AS MENTIRAS QUE OS HOMENS CONTAM – Luis Fernando Veríssimo
Breve informação sobre a crônica
• Cronos, divindade mitológica que representa o tempo
• Primeiro grande cronista da Língua Portuguesa: Fernão Lopes
• Crônicas modernas deixaram de lado o aspecto de registro histórico da classe dominante e anotam com humor, ironia ou lirismo as banalidades do cotidiano
• Crônicas, geralmente, tem a intenção de divertir
• Existem diferentes tipos de crônica:
Crônica descritiva: predomina a caracterização de elementos no espaço
Crônica narrativa: história envolvendo personagens, enredo, etc.
Crônica narrativo-descritiva: predomínio das narrações e descrições
Crônica lírica: linguagem poética e metafórica
Crônica metalingüística: fala sobre o próprio ato de escrever
Crônica reflexiva: reflexões filosóficas sobre vários assuntos
• Na introdução do livro, L.F.V. escreve:
“O cronista também precisa respeitar certas convenções e limites mas está livre para produzir seus ovos em qualquer formato. Nesta coleção existem textos que são contos, outros que são paródias, outros que são puros exercícios de estilo ou simples anedotas e até alguns que se submetem ao conceito acadêmico de crônica.(…)”
“Você, que é o consumidor do ovo e do texto, só tem que saboreá-lo e decidir se é bom ou ruim, não se é crônica ou não é. Os textos estão na mesa: fritos, estrelados, quentes, mexidos… Você só precisa de um bom apetite.” (A crônica e o ovo)
Estrutura da Obra e Temática
Constituído de quarenta e um textos relativamente curtos, como são as crônicas, possuem uma linguagem propositalmente descontraída e informal
Temas:
• Mentiras de homens e mulheres.
• Começa na infância. E a primeira vítima é a mãe. Depois vêm as namoradas, a esposa, a sogra, a amante, os amigos, o chefe. E se torna um comportamento compulsivo.
• Muitas vezes lançamos mão delas para evitar algum tipo de constrangimento ou para escapar de broncas, outras pela terrível necessidade de não magoar os outros, ou até mesmo por mera brincadeira.
• Não tem como escapar — as mentiras vão sempre estar presentes no cotidiano do ser humano. E se muitas vezes são mentiras inocentes, sem maiores conseqüências, em outras situações elas assumem dimensões gravíssimas e podem levar a um desfecho trágico.
• Quem nunca se deparou com um estranho na rua com a constrangedora pergunta: “Lembra de mim?” E você, mesmo sem saber de quem se trata, responde: “Claro.” E, aí, tenta ganhar tempo e mais algumas dicas para decifrar a identidade do inconveniente sujeito.
• Quem nunca inventou, para a mãe, uma dor ou mal-estar pra fugir de um dia de aula?
• Quem nunca usou o trânsito para justificar o atraso a um compromisso?
• Afinal, quem nunca contou uma mentira que atire a primeira pedra.
IV – Enredos – Prefácio
“ Nós nunca mentimos. Quando mentimos, é para o bem de vocês. Verdade. “
• História sobre a doença para não ir à escola
“ Assim, lhe dávamos a alegria de se preocupar conosco, que é a coisa que a mãe mais gosta, e a poupávamos de descobrir a nossa falta de caráter. Melhor um doente do que um vagabundo.”
• Primeira namorada: “ A paixão nessa idade pode ser um sumidouro”
“Outras namoradas. Outras mentiras.
– Eu quero só ver, juro. Não vou tocar.
Vocês não queriam ser tocadas, mas ao mesmo tempo se a gente nem tentasse. Nem desse a vocês a oportunidade de afastar a nossa mão, indignadas. Ou de descobrir como era ser tocada.”
• Casamento: mentiras sobre o medo de ladrão
““ Fiquei fazendo companhia ao Almeidinha, coitado, ele ainda não se refez” significa que a nova gata do Almeidinha só saía com ele se ele conseguisse um par para a prima dela, e nós fazemos tudo por um amigo, mas não queremos estragar a ilusão de vocês de que a separação deixou o Almeidinha arrasado, como ele merecia.”
• “ Está quase igual ao da mamãe.”
2 – Grande Edgar
• Dois amigos se encontram e um não se lembra do outro
• Possibilidade de soluções:
“ Um, o curto, grosso e sincero. – Não.”
