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quinta-feira, dezembro 26, 2024

As Dificuldades de Aprendizagem no Contexto Educacional

Hoje a área das dificuldades de aprendizagem é um assunto vivenciado diariamente por educadores na sala de aula, desde a educação infantil, cujo tema desperta a atenção dos profissionais da educação, e atualmente é considerada uma das grandes preocupações dos educadores, que na maioria das vezes não encontram solução para tais problemas. As crianças que apresentam problemas de aprendizagem constituem um desafio em matéria de diagnóstico e educação. Todavia, encontram-se no campo profissional educadores que acabam por rotular o aluno, atribuindo-lhe adjetivos buscando justificar o porquê o aluno não aprende, afirmando assim a falta de conhecimento sobre o assunto e a ineficácia de sua metodologia. Muitos desses professores desconhecem, portanto, que a criança pode apresentar algum tipo de problema de aprendizagem de ordem orgânica, psicológica, social, entre outras.

Para que o processo de aprendizagem seja satisfatório, faz-se necessário considerar as experiências de vida dos alunos, suas características psicológicas, socioculturais, que a transformam em um ser individual, qualitativamente diferente dos outros, tanto pela sua capacidade de assimilação quanto pela apropriação das suas experiências acumuladas no decurso da história social. Face o exposto, pretende-se abordar neste estudo assuntos relacionados às dificuldades de aprendizagem considerando as teorias de desenvolvimento de Piaget, Wallon e Vygotsky, teorias estas que serão apresentadas no primeiro capítulo. No segundo capítulo será enfatizado o conceito de dificuldades de aprendizagem, e posteriormente porque a criança não aprende, apresentando um breve resumo dos principais problemas dos distúrbios de aprendizagem. E por último, uma reflexão sobre a contribuição do profissional nas dificuldades de aprendizagem.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO
1. CONCEPÇÕES TEÓRICAS DA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
1.1 Jean Piaget
1.1.1.Os estágios do desenvolvimento cognitivo
1.2 Henri Wallon
1.3 Lev Vygotsky
2. DIFICULDADES OU DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM?
2.1 Por que a criança não aprende?
2.2 Breve resumo dos principais problemas e distúrbios de aprendizagem
3.A CONTRIBUIÇÃO DOS PROFISIONAIS NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

INTRODUÇÃO

Hoje a área das dificuldades de aprendizagem inclui crianças com atrasos de aquisição da fala, problemas de percepção motora, problemas visuais, problemas de cálculo, problemas de leitura; é um assunto vivenciado diariamente por educadores na sala de aula, desde a educação infantil, cujo tema desperta a atenção dos profissionais da educação, e atualmente é considerada uma das grandes preocupações dos educadores, que na maioria das vezes não encontram solução para tais problemas.

As crianças que apresentam problemas de aprendizagem constituem um desafio em matéria de diagnóstico e educação. Todavia, encontram-se no campo profissional educadores que acabam por rotular o aluno, atribuindo-lhe adjetivos buscando justificar o porquê o aluno não aprende, afirmando assim a falta de conhecimento sobre o assunto e a ineficácia de sua metodologia. Muitos desses professores desconhecem, portanto, que a criança pode apresentar algum tipo de problemas de aprendizagem de ordem orgânica, psicológica, social, entre outras.

Para que o processo de aprendizagem seja satisfatório, faz-se necessário considerar as experiências de vida dos nossos alunos, suas características psicológicas, socioculturais, que a transformam em um ser individual, qualitativamente diferente dos outros, tanto pela sua capacidade de assimilação quanto pela apropriação das suas experiências acumuladas no decurso da história social, e ainda na história de cada um.

O objetivo deste trabalho é realizar um estudo de maneira pela qual acontece o desenvolvimento e a aprendizagem, refletindo sobre o como construir na interação de nossos alunos numa visão consciente de mundo, considerando as possíveis causas das dificuldades ou distúrbios de aprendizagem no processo educacional. Pretende-se ainda diferenciar dificuldades e distúrbios de aprendizagem; proporcionar uma reflexão sobre o papel da escola no processo de ensino-aprendizagem; investigar quais os fatores que desencadeiam a dificuldade na aprendizagem; verificar como trabalhar com as dificuldades de aprendizagem e até que ponto o professor pode mediar a criança com problemas de aprendizagem; levantar quem são os profissionais especializados para constatar dificuldade ou deficiência de aprendizagem.

O trabalho foi realizado com respaldo em pesquisas bibliográficas no intuito de analisar as incidências das dificuldades de aprendizagem no contexto educacional.

Dessa forma, foi dividido em três capítulos, onde estudar-se-á as concepções teóricas da construção do conhecimento, os motivos que levam a criança a não-aprendizagem, um breve resumo dos principais problemas de aprendizagem e a contribuição dos profissionais nas dificuldades de aprendizagem.

1. CONCEPÇÕES TEÓRICAS DA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

Sabe-se que, na construção do conhecimento estão presentes aspectos internos e externos a ele e que é o âmbito dessas estruturas que o sujeito constrói o conhecimento e, portanto, aprende.

Sob a ótica de Ribeiro (1999), é interessante destacar que no Racionalismo, na figura de Platão, enfoca-se os aspectos internos do indivíduo pela hereditariedade, em que o sujeito já nasce com as estruturas mentais prontas. O conhecimento é visto como algo que vem de dentro para fora, decorrente do exercício das estruturas mentas que o sujeito possui, em que o sujeito age sobre si mesmo e sobre o objeto.

Já o Empirismo, cujo representante é Pavlov-Skinner, enfoca os aspectos externos ao indivíduo, onde o meio é que leva o sujeito ao conhecimento, ou seja, de fora para dentro. Na perspectiva empirista, o conhecimento é transmitido e repassado pelos componentes do mesmo, em que o meio age sobre o sujeito.

No construtivismo destaca-se Piaget, e no sociointeracionismo, Vygotsky, onde ambos destacam a influencia do meio ambiente e da interação social no processo de construção do conhecimento do sujeito.

A teoria construtivista sociointeracionista considera que o conhecimento é construído pelo indivíduo num processo continuo e dinâmico do saber, ao longo de sua história de vida, na interação com o meio onde vive e com as pessoas com as quais convive.

Ribeiro (1999) escreve que o sujeito é visto como um ser ativo que, agindo sobre os objetos de conhecimento, no seu meio, interage socialmente e sofre as influências dos mesmos, ao mesmo tempo que interioriza vários conhecimentos a partir de sua ação. Dentro dessa perspectiva, o sujeito é visto como um indivíduo que traz conhecimentos decorrentes de suas estruturas cognitivas e de suas aprendizagens e experiências vividas, assim como também os recebe do meio ambiente. E Ribeiro (1999) afirma ainda que é nessa interação no sujeito com o meio que os conhecimentos ou aprendizagens são construídos. Sendo assim, o indivíduo vai formando o seu intelecto aos poucos, interagindo com o mundo, tornando-se cada vez mais autônomo, construindo e buscando o conhecimento dentro de seu ritmo, seu interesse, suas necessidades e possibilidades.

Entende-se, portanto, que é a psicologia cognitiva que explica os processos do desenvolvimento cognitivo de aprendizagem. Três teóricos da psicologia abordaram no século XX as questões da inteligência e da aprendizagem: Jean Piaget, Henry Wallon e Lev Vygotsky, quais serão estudados a seguir.

1.1 – Jean Piaget

Jean Piaget nasceu em Neuchâtel, Suíça, em 1896 e faleceu em 1980. Escreveu mais de cinquenta livros e monografias, tendo publicado centenas de artigos. Estudou a evolução do pensamento até a adolescência, procurando entender os mecanismos mentais que o indivíduo utiliza para captar o mundo.

Desde muito cedo demonstrou sua capacidade de observação. Suas teorias têm comprovação em bases científicas, ou seja, ele não somente descreveu o processo de desenvolvimento da inteligência, mas experimentalmente, comprovou suas teses.

Piaget (apud Bock, 2000) trabalhou compulsivamente até as vésperas de sua morte, deixando aproximadamente setenta livros e mais de quatrocentos artigos referentes ao desenvolvimento da inteligência humana: a) a inteligência para Piaget é o mecanismo de adaptação do organismo a uma situação nova e, como tal, implica a construção contínua de novas estruturas. Esta adaptação refere-se ao mundo exterior, como toda adaptação biológica. Desta forma, os indivíduos se desenvolvem intelectualmente a partir de exercícios e estímulos oferecidos pelo meio que os cercam; b) para Piaget o comportamento dos seres vivos não é inato, nem resultado de condicionamentos; o comportamento é construído numa interação entre o meio e o indivíduo. Esta teoria epistemológica (epistemo = conhecimento e logia = estudo) é caracterizada como interacionista. A inteligência do indivíduo, como adaptação a situações novas, portanto, está relacionada com a complexidade desta interação do indivíduo com o meio.

Em outras palavras, quanto mais complexa for esta interação, mais inteligente será o indivíduo; c) a estrutura de maturação do indivíduo sofre um processo genético e a gênese depende de uma estrutura de maturação. Sua teoria mostra que o indivíduo só recebe um determinado conhecimento para inserí-lo num sistema de relações. Não existe um novo conhecimento sem que o organismo tenha já conhecimento anterior para poder assimilá-lo e transformá-lo. A adaptação intelectual constitui-se então em um “equilíbrio progressivo entre um mecanismo assimilador e uma acomodação complementar” (Piaget apud Bock, 2000. p.56). Piaget situa, segundo Bock, o problema epistemológico, ou seja, o conhecimento ao nível de uma interação entre o sujeito e o objeto; d) O desenvolvimento do indivíduo inicia-se no período intra – uterino e vai até aos quinze ou dezesseis anos.

Segundo a teoria piagetiana a embriologia humana evolui também após o nascimento, criando estruturas cada vez mais complexas, em que a construção da inteligência dá-se em etapas sucessivas, com complexidades crescentes umas das outras, chamadas por Piaget de “Construtivismo Seqüencial”.

Bock (2000) descreve, a partir de suas pesquisas, que a percepção, na concepção piagetiana, surge a partir da experiência sensorial, sendo a percepção um processo abrangente que implica na capacidade de organizar e interpretar as impressões sensoriais. Envolve o sistema nervoso central, isto é, o cérebro deve ser capaz de receber o estímulo através dos órgãos do sentido: visão, audição, tato, olfato, sentido cinestésico, labiríntico, etc. e em seguida processá-lo.

Se os receptores necessários para perceber o mundo “exterior ou interior” não começam a operar, a criança apresentará muitas dificuldades e certamente não poderá viver uma vida normal.

A percepção, portanto, requer amadurecimento neurológico e aprendizagem. Mas ao nascer, a criança é dotada praticamente de todos os sentidos e está biologicamente pronta para experimentar a maioria das sensações básicas de sua espécie. Durante as primeiras semanas e os primeiros meses de vida, o bebê não distingue o que é de seu corpo e o que é do meio exterior. Embora não identifique qualquer objeto, pode ver e distingue luz e sombra, reconhece a voz da mãe, acompanha os movimentos de uma luz, etc.

Segundo Bock (2000), o recém-nascido é capaz de efetuar uma quantidade enorme de reações motoras que não dependem da aprendizagem ou treinamento prévio. Estas reações são chamadas de reflexos hereditários , uma espécie de respostas prontas e estereotipadas que irá lhe permitir a sobrevivência e adaptação fora do útero materno. Tanto do ponto de vista fisiológico como do ponto de vista psicológico, o bebê que acaba de nascer é muito dependente e pode contar apenas com um conjunto de reflexos. A maioria dos reflexos desaparece no primeiro semestre e volta aparecer mais tarde como comportamento voluntário. Pouco a pouco o bebê toma consciência de seu poder de agir e de influência sobre o meio que o rodeia, gritando para fazer cessar um estado de desconforto: como a fome, defecação, dor, etc. O desenvolvimento motor se relaciona com a coordenação de movimentos amplos e finos. Os movimentos que envolvem os músculos grandes do corpo são chamados de habilidades motoras amplas.

