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sábado, dezembro 21, 2024

Aspectos Cognitivos do Processamento Textual

1. Introdução

A preocupação central das pesquisas na área de Cognição tem sido a de propor teorias empiricamente comprováveis, capazes de explicar os aspectos estruturais e processuais da cognição humana, a partir de três questionamentos básicos (Schwarz, 1992):

1. De que conhecimento o ser humano precisa dispor para poder realizar tarefas tão complexas como pensar, falar e agir socialmente?

2. Como este conhecimento está organizado e representado na memória?

3. Como este conhecimento é utilizado e que processos e estratégias cognitivas são postas em ação por ocasião do uso?

Meu objetivo é o de apresentar algumas respostas a tais questões, lembrando, porém, que existem hipóteses alternativas, dentro de quadros teóricos distintos daquele que foi aqui adotado.

Um princípio básico da Ciência cognitiva é que o homem representa mentalmente o mundo que o cerca de uma maneira específica e que, nessas estruturas da mente, se desenrolam determinados processos de tratamento, que possibilitam atividades cognitivas bastante complexas. Isto porque o conhecimento não consiste apenas em uma coleção estática de conteúdos de experiência, mas também habilidades para operar sobre tais conteúdos e utilizá-los na interação social.

Em outras palavras, o “cognitivo” apresenta-se sob a forma de representações (conhecimentos estabilizados na memória, acompanhadas das interpretações que lhes são associadas) e tratamentos ou formas de processamento da informação (processos voltados para a compreensão e a ação, como é o caso, por exemplo, dos processos inferenciais).

Pode-se, assim, dizer que a memória opera em três momentos ou fases:

1. “estocagem” – em que as informações perceptivas são transformadas em representações mentais, associadas a outras;

2. retenção – em que se dá o armazenamento das representações;

3. reativação – em que se opera, entre outras coisas, o reconhecimento, a reprodução, o processamento textual.

2. Estrutura da memória

Uma antiga preocupação dos estudiosos da cognição é distinguir o que é provisório e o que é permanente no funcionamento da memória. Tem-se postulado, portanto, a existência de uma “memória de curtíssimo – termo” ou memória de percepção, onde os estímulos visuais, auditivos e outros são retidos por cerca de 250 milésimos de segundos; de uma memória de curto – termo (MCT), de capacidade limitada, onde as informações são mantidas durante um curto lapso de tempo; e de uma memória de longo – termo (MLT), onde os conhecimentos são representados de forma permanente.

Desta forma, as informações seriam estocadas, em um primeiro momento, sem passarem por qualquer análise, no registro sensorial; a seguir, parte delas seria codificada na MCT para, depois de submetidas a um tratamento, serem transmitidas à MLT, enquanto um registro permanente, semelhante a uma ” base de dados”.

Verifica-se, pois, que a concepção tradicional de MCT como um lugar passivo de estocagem de informações vem sendo modernamente posta em causa: sugere-se que é possível manter um certo número de unidades de informação na MCT, enquanto se realizam, ao mesmo tempo, operações complexas de aprendizagem, compreensão ou raciocínio. Isto se deve à possibilidade de ativação e transferência de unidades armazenadas na MLT para a MCT, de modo a permitir o tratamento da informação nela presente para sua posterior transferência à MLT.

É também devido à necessidade de tratamento da informação que chega (“incoming”) que se tem postulado a existência de uma espécie de memória intermediária – a memória operacional ou memória de trabalho (“working memory”) que faria a mediação entre a MCT e a MLT, operando de forma paralela aos processos conscientes, porém limitados em termos de capacidade, da MCT. A memória de trabalho seria constituída de dois subsistemas, um destinado ao tratamento verbal, outro, ao tratamento viso-espacial, complementados por uma espécie de executivo central.

De toda forma, hoje em dia, a maior parte dos autores considera a MCT como uma espécie de recorte da MLT, que, em momento determinado, entra em estado de ativação.

