Paulo, Martins Fontes, 1990.
PUESCHEL, S. M. Sídrome de Down – Guia para pais e educadores. 8a. ed. Campinas, São Paulo: Papirus, 2003.
RODRIGO, M. J. & PALÁCIOS, J. Família y desarrolo humano. Madri: Alianza Editorial, 1998.
RODRIGUES, J. C. Tabu do Corpo. Rio de Janeiro: Achiamé, 1983.
RODRIGUES, Marlene. Psicologia educacional: uma crônica do desenvolvimento humano. São Paulo, McGraw-Hill do Brasil, 1976.
ROJA, A A .A família e o excepcional. Revista Mensal da APAE, v. 20, n. 71, out-dez. 1993.
RUBISTEIN, E. A especificidade do diagnóstico psicopedagógico. In: SISTO, F. et al. Atuação psicopedagógica e aprendizagem escolar. Petrópolis: Vozes, 1996.
SCHWARTZAN, J. S. Síndrome de Down. 2ª. ed.. São Paulo: Memnon: Mackenzie, 2003.
SOARES, Dulce Consuelo R. Os vínculos como passaporte da aprendizagem: um encontro D’EUS. Rio de Janeiro, Caravansarai, 2003.
STELLING, E. O aluno surdo e sua família. Seminário repensando a educação da pessoa surda. INES, Divisão de Estudos e Pesquisa. Rio de Janeiro, 1996.
VYGOTSKY, L. Semenovick. A formação social da mente. 6ª ed. Martins Fontes. São Paulo, 1991.
VYGOTSKY, L. Semenovick. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo, Icone, 1988a.
VYGOTSKY, L. Semenovick. Pensamento e linguagem. São Paulo, Martins Fontes, 1988b.
VYGOTSKY, Lev.Semenovick. Algumas idéias sobre o desenvolvimento e o jogo infantil. Zilma de Morais. Séries Idéias. nº 2, São Paulo: FDE, 1994.
WERNECK, Cláudia. Muito Prazer, eu existo. 2a. ed.. Rio de Janeiro: WVA, 1993.
ZAUSMER, Elizabeth. Estimulação precoce do desenvolvimento. In PUESCHEL, S. M. Sídrome de Down – Guia para pais e educadores. 8a. ed. Campinas, SP: Papirus. 2003.
A participação da família
É de se esperar que esta tarefa de educar uma mesma criança de forma compartilhada, a partir de contextos tão diferentes como a casa e a creche, acabem fazendo com que surjam dificuldades e conflitos.
Costuma-se ouvir as seguintes reclamações:
• “Os pais não respeitam as regras que a creche pede que sejam seguidas.
• Os pais têm comportamentos não desejados pelos professores, tais como: não confiam quando o professor diz algo em relação às crianças.
• Os pais educam mal as crianças em casa, isto é, permitem que a criança coma só o que ela quer; acostumam a criança a dormir no colo; quando a criança chora e faz birra, cedem aos seus desejos.
É preciso compreender que esse relacionamento pais-professores envolve alguns sentimentos característicos, tais como: medo dos julgamentos, disputas sobre quem conhece melhor a criança, sentimento de culpa dos pais e, de outro lado, superioridade dos professores.
Mesmo que difícil, espera-se que a creche consiga promover entre professores e pais uma integração, uma colaboração mútua que passa pela confiança e pelo confiança e pelo conhecimento, com o objetivo de facilitar o desenvolvimento harmônico das crianças.
CONHECER A CRIANÇA à Está falando do conhecimento progressivo e mútuo, comprometimento em auxiliar e orientar pais e professores na busca de uma compreensão mais ampla da criança. Acredita-se que esta relação entre os pais, as mães e os professores contribuir para que todos se sintam colaboradores e interessados em oferecer a melhor educação para a criança.
ESTABELECER CRITERIOS EDUCATIVOS COMUNS à Este conhecimento compartilhado entre pais e professores vai permitir que sejam estabelecidos critérios educativos comuns. É importante que existam acordos com relação a determinadas proibições e permissões. Esta coerência irá contribuir para o desenvolvimento da criança.
OFERECER MODELOS DE INTERVENÇÃO E DE RELAÇÃO COM AS CRIANÇAS à É comum os pais ficarem impressionados quando presenciam seu filho guardando os brinquedos, obedecendo prontamente o professor e tendo outras atitudes que não costuma ter em casa.
AJUDAR A CONHECER A FUNÇÃO EDUCATIVA DA CRECHE à É fundamental que as famílias tenham a oportunidade de saber como é o funcionamento da creche/pré-escola e que possam reconhecer e valorizar o profissional da educação, em especial, aquele que tem conhecimentos específicos para educar crianças pequenas. Existem diferentes maneiras de os pais participarem, de se envolvem no trabalho da creche.
Formas de trabalho da creche com a família
FORMAS INDIVIDUAIS à Para conhecer melhor cada família, seu modo de vida, o sistema de educação da criança; para estabelecer a compreensão mútua e a confiança necessária, os professores das creches e pré-escolas podem utilizar algumas formas de trabalho individual com os pais, tais como:
• A entrevista antes da inserção da criança;
• Os contatos informais e cotidianos;
• As entrevistas solicitadas.
Os contatos informais e cotidianos são importantes por várias razões, pois permitem um conhecimento progressivo das pessoas que estão envolvidas com a educação; ajudam os pais a tranqüilizarem-se a verem com segurança a permanência do seu filho na creche e, ainda, a própria criança pode ver que as pessoas adultas significativas para ela têm coisas a conversar, relacionam-se. As entrevistas solicitadas podem acontecer sempre que a creche/pré-escola ou a família sentirem necessidade de discutir algum assunto específico de maneira mais detalhada.
Porque é preciso fazer a entrevista?
As finalidades mais habituais são: compartilhar a visão sobre a criança; informar os pais sobre a evolução que a criança está seguindo na creche; chegar a acordos com a família para reconduzir o processo de aprendizagem da criança.
FORMAS COLETIVAS à De qualquer forma, as reuniões precisam ser bem planejadas: anunciadas previamente, em horários minimamente adequados para os pais e profissionais, definindo duração, linguagem adequada, exemplos práticos, entre outros pontos.
OUTRAS FORMAS DE PARTICIPAÇÃO DOS PAIS à Um deles é por meio da representação dos pais nos Conselhos ou Associações. Pode-se permitir que os pais vejam e conheçam os seguintes pontos;
• Os projetos e trabalhos realizados pelas crianças;
• Calendário das atividades especiais de um determinado período;
• Informações relativas ao quadro de pessoal com as devidas qualificações;
• Informações relativas à estrutura e ao funcionamento da creche;
• Avisos importantes;
• Indicação de peças de teatro ou outro evento interessante para as crianças e as famílias.
As cadernetas servem para que família e professores possam trocar informações diárias, independentemente da possibilidade de encontro pessoal.
Os pais podem participar vindo falar para as crianças sobre o seu trabalho, ou ajudar na confecção de fantasias, contribuir com idéias para a organização de uma peça de teatro e participando de festas como: bingo, bazar, baile, festa junina, entre outras.