À medida que a criança cresce, sua habilidade motora vai-se aprimorando e a capacidade de controlar seus músculos e mover-se com desenvoltura aumenta consideravelmente. Os estímulos são importantes, mas é necessário tomar o cuidado e não forçar este processo de maturação. É preciso que músculos, ossos e sistema nervoso tenham atingido determinado estágio de desenvolvimento para que, naturalmente, a criança possa desempenhar atividades específicas.

Um fator importante na teoria do desenvolvimento de Piaget, ressalta Bock (2000), é o processo de maturação, processo interno de mudanças do organismo que possibilita a ocorrência de determinados padrões de comportamentos. A maturidade é entendida em relação ao grupo de idade em que se encontra a pessoa. O comportamento de uma pessoa é considerado maduro na medida em que for igual ao comportamento de grande parte das pessoas da mesma idade. Maturidade, portanto, em termos psicológicos, é o nível de desenvolvimento em que o indivíduo se encontra, em comparação com as outras pessoas da mesma idade.

A maturidade, por sua vez, afirma Bock (2000) está relacionada interdependentemente, ou seja, intelectual, social, emocional. A maturidade intelectual refere-se ao conhecimento que a pessoa tem de si mesma e do mundo que a cerca. A maturidade social refere-se a fase em que a criança deixa a fase egocêntrica, passando a se relacionar com as outras crianças, desenvolve respeito mútuo. A maturidade emocional está ligada ao sentimento como o amor, ódio, medo, prazer, raiva, desprazer, afeição, sendo que os estímulos que provocam emoções são principalmente internos.

1.1.1- Os Estágios de Desenvolvimento Cognitivo

Os estágios de desenvolvimento na teoria de Piaget (apud Bock , 2000), procuram garantir uma ordem invariante de sucessões, mas ressalta que as estruturas que caracterizam cada estágio não são predeterminadas por hereditariedade, variando de acordo com as contribuições da experiência física e do ambiente social.

Por abranger características importantes para a compreensão da aprendizagem na idade infantil, segue as características de cada período, segundo Piaget (apud Bock, 2000): a) período sensório – motor ( 0 – 2 anos) – nesse estágio, o entendimento do mundo pela criança reside totalmente nas interações sensoriais e motoras. Sua atividade cognitiva baseia-se principalmente na experiência imediata, através dos sentidos. É uma atividade prática de interação com o meio e condicionada a experiência imediata porque a criança ainda não utiliza a linguagem para designar as experiências ou para simbolizar, não podendo, assim, recordar os acontecimentos e idéias, muito menos, categorizar a sua experiência. A organização mental da criança, neste estágio de relacionamento direto com a experiência imediata, encontra-se em estado bruto, ou seja, quase nada existe entre criança e meio e a qualidade da experiência raramente é significativa.

Isto significa que cada experiência vivida pela criança é tão especial quanto qualquer experiência vivida pela primeira vez. É como se cada dia fosse o primeiro dia de escola, primeiro encontro amoroso ou qualquer outra experiência, que acontecem todos no mesmo dia. O comportamento de busca visual é essencial para o desenvolvimento mental, pois antecede o conceito de permanência do objeto. Conforme a criança desenvolve-se intelectualmente, percebe que quando um objeto desaparece de vista, continua existindo, mesmo que ela não possa vê-lo. O desenvolvimento da permanência do objeto pode até ser considerado como início de uma memória elementar: as crianças conseguem “reter” em suas mentes a imagem do objeto desaparecido, pois fica gravado em sua mente.

Sem mencionar que esta experiência de ver os mesmos objetos desaparecerem e aparecerem tem um importante papel no desenvolvimento mental da criança; b) período Pré-Operatório (2-7 anos) – nesse período o pensamento da criança sofre transformação qualitativa, pois não se prende mais ao seu meio sensorial imediato. Se no estágio anterior havia o desenvolvimento de algumas imagens mentais, agora esta capacidade de armazenamento de imagens está ampliada através das transições súbitas e de saltos. Com o surgimento da linguagem sua capacidade de compreender e usar palavras resultará em grandes modificações, acelerando o processo de desenvolvimento do pensamento.A aprendizagem predominante nesse estágio é a intuição, as crianças não se preocupam com a precisão, nem com conseqüência da linguagem, elas se deliciam a imitar sons e a experimentar dizer palavras diferentes.

Quanto mais rico o meio verbal durante esse período, maior será o desenvolvimento da linguagem, mas isso não implica que seja necessário forçá-la a prender. Por ser intuitiva, a aprendizagem ocorre enquanto as crianças fazem suas livres associações, fantasiam e promovem significados únicos ilógicos. Através da brincadeira – ter amigos imaginários, contar histórias – as crianças experimentam a linguagem para ensinarem a si próprias. Piaget percebeu também que nesta fase a criança fala só e não com outras crianças, mesmo estando perto de outras crianças. Por estar experimentando a linguagem, as crianças falam qualquer coisa em qualquer lugar, o que muitas vezes, para um adulto, pode ser embaraçoso, mas muito importante para o desenvolvimento de sua linguagem, afirma Bock (2000).

Os padrões de linguagem são egocêntricos , sendo que numa “conversa” entre crianças os comentários entre elas não têm relação, cada uma trata de um assunto diferente; c) período das Operações Concretas (7-11/12 anos) – ao contrário do estágio anterior, este período representa outra reorganização fundamental da estrutura cognitiva. As crianças não são mais intuitivas, elas procuram compreender as relações funcionais, não permitindo que as diferenças aparentes interfiram em suas conclusões. A capacidade de compreender o mundo torna-se “lógica”, quanto anteriormente era ilógica . Em relação à escolaridade, sempre que as atividades que envolvem competências e habilidades são enfatizadas, o desenvolvimento cognitivo será estimulado. Além disso, as atividades neste período podem ter regras enquanto a criança pré-escolar obedece as regras sem compreendê-las, a criança primária percebe as regras por seu valor funcional, embora as considere como leis acabadas que não podem sofrer modificações.

Nesse estágio, a criança demonstra sinais de lógica peculiar a dos adultos e começa a pensar de forma mais organizada e sistemática; d) período das operações formais (11/12 anos em diante) – as operações cognitivas se desenvolvem permitindo ao indivíduo pensar a respeito de problemas abstratos e a transição para este período é muito evidente. Temos como diferenças fundamentais nesta transição. De acordo com Bock (2000, p.112):

Na infância, o pensamento é limitado ao aqui e agora, na adolescência, é alargado ao domínio do possível; a resolução de problemas na infância é determinada pelos detalhes do problema; na adolescência, acontece de acordo com um plano de testagem de hipóteses; enquanto na infância o pensamento é limitado a objetos e situações concretas, na adolescência, ele é ampliado ao mundo de idéias, para além da realidade concreta; na infância o pensamento é centrado do próprio, e na adolescência ele abrange a perspectiva de outros, para além do próprio.

Estas características podem ter relação direta com o processo de desenvolvimento da leitura, pois logo que a capacidade de pensar abstratamente se desenvolve, os alunos são capazes de construir estratégias lógicas, racionais e abstratas. Os significados simbólicos, metáforas e analogias neste momento passam a ser compreendidos, facilitando muito a evolução das atividades que requeiram reflexão.

Por volta dos doze aos quinze anos, o estágio das operações formais se concretiza com pensamento hipotético-dedutivo. Quando a criança realiza tais operações, transita no universo abstrato em que se mostra como a realização material de uma entre as inúmeras possibilidades pensadas. O funcionamento da inteligência está condicionado pelas etapas de desenvolvimento da própria base neurônica do cérebro e pelas experiências com o meio ambiente, e em cada estágio as tentativas de compreensão serão diferentes face ao grau de desenvolvimento progressivo.

O que constitui o conhecimento, portanto, não é apenas uma simples associação entre objetos, mas a assimilação dos objetos aos esquemas do indivíduo. A assimilação cognitiva também é realidade desta forma. É necessário um esquema que permita a assimilação do objeto de conhecimento. Piaget condena veementemente as hipóteses inatistas que concebem o sujeito como estando desde o início munido de estruturas inatas para o aprendizado, como se fosse mais uma carga genética, um pressuposto biológico, explica Bock (2000).

1.2 – Henri Wallon

Henri Wallon nasceu em 1879 em Paris. Graduou-se em medicina em 1908, dedicando-se ao longo de sua vida ao estudo da Psicologia e da Pedagogia. Morreu em 1965, deixando uma instigante obra sobre a aprendizagem e o desenvolvimento humano.

Sua teoria demonstra que a vida psíquica é consequência dinâmica da interação do indivíduo com o meio geográfico e humano.

Segundo Bock (2000), Wallon consagrou-se por volta de 1914 quando, na assistência do renomado médico Dr. Nageotte executava sua prática médica, primeiramente em Bicètre e depois em Salpétrière (França). A variedade de casos atendidos por ele sugeriu novas investigações, levando adiante suas pesquisas sobre o sistema nervoso. Foram estas vivências que o subsidiou o dedicar-se ao tratamento dos feridos de guerra e, depois, a trabalhar em uma instituição para crianças “anormais”. Nesta situação, examinando feridos e lesionados de guerra, foi levado a estabelecer e precisar certas relações existentes entre as manifestações psíquicas e orgânicas.

Começa a publicar seus escritos em 1925. Sua obra surgiu como esforço para superar as contradições das duas teorias anteriores muito em voga: a) a teoria da criança como sendo miniatura do adulto. 2) a teoria das mentalidades distintas, que estabelecia um corte radical entre o mundo da criança e o mundo do adulto formando dois mundos à parte e, consequentemente, duas mentalidades totalmente diferentes e heterogêneas. Desta forma, então, Wallon consegue rever e superar as oposições “da criança ao adulto” e “do biológico ao social”, buscando as contradições reais e a forma como estas podem ser, por elas mesmas, um motor para a evolução da criança.

Henri Wallon não foi apenas um médico ou um psicólogo da criança. Seu projeto foi formular uma “ciência do homem”. Em 1925, ao publicar sua tese de doutorado “A infância turbulenta”, propôs aquilo que mais tarde iria se chamar de “neuropsicologia”. Nesta época ainda não tinha como sustentar esse conteúdo que aprofundou ao publicar “As origens do caráter da criança”.

Já na primeira obra tentou explicar como o sistema nervoso vai se hierarquisando. Segundo o referido autor, os comportamentos simples (gênese dos tipos motores e psicomotores) irão se diferenciando cada vez mais até a gênese do psiquismo (pensamento). O comportamento e a conduta vão se organizando à medida que a criança vai passando das estruturas motoras até estruturas mais evoluídas – a cognição.

É através de um conceito chave, “a emoção” que, segundo Wallon (apud Bock, 2000), se estabelece a relação entre o biológico e o social e psicológico. Assim, a afetividade é a fase de desenvolvimento mais primitiva. Primeiramente a afetividade está ligada às manifestações fisiológicas (fome, prazer, desconforto, etc…). Através da “atividade emocional” que a criança consegue realizar a passagem, a transição entre o estado orgânico, mais primitivo, até sua etapa mais cognitiva. Neste processo estão envolvidos fatores orgânicos e também a mediação cultural, social. Buscou a base de seu método dialético no materialismo histórico por entender que a natureza, quer seja física ou mental, é uma realidade objetiva que existe fora e independente da consciência.