“Outro caminho, menos honesto mas igualmente razoável, é o da dissimulação.(…)
– Desculpe, deve ser a velhice, mas…”
“E há um terceiro caminho. O menos racional e recomendável. O que leva à tragédia e ruína. E o que , naturalmente, você escolhe.”
• Diversas tentativas e nomes são sugeridos pelo interlocutor
“Você abandonou todos os escrúpulos. Ao Diabo com a cautela. Já que o vexame é inevitável, que ele seja total, arrasador. Você está tomado por uma espécie de euforia terminal. De delírio do abismo. Como que conhece o Bituca?”
“ Ao se afastar, você ainda ouve, satisfeito, ele dizer “ Grande Edgar”.Mas jura que é a última vez que fará isso. Na próxima vez que alguém lhe perguntar” Você está me reconhecendo?” Não dirá nem não. Sairá correndo.”
3 – O Falcão
• História da vida difícil de um homem, que é seqüestrado por engano
“Só uma palavra descrevia a vida de Antônio. Foi a palavra que ele usou quando viu o tamanho da fila do ônibus.
– Que merda!
Estava mal empregado, mal casado, mal tudo.”
• Antônio faz tentativas frustradas de mostrar aos seqüestradores o engano
• É morto e jogado da ponte.
4- Blefes
• Detalhes sobre um jogo de pôquer
“Ninguém conhece a alma humana do que um jogador de pôquer. A sua e a do próximo.”
• Explicações de como se pode ganhar um jogo com um blefe
• Crítica sutil a alguns governantes brasileiros
“A história dos presidentes do Brasil desde Jânio tem sido uma sucessão de blefes. Jango também foi um blefe, na medida em que aparentava ter um poder que não tinha. O golpe de 64 foi um blefe para quem acreditou nele. Um blefe involuntário. Sarney não foi um blefe completo porque ninguém esperava que ele fosse muito diferente. Collor foi um blefe deliberado que manteve a versão política do poker face, que é um cara de pau mesmo sob a ameaça do ridículo.
E chegamos a social-democracia no poder, que pode estar agradando a muita gente, mas é outro blefe em relação às expectativas que criou e ao que podia ter sido. Ou talvez esse blefe tenha uma história antiga, e a gente é que não tinha notado.”
5 – A Aliança
• História de um homem, que voltando do trabalho, fura o pneu do carro
• Na troca, perde a aliança num bueiro
• Pensa na conversa que teria com a esposa
“ – O que aconteceu?
E ele contaria. Tudo exatamente como acontecera. O macaco. O óleo. A aliança no asfalto. O chute involuntário. E a aliança voando para o bueiro e desaparecendo.
– Que coisa – diria a mulher, calmamente.
– Não é difícil de acreditar? // – Não. É perfeitamente possível.
– Pois é. Eu… // – SEU CRETINO!”
• Discussão com a esposa / Chega em casa sem dizer nada, pouca conversa.
“- Tirei para namorar. Pra fazer um programa. E perdi no motel. Pronto. Não tenho desculpas. Se você quiser encerrar nosso casamneto agora, eu compreenderei. (…)
– O mais importante é que você não mentiu para mim.
E foi tratar do jantar.”
6 – Os Moralistas
• Paulo separa de sua esposa Margarida
“ Paulo está ao mesmo tempo comovido e surpreso com os três amigos. Assim que souberam do seu divórcio iminente, correram para visitá-lo no hotel. A solidariedade lhe faz bem. Mas não entende aquela insistência deles em dissuadi-lo. Afinal, todos sabiam que ele não se acertava com a mulher.”
• Todos estão tentando convencê-lo a voltar com a mulher, mostrando-lhe as desvantagens de se separar: família, filhos(“mas nós não temos filhos”), festas nas casas dos outros.(“Você se transformará num paria social, Paulo.”)
• Na verdade, a preocupação deles era outra
“- Também, a idéia dele. Largar o gol dos casados logo agora. Em cima da hora. Quando não dava mais para arranjar mais substituto.
– Os casados nunca terão um goleiro como ele.(…)”
7 – O Dia da Amante
• A pergunta é: “ Por que não existe um dia dos Amantes?”