Por ocasião do processamento, uma série de processos tem lugar, a saber:

1. seleção dos canais de informação da MCT;

2. seleção, pela MCT, das informações recentes;

3. manutenção ativa de informações na MCT;

4. busca na MLT para levar a uma estocagem mais elaborada do que aquela fornecida pela MCT;

5. atividades de raciocínio ou de solução de problemas que implicam busca na MLT para posterior re-combinação com elementos da MCT e assim por diante.

A eficiência de nosso pensamento, linguagem e ação repousam sobre a atuação conjunta dos componentes da memória. Assim sendo, o processamento textual envolve tanto a ativação de conhecimentos da MLT, como o conjunto de processos cognitivos realizados por todos os componentes da memória. Isto é, paralelamente ao sistema da memória de curto termo, que tem por função armazenar informações facilmente evocáveis em tempo determinado e na maioria das vezes, limitados, opera a MLT, que seria como “o sistema de gestão” dessa memória, com objetivo de organizar as informações para tratamento posterior.

3. Natureza das representações

Como vimos, a MLT é um espaço no qual estão classificadas as representações mnésicas. Elas incorporam dois sistemas de conhecimento funcionalmente distintos, de modo que se costuma falar em dois tipos de memória:

1. memória semântica – que abrange o conhecimento geral (categorial) sobre o mundo e as proposições acerca deste. Seria uma espécie de “thesaurus” mental, no qual se inclui o léxico da língua. Seriam conhecimentos deste tipo: •

– A fórmula da água é H2O

– Samba é um ritmo afro – brasileiro.

2. memória episódica, que contém informações sobre vivências pessoais, por isso também chamada de memória autobiográfica. Armazena episódios, isto é, eventos espacio-temporalmente situados, portanto sensíveis às variações contextuais.

No entanto, os dois tipos de conhecimento interagem continuamente: utilizamos o conhecimento geral para desenvolver o conhecimento particular; este, por sua vez, pode levar a modificação e ampliação do conhecimento geral. Além disso, representações episódicas de conhecimento podem, com o tempo, adquirir caráter categorial, à medida que se vão fazendo abstrações das circunstâncias espácio-temporais e particulares (cf. modelos generalizados, Van Dijk, 1989). Poder-se-ia dizer que conhecimento semântico e episódico se situam nos pontos extremos de um continuum de representações de conhecimento.

Tanto as representações episódicas quanto as semânticas são verbalizáveis (ainda que se trate de episódios íntimos ou de imagens mentais – Vignaux, 1991: 205). Elas apresentam, além disso, um caráter estático, na medida em que descrevem “estados de coisas” ou do sujeito. Por isso, constituem conhecimentos declarativos, em oposição aos conhecimentos procedurais, que são mais dinâmicos, envolvendo capacidades perceptivo-cognitivas e cognitivo-motrizes.

Assim, enquanto na manipulação do conhecimento declarativo intervêm, necessariamente, o controle intencional e a aprendizagem, pode-se dizer que os conhecimentos procedurais são, em grande parte, automatizados. A competência cognitiva humana engloba tanto o conhecimento declarativo (estrutural), como o procedural, que consiste de programas que constituem pressupostos para os mecanismos de atuação (processamento).

Verifica-se, assim, que a memória deixa de ser vista como um auxiliar do conhecimento, passando a ser considerada parte integrante dele, ou mesmo como a forma de todo o conhecimento: o conhecimento nada mais é que estruturas estabilizadas na memória de longo prazo, que são utilizadas para o reconhecimento, a compreensão de situações – e de textos – e a ação e interação social. Tais conhecimentos (ou “saberes”) são formados a partir de estados provisórios de conhecimento elaborados pela memória operacional e são resultado das nossas atividades de construção de sentido e interpretação de situações e eventos. Nestes termos é que se pode falar de aquisição ou construção de conhecimentos.

3. Unidades cognitivas e estruturas na MLT

Unidades elementares: conceitos

Conceitos são unidades organizacionais que têm por função armazenar conhecimento sobre o mundo. Trata-se de “tijolos” do sistema cognitivo (Schwarz, 1992: 84) que permitem a estocagem econômica e o tratamento de unidades subjetivas de experiência, por meio da divisão da informação em classes, com base em determinadas características (categorização da experiência).