Segundo Bock (2000), o método de Wallon consistiu em estudar as condições materiais de desenvolvimento da criança, condições tanto orgânicas como sociais e em observar como, através dessas contradições, constrói-se um novo plano da realidade que é o psiquismo e a personalidade.

Para Wallon a ação (ou a práxis – o movimento) mostra como se opera a promoção qualitativa que se processa do fisiológico para o psíquico fornecendo as pistas para se conhecer a identidade do homem sob os seus diferentes aspectos.

Para explicar como se dá o desenvolvimento, Henri Wallon resgata os conceitos de Genótipo e de Fenótipo. Entende que o Genótipo é o conjunto de caracteres hereditariamente transmitidos. Já o Fenótipo é o conjunto de caracteres exteriores ao organismo, resultantes da interação com o meio cultural. Desta forma, a psicogenética walloniana é um fenômeno biológico e social, em que cada etapa do desenvolvimento psíquico representa o resultado original daquilo que as estruturas possibilitam e das experiências propostas pelo meio. A criança, desde seu nascimento, é um ser simultaneamente biológico e social, em que as capacidades biológicas são os condicionantes da vida em sociedade, porém, o meio social é o condicionante do desenvolvimento destas capacidades.

Wallon distingue dois estágios no primeiro ano de vida da criança: o estágio impulsivo puro, tendo como principal característica a atividade motora reflexa; e o estágio emocional ou de simbiose afetiva. O terceiro estágio, sensitivo-motor ou sensório-motor surge no final do primeiro ano ou início do segundo, quando a criança orienta-se para interesses objetivos e descobre realmente o mundo dos objetos. Wallon apud Bock (2000) ressalta dois aspectos importantíssimos dessa fase: a aquisição da marcha e a aquisição da linguagem que contribuem para uma radical modificação do mundo infantil. No quarto estágio – o projetivo, a ação é estimuladora da atividade mental (consciência), o ato é o acompanhante da representação. O quinto estágio é o do personalismo, em que após os progressos marcados pelo “sincretismo diferenciado”, a criança chega à “consciência do eu”. Ao chegar à idade escolar, aos seis anos, possui os meios intelectuais e as oportunidades de individualizar-se.

Bock (2000) ressalta a importância das trocas sociais para a criança em idade escolar e os benefícios decorrentes favorecendo o seu pleno desenvolvimento. Agora, uma última etapa separa a criança do mundo adulto: a adolescência. A referida autora identificou quatro grandes temas na teoria walloniana:

– A questão da motricidade: entende-se que a motricidade é a primeira forma de manifestação do ser humano, porém desde suas primeiras manifestações a motricidade é afetiva. Wallon classificou os movimentos conforme as áreas de controle neurológico: movimentos reflexos: inerentes à espécie humana, a nível de medula; e movimentos automáticos: a nível de sub-córtex. Os movimentos automatizados acompanham as praxias e são controlados pelo sub-córtex. São os cacoetes, automatismos gestuais que realizamos sem nos darmos conta, pois são inconscientes. Há ainda os movimentos voluntários: a nível de córtex cerebral (lobo parietal e pré-frontal). Segundo Wallon existe sempre uma dependência entre os movimentos automáticos e os movimentos voluntários.

Quando a criança nasce, os movimentos são impulsivos, formam a base para os movimentos expressivos, de acordo com a resposta social. O equipamento neurológico, sensório-motor só ficará pronto no final do primeiro ano de vida. Desta forma, existe uma lentidão de movimentos já que é um processo longo. O rumo geral do desenvolvimento motor tende a se internalizar em ato mental. É o caminho que a criança faz do ato ao pensamento. O pensamento é um grande redutor da função cinética, mas não da função tônica.

A questão da emoção: para Wallon a emoção é orgânica e social. É orgânica porque tem controle subcortical e tem repercussões tônicas. A emoção faz parte da vida orgânica e cognitiva. É através dela que o indivíduo se socializa. É pela comunicação afetiva que temos acesso ao mundo humano. Segundo Bock (2000) a emoção é social e epidêmica e a mãe é afetada pelo choro do bebê. A criança sobrevive graças à mobilização do outro pela emoção. Primeiramente a emoção é controlada pelo sub-córtex. À medida que o córtex vai amadurecendo, vai ocorrendo a possibilidade de um controle maior. Em um primeiro momento a emoção é incontrolada, passando a controlar-se lentamente através da maturação e do processo social. Crianças muito impulsivas podem apresentar alguma lesão sub-cortical. Podem também, segundo a autora, apresentar um problema de “educação da emoção” – o que fazer com a emoção, emoção descontrolada.

A afetividade não é apenas uma das dimensões da pessoa, é também uma fase de desenvolvimento, a mais primitiva. A história da construção da pessoa dar-se-á por uma sucessão pendular de movimentos dominantemente afetivos ou dominantemente cognitivos – não paralelos, mas integrados. Isto significa que a afetividade depende, para evoluir, de conquistas realizadas no plano da inteligência. Com a linguagem surgem outras formas de vinculação afetiva, é uma forma cognitiva de vinculação afetiva. Wallon destacava então, três momentos dessa afetividade: a)afetividade emocional ou tônica, inicial; b) afetividade simbólica; c) afetividade categorial.

Segundo Bock (2000), a construção da pessoa é uma auto-construção. O vínculo afetivo supre a insuficiência da inteligência do início da vida quando ainda não é possível a ação cooperativa que vem da articulação de pontos de vista bem diferenciados. O contágio afetivo cria os elos necessários à ação coletiva. Com o passar do tempo, a essa forma primitiva acrescenta-se outra e assim vai se construindo como sujeito.

A inteligência se desenvolve através de “saltos”. Para que estes “saltos” ocorram é necessário o amadurecimento neurológico e também a influência da cultura. Descreve dois momentos principais: -a inteligência sensório-motora e -a inteligência representativa. Para que ocorra, então, o “salto” da inteligência sensório-motora para a representativa é necessário os elementos neurológicos e também a influência da cultura. A inteligência representativa iniciaria, desta forma, em uma fase pré-categorial, onde o pensamento é sincrético, permitindo a “circulação” entre eles. Para que ocorra este primeiro “salto” a criança passa por níveis de socialização: a) primeiro nível de socialização: diálogo tônico; b) segundo nível de socialização: a comunicação já é simbólica, lingüística, face a face com o outro (a nível oral); c) terceiro nível de socialização: a partir da escrita a criança não precisa mais do outro para se socializar, poderá seguir sozinha, passando, agora, a ter acesso a outros elementos da cultura.

Quando o pensamento ainda é sincrético (até por volta dos nove anos) os conceitos, as coisas, os objetos ainda estão muitos “misturados”, confusos, redundantes, pois a criança ainda não aprendeu a pensar. A medida que a criança vai passando por um processo de diferenciação vai se “especializando” (vai aprendendo a pensar). Estará, desta forma, se preparando para um próximo “salto” que se efetivará na puberdade.

Estes três temas levam a uma idéia de conjunto, de pessoa, que é com o que Wallon realmente esteve preocupado, ou seja, como é que se dá a “montagem” do “eu”. Este é o quarto grande tema de sua obra, afirma Bock (2000).

Com relação a formação do “eu” , entende-se que é estruturada por um processo de alternância funcional entre “etapas centrípetas e etapas centrífugas” (WALLON apud BOCK, 2000, p. 36). Primeiramente o indivíduo está interessado em si mesmo. É uma fase predominantemente afetiva. O social aqui é sinônimo de inter-pessoal. Depois tem disponibilidade de exploração do real. É uma etapa em que seus interesses voltam-se para o meio, com a exploração do mundo real. É uma etapa mais objetiva, cognitiva. O social aqui é sinônimo de cultural. Com a conquista da função simbólica e a linguagem poderá construir seu “eu” a nível simbólico. Todo este aparato cognitivo está à serviço desta construção.

Na estruturação do “eu” os aspectos cognitivos estão misturados, incorporados nos aspectos afetivos e um complementa o outro. Primeiramente, quando o indivíduo é bebê, este afetivo é quase corporal, epidêmico. É necessário que o bebê consiga fazer uma ruptura com estes elementos para que construa, progressivamente, a consciência de si e adquira autonomia. Nesta fase o conflito com o outro está sempre presente caracterizando atos de rebeldia e de negação. É a “tempestade do personalismo”, descreve Bock (2000), que permite ao indivíduo diferenciar-se, progressivamente, do outro permitindo, inclusive, que organize melhor o pensamento abolindo, paulatinamente, o sincretismo presente nesta fase. Não podemos esquecer que neste processo estão em jogo dialético aspectos orgânicos, maturacionais, e sociais. Na adolescência a afetividade passa a ser racionalizada. A medida que o “eu” vai se construindo vão sendo introduzidos elementos cognitivos à afetividade.

Esta é uma construção dialética, um processo inacabado, de toda a vida.

A Educação, segundo Wallon apud Bock (2000), é um fato social. O homem é um ser social e, mais ainda, membro de uma sociedade concreta, nela atuando, modificando-a e sendo por ela modificado. Quando se ignora a dimensão social e política da Educação, faz-se obra educativa artificial e limitada. Entendia que a Escola Tradicional seleciona as atividades e conteúdos muito mais por uma opção ideológica do que por princípios psicológicos. O ensino deveria, então, levar em conta o papel que os comportamentos infantis e as aquisições cognitivas representam na vida deste aluno. Para tanto, exige-se que o professor conheça os comportamentos prioritários para cada etapa de desenvolvimento do seu aluno.

O professor deve estar atento ao fato de que a bagagem com a qual a criança aborda cada experiência nova é constituída de esquemas parciais e grosseiros que devem ser completados. O processo intelectual da criança se faz graças a uma acumulação gradual de representações. Wallon apud Bock (2000), acreditava que, mesmo a escola apresentando imperfeições, deveria ser mantida e o papel do professor resgatado. A escola, segundo o autor, é um meio indispensável ao desenvolvimento da criança não devendo ficar restrita à ação do meio familiar. O grupo familiar lhe é imposto, o escolar ela pode eleger. A escola é um meio mais rico, mais diversificado e oferece à criança a oportunidade de conviver com seus pares.

Finalizando, para Wallon apud Bock (2000), o mérito da Educação é desenvolver o máximo as potencialidades de cada indivíduo. É nesse mesmo indivíduo que devem ser buscadas as possibilidades de superação, compensação e equilíbrio funcionais. Contrariamente a forçar sua dissociação funcional é preciso, isto sim, facilitar-lhe a síntese interfuncional mais enriquecedora para sua atividade e personalidade. Se a educação pretende respeitar a personalidade total da criança e a integridade de seus processos, deve utilizar cada momento da infância para assegurar o desenvolvimento pleno das disposições e aptidões correspondentes, de tal forma que à sucessão de idades corresponda a uma integração positiva das atividades mais primárias para as mais evoluídas, afirma Bock (2000).

Na sucessão de estágios há uma alternância entre as formas de atividades e de interesses da criança, denominada de “alternância funcional”, onde cada fase predominante (de dominância, afetividade, cognição), incorpora as conquistas realizadas pela outra fase, construindo-se reciprocamente, num permanente processo de integração e diferenciação. Wallon apud Bock (2000) deixou-nos uma nova concepção da motricidade, da emotividade, da inteligência humana e, sobretudo, uma maneira original de pensar a psicologia infantil e reformular os seus problemas. Ele procura explicar os fundamentos da psicologia como ciência, seus aspectos epistemológicos, objetivos e metodológicos. Admite o organismo como condição primeira do pensamento, pois toda a função psíquica supõe um componente orgânico. No entanto, considera que não é condição suficiente, pois o objeto de ação mental vem do ambiente no qual o sujeito está inserido, ou seja, de fora.

