Autoria: Ricardo de França
Biografia de Walter Salles Jr.
Filho do falecido embaixador e banqueiro Moreira Salles e Elizinha Moreira Salles, irmão do também cineasta João Moreira Salles, Walter Moreira Salles Jr. nasceu no dia 12 de abril de 1956 no Rio de Janeiro. Morou em Washington dos 3 aos 6 anos de idade, estudou na França até os 13, voltou ao Brasil para graduar-se em economia na PUC-RJ e novamente retornou aos Estados Unidos para fazer mestrado em comunicação audiovisual na Universidade da Califórnia. Atualmente, ele é o maior e melhor diretor do cinema brasileiro em atividade.
Herdeiro de um grupo de empresas lideradas pelo Unibanco, em parceria com seu irmão e outro sócio, fundou em 1985 a produtora Vídeo Filmes, no qual contabiliza em seu currículo uma dezena de produções entre curtas, longas e documentários sob sua direção, incluindo uma overdose de prêmios arrecadados por suas obras, sem falar em sua carreira na publicidade, na qual realizou mais de 250 filmes.
O cineasta fluminense, partir de 1983, passa a produzir para a televisão. Dirigiu a série de entrevistas “Conexão Internacional” apresentado por Roberto D’Ávila, produziu documentários (em 1985 fez o “Krajcberg – O Poeta dos Vestígios”) e programas musicais sobre cantores e compositores da MPB, entre eles Chico Buarque, Marisa Monte, Caetano Veloso e Antônio Carlos Jobim. No ano de 1986, realizou um documentário de cinco horas de duração, “Japão, Uma Viagem no Tempo”, sobre o conflito entre a modernidade e a tradição no Japão, com participação de Akira Kurosawa, Riuychi Sakamoto, Isozaki Arata, Yoji Yamamoto e Issey Miyake.
Tentou fazer seu primeiro longa em vídeo, estrelado por Edson Cellulari, mas, insatisfeito, arquivou o resultado. Em 1991, freqüentemente trabalhando com Daniela Thomas na co-direção e Walter Carvalho na fotografia de seus filmes, ele lança seu primeiro longa-metragem, que acabou sendo uma produção americana falada em inglês, “A Grande Arte”, baseado no romance de Rubem Fonseca. No ano de 1994 cria um dos curtas mais premiados no Brasil, “Veja esta Canção”, logo em seguida, em 1995, fez o documentário “Socorro Nobre” (que serviu de inspiração para “Central do Brasil”) e dirige também, o elogiado, e preto-e-branco, “Terra Estrangeira” co-realizado com Daniela Thomas e premiado no Brasil, França, Itália, Bélgica, Macedônia, Estados Unidos e Uruguai.
Depois de três anos longe das câmeras, Salles voltaria para fazer história no mundo e no Brasil, dando o pontapé inicial para o processo de evolução do cinema brasileiro com o premiadíssimo “Central do Brasil” em 1998, a produção brasileira mais premiada no exterior estrelada por Fernanda Montenegro e pelo menino Vinicius de Oliveira (que ele encontrou como engraxate no Aeroporto do Rio e que é muito expressivo e natural). Exibido em 22 países, a produção brazuca conquista o Urso de Ouro de Melhor Filme e o Urso de Prata de Melhor Atriz (Montenegro) no Festival de Berlim, o maior prêmio internacional para o Brasil desde “O Pagador de Promessas”, em 1962. Acumulou mais de 50 prêmios internacionais incluindo o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e indicações ao Oscar na categoria Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Atriz.
Em 1999, lança o filme “O Primeiro Dia”, em duas versões, como média-metragem para TV e como longa para os cinemas, e o curta-metragem “Adão ou Somos todos filhos da terra”. Em 2001, lança “Abril Despedaçado”, produção que confirma seu amadurecimento como diretor com belíssimas imagens do Brasil nordeste, indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro. Em 2002, dirige “A Saga de Castanha e Caju contra o Encouraçado Titanic”, e é chamado para participar do júri do Festival de Cannes.