O homem tem necessidade de ordenar o mundo a sua volta, de organizar a variedade difusa de estímulos em objetos particulares invariantes, que, por sua vez, serão distribuídos em classes de membros equivalentes. Assim, identidade e equivalência constituem princípios básicos de categorização do mundo e do saber sobre o mundo. É o princípio da identidade que nos permite reconhecer um objeto, em diferentes momentos e situações, como uma só e a mesma entidade. O princípio da equivalência, por sua vez, possibilita reconhecer dois objetos, com base em suas propriedades comuns, como dois exemplares ou instâncias de uma mesma classe.

O reconhecimento de objetos idênticos e equivalentes é possibilitado pelos conceitos armazenados na MLT. Os conceitos que encerram informações sobre classes de objetos estabelecem categorias ou “conceitos – tipo”, ao passo que aqueles que representam objetos individuais são “conceitos – token” ou “conceitos individuais”.

Os conceitos derivam de operações mentais que realizam abstrações a partir dos exemplares individuais e deles extraem as características comuns.

Modernamente, os conceitos deixaram de ser vistos como unidades bem definidas e claramente distintas umas das outras, para serem consideradas como unidades de representação flexíveis, estudadas nas teorias de protótipos e estereótipos. São, portanto, fundamentais para explicar os processos de aprendizagem e compreensão humanos. Com o passar do tempo passaram a ser vistos como altamente flexíveis e dinâmicos, constantemente atualizáveis, isto é, passíveis de complementação e/ou reformulação.

A caracterização por protótipo se realiza (Taylor, 1989: 41) por comparação com um modelo optimal, que representa o exemplar prototípico, cujos atributos são considerados como propriedades acessíveis a partir de um conhecimento de mundo. O protótipo contém detalhes culturais, provindo o efeito de prototipicidade do grau de correspondência entre o modelo e as situações reais (Kleiber, 1990: 173). Sendo, pois, o grau de correspondência variável, o grau de pertencimento a uma categoria é determinado pela situação, de modo que os limites da categoria são fluidos (Taylor, 1989: 51).

Os estereótipos, por sua vez, constituem representações sociais. Todo o conhecimento representado sob forma de modelos cognitivos generalizados (frames, scripts, etc, como será visto a seguir ) é um conhecimento estereotípico.

Unidades organizacionais complexas: os “modelos”

Os conceitos não são armazenados na memória de forma estanque, mas sim acoplados a outros através de diversos tipos de relações, formando, destante, blocos (“clusters”) agrupados como unidades na memória e recuperáveis como tal.

Trata-se, pois, de objetos complexos, que reagrupam objetos elementares (conceitos, relações, modos de ação etc) e que têm recebido denominações diversas, com ou sem diferenças de ordem conceitual, entre as quais: esquemas (Bartlett, 1932; Rumelhart, 1980); frames (Minsky, 1977); cenários (Sanford & Garrod, 1980); scripts (Schank & Abelson, 1977), M. O. P.s (Schank, 1985); modelos mentais (Johnson-Laird, 1983); modelos episódicos ou de situação (Van Dijk, 1989).

Os modelos são, pois, estruturas complexas de conhecimentos, que representam as experiências que vivenciamos em sociedade e que servem de base aos processos conceituais. São freqüentemente representados em forma de redes, nas quais as unidades conceituais são concebidas como variáveis ou “slots”, que denotam características estereotípicas (“defaults”) e que, durante os processos de compreensão, são preenchidas com valores concretos (“fillers”).

Assim, por ocasião do processamento da informação, selecionam-se os esquemas com a ajuda dos quais o atual estado de coisas pode ser interpretado. As unidades não explícitas no texto são inferidas do respectivo modelo. Na falta de informação explícita em contrário, utiliza-se como “filler” a informação ” default”, ou seja, a informação “standard” , estereotípica.