Em relação a psicologia genética de Wallon, esta estuda os processos psíquicos em sua origem, parte da análise dos processos primeiros e mais simples, pelos quais cronologicamente passa o sujeito. Para Wallon apud Bock (2000), essa é a única forma de não dissolver em elementos separados e abstratos a totalidade da vida psíquica. Wallon propõe a psicogênese da pessoa completa, ou seja, o estudo integrado do desenvolvimento. Considera que não é possível selecionar um único aspecto do ser humano e vê o desenvolvimento nos vários campos funcionais nos quais se distribuem a atividade infantil (afetivo, motor e cognitivo). Para ele o estudo do desenvolvimento humano deve considerar o sujeito como “geneticamente social” e estudar a criança contextualizada, nas relações com o meio. Wallon recorreu a outros campos de conhecimento para aprofundar a explicação dos fatores de desenvolvimento (neurologia, psicopatologia, antropologia, psicologia animal).

Para ele a atividade do homem é inconcebível sem o meio social; porém as sociedades não poderiam existir sem indivíduos que possuam aptidões como a da linguagem que pressupõe uma conformação determinada do cérebro. Haja vista que certas perturbações de sua integridade privam o indivíduo da palavra. Observa-se então que para ele não é possível dissociar o biológico do social no homem. Esta é uma das características básicas da sua teoria do desenvolvimento.

De acordo com Bock (2000), Wallon concebe o homem como sendo genética e organicamente social e a sua existência se realiza entre as exigências da sociedade e as do organismo. Manteve interlocução com as teorias de Piaget e Freud. Destacava na teoria de Piaget as contradições e dessemelhanças entre as suas teorias, pois considerava esse o melhor procedimento quando se busca o conhecimento. Por parte de Piaget existia uma constante disposição em buscar a continuidade e complementariedade de suas obras. Os dois se propunham a análise genética dos processos psíquicos, no entanto, Wallon pretendia a gênese da pessoa e Piaget a gênese da inteligência.

Com a psicanálise de Freud mantém uma atitude de interesse e ao mesmo tempo de reserva. Embora com formação similar (neurologia e medicina), a prática de atuação os levou os caminhos distintos. Freud abandonando a neurologia para dedicar-se a terapia das neuroses e Wallon mantém-se ligado a esta devido ao seu trabalho com crianças com distúrbios de comportamento. O método adotado por Wallon é o da observação pura. Considera que esta metodologia permite conhecer a criança em seu contexto.

1.3 – Lev S. Vygotsky

Lev S. Vygotsky (1896-1934) nasceu na Rússia em 1896, numa época de conflitos políticos (Revolução Russa). Foi o primeiro psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos qual a cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa ao insistir que as funções psicológicas são um produto de atividade cerebral. Associou psicologia experimental com neurologia e com fisiologia ao relacionar a dialética aos processos de construção do pensamento e conseguiu explicar a transformação dos processos psicológicos elementares em processos complexos dentro da história. Teve formação eclética, que também se reflete no tipo de temas e teses desenvolvidas. Formou-se em literatura e direito na Universidade de Moscou e mais tarde estudou medicina. Seus trabalhos eram voltados a pesquisas na literatura, psicologia, deficiência física e mental e em educação, embora suas idéias tenham tido grande influencia entre os antigos paises por detrás da “cortina de ferro”, seus textos só ficaram conhecidos no ocidente a partir de 1962.

Para Vyigotsky (Pensamento e Linguagem –1934), a compreensão da relação entre aprendizado e desenvolvimento ajudaria a aplicação correta das teorias educacionais. Nesse sentido ele procurou confrontar as três teorias existentes até então, enquanto preparava o terreno para colocação de suas idéias. Primeiro, ele confrontou a Teoria de Piaget, segundo o qual o desenvolvimento é concebido independente da aprendizagem, o domínio do pensamento formal e lógico ocorre por si mesmo, sem a interferência do ensino. Também criticou a Teoria de Willian James, afirma Bock (2000), sobre a equivalência da aprendizagem com o desenvolvimento, através de um processo de formação de hábitos, sendo a educação uma atividade organizadora dos hábitos de condutas e tendências adquiridas. Assim o aprendizado e o desenvolvimento ocorreriam ao mesmo tempo e do mesmo modo.

Contestou o alemão naturalizado norte-americano Kurt Koftka(1886-1941), que defendia que a maturação prepara para o processo de aprendizagem, que por sua vez estimula o crescimento.Portanto o processo de aprendizagem e o de desenvolvimento ocorriam separados, mas se influenciando mutuamente. Entretanto não ficou claro a maneira como essa interação ocorreria.

De acordo com Bock (2000), Vygotsky foi o primeiro autor a chamar a atenção sobre a importância do envolvimento ambiental no desenvolvimento da criança e no processo de formação da mente. Na concepção de Vygotsky o ser humano se desenvolve a partir da interação social e ambiental, através da intervenção do outro ( pais, irmãos,professores), nos momentos adequados, em suas diversas fases do crescimento.Portanto o ambiente social e familiar é muito importante para o desenvolvimento e a maturação da criança. A estrutura fisiológica humana, aquilo que é inato, não é suficiente para produzir o individuo humano, na ausência do ambiente social.As características individuais como modo de agir, pensar, de sentir, valores, conhecimentos,visão de mudo, etc. dependem da interação do ser humano com o meio físico e social.

Segundo sua explicação, afirma Bock (2000), inicialmente a atividade psicológica do bebê, é bastante elementar e determinada por sua herança biológica. Os fatores biológicos têm preponderância sobre os sociais somente no inicio da vida da criança.A partir de sua inserção sócio-cultural em um determinado grupo, sua interação com a família, e sua participação em práticas sociais historicamente constituídas, a criança incorpora ativamente o comportamento já consolidado na experiência humana.

Em relação aos níveis de desenvolvimento e aprendizagem, segundo Vygotsky apud Bock (2000), o cérebro é a base biológica e suas peculiaridades definem limites e possibilidades para o desenvolvimento humano. As funções psicológicas superiores – de origem sóciocultural – como a linguagem, a memória – são construídas ao longo da história social do homem, em sua relação com o mundo referem-se à processos voluntários, ações conscientes e dependem do processo de aprendizagem.

Bock (2000, p.115) apresenta os níveis de desenvolvimento segundo Vygotsky:

[…] desenvolvimento real – se refere aos processos elementares – que são de origem biológica – é o nível atual, real e afetivo, aquilo que a criança consegue fazer sem a ajuda do outro, a criança consegue resolver por si mesma os problemas que lhe são propostos. Retrata o amadurecimento consolidado; desenvolvimento potencial –se refere às funções psicológicas superiores – de origem sócio-cultural – a criança só é capaz de encontrar uma resposta à um problema com a ajuda do instrutor; desenvolvimento proximal – a zona de desenvolvimento proximal se encontra entre o desenvolvimento real e o desenvolvimento potencial; ela indica até onde o aluno pode chegar na sua etapa atual de crescimento. De acordo com Vigotsky, a zona proximal corresponde às funções que estão em maturação no individuo.

O desenvolvimento real, no qual a criança faz suas coisas com independência, retrata o amadurecimento consolidado, ao passo que as tarefas realizadas com a ajuda dos outros apontam para o desenvolvimento mental que pode ser adquirido Portanto a zona proximal revelaria a dinâmica do processo de desenvolvimento, prevendo o resultado a ser obtido quando o conhecimento foi assimilado, é desenvolvimento real futuro, aquilo que uma criança será capaz de fazer sozinha depois que internalizar o aprendizado. A aprendizagem, ao criar a zona de desenvolvimento proximal, desperta vários processos internos capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente, e quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados, estes processos tornam-se parte das aquisições de desenvolvimento independente da criança. Dessa forma destaca o valor do interlocutor, daquele que dialoga com a criança no desenvolvimento desta.

Ao observar a zona proximal (a diferença entre o que ela faz e o que pode fazer), o educador pode prever e orientar o aprendizado no sentido de adiantar o desenvolvimento potencial de uma criança, tornando-o real. Portanto o desenvolvimento mental só pode realizar-se por intermédio do aprendizado. Resta saber como esse conhecimento externo é internalizado pela criança. O objetivo de analise psicológica e educacional é revelar como esses processos de desenvolvimento podem ser estimulados pelo ensino.

Depois de Vygotsky, afirma Bock (2000), foi possível afirmar que se trata de uma intersão dinâmica e complexa entre os dois processos, revelando que o desenvolvimento mental deve ser entendido sob aspecto global, que somente pesquisas empíricas com base no conceito de desenvolvimento proximal puderam demonstrar; desenvolvimento cognitivo: é produzido pelo processo de internalização da interação social com materiais fornecidos pela cultura, sendo que o processo se constrói de fora para dentro. Para Vygotsky, a atividade do sujeito refere-se ao domínio dos instrumentos de mediação, inclusive sua transformação por uma atividade mental. Para ele, o sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque forma conhecimentos e se constitui a partir de relações intra e interpessoais.

É na troca com outros sujeitos e consigo próprio que se vão internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a formação de conhecimentos e da própria consciência. Trata-se de um processo que caminha do plano social – relações interpessoais – para o plano individual interno – relações intrapessoais.

Assim, a escola é o lugar onde a intervenção pedagógica intencional desencadeia o processo ensino-aprendizagem. O professor tem o papel explícito de interferir no processo, diferentemente de situações informais nas qual a criança aprende por imersão em um ambiente cultural. Portanto, é papel do docente provocar avanços nos alunos e isso se torna possível com sua interferência na zona proximal.

Segundo Ribeiro (1999), a interação social e ambiental e o desenvolvimento do indivíduo se baseiam no resultado de um processo sócio-histórico, no qual a criança aprende através de modelos, da experiência adquirida pelos seus antepassados e da interação com o meio em que vive, tendo a linguagem e o aprendizado um papel importante para esse desenvolvimento.

No processo de mediação, o indivíduo não tem acesso direto aos objetos (que desencadearão a aprendizagem) e sim acesso mediado por meio uma interação com outros sujeitos através de várias relações com o meio social e cultural. Dessa forma o indivíduo precisa se relacionar com outros para adquirir conhecimento, aprender e em conseqüência se desenvolver.

O processo de aprendizagem se dá pelo desenvolvimento da criança em suas diversas fases, num contexto em que a mente amadurece através do contato com a comunidade.

Segundo Vygotsky apud Ribeiro (1999), a aprendizagem e a linguagem têm papel fundamental no desenvolvimento humano. É importante a atuação dos outros membros do grupo social na mediação entre a cultura e o indivíduo, pois uma intervenção deliberada desses membros da cultura, nessa perspectiva, é essencial no processo de desenvolvimento.

Os processos pedagógicos são intencionais, deliberados, tendo como objetivo a construção de conceitos, onde o aluno não é tão somente o sujeito da aprendizagem, mas, aquele que aprende junto ao outro o que o seu grupo social produz: valores, linguagem e o próprio conhecimento.

A formação de conceitos espontâneos ou cotidianos desenvolvidos no decorrer das interações sociais diferenciam-se dos conceitos científicos adquiridos pelo ensino e a aprendizagem é fundamental ao desenvolvimento dos processos internos na interação com outras pessoas.

Segundo Ribeiro (1999), Vygotsky teve contato com a obra de Piaget e, embora teça elogios a ela em muitos aspectos, também a critica, por considerar que Piaget não deu a devida importância à situação social e ao meio. Ambos atribuem grande importância ao organismo ativo, mas Vygotsky destaca o papel do contexto histórico e cultural nos processos de desenvolvimento e aprendizagem, sendo chamado de sóciointeracionista, e não apenas de interacionista como Piaget.

