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domingo, dezembro 22, 2024

AQÜIFERO GUARANI

Águas subterrâneas também estão em risco

A contaminação da água doce que circula pelo planeta é cada vez maior, seja causada por agrotóxicos e fertilizantes químicos usados na agricultura, por resíduos de processos industriais, por esgotos domésticos e por lixões, sem esquecer dos dejetos químicos de produtos empregados na mineração.

Com a poluição das águas de superfície, a humanidade passou a se abastecer em grande parte das águas subterrâneas. Um bilhão e meio de habitantes de centros urbanos do mundo dependem totalmente delas para sobreviver. No Brasil, 80% das cidades do Centro-Sul já são abastecidas pelas águas tiradas das profundezas subterrâneas.

Mas essas as reservas estão diminuindo em todo o planeta de forma impressionante, em especial no Oriente Médio e na África. Elas não se renovam com a velocidade da extração feita pelo ser humano. Na Europa, 50% das cidades convivem com a ameaça, num futuro próximo, de falta de água. Elas precisam dos depósitos sob a terra e os exploram acima da capacidade de reposição natural que eles têm.

O que são os aqüíferos
Por esse cenário, crescem em importância os aqüíferos. Eles são grandes depósitos subterrâneos de água alimentados pelas chuvas que se infiltram no subsolo. Por sua vez, alimentam mananciais de água na superfície e formam lagoas, rios ou pântanos. Não custa recapitular: só cerca de 3% de toda a água do planeta é doce. Mais ou menos a terça parte disso (30,1%) existe em reservatórios no subsolo.

Muitas pessoas pensam que os aqüíferos são grandes bolsões subterrâneos encapados em rocha e cheios de água. Não é assim na maioria das vezes. A água costuma preencher os espaços entre os sedimentos arenosos, como se fosse em uma tigela com com areia e água misturados, ou se infiltra pelas fraturas, ou rachaduras, das rochas – pense em uma imensa esponja que absorve a água e você vai ter a idéia mais próxima do que é um aqüífero. Apenas em alguns casos a água fica armazenada em bolsões, quando ela dissolve as rochas.

O Guarani
O aqüífero Guarani é o principal manancial de água doce da América do Sul, formado entre 200 milhões e 132 milhões de anos atrás, nos períodos Triássico, Jurássico e Cretáceo Inferior . Imagine só: oito estados brasileiros, mais o Norte da Argentina e do Uruguai, e parte do Paraguai se assentam sobre esse oceano de água doce, numa área de 1,2 milhão de quilômetros quadrados – o que faz dele o maior reservatório de água subterrânea transnacional do mundo.

E a maior parte dele fica em território brasileiro – são dois terços da área total, nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Só em um desses estados, São Paulo, o Guarani é explorado em mais de mil poços – e a maioria deles fica numa área de recarga do aqüífero, isto é, na região de 17 mil quilômetros quadrados em que ele se recarrega com a infiltração das águas das chuvas.

Prevenção e cuidados
Especialistas alertam que essa área é a mais vulnerável e precisa ter sua exploração supervisionada por programas ambientais que previnam a poluição da água subterrânea e também seu esgotamento.

Outro cuidado necessário por parte de uma política governamental é evitar que fertilizantes químicos e pesticidas utilizados na agricultura dessa região contaminem os lençóis freáticos. Só para recordar: lençol freático é a parte superior de um depósito subterrâneo de água.

De acordo com estudos da Universidade da Água, a poluição dos aqüíferos superiores que ocorre, no Brasil, Paraguai, Uruguai ou Argentina, poderá contaminar a água que é extraída dos poços profundos, “até mesmo quando estão localizados nos seus setores confinados”.

Mas nem só de subsolo vive um aqüífero: embora tenha camadas com profundidades que variam entre 50 metros e 1.800 metros, ele também surge na superfície, em afloramentos – e nesses locais o risco de contaminação com agrotóxicos é muito maior.

Uma das propostas apresentadas no Projeto de Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Aqüífero Guarani – organizado pelas nações em que ele está presente – proíbe a agricultura que usa fertilizantes e pesticidas, como a da cana-de-açúcar, nos locais de afloramentos, como na região de Botucatu, em São Paulo. Podem ainda ser criadas áreas de restrição para novas perfurações.

Homenagem à nação indígena
Batizado primeiramente de aqüífero Botucatu (hoje o nome de um reservatório menor, em São Paulo), o Guarani foi totalmente mapeado nos anos 1970, quando companhias petrolíferas fizeram prospeção dos terrenos em que ele se encontra e definiram sua extensão.

O nome definitivo, Guarani, foi dado pelo geólogo uruguaio Danilo Anton em homenagem à nação indígena que habitava a região desde antes da chegada dos europeus ao continente sul americano.

Diamantes não são vitais
O canadense Marq Villiers, autor de “Água: Como o Uso do Precioso Recurso Natural Poderá Acarretar a Mais Séria Crise do Século 21 (Ediouro, 2002), calcula que – se todos os recursos hídricos disponíveis para consumo fossem espalhados sobre o globo – formariam uma piscina em que uma pessoa com 1,82 m de altura poderia caminhar sem se afogar.

“O esgotamento dos lençóis freáticos é uma das grandes crises invisíveis mas ameaçadoras que o planeta enfrenta, com todas as suas implicações de queda na oferta de alimentos, miséria humana, fome, conflitos e guerra”, alerta.

Adam Smith, economista escocês autor de “Riqueza das Nações” (1776) e considerado pai do liberalismo econômico, criticava o fato de diamantes valerem tanto e a água – tão essencial para a vida no planeta como o ar que respiramos – não valer coisa alguma. Quase três séculos depois, algo está mudando: os diamantes ainda custam fortunas, mas a água de qualidade – ou o acesso a ela – já está em vias de valer muito mais.

Exploração irresponsável
Entre outros exemplos da irresponsabilidade humana em relação aos cada vez mais escassos recursos hídricos, podem ser citados os que seguem:

O aqüífero de Ogallala, no Arizona, nos Estados Unidos, pode desaparecer: já perdeu o equivalente a 18 vezes o volume do rio Colorado por causa da irrigação de áreas extensas na agricultura da região das Grandes Planícies;

Na Líbia, a exploração dos lençóis subterrâneos para irrigar as plantações já secou muitos dos poços de onde se extrai a água;

Na Tailândia, a retirada da água subterrânea faz algumas áreas da capital, Bangcoc, afundarem cerca de 14 centímetros por ano. É que as rochas do subsolo que servem de sustentação diminuem de tamanho quando ficam secas, e o solo cede. Para piorar, como a região é de litoral, o espaço deixado pela água doce retirada é preenchido por água salgada, inutilizando os lençóis subterrâneos para o consumo;

Na Indonésia, a exploração desenfreada dos aqüíferos fez o mar avançar cerca de 15 quilômetros para o interior.

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