Recentemente, produziu “Madame Satã” (2002), do estreante Karim Ainouz, e “Cidade de Deus” (2002), de Fernando Meirelles. Em 2003, outro passo importantíssimo em sua carreira foi dado. Ele filma “Diários de Motocicleta”, seu primeiro filme dirigido cuja língua predominante não é a portuguesa, com belas locações na Argentina, no Chile e no Peru, onde reconstituí as viagens do jovem Ernesto Guevara, antes de se tornar o revolucionário Che. Com esta realização, Salles entrou na lista dos 40 melhores diretores do mundo elaborada pelos críticos do jornal inglês The Guardian. “Diários de Motocicleta” foi considerado a mais importante produção latino-americana e merecidamente elogiado pela família do líder revolucionário argentino Ernesto “Che” Guevara após o Festival de Cinema de Sundance, nos Estados Unidos em 2004.
Ainda em 2004, Walter Salles finaliza um projeto, aparentemente, dissonante em relação ao restante de sua obra: o remake de um terror japonês: “Dark Water”. Rodado no Canadá, o longa novamente, tem elenco internacional: Jennifer Connelly, John C. Reilly e Tim Roth. No ano de 2005, está cotado, juntamente com outros diretores famosos, para o projeto “Paris, Je T’Aime”, um filme que expõe mensagens honrosas à França.
A cada novo título, há um aprimoramento da linguagem e da cristalização de uma temática que tem origem na admiração pelo mestre italiano Michelangelo Antonioni: a busca da identidade no cinema. Salles é uma pessoa que não teme desafios e tenta trazer sempre com humildade, um olhar humanista em suas produções. Com este talento, não é à-toa que Walter Salles Jr. é o cineasta brasileiro de maior sucesso de sua geração e promete ser apenas o começo de uma bem-sucedida carreira internacional.
Filmografia:
1985 – KRAJCBERG – O POETA DOS VESTÍGIOS: Documentário sobre o artista polonês, naturalizado brasileiro, Frans Krajcberg.
1986 – JAPÃO, UMA VIAJEM NO TEMPO: Documentário que analisa conflitos entre a modernidade e a tradição do Japão antigo. Com Akira Kurosawa, Riuychi Sakamoto, Isozaki Arata, Yoji Yamamoto e Issey Miyake. 300 minutos.
1991 – A GRANDE ARTE: Adaptação do romance homônimo de Rubem Fonseca. Fotógrafo americano (no livro, ele é brasileiro) vem ao País a trabalho e acaba mergulhando no submundo carioca, onde se vê envolvido numa série de misteriosos atentados: uma amiga prostituta é assassinada, a namorada dele e estuprada e ele próprio é esfaqueado. Atormentado, resolve partir para a vingança. Com Peter Coyote, Tchéky Karyo, Giulia Gam, Tonico Pereira, Raul Cortez e Amanda Pays. 104 minutos.
1995 – TERRA ESTRANGEIRA: O plano econômico do governo Collor projeta o Brasil e a vida de Paco, estudante paulista no caos. Com a morte da mãe e o fim do sonho de se tornar ator, o rapaz decide deixar o País. Para isso, aceita levar um objeto contrabandeado para Lisboa. Lá, conhece Alex, que namora o trambiqueiro Miguel. Com Fernando Alves Pinto, Fernanda Torres, Alexandre Borges, Laura Cardoso e Tchéky Karyo. 100 minutos.
1995 – SOCORRO NOBRE: Narra a estória de uma presidiária que, comovida com a descoberta da obra de Frans Kracjberg, um escultor que transforma a madeira queimada em obra de arte, resolve lhe escrever cartas da prisão. Socorro Nobre é um relato humano e emocionado, um filme sobre a possibilidade das pessoas rescreverem suas vidas e se outorgarem uma segunda chance. 23 minutos.
1998 – CENTRAL DO BRASIL: Mulher que escreve cartas para analfabetos na estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro, ajuda menino, após sua mãe ser atropelada, a tentar encontrar o pai que nunca conheceu, no interior do Nordeste. Com Fernanda Montenegro, Vinícius de