Entre as concepções desses três teóricos, duas se fazem muito presentes hoje na educação brasileira, e conseqüentemente nas mudanças pedagógicas que estão ocorrendo nas escolas e nas salas de aula, tendo em vista a nova Lei de Diretrizes e Bases em vigor a partir de Dezembro de 1996.

Estudos, reflexões e discussões sobre a teoria construtivista de Jean Piaget e do sociointeracionismo de Lev Vygotsky expandem-se cada vez mais no universo educacional. Embora nenhum desses teóricos tenha pretendido elaborar uma pedagogia propriamente dita, deixaram consideráveis contribuições para a Educação, afirma Ribeiro (1999). Convém lembrar que Vygotsky não completou sua obra, pois morreu cedo, aos trinta e oito anos. Como Piaget, seu pensamento era científico, direcionado à psicologia experimental, isto é, buscava fatos e discutia idéias a partir de fatos.

2. DIFICULDADES OU DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM?

Para compreendermos por que a criança não aprende, é preciso primeiramente compreender o que é dificuldade de aprendizagem. Esta, por sua vez, é abrangente e inclui problemas decorrentes do sistema educacional, de características próprias do indivíduo e de influências ambientais. Do mesmo modo, segundo Paín (1992, p.12) “os problemas de aprendizagem são aqueles que se superpõem ao baixo nível intelectual, não permitindo ao sujeito aproveitar as suas possibilidades”.

Atualmente, as crianças e adolescentes que apresentam maior dificuldade de aprendizagem estão inseridas nas classes sociais de baixa renda, onde já carrega desde muito cedo, o estigma de menos capaz, sendo rotulado como deficiente, determinado pelas condições precárias de sobrevivência.

É antiga a preocupação com a qualidade da educação no Brasil. Ribeiro citado por Corrêa (2001) afirma que o problema da baixa qualidade da educação brasileira não era tanto pelo índice de evasão escolar e mais pela a alta taxa de reprovação. Logo, a questão da qualidade da educação é dada pelo índice da dificuldade de aprendizagem. Os problemas vividos pelas crianças nessa situação são na maioria das vezes vivenciados como situação de fracasso, pois, por não conseguirem obter êxito nas demandas escolares, acabam por se sentirem incapazes, gerando sentimentos de frustração e comportamento desestabilizado, entre outros. O fracasso decorrente de situações específicas podem se traduzir num fracasso geral, resultando no próprio abandono da escola.

Hoje a dificuldade de aprendizagem é vista pelos professores como um problema do aluno e da família. Muitos professores até consideram esses alunos preguiçosos, desinteressados, mas nunca sua prática docente é avaliada. Muitos professores ainda desconhecem que essas mesmas crianças podem estar apresentando algum problema de aprendizagem de ordem orgânica, psicológica, social ou outra. Por isso, é imprescindível ao professor, antes de rotular os seus alunos, conhecer e refletir sobre os problemas mais comuns no ensino e na aprendizagem, de modo que suas percepções e a visão do todo se ampliem.

O professor precisa conhecer melhor o seu aluno, pois o processo de aprendizagem precisa ser acompanhado visto que os alunos não são iguais, necessitando ser estimulado, ajudado e compreendido individualmente. Precisa ter sensibilidade para captar mudanças do desenvolvimento do aluno. Corrêa (2001, p.22) diz que para isso acontecer, o professor precisa “conhecer o processo de aprendizagem e de elaboração do conhecimento, saber aquilo que vai ensinar e como deve ensinar.”

Face o exposto, entende-se que para compreender os problemas de aprendizagem é preciso compreender esses fracassos a partir de uma visão multidimensional, que articule fatores orgânicos, cognitivos, afetivos, sociais e pedagógicos, percebidos dentro das interações sociais.

Silva (2002, p.36) afirma que a dificuldade de aprendizagem de alunos que fracassam não é conseqüência somente de problemas pessoais, mas de “um conjunto de condições socioculturais e, sobretudo, escolares que dificultam ou até impossibilitam sua inserção nos processos de aprendizagem escolar”.

De acordo com o referido autor, entre as principais causas das dificuldades de aprendizagem e de ajustamento escolar estão as causas orgânicas, emocionais, educacionais e sócio-econômicas.

As causas orgânicas englobam as perturbações transitórias, falta de concentração, déficit alimentar entre outras. Nas causas orgânicas existe também o fator neurológico que interferem no campo da aprendizagem como o retardamento mental, lesão cerebral, ausências ou disritmias, disfunção cerebral mínima, genética ou congênita, distúrbios da inteligência, problemas de comportamento.

A origem de toda aprendizagem está nos esquemas de ação desdobrados mediante o corpo. Para a leitura e integração da experiência é fundamental a integridade anatômica e de funcionamento dos órgãos diretamente comprometidos com a manipulação do entorno, bem como dos dispositivos que garantem sua coordenação no sistema nervoso central. (PAÍN, 1992, p.29)

Dessa forma, as causas emocionais se tornam componente importante no processo de aprendizagem uma vez que agem diretamente no querer aprender. A criança que pode estar passando por um problema emocional não tem condições de aprender, porque esse problema pode estar afetando de tal forma que possa até voltar a ter comportamentos primitivos.

A influência do lar também pode contribuir de forma positiva ou negativa no desenvolvimento do indivíduo, assim como a influência do meio social, principalmente na primeira infância e na adolescência. Essas são as fases mais críticas do desenvolvimento do ser humano, que sempre requerem um maior cuidado e atenção. Dentro do contexto sócio-econômico e cultural:

As crianças das classes dominantes chegam à escola de posse do capital cultural e lingüístico legítimo, adquirido em seu grupo social, o que lhes possibilitam maiores chances de sucesso na escola. As crianças das camadas populares não dispõem desse capital cultural, porque adquiriram em seu grupo social uma outra linguagem, uma linguagem considerada não-legítima, e por isso fracassam na escola. (SENA, 2002, p.104)

Dessa maneira, uma criança que é tida com dificuldade de aprendizagem, quando apresenta desvios da expectativa de comportamento do grupo etário a que pertence, em outras palavras, quando ela não está ajustada aos padrões da maioria desse grupo.

A história da educação brasileira hoje é motivo de muito estudo e reflexão quando se tenta explicar o fracasso escolar, o qual tem sido afirmado pelos altos índices de repetência e evasão escolar ocorridos nos últimos anos.

Segundo Corrêa (2001), crianças que apresentam problemas de fracasso escolar atribuem isso à incompetência pessoal, se sentem envergonhadas, duvidam de si mesmas, têm baixa estima e distanciamento das demandas da aprendizagem, o que caracteriza esse fracasso. Estas crianças com dificuldade de aprendizagem apresentam um risco elevado de terem um autoconceito negativo, principalmente quanto à área acadêmica e são excessivamente autocríticas e mantém altos padrões de exigência, embora não sejam bem avaliadas pelas outras pessoas. Situações de aprendizagem que deixa e criança constrangida pelo seu fracasso.

Para que haja uma boa preparação na alfabetização das crianças é preciso destacar um fator chave: a interação social, que ocorre principalmente em casa, sendo importante às técnicas intelectuais de leitura em voz alta, que estimula a conversação entre pais e filhos.

Um importante preditor da alfabetização é o modo com que os adultos falam com as crianças; deve-se usar um vocabulário rico com palavras incomuns, principalmente se usado durante atividades simples do dia-a-dia, como durante as refeições, ou em conversas com questões relativas à por que as pessoas fazem coisas e como as coisas funcionam. Snow citado por Papalia, Olds (2000, p.203) diz que “tais conversas ajudam as crianças jovens a escolher as palavras e a organizar as frases de modo coerente”.

Outra atividade que ajuda na preparação das crianças para a alfabetização é a televisão educativa com programas que ensinam letras e números, resolução de problemas, raciocínio e compreensão de ambientes físicos e sociais que atraem a atenção de crianças e às fazem participar ativamente, mas sempre com os pais interagindo com elas, conversando sobre o que estão assistindo e aperfeiçoando ainda mais habilidades de vocabulário.

O modo de brincar das crianças é outro fator de desenvolvimento da alfabetização. O brincar das crianças não é apenas uma diversão, o brincar deve ser encarado como o trabalho dos jovens, onde eles exploram o mundo de si mesmos, adquirem novas habilidades, enfim, o brincar proporciona boas oportunidades para aprender, usar e praticar a alfabetização. Os jogos imaginativos envolvendo “faz-de-conta” é essencial para que se produza aprendizagem:

À medida que as crianças crescem, esse tipo de brincadeira torna-se cada vez mais social, envolvendo outras pessoas e uma ampla variedade de objetos. Os enredos das histórias tornam-se mais complexos, desdobrando-se em ambientes bem coordenados, e os papeis e temas tornam-se mais criativos e incomuns. (PAPALIA; OLDS, 2000, p.2003)

O faz-de-conta, que refere-se ao “mundo imaginário, da fantasia”, isto é, fantasiar é criar pela imaginação, trata-se de ficção, sem relação imediata com a realidade.

Segundo Oliveira (1996, p.33), o jogo de faz-de-conta “permite as crianças pequenas o reexame e internalização das regras de conduta implícitas nos atos sociais e as regulações culturais, desenvolvendo um sistema de valores que irá orientar seu comportamento”. Dessa forma, a brincadeira de faz-de-conta tem um importante papel no processo de aprendizagem das crianças, afinal segundo Vygotsky apud Oliveira (1996), é importante ressaltar que os jogos e brincadeiras são em particular jogos de faz-de-conta, a brincadeira criam uma ZDP (Zona Desenvolvimento Proximal), que ele define como sendo o espaço entre o que a criança é capaz de fazer hoje com a ajuda de adultos e ou companheiros mais experientes e que será capaz de fazer sozinha amanhã. É na ZDP que a interferência de outros indivíduos, inclusive o professor, é mais transformadora, explica Vygotsky apud Oliveira (1996).

A brincadeira traz vantagens cognitivas e afetivas na vida da criança, pois quando brincam desenvolvem sua imaginação e constroem relações sociais de acordo com sua realidade e necessidade, explica Oliveira (1996).

A dificuldade de aprendizagem pode gerar um círculo vicioso do fracasso, ou seja, quanto mais a criança se sente inferiorizada, mais ela estará suscetível ao insucesso, e menos poderá obter aprovação a partir de seu desempenho. Cabe ao educador trabalhar também com a motivação, maturação dos alunos, bem como metodologia, recursos e procedimentos para criar uma atmosfera agradável para aprender.

É preciso, então, identificar as causas dos distúrbios de aprendizagem e fazer com que a criança e a família possam superar suas dificuldades de aprendizagem e tenham uma perfeita adaptação escolar, gerando assim auto-estima e realização pessoal e profissional de forma a garantir e o sucesso da relação ensino e aprendizagem. Dessa forma,

Os educadores devem ser direcionados no sentido de uma reflexão crítica sobre a maneira preconceituosa a que alunos brasileiros com baixo rendimento escolar vêm sendo alvos, para transformar o discurso do aluno culpado pelo seu próprio fracasso escolar, numa atitude de confiança e credibilidade na sua própria capacidade para aprender a aprender e se tornar um aluno motivado e com consciência da própria aprendizagem (BORUCHOVITCH,1999, p.59).