A concepção de modelo cognitivo sofreu também alterações com o passar do tempo. Devido ao grande incremento que teve no interior da I.A . , o modelo foi visto a princípio como algo fixo, estático, rígido, pouco adequado, portanto, para explicar os processos de aprendizagem e compreensão humanos. Com o passar do tempo, passaram a ser considerados como altamente flexíveis e dinâmicos, constantemente atualizáveis, isto é, passíveis de complementação e/ou reformulação.

Os modelos constituem, pois, conjuntos de conhecimentos socioculturalmente determinados e vivencialmente adquiridos, que contêm tanto conhecimentos declarativos sobre cenas, situações e eventos, como conhecimentos procedurais sobre como agir em situações particulares e realizar atividades específicas. Inicialmente particulares (já que resultam das experiências do dia-a-dia), determinados espácio-temporalmente, e por isso estocados na memória episódica.

Após uma série de experiências do mesmo tipo, tais modelos vão-se tornando generalizados, com abstração das circunstâncias particulares específicas (Van Dijk, 1989) e, quando similares aos dos demais membros de um grupo, passam a fazer parte da memória semântica.

4. Processamento textual

Pode-se dizer que são três os principais sistemas de conhecimentos acessados por ocasião do processamento textual (que, evidentemente, se encontram intimamente imbricados): o lingüístico, o enciclopédico (declarativo e episódico) e o sócio-interacional, aos quais correspondem três tipos de estratégias: as cognitivas, as sócio-interacionais e as textualizadoras (ou textuais).

O uso de tais estratégias (cf. Koch,1995, 1996 e 1997, no prelo) é monitorado por um tipo particular de modelo que, em cada situação de interação verbal atua como uma espécie de “sistema de controle” dos demais sistemas, descrito por VAN DIJK (1995) como modelo cognitivo de contexto.

Trata-se, segundo ele, de uma representação do próprio evento comunicativo como um todo, englobando: papéis, posições sociais e relações sociais dos participantes; seus objetivos, propósitos, interesses, expectativas; grupos sociais e outros grupos a que pertencem (idade, raça, gênero, profissão, classe social, etc.); representações sociais compartilhadas ( atitudes, ideologia); condicionamentos institucionais e sociais da interação; gêneros textuais e variedade de língua apropriados ao evento; preferências culturalmente determinadas com relação à situação; circunstâncias de tempo, lugar, objetos, tipos de participação etc.

A função de tais modelos é, pois, a de monitorar a própria organização do texto com vistas à produção do sentido em cada situação de interação verbal: ordem ou proeminência dos enunciados ou segmentos textuais; necessidade, interesse ou inconveniência de explicitação de informações ou de recursos responsáveis pela coerência local; introdução de conteúdos pressupostos ou conveniência de sua explicitação, em função do gênero, de necessidades pedagógicas, de relações sociais ou de interesses grupais; recurso ou não a pormenorização, apagamentos, parafraseamentos, correções, inserções; uso de fórmulas de polidez e marcadores de atenuação, etc., etc.

Assim, os modelos de contexto controlam o como, isto é, a maneira como os interlocutores formulam seu texto, em função do contexto em que a interação se realiza, sendo, pois, os responsáveis não só pelo fluxo das informações entre os outros tipos de modelos e o texto, com também pela monitoração da interação como um todo, em função de suas características específicas – e, em particular, pela forma como o texto será apresentado e/ou compreendido.

Referências Bibliográficas

BARTLETT, F. C. (1932). Remembering. A Study in Experimental Psychology.Cambridge: Cambridge University Press.

JOHNSON-LAIRD, P. N. (1983). Mental Models. Cambridge: Cambridge University Press.

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MINSKY, M. (1975). A framework for representing knowledge. In: WINSTON, P.H. (ed.)The psychology of computer vision. New York: McGraw Hill, 211-280.

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Boletim da ABRALIN (edição 21 – Junho/1997)

ATAS DO I CONGRESSO NACIONAL DA ABRALIN

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