“Já existe o Dia dos Namorados e hoje em dia a diferença entre namorado e amante tornou-se um pouco vaga. Quando é que namorados se transformam em amantes? Segundo uma moça, experimentada na questão, que consultamos, se a mulher der para o mesmo homem mais de 17 vezes seguidas ele deixa de ser namorado e, tecnicamente, passa a ser seu amante.(…)”
• Diferenças entre um amante e um namorado solteiros: sexo
“No caso do homem casado e com uma amante a coisa se torna mais complicada, e pouco invejável. No caso do homem casado e com várias amantes, se torna mais complicada ainda, e mais invejável.(…)”
• Propagandas para o Dia dos Amantes.
“Tudo para o seu segundo lar.”
“Faça-a sentir-se como se fosse a legítima. Dê uma máquina de lavar roupa.”
“Já que ela não pode ter um a aliança, dê um anel.”
“No Dia dos Amantes, dê a ela um despertador. Assim você nunca se arriscará a chegar tarde em casa.”
• Confusões inevitáveis: marido e mulher se encontram numa loja de lingerie
• Marido comprando uma camisola / Mulher leva um susto
“- Há anos que eu tento esconder isso de você. Agora você pegou e vou revelar tudo. Adoro dormir de renda preta! Só me controlei até hoje por causa das crianças!
Ela compreende. Tenta acalmá-lo. Mas ele agora está agitado. Bate no balcão e grita:
– Também quero ligas vermelhas, um chapelão e chinelos de pompom grená!”
• Conclusão: a amante ficará sem o presente, mas não existiria suspeitas
• Dica: telefone para casa antes de ir para a casa da amante
“ Você se dirige para a casa da amante, com o embrulho do presente embaixo do braço. Começa a pensar na ausência da sua mulher em casa. Onde ela teria ido? Lembra-se então de que a viu mais de uma vez olhando com interesse uma vitrine cheia de cachimbos. Na certa pensando num presente para lhe dar. E súbito você pára na calçada como se tivesse batido num elefante. Você não fuma cachimbos!”
8 – A verdade
• História de uma donzela que estava na beira de um riacho
• Perde um anel de diamante que é levado pelas águas
• Com medo do pai, ela inventa uma história de que foi assaltada.
• Os irmãos vão até a floresta e encontram um homem e o matam
• Voltam à floresta e encontram um segundo homem, que também é morto.
• A moça inventa uma história de que existia um terceiro homem
• Os irmãos,cansados de sangue, levam-no para a aldeia.
“- Foi ele que assaltou a donzela, e arrancou o anel de seu dedo, e a deixou desfalecida – gritaram os aldeiões.- Matem-no.
– Esperem! – gritou o homem, no momento em que passavam a corda da forca pelo seu pescoço.- Eu não roubei o anel. Foi ela que me deu!”
“O homem contou que estava à beira do riacho, pescando, quando a donzela se aproximou dele e pediu um beijo. Ele deu o beijo. Depois a donzela tirou a roupa e pedira que ele a possuísse, pois queria saber o que era o amor. Mas como era um homem honrado, ele resistira, e dissera que a donzela deveria ter paciência, pois conheceria o amor do marido no seu leito de núpcias. Então a donzela lhe oferecera o anel dizendo:”Já que meus encantos não o seduzem, este anel comprará seu amor.”E ele sucumbira, pois era pobre, e a necessidade é o algoz da honra.”
• Todos se viraram contra a donzela: ”Rameira!Impura!Diaba!”
• Antes da morte, a donzela quis falar com o pescador
“- A sua mentira ra maior que a minha. Eles mataram pela minha mentira e vão matar pela sua. Onde está, afinal, a verdade?(…)
– A verdade é que eu achei o anel na barriga de um peixe. Mas quem acreditaria nisso? O pessoal quer violência e sexo, não histórias de pescador.”
O Autor e o Estilo
• Nascido em Porto Alegre, L.F.V. desde cedo trabalhou em redações de jornais, fato que faz suas crônicas sempre tratarem de temas atuais
• Linguagem simples, clara, despreocupada com a construção acadêmica ou vanguardística
• Sempre procura, tanto na forma como conteúdo, uma comunicação direta com o leitor
• Escritor de texto refinado, sem rodeios
• A objetividade de L.F.V. faz o que escreve fluir na cabeça de quem lê
• Vive citando nomes, locais e fatos pouco conhecidos do grande público
• “Faz rir. Faz chorar. Faz pensar. É político. É humano. É, sem dúvida, um gigolô das palavras. E nem as come ! As deixa inteiras para que o leitor possa obter máximo prazer.”