Portanto, conclui-se que as dificuldades e os distúrbios de aprendizagem estão intimamente ligados, pois as dificuldades de aprendizagem, na verdade, é conseqüência dos distúrbios de aprendizagem, que serão estudados a seguir. Entende-se também que o professor tem papel importante no desenvolvimento do aluno, principalmente com relação à motivação, devendo este estar preparado para os desafios que irá encontrar no decorrer do seu trabalho. Então, o professor precisa conhecer e entender os distúrbios de aprendizagem para trabalhar com as dificuldades de aprendizagem, compreendendo que essas dificuldades são conseqüência dos distúrbios que o aluno apresenta.

2.1 Por que a criança não aprende?

Os problemas de aprendizagem são dificuldades enfrentadas por crianças normais ou com um desvio no quadro normal, mas com expectativa de aprendizagem a longo prazo. Normalmente são dificuldades na leitura e/ou na escrita, com trocas de fonemas, inversões de fonemas e/ou sílabas, junções de palavras, omissões de sílabas ou palavras.

A aprendizagem, segundo Rosa (2002), depende basicamente da motivação. Muitas vezes o que se chama de dificuldade de aprendizagem é basicamente “dificuldade de ensino”. É sabido que cada indivíduo aprende de uma forma diferente, conforme seu canal perceptivo preferencial. Quando o que lhe é ensinado não o motiva suficientemente, ou lhe chega de forma diferente de seu canal preferencial (de acordo com o canal preferencial de quem lhe ensina), então a compreensão ou o aprendizado não se completa. A massificação do ensino tem contribuído muito ao aparecimento e aumento dos “distúrbios de aprendizagem”.

Quando a aprendizagem não se desenvolve conforme o esperado para a criança, para os pais e para a escola ocorre a “dificuldade de aprendizagem”. “E antes que a “bola de neve” se desenvolva é necessário à identificação do problema, esforço, compreensão, colaboração e flexibilização de todas as partes envolvidas no processo. O que se vê normalmente é a criança desestimulada, achando-se “burra”, sofrendo, os pais sofrendo, pressionando a criança e a escola, pulando de escola em escola, e esta pressionando a criança e os pais, todos insatisfeitos.” (Rosa, 2002, p. 63).

Rosa (2002) afirma que é preciso ter cautela para distinguir um “problema de aprendizagem” de um “distúrbio de aprendizagem”. Ao educador, continua, cabe apenas destacar as dificuldades de aprendizagem que aparecem em sala de aula e investigar de forma ampla os aspectos orgânicos, neurológicos, mentais e psicológicos e influenciado pelo ambiente em que a criança vive. Ao professor cabe apenas detectar as dificuldades e encaminhar para o profissional adequado, com treino específico da dificuldade a fim de que a criança supere suas dificuldades, com esforço, colaboração da família e da escola em conjunto acompanhando as etapas de evolução da criança.

Ao avaliar o aluno, menciona Rosa (2002), o professor deve levar em consideração os valores sociais, culturais, de linguagem específicos de cada aluno (a diversidade) e estar sempre atento inclusive para evitar que seus próprios valores não o impeçam de auxiliar a criança no processo de aprendizagem.

Face ao exposto, Rosa (2002) destaca alguns fatores que desencadeiam problemas ou distúrbios de aprendizagem: fatores orgânicos: atingem o organismo da criança, saúde deficiente, distúrbios neurológicos, alimentação inadequada; fatores psicológicos: inibição, ansiedade, sentimento de rejeição, auto-estima baixa, etc.; fatores ambientais: o ambiente familiar ( pais separados, aluno órfão, lar desunido, etc…) , o grau de estímulos recebidos desde o nascimento, a influência do meio em que a criança vive.

Além disso, a escola também pode influenciar pela relação professor-aluno, onde o professor autoritário, impaciente pode gerar antipatia e o aluno associa o professor à matéria desinteressando-se pela aula. Apesar de toda a dificuldade, cabe ao professor manter uma atitude positiva: de confiança na capacidade do aluno, de estímulo à participação de todos, de entusiasmo em relação à matéria e de amizade para com os alunos; pela relação entre alunos: se a relação entre os alunos for de agressão, falta companheirismo. Um clima de desconfiança, de competição, luta e tensão produz efeitos negativos sobre a aprendizagem; pelos métodos didáticos: métodos em que o professor é somente um agente transmissor de informação e o aluno a recebe passivamente formam alunos dependentes e sem autonomia, não permitindo que se desenvolvam de forma independente e criativa, que aprendam a decidir por si próprios, a reconhecer os problemas e a contribuir para encontrar soluções.

Pelo ambiente escolar: o tipo de sala de aula, a disposição das carteiras, a posição dos alunos, a ventilação e a iluminação são aspectos importantes.

Também o material didático (principalmente nas séries iniciais) deve ser interessante, onde os alunos devem manipular objetos, pesquisar em ambientes naturais, por exemplo, trabalhar com hortas, ferramentas, e trabalhos práticos são auxiliares importantes na aprendizagem.

A administração escolar deve ser baseada no respeito tanto por parte dos alunos quanto da diretoria, funcionários e professores, afinal, o exemplo é a melhor maneira de ensinar, afirma Rosa (2002).

Na concepção de Drouet (2003), a personalidade da criança vai se formando na medida em que ela interage com o meio físico e social em que vive, desenvolve-se com o seu crescimento físico, vai se modificando com as sucessivas interações e se expressa através dos diferentes comportamentos, nos relacionamentos sociais e nas ligações afetivas. Dessa forma as causas emocionais se tornam componente importante no processo de aprendizagem uma vez que agem diretamente no querer aprender. A criança que pode estar passando por um problema emocional não tem condições de aprender, porque esse problema pode estar a afetando de tal forma que ela volte a ter comportamentos primitivos como enurese, encoprese, recusa em ir à escola, tiques, masturbação em público, gagueira, ansiedade, comportamentos retraídos e conturbados, medo, fobia e comportamentos psicóticos.

Dentre as causa intelectuais podemos destacar os superdotados, os subdotados ou infradotados, os totalmente dependentes, os educáveis, os limítrofes. Essas características também podem influir no processo de ensino-aprendizagem.

Os distúrbios provenientes de uma educação familiar mal orientada podem resultar em problemas de aprendizagem, pois há uma estreita relação entre lar e escola. A influência do lar, assim como a influência do meio social mais amplo, é muito grande, principalmente na primeira infância e na adolescência. Essas são as fases mais críticas do desenvolvimento do ser humano, que sempre requerem um maior cuidado e atenção.

A família constituída de pai, mãe e filhos é considerada como a melhor unidade social. A influência da família é um elemento fundamental no desenvolvimento do caráter do indivíduo, explica Rosa (2002). A principal importância dessa influência reside no fato de o lar e a vida familiar proporcionarem, através de seu ambiente físico e social, as condições necessárias ao desenvolvimento da personalidade da criança.

O ambiente físico e social do lar deve proporcionar ao aluno a disciplina com horários, com as tarefas, um local de estudo apropriado, silêncio e harmonia. O clima emocional do lar, o nível cultural e educacional da família, bem como o seu nível sócio-econômico influenciará no desenvolvimento da personalidade da criança e também no seu desenvolvimento escolar, criando o chamado capital cultural ou currículo oculto, uma vez que uma família bem estruturada, além de garantir uma boa escola, garantirá também bons níveis de desenvolvimento cultural. Como por exemplo, uma família que tem o hábito da leitura, de assistir a bons filmes, tem o gosto pelas artes, pela cultura e a viajar, esta certamente estará estimulando os filhos a aprenderem e adquirirem os bons hábitos da cultura desde cedo.

Segundo Rosa (2002), no meio escolar o ambiente físico e social da escola, o professor e os alunos são fatores que podem prejudicar o desenvolvimento de uma criança se não forem trabalhados adequadamente. O homem é um ser social, portanto, desde que nasce é um membro de uma determinada sociedade. As pessoas querem sempre o melhor para si e para suas família, como o desejo de ver um filho entrando para uma universidade e sendo um profissional liberal. A educação, dentro desse contexto sócio-econômico e cultural, tem como papel, preparar o indivíduo para a realização de suas necessidades e objetivos, para ter uma profissão e sentir-se sujeito e transformador da sociedade. Como em todos os sistemas é a classe dominante que orienta e manipula toda a vida dos habitantes de um país e, portanto, determina que tipo de educação pretende para a nação. Essa educação será baseada nos seus parâmetros e é a sua cultura que será aceita e servirá de padrão para essa educação.

Aí é que ocorrem os problemas sociais, pois as pessoas de menor poder aquisitivo não poderão alcançar o nível da classe dominante.

Dessa forma é dever de todos superar a carência cultural, buscando o direito que todo cidadão tem à educação e saúde. Direito a educação implica em ver a criança na escola e direito à saúde, além de todos os outros aspectos, implica em atender o mais cedo possível a criança que apresentar problemas de aprendizagem para que possa ter uma verdadeira igualdade de oportunidade educacional e atingir o a sua realização pessoal e profissional, enfatiza Rosa (2002).

2.2. Breve resumo dos principais problemas e distúrbios de aprendizagem

Dentre os principais problemas de distúrbios de aprendizagem, Piaget apud Bock (2000) apresenta resumidamente alguns dos principais problemas de distúrbios de aprendizagem: falta de maturidade, onde ninguém aprende além do que sua estrutura cognitiva permitir; se uma criança só dispõe do pensamento operatório-concreto não terá condições de resolver uma situação que envolva características do pensamento operatório-formal; é preciso que ele tenha os recursos cognitivos de que precisa e saiba fazer uso deles; dificuldades na linguagem oral, onde os problemas que ocorrem na área da linguagem e da fala apresentam dois aspectos importantes que se relacionam, às vezes como causa, outras vezes como conseqüência: o psicológico (emocional) e o orgânico.

Alguns são comuns já outros são raros e não são encontrados na escola, pois impedem que a criança freqüente escolas de classes normais; mudez, que refere-se a incapacidade de articular palavras, geralmente decorrente de transtornos do sistema nervoso central ou outros fatores físicos. A mudez também pode ser psicológica ou emocional. Na escola o professor ao detectar o problema deve colocar atividades que não exijam expressão oral e num segundo passo encaminhar para um especialista para tratamento; dislalia, que é a omissão , substituição, distorção ou acréscimo de sons na palavra falada. Sua origem pode ser orgânica ( defeito na arcada dentaria, lábio leporino, freio da língua curto,língua de tamanho acima do normal) ou funcional ( a criança não sabe mudar a posição da língua e dos lábios); a disartria, que refere-se à dificuldade para realizar alguns sons ou muitos dos movimentos necessários a emissão verbal.

A fala pode ficar mais lenta e arrastada além de apresentar quebras de sonoridade quando ocorrem espasmos musculares. É um problema de articulação que envolve distúrbios de ritmo e entoação. Sua causa tem origem em lesões do sistema nervoso ou em perturbações do músculo que intervêm na produção de sons lingüísticos; afasia, que é associada a perturbações decorrentes de distúrbios no funcionamento cerebral; é caracterizada por falhas na compreensão e na expressão verbal, relacionada à insuficiência de vocabulário, má retenção verbal, gramática deficiente e anormal, escolha equivocada de palavras. Os sintomas envolvem diferentes setores: emocional, visomotor, linguagem (escrita, falada, auditiva e visual). Basicamente o distúrbio se manifesta como uma incapacidade de relacionar o que é percebido com o seu significado, ou transformar o pensamento em forma de expressão.

Quanto à inteligência, as crianças afásicas não apresentam deficiência nos testes não-verbais; disortografia, que é a dificuldade em transcrever corretamente a linguagem oral, havendo confusão de letras e trocas ortográficas. Exemplo: confusão de letras com trocas feitas entre sons semelhantes (t/v, p/b,cj/j); confusão de sílabas com tonicidade semelhantes; confusão de palavras com configurações semelhantes (mapa/capa); confusão com letras visualmente parecidas (b/d,p/q); uso de palavras com um mesmo som para varias letras (asa/aza, casa/caza); confusão de sílabas com tonicidade diferente (falaram/falarão); dificuldade em recordar a seqüência dos sons das palavras (junções: doque/ do que; fragmentações: es cola / escola, a contece/acontece); adições: palalava/palavra; omissões: tesora/tesoura, boeca/boneca).

