Autor: Bruna Amorim
1 HAS – Hipertensão Arterial Sistêmica
A hipertensão arterial sistêmica atualmente não pode mais ser vista apenas como uma condição clínica em que as cifras tensionais estão acima de um determinado valor. Na verdade a hipertensão arterial existe num contexto sindrômico, com alterações hemodinâmicas, tróficas e metabólicas, entre as quais a própria elevação dos níveis tensionais, as dislipidemias, a resistência insulínica, a obesidade centrípeta, a microalbuminúria, a atividade aumentada dos fatores de coagulação, a redução da complascência arterial e a hipertrofia com alteração da função diastólica do VE.
1.1 Fisiopatologia
A perfusão tecidual adequada é garantida pela manutenção da força motriz da circulação, a pressão sanguínea, em níveis adequados e razoavelmente constantes, esteja o indivíduo em repouso ou desenvolvendo diferentes atividades. Modificações importantes de fluxo ocorrem em diferentes quadros comportamentais assumidos pelo indivíduo nas 24 horas; essas modificações, no entanto, não causam grandes alterações dos níveis pressóricos, pela interação de complexos mecanismos que mantêm a pressão dentro de uma faixa relativamente estreita de variação.
A pressão, definida como força/unidade de área, é uma entidade física. A pressão arterial, portanto, depende de fatores físicos, como volume sanguíneo e capacitância da circulação, sendo resultante da combinação instantânea entre o volume minuto cardíaco (ou débito cardíaco = freqüência cardíaca x volume sistólico), a resistência periférica e a capacitância venosa, que condiciona a pré-carga e, portanto, o volume sistólico. Cada um desses determinantes primários da pressão arterial é, por sua vez, determinado por uma série de fatores. A manutenção (componente tônico) bem como a variação momento a momento da pressão arterial (componente fásico) dependem de mecanismos complexos e redundantes que determinam ajustes apropriados da freqüência e da contratilidade cardíacas, do estado contrátil dos vasos de resistência e de capacitância e da distribuição de fluido dentro e fora dos vasos.
Na hipertensão estabelecida, existem alterações em praticamente todos esses controladores, sendo difícil estabelecer quais os que tiveram papel preponderante no desencadeamento de mesmo na manutenção de valores elevados de pressão arterial. Embora seja improvável que todos esses fatores estejam alterados ao mesmo tempo num dado paciente, arranjos múltiplos podem ser encontrados, uma vez que o marcador hemodinâmico da hipertensão primária é o aumento persistente da resistência vascular periférica, o qual pode ser determinado por meio de diferentes associações desses fatores determinantes. Dessa forma, os mecanismos que promovem desequilíbrio entre os fatores pressores e depressores e induzem alteração do calibre das arteríolas merecem especial atenção. Eles atuam basicamente na contração da musculatura que regula a luz do vaso ou na espessura da musculatura, ocupando maior ou menor parte do lúmen, ou em ambas.
1.1.1 Mecanismos Neurogênicos: Aspectos funcionais no controle do tônus vascular — o sistema nervoso simpático
A variação do tônus vascular depende de diferentes fatores funcionais. Dentre eles destaca-se a atividade simpática gerada centralmente e modulada por aferências de diferentes reflexos e por substâncias vasopressoras ou vasodepressoras circulantes ou produzidas pelas células da musculatura lisa ou endoteliais. Um considerável número de evidências dá suporte ao aumento da atividade simpática precocemente na hipertensão). Sabe-se que pelo menos três maiores arcos reflexos estão envolvidos na modulação da atividade simpática, ligados aos barorreceptores arteriais (alta pressão), aos receptores cardiopulmonares (baixa pressão) e aos quimiorreceptores arteriais.
Pressorreceptores arteriais
Os pressorreceptores arteriais são o mais importante mecanismo de controle reflexo da pressão arterial, momento a momento. A deformação da parede dos vasos induzida por aumentos da pressão arterial gera potenciais de ação que são conduzidos ao núcleo do trato solitário, no sistema nervoso central. A partir daí, são produzidas respostas de aumento da atividade vagal e queda da freqüência cardíaca bem como de redução da atividade simpática para o coração e os vasos, contribuindo para a bradicardia, reduzindo a contratilidade cardíaca e a resistência vascular periférica e aumentando a capacitância venosa.