Estes erros devem ser analisados com critério levando-se em consideração o nível de escolaridade da criança e a freqüência dos erros; a disgrafia, que é a deficiência na qualidade do traçado gráfico sendo que, essa deficiência, não deve ter uma causa um “déficit” intelectual e/ou neurológico. Trata-se, portanto, de crianças de inteligência média ou acima da média, que por vários motivos apresentam uma escrita ilegível ou demasiadamente lenta, o que lhes impede um desenvolvimento normal da escolaridade.

Rosa (2002) menciona que a disgrafia, também chamada de “letra feia”, não está necessariamente associada a disortografia. É possível que a criança apresente sinais somente de disgrafia. No entanto a criança que apresenta disortografia, geralmente apresenta também disgrafia, na maioria destes casos a “letra feia” é conseqüência da dificuldade de recordar a grafia correta para representar um som ouvido ou elaborado, então a criança escreve devagar, retocando letras e amontoando-as com o objetivo de esconder os erros ortográficos.

A dislexia, que refere-se à dificuldade na aprendizagem da leitura e escrita, se manifesta na incapacidade de distinguir e memorizar as letras, ou grupos de letras, na falta de ordem e ritmo da leitura e na má estruturação de frases.

A origem da dislexia é desconhecida, explica Rosa (2002). Alguns investigadores apontam para causas hereditárias, outros para fatores extrínsecos à criança, como por exemplo, uma má qualidade de ensino, e ainda outros para possíveis transtornos neurológicos. Portanto, os sintomas não podem ser considerados claros nem inequívocos. Desta forma, é imprescindível um parecer de um profissional para diagnosticar se uma criança é ou não disléxica. O momento para tomar decisões e fazer frente à dislexia é quando a criança apresenta dificuldades na leitura após dois ou três anos de ter começado a escola. Também podem ser consideradas disléxicas as crianças que aprendem a ler no momento certo, mas depois revelam graves problemas de escrita.

De qualquer forma, afirma Rosa (2002), os pais deverão atuar quando pressentirem que a criança começa a ter muitos problemas em fazer os trabalhos de casa, manifestando alguns sintomas anteriormente mencionados. O primeiro passo a dar é levar a criança a um especialista da área, psicopedagogo ou psicólogo, para se fazer um diagnóstico preciso e, posteriormente, adotar as medidas necessárias para “curar” a dislexia. Quando se não corrige esta dificuldade de aprendizagem as consequências podem resultar num fracasso escolar generalizado, diminuição da auto-estima e sentimentos de ansiedade e stress. O tratamento da dislexia pode durar meses ou anos, dependendo da idade da criança. Por esta razão, é essencial que os pais colaborem neste esforço, apoiando e motivando a criança em casa. Também na escola, a troca de informação com os professores é importante para tratar a criança disléxica, ajudando-a a crescer mais feliz, e, portanto, mais saudável, afirma Rosa (2002).

A Discalculia é a dificuldade que a criança apresenta em compreensão, raciocínio-lógico, e resolução de cálculos matemáticos. Suas causas podem ser pedagógicas, cognitivas, ou perturbações do sistema nervoso central. De acordo com Rosa (2002), podem ser encontrados em crianças que apresentem incapacidade para estabelecer correspondência um a um; associar símbolos audiovisuais e auditivos (faz a contagem oral, mas não identifica o numero visualmente; aprender a contagem através dos números ordinais; compreender o significado dos sinais das quatro operações; reconhecer e recordar os passos das operações; compreender os princípios da medida; escolher os princípios (somar, dividir,subtrair, multiplicar) para resolver problemas;

O Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é responsável pela enorme frustração que pais e seus filhos portadores desse distúrbio experimentam a cada dia. Crianças, adolescentes e adultos hoje diagnosticados com TDAH são freqüentemente rotulados de “problemáticos”, “desmotivados”, “avoados”, “malcriados”, “indisciplinados”, “irresponsáveis” ou, até mesmo, “pouco inteligentes”, afirma Rosa (2002). Hoje, sabe-se que o TDAH é um distúrbio neurológico sério, porém tratável, embora de difícil diagnóstico e acompanhamento devido à necessidade de um trabalho multidisciplinar contínuo. É possível afirmar que as pessoas portadoras de TDAH, apesar das dificuldades decorrentes da condição, podem aprender a tirar o melhor partido das suas características e a realizar todo seu potencial. O TDAH pode ser considerado um dom, um sentido extra que seus portadores têm para as coisas, uma maneira de chegar imediatamente ao âmago das situações enquanto os outros só chegam lá de maneira racional e metódica.

É preciso aprender a usar corretamente esse talento oculto. Do contrário, adota-se um modelo destrutivo de viver. Com a ajuda de pais e amigos, professores e terapeutas, os portadores de TDAH podem aprender a usar seu dom de maneira efetiva.

“Até alguns anos atrás, o “déficit de atenção” ou distúrbio da atenção” era conhecido como “disfunção cerebral mínima”. Mais e mais o conceito de “déficit de atenção” está mudando, de “desordem” pela inclusão de uma série de qualidades como a criatividade, alta inteligência, habilidade de fazer muitas coisas ao mesmo tempo, e por um forte senso de intuição. Aspectos negativos são desorganização, distração, esquecimento, dificuldade de completar tarefas, falta de senso de horário, bagunça. Crianças com “déficit de atenção” quando adultas, permanecem hiperativas e incapazes de ficar paradas, acrescenta Rosa (2002). Pessoas de pensamento muito rápido podem estar bem adaptadas no contexto apropriado. Grande parte dos problemas de crianças com déficit de atenção (ADD – Attention Deficit Disorder) provém da falta de compreensão e de informação dos pais e educadores. A questão não é o que há de errado com estas crianças, mas como são elas.

De alguma forma é como se você fosse super cobrado o tempo todo, afirma Rosa (2002). “Você tem que agir o tempo todo, mostrar o que você sabe, mas você tem outra idéia antes de acabar com a primeira; então você vai para esta outra idéia, mas certamente a terceira idéia intercepta a segunda, e você tem que seguí-la e logo as pessoas estão lhe chamando desorganizada e impulsiva e toda espécie de palavras desagradáveis que mostram a total falta de compreensão da situação, porque você está trabalhando e se esforçando.Inquietos, não sabem esperar a vez. São rápidos!” (Rosa, 2002, p. 63).

A criança ou adulto com hiperatividade e déficit de atenção está aqui, ali, em todo lugar, fica tamborilando, batendo os pés movimentando-se, cantando, assobiando, olhando aqui e ali, coçando-se, espreguiçando, rabiscando e as pessoas acham que ela não está prestando atenção. Ela se perde no tempo. As coisas acontecem todas ao mesmo tempo. Vendo televisão ela muda de canal a todo instante. Não tem capacidade de esperar na fila. Tem sempre o impulso de se movimentar, agir… Durante uma conversa “sai do ar”. A chave é a distração. Gosta de correr riscos. Está na frente, tirando conclusões e inventando soluções. A forma de cognição é qualitativamente diferente da maioria das pessoas. Quando não compreendidas ou não tratadas devidamente essas crianças ou mesmo os adultos são freqüentemente derrubadas pelo sistema. Tornam-se enfraquecidas, desanimadas. Elas tem seus próprios ritmos, onde conseguem pensar muitas coisas, juntando diversas idéias ao mesmo tempo.

Rosa (2002) aponta que os portadores de “déficit de atenção” (ADD) possuem três características ou componentes: distração, impulsividade e gostam de correr riscos.

Enfim, quando adultos, podem ter diminuídos estes sintomas pelo ambiente favorável em que vivem e pela aprendizagem (treino constante). As distrações são freqüentemente confundidas com inabilidade da criança ou adulto de prestar atenção a algo específico. E mesmo assim são capazes de prestar muita atenção, “hiperfocalizar” o que o interessa, afirma Rosa (2002).

3. A CONTRIBUIÇÃO DOS PROFISSIONAIS NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Em nosso país surgiram primeiramente profissionais que se dedicavam a atender crianças que por diferentes razões não conseguiam se adaptar a escola. Essas crianças que por diferentes razões ficavam à margem eram discriminadas. Não somente elas sofriam, mas também seus professores; alguns ficavam imobilizados, outros frustrados. Pais ficam aflitos quando seus filhos não correspondem ao que deles se espera. Todos os envolvidos: a criança, o mestre, os pais, esperam que o ato de ir à escola seja acompanhado do ato de aprender. Porém nem sempre está presente, na mente das pessoas, a concepção de que aprender é um processo complexo e que envolve múltiplas variáveis.

Rubinstein (1999) relata em sua obra que os primeiros psicopedagogos eram profissionais da educação, sensíveis e idealistas, que queriam ajudar na reintegração daqueles que estavam à margem. As dificuldades para aprender eram atribuídas a uma inaptidão. O aprendiz, possivelmente, deveria ser portador de algum distúrbio que o impedia de aprender como seus demais pares, as causas estavam depositadas principalmente nele. Os profissionais buscavam compreender as razões do não aprender a partir de explicações sobre a natureza do desenvolvimento orgânico, sendo que, em muitos casos as dificuldades em alguns casos eram associadas à questão da maturidade psico-neurológica.

Para compreender melhor as questões das dificuldades de aprendizagem, buscavam-se respostas através dos estudos de psicologia, neurologia, psicomotricidade, porém, a ênfase estava numa prática, nas técnicas que melhor atendessem às necessidades que tinham por objetivo reeducar, isto é, educar novamente através de um método mais eficaz, específico para o aprendiz que apresentasse lentidão, ou alguma inaptidão.

Para formar profissionais que atendessem as crianças com fracasso escolar, surgiram primeiramente no Brasil cursos de curta duração, onde segundo Rubinstein (1999), os quais ofereciam subsídios para entender aspectos específicos como aqueles relacionados com a psicomotricidade, linguagem e raciocínio. Esses cursos eram ministrados por profissionais brasileiros com experiência no atendimento de crianças com dificuldades escolares ou por profissionais estrangeiros especialmente convidados, freqüentemente do cone sul. Os profissionais iam construindo um currículo acadêmico a partir das oportunidades que surgiam em suas cidades e baseados também em sua formação acadêmica e em seus interesses específicos.

Os livreiros especializados que visitavam os consultórios e as instituições também contribuíram para a formação dos profissionais. De acordo com Rubinstein (1999), eles ofereciam materiais especializados em reeducação: livros, jogos e material pedagógico, especialmente da Argentina e da Espanha. Os livreiros especializados que visitavam os consultórios e as instituições também contribuíram para a formação dos profissionais. Eles ofereciam materiais especializados em reeducação: livros, jogos e material pedagógico, especialmente da Argentina e da Espanha. Posteriormente, foram sendo formados cursos de longa duração, de especialização, que objetivavam, além de oferecer recursos para o trabalho, buscar uma compreensão mais global do fenômeno da aprendizagem e das suas dificuldades. Em geral, descreve Rubinstein (1999), o público que freqüentava estes cursos já vinha com alguma experiência profissional, sendo alguns pedagogos, outros psicólogos e outros fonoaudiólogos.

Na década de 1970 já havia movimento científico-acadêmico em Porto Alegre, preocupado com a formação e capacitação de profissionais que atendessem a pessoas com os chamados “distúrbios de aprendizagem” ou “inaptidão para aprender”. Os primeiros cursos formais de Psicopedagogia eram denominados de Reeducação Psicopedagógica, Psicopedagogia Terapêutica, Dificuldades Escolares. Esses cursos ocorreram, primeiramente, nas cidades de Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo.

Rubinstein (2002) relata também um fato histórico que influiu fundamentalmente no percurso da psicopedagogia brasileira – a fundação da Associação de Psicopedagogos, que surgiu primeiramente como Associação Estadual de Psicopedagogos de São Paulo, em 1980, para posteriormente tornar-se Associação Brasileira de Psicopedagogia em 1985. Este foi sem dúvida um fato marcante, pois uma associação de Psicopedagogos, tornou-se uma associação de Psicopedagogia.

A partir da criação do órgão de classe, a Psicopedagogia ganhou força, corpo e penetração nos meios acadêmicos e reconhecimento público e oficial. “Se no início do percurso profissional a ênfase estava nas técnicas, havia também preocupação com as teorias que melhor pudessem esclarecer o fenômeno das dificuldades de aprendizagem.” (Rubinstein ,1999, p.12).

Segundo Rubinstein (1999), a contribuição da Psicopedagogia, hoje, ultrapassa os limites da clínica dos problemas de aprendizagem. Ela foi criada primeiramente para dar conta das dificuldades que a escola não conseguia resolver de forma adequada. A partir do trabalho clínico, foi se construindo uma interlocução entre os terapeutas psicopedagogos e os profissionais da escola. Se no início apenas era escutado o pedido da escola em recuperar o aluno, hoje existe maior preocupação com seu desenvolvimento global.

Costa (2001) observa que atualmente presencia-se uma tendência interessante na Psicopedagogia: profissionais da Escola buscando recursos na Psicopedagogia para melhor compreender a criança com dificuldades, havendo uma preocupação em salutar com a prevenção. O olhar clínico no sentido de considerar aspectos da singularidade do aprendiz e ao mesmo tempo uma atitude questionadora, torna possível uma intervenção psicopedagógica institucional. Esta nova posição dos profissionais da instituição torna a escola um local onde se vive a experiência do acolhimento, da tolerância, do respeito pelas diferenças.

Sabe-se hoje, que a integridade, autonomia e criatividade de uma nação dependem, em grande parte, da educação oferecida pelos educadores às novas gerações. É o professor dentro de sala quem assume esta função. É preciso tomar consciência dessa responsabilidade e se preparar continuamente para responder a essa função desafiadora, conflituosa e quem sabe até da ordem do impossível. Contudo, os psicopedagogos estão ampliando seu olhar e seu campo de ação. Eles estão presentes onde se faz necessário aprender a aprender, nas mais diferentes instituições.

Além da psicopedagogia, a escola e a família também têm papel importante no processo de superação das dificuldades de aprendizagem.

É comum a instituição referir que a situação familiar é a grande responsável pelo atraso na aprendizagem de alguns alunos, mas sabe-se que isso é uma transferência de responsabilidade, pois isso não pode impedir que diagnostiquemos para saber o que ocorre com a criança. No processo de aprendizagem são envolvidos vários componentes como: afetivo, cognitivo, motor, social, econômico, político, etc, e a causa das dificuldades de aprendizagem não podem ser focalizadas apenas no aluno e no professor, explica Rosa (2002).

Através de estudos feitos por autores que se dedicam a escreverem sobre o desenvolvimento do ensino-aprendizagem, observa-se que não é possível adaptar um ensino estático a alunos com aprendizagem instáveis, num mundo cheio de transformações. O fundamental é perceber o aluno em toda a sua singularidade, captá-lo em toda a sua especificidade, em um programa direcionado a atender as suas necessidades especiais. É a percepção desta singularidade que vai comandar o processo e não em método de desenvolvimento. Mesmo porque os métodos de desenvolvimento podem camuflar uma percepção pré-estabelecida pela criança e não levar em conta o seu desempenho, explica Rosa (2002).

É preciso que o professor altere a sua forma de conceber o processo de ensino-aprendizagem. O aluno pode não aprender num dado momento ou com aquele método, mas isso não quer dizer que ele não vá aprender.

Segundo Kishimoto (1996), o uso dos brinquedos, jogos e materiais pedagógicos são recursos de rica utilização, mas apresenta uma alienação nos saberes como: um professor que não sabe e/ou não gosta de brincar, não consegue desenvolver esta capacidade nos alunos; alegando que brincar é bobagem, perda de tempo. Neste sentido é necessário que o professor desenvolva sua própria ludicidade primeiro; a incompatibilidade entre o olhar do professor e da criança diante de um objeto. O adulto tem um olhar técnico esquecendo de que, quem vai utilizar esse objeto é uma criança; a relação professor/aluno, onde o aluno tem de dizer que ele é, do que gosta, com quem quer brincar. O professor não percebe que a imagem do aluno é uma produção sua; as formas que o aluno vê o professor, a instituição, o material proposta.

Quando lida com brinquedos, jogos e materiais pedagógicos, a criança precisa vê como uma brincadeira, um passatempo, mas com a orientação do professor esta brincadeira terá um significado de aprendizagem.

Também se ouve com certa freqüência dizer que o aluno não aprende por apresentar problemas emocionais. Evidentemente algumas crianças enfrentam sérias dificuldades em seu desenvolvimento cognitivo e emocional. Não lhes é fácil abstrair e generalizar, por isso sofre inúmeros medos e problemas de relacionamento com outras crianças e adultos, explica Branden (1997).

A escola deve reconhecer a importância dos fatores emocionais e afetivos na aprendizagem, mas este não é seu principal objetivo. A prioridade numa instituição escolar é proporcionar condições para que ocorra a aprendizagem, explica Branden (1997). Assim, cabe à escola esforçar-se para criar um ambiente próspero e seguro, onde as crianças se sintam bem, porque nestas condições a atividade intelectual fica facilitada. “Uma classe em que o que se pede e se espera é o melhor que a pessoa tem, é uma classe que desenvolve tanto o aprendizado como a auto-estima”. (BRANDEN, 1997, p. 261).

Deve-se ressaltar a importância de se estabelecer uma verdadeira relação entre o professor e o aluno, para que o processo de ensino-aprendizagem se efetue satisfatoriamente. Assim, para que essa relação aconteça, é preciso favorecer ao professor um conhecimento mais detalhado do aluno, que será o alvo das suas atenções e com o qual ele deverá relacionar-se para efetivar seus objetivos educacionais.

Portanto, o aluno com dificuldades de aprendizagem é alguém que deve ser visto como um ser humano global. Se a auto-estima da criança é a confiança que ela tem em sua capacidade de lidar com desafios básicos da vida, e um desses desafios consiste no relacionamento com os outros seres humanos, isto significa relacionar-se de tal forma que suas interações sejam experimentadas como positivas, tanto por ela como pelas pessoas.

Ao chegar à escola, as crianças apresentam diferenças quanto às suas habilidades, capacidades de aprendizagem, cultura, enfim, cada criança tem sua singularidade. Os bons professores compreendem que o indivíduo só aprende quando motivado, construindo sobre os pontos fortes e não enfocando suas fraquezas. Conseqüentemente, eles desenvolvem competências dando aos alunos tarefas de acordo com o nível de habilidades de cada um, o que possibilita que o aluno progrida em seu desenvolvimento intelectual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criança é um ser social que nasce com capacidades afetivas, emocionais e cognitivas. Tem desejo de estar próxima às pessoas e é capaz de interagir e aprender com elas de forma que possa compreender e influenciar seu ambiente. Ampliando suas relações sociais, interações e formas de comunicação, as crianças sentem-se cada vez mais seguras para se expressar, podendo aprender, nas trocas sociais, com diferentes crianças e adultos cujas percepções e compreensões da realidade também são diversas.

A intervenção do professor é necessária para que as crianças possam, em situações de interação social ou sozinha, ampliar suas capacidades de apropriação dos conceitos, dos códigos sociais e das diferentes linguagens, por meio da expressão e comunicação de sentimentos e idéias, da experimentação, da reflexão, da elaboração de perguntas e respostas, etc. Para isso, o professor deve conhecer e considerar as singularidades das crianças de diferentes idades, assim como a diversidade de hábitos, costumes, valores, crenças, etnias etc. das crianças com as quais trabalha respeitando suas diferenças e ampliando suas pautas de socialização.

Nessa perspectiva, o professor é mediador entre as crianças e os objetos de conhecimento, organizando e propiciando espaços e situações de aprendizagens que articulem os recursos e capacidades afetivas, emocionais, sociais e cognitivas de cada criança aos seus conhecimentos prévios e aos conteúdos referentes aos diferentes campos de conhecimento humano.

Para que a aprendizagem ocorra com sucesso, é preciso que o professor considere a interação com crianças da mesma idade e de idades diferentes em situações diversas, promover atividades que apresentem desafios, significativas e apresentadas de maneira integrada para as crianças e o mais próximas possíveis das práticas sociais reais; proporcionar a resolução de problemas como forma de aprendizagem, considerando que o erro construtivo tem uma função primordial no processo cognitivo.

A interação social em situações diversas também é uma das estratégias mais importantes do professor para a promoção de aprendizagem pelas crianças. Assim, cabe ao professor propiciar situações de conversa, brincadeiras ou de aprendizagens orientadas que garantam a troca entre as crianças, de forma a que possam comunicar-se e expressar-se, demonstrando seus modos de agir, de pensar e de sentir, em um ambiente acolhedor e que propicie a confiança e a auto-estima. A existência de um ambiente acolhedor, porém, não significa eliminar os conflitos, disputas e divergências presentes nas interações sociais, mas pressupõe que o professor forneça elementos afetivos e de linguagem para que as crianças aprendam a conviver, buscando as soluções mais adequadas para as situações com as quais se defrontam diariamente.

Cabe ainda ao professor a tarefa de individualizar as situações de aprendizagens oferecidas às crianças, considerando suas capacidades afetivas, emocionais, sociais e cognitivas assim como os conhecimentos que possuem dos mais diferentes assuntos e suas origens socioculturais diversas. Isso significa que o professor deve planejar e oferecer uma gama variada de experiências que responda, simultaneamente, às demandas do grupo e às individualidades de cada criança.

Considerar que as crianças são diferentes entre si, implica propiciar uma educação baseada em condições de aprendizagem que respeitem suas necessidades e ritmos individuais, visando a ampliar e a enriquecer as capacidades de cada criança, considerando-as como pessoas singulares e com características próprias.

É preciso construir, urgentemente, uma escola que ensine a pensar e a aprender. Contesta-se muito que é preciso mudar os sistemas educacionais em vigor no país, mas pouco, realmente, se tem feito para apresentar soluções imediatas, principalmente quanto ao fracasso escolar de inúmeras crianças. Cabe, no entanto, refletir se essas soluções dependem de fato só dos legisladores educacionais ou podem depender, às vezes, muito mais dos educadores.

É preciso promover o desenvolvimento das competências e potencialidades do aluno visando sua formação integral sujeito-aluno; isto é, um cidadão que pensa, vê, sente, observa o mundo, experimenta, critica, cria, recria, decide, atua, sujeito este portador de uma história de vida, constituído de vários saberes e experiências, aluno construtor e participante, ativo e dinâmico do seu processo de aprender a aprender e pensar.

Enfim, não se pode tratar as dificuldades de aprendizagem como se fossem problemas insolúveis mas, antes disso, como desafios que fazem parte do próprio processo da aprendizagem. É muito importante a avaliação global da criança ou adolescente, considerando as diversas possibilidades de alterações que resultam das dificuldades de aprendizagem, para que o tratamento seja o mais específico e objetivo possível.

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