Na hipertensão sustentada, esses mecanorreceptores sofrem adaptação, deslocando sua faixa de funcionamento para um novo nível de pressão arterial, que normalmente é acompanhada de redução da sensibilidade dos pressorreceptores. Isso determina que, para uma igual variação da pressão arterial, os hipertensos tenham menor quantidade de informações e, conseqüentemente, deficiência na regulação reflexa da pressão arterial. A menor sensibilidade dos barorreceptores é provavelmente o maior determinante do aumento da variabilidade da pressão arterial em indivíduos hipertensos, e de forma indireta associada às conseqüentes lesões dos órgãos-alvo. A disfunção barorreflexa tem sido demonstrada em várias doenças cardiovasculares e na hipertensão clínica e experimental. O controle reflexo da circulação comandado pelos barorreceptores tem sido reconhecido também como um importante preditor de risco após evento cardiovascular.
Receptores cardiopulmonares
Três grupos de receptores são ativados por mudanças na pressão das câmaras cardíacas. O primeiro grupo, localizado nas junções veno-atriais, é ativado pelo enchimento e pela contração atriais. A distensão mecânica dessas regiões provoca aumento da freqüência cardíaca, em decorrência da elevação da atividade simpática para o nodo sinoatrial, sem alterar a atividade das fibras eferentes vagais para o coração ou das fibras simpáticas para o miocárdio. O aumento da freqüência cardíaca ajuda a manter o volume cardíaco relativamente constante durante aumentos no retorno venoso. Além disso, a distensão mecânica do átrio causa vasodilatação da vasculatura muscular esquelética e aumento do débito urinário de água pelo rim. A diurese é determinada por inibição da secreção do hormônio antidiurético pela neuro-hipófise e pela redução da atividade simpática renal.
O segundo grupo de receptores cardiopulmonares, cujas aferências não-mielinizadas trafegam pelo vago, comporta-se, quando ativado, como os mecanorreceptores carotídeos e aórticos, reduzindo a atividade simpática e aumentando a atividade do vago para o coração. A modulação da atividade simpática comandada por esses receptores é especialmente importante na regulação da resistência vascular renal. Em algumas situações, os aferentes vagais não mielinizados podem reforçar (hemorragia) ou se opor (insuficiência cardíaca) à ação dos mecanorreceptores arteriais.
O terceiro grupo de aferentes cardiopulmonares trafega junto aos aferentes cardíacos simpáticos até a medula espinhal. São aferentes mielinizados e não-mielinizados (a maioria) e são ativados por estímulos mecânicos ou por substâncias produzidas/liberadas no próprio miocárdio. Sua importância funcional não está totalmente esclarecida, mas parecem ser ativados por estímulos químicos gerados em áreas isquêmicas do miocárdio, quando também ocorre sensação dolorosa (dor anginosa).
Os reflexos cardiopulmonares podem ser testados experimentalmente pela injeção endovenosa de substâncias químicas (reflexo de Bezold-Jarisch), como a serotonina, provocando bradicardia e hipotensão, ou pela expansão do volume plasmático, aumentando o retorno venoso e a pressão de enchimento atrial e ventricular, provocando inibição reflexa da atividade simpática (bradicardia e vasodilatação).
Quimiorreceptores arteriais
As trocas gasosas nos pulmões e a excreção de ácidos e bases pelos rins são responsáveis pela manutenção de níveis adequados dos valores de PO2 (pressão parcial de oxigênio), PCO2 (pressão parcial de gás carbônico) e pH (concentração de íons hidrogênio). Aumentos ou quedas de PO2, PCO2 e/ou pH elicitam respostas homeostáticas para corrigir essas variações a partir da sensibilidade dos quimiorreceptores arteriais, estruturas localizadas estrategicamente no circuito arterial (corpúsculos aórticos e carotídeos). A estimulação dos quimiorreceptores provoca o aumento da amplitude e da freqüência respiratória. O aumento resultante na ventilação é ajustado precisamente de maneira a restaurar os gases sanguíneos e o pH a seus valores normais. O aumento da ventilação também ativa os mecanorreceptores pulmonares, causando mudanças circulatórias reflexas que parcialmente se sobrepõem às mudanças devidas à estimulação dos quimiorreceptores isoladamente.
1.1.2 Sistema nervoso simpático: papel na gênese e na manutenção da hipertensão
Dos fatores funcionais, a atividade simpática modulada por diferentes aferências e substâncias parece ser um fato importante, não só na gênese como na manutenção da hipertensão. O simpático também contribui para o crescimento da parede vascular, influenciando, conseqüentemente, os fatores estruturais.
Embora não esteja definitivamente comprovada, inúmeras evidências apontam para a participação do aumento da atividade do sistema nervoso simpático na patogênese da hipertensão arterial. Como a hipertensão arterial é multifatorial, a atividade simpática aumentada pode interagir com outros fatores que contribuem para o desenvolvimento da hipertensão arterial. As catecolaminas, além de aumentarem o tônus dos vasos de resistência nas fases iniciais da hipertensão, seriam também estimuladoras de mecanismos tróficos nos vasos, os quais manteriam a hipertensão por indução de hipertrofia vascular.
A ligação entre o estresse emocional e a hipertensão arterial e o papel do estresse na gênese da hipertensão arterial vêm sendo alvos de grande interesse na literatura. Evidências de que a adrenalina liberada de forma intermitente poderia provocar vasoconstrição neurogênica sustentada e hipertensão pela ação em receptores pré-sinápticos facilitando a liberação de norepinefrina reforçam essa possibilidade.
Observações clínicas sugerem que indivíduos hipertensos ou com predisposição genética para a hipertensão respondem de forma mais acentuada ao estresse. Por outro lado, em indivíduos que vivem ou trabalham em situações estressantes a prevalência da hipertensão pode ser até cinco vezes maior que em indivíduos afastados dessas situações(31). As dificuldades em se atribuir ao estresse um papel mais definido na gênese da hiperatividade simpática associada à hipertensão arterial está na observação de existirem, num mesmo indivíduo, outros fatores de risco associados (dieta, nível econômico, sedentarismo e hábitos sociais).
Independentemente de seu papel na patogênese da hipertensão, associa-se à atividade do simpático o aumento da morbidade e da mortalidade cardiovasculares que acometem os pacientes durante as primeiras horas da manhã. Nesse período, associado à fase do pré-despertar e também ao ato de se levantar após uma noite em decúbito(33), ocorre aumento da atividade alfa-simpática (substituindo a queda da atividade durante o sono), estabelecendo o nível de atividade existente na vigília. Como conseqüência, há vasoconstrição arterial e a pressão arterial se eleva de forma abrupta. Esse aumento é parcialmente responsável pela maior ocorrência de morte súbita, acidente vascular cerebral e infarto do miocárdio nas primeiras horas da manhã.
Além das rápidas respostas neurais, os diferentes receptores cardiovasculares modulam também a liberação de vários hormônios que participam da manutenção dos valores basais da pressão arterial. Durante quedas sustentadas da pressão arterial, por exemplo, ocorre maior liberação de epinefrina e norepinefrina pela medula adrenal, maior liberação de vasopressina pela neuro-hipófise e aumento dos níveis plasmáticos de renina. Esses sistemas hormonais prolongam por minutos ou até mesmo horas as respostas cardiovasculares comandadas pelos diferentes receptores. Entre eles, um dos mais amplamente estudados é o sistema renina-angiotensina. (IRIGOYEN e Cols, 2003)
1.1.3 Mecanismos Renais e Sistema Renina-Angiotensina
Os rins estão envolvidos tanto na retenção de sódio e água como na liberação alterada de Renina (aumenta PA) ou prostaglandinas (depressores de PA). Os rins influenciam tanto a resistência periférica quanto a homeostasia do sódio, e o sistema Renina-angiotensina. A renina (pequena enzima protéica) é elaborada por células do rim quando a pressão arterial cai a valores muito baixos, que transforma o angiotensinogênio plasmático em Angiotensina I sendo convertida em Angiotensina II (que possui propriedades vasoconstritoras) que altera a pressão arterial ao aumentar tanto a resistência periférica quanto o volume sangüíneo. O 1o efeito é obtido através da capacidade de causar vascoconstrição através de uma ação direta sobre o músculo liso vascular. O 2o efeito decorre da estimulação da secreção de aldosterona, que aumenta a reabsorção tubular distal de sódio e portanto de H2O
2 beta bloqueadores
A hipótese formulada por Ahlquist, segundo a qual os efeitos da catecolamina eram mediadas pela ativação dos receptores a e ß-adrenérgicos distintos forneceu o impulso inicial para síntese e a avaliação farmacológica dos bloqueadores ß-adrenérgicos. O primeiro agente seletivo foi o dicloroisoprotenerol. Todavia, esse composto é um agonista parcial e aceitou-se que essa propriedade impossibilitasse seu uso clínico seguro. No final da década de 1950, Sir James Black e colaboradores iniciaram um programa visando ao desenvolvimento de outros agentes desse tipo. Embora a utilidade do primeiro antagonista desenvolvido, o pronetalol, fosse limitada pela produção de tumores no timo em camundongos, apareceu logo o propranolol (GOODMAN & GILMAN, 2003). Até hoje o propranolol tem sido a prolífica droga-mãe, ponto principal de referência para todos os beta bloqueadores (SILVA, 2002).
2.1 Conceito
O termo beta bloqueador deve ser reservado exclusivamente àquelas substâncias que demonstram antagonismo específico ai estímulo beta endógeno ou exógeno. Todos os beta bloqueadores inibem competitivamente os efeitos das catecolaminas no local do receptor beta (Silva, 2002).
2.2 Relação Estrutura X Ação
Todos os beta bloqueadores até hoje desenvolvidos têm estrutura semelhante à do isoproterenol (fig2). A parte da estrutura responsável pela afinidade aos receptores ß-adrenérgicos é a cadeia alifática lateral e a hidroxila ligada ao carbono beta.
2.3 Mecanismo de Ação
Os Beta bloqueadores competem especificamente com agentes estimulantes de receptores b-adrenérgicos, pelos sítios receptores disponíveis. Quando o acesso aos sítios receptores b-adrenérgicos é bloqueado as respostas cronotrópicas, inotrópicas, e vasodilatadora do estímulo b-adrenérgico são proporcionalmente diminuídas. O mecanismo de efeito anti-hipertensivo, não está totalmente elucidado. Entre os fatores que podem estar envolvidos, contribuindo para a ação anti-hipertensiva, estão: a diminuição do débito cardíaco com reajuste da sensibilidade dos barorr3ceptores; inibição da secreção de renina pelos rins; a diminuição do tônus simpático, provenientes dos centros vasomotores do cérebro (SILVA, 2002).
Os antagonistas dos receptores b-adrenérgicos exercem efeitos significativos sobre o ritmo cardíaco e automaticidade. Reduzem a freqüência sinusal, diminuem a velocidade espontânea de despolarização de marca-passos ectópicos, retardam a condução nos átrios e no nodo AV e aumentam o período refratário funcional do nodo AV (GOODMAN & GILMAN, 2003).
3 CLASSIFICAÇÃO
3.1 ANTAGONISTA ß NÃO SELETIVO
3.1.1 PROPRANOLOL
Trata-se de um protótipo útil. Interage com os receptores ß1 e ß2 com igual afinidade, carece de atividade simpaticomimética intrínseca e não bloqueia os receptores alfa adrenérgicos. O propranolol reduz a freqüência sinusal em 10 a 20%. Pode ocorrer bradicardia severa na presença de doença do nó sinusal ou se a FC é muito dependente do tônus adrenérgico.
3.1.2 LABETALOL
As ações do Labetolol sobre os receptores ß e a1 adrenérgicos contribuem para queda de pressão arterial em pacientes hipertensos. O bloqueio dos receptores a1 causa relaxamento do músculo liso arterial e vasodilatação. O bloqueio ß1 também contribui para queda da pressão arterial, em parte pelo bloqueio da estimulação simpática reflexa do coração. Além disso, a atividade simpáticomimética intrínseca do labetolol no nível dos receptores ß2 pode contribuir para vasodilatação.
3.1.3 NADOLOL
Antagonista de ação longa com igual afinidade pelos receptores ß1 e ß2-adrenérgicos. Possui meia vida relativamente prolongada.
3.1.4 PINDOLOL
É um antagonista ß-adrenérgico não seletivo dotado de atividade simpaticomimética intrínseca, com baixa atividade de estabilização de membrana e lipossubilidade moderada.
3.2 ANTAGONISTAS ADRENÉRGICOS ß1-SELETIVOS
3.2.1 METOPROLOL
Desprovido de atividade simpaticomimética.
3.2.2 ATENOLOL
Desprovido de atividade simpaticomimética, tem meia vida relativamente maior que o metoprolol e, por ser muito hidrofílico, parece penetrar no cérebro apenas em grau limitado.
3.2.3 ESMOLOL
Duração de ação muito curta, pouca ou nenhuma atividade simpaticomimética intrínseca e sem ação estabilizadora de membrana.
3.2.4 ACEBUTOLOL
Apresenta alguma atividade simpaticomimética intrínseca.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GOODMAN & GILMAN. As Bases Farmacológicas da Terapêutica. 10ª edição. Editoda Mc Graw Hill; Rio de Janeiro, 2003.
IRIGOYEN, Maria Claudia; LACCHINI, Silvia; ANGELIS, Kátia de; MICHELINI, Lisete C.. Fisiopatologia da Hipertensão: O que avançamos?. Artigo publicado na Revista da Sociedade de Cardiologia de São Paulo, 2003.
RANG, H.P.; DALE, M.M.; RITTER, J.M.; MOORE, P.K.. Farmacologia. 5ªedição. Editora Elsevier, Rio de Janeiro, 2003.
SILVA, Penildon. Farmacologia. 6ªedição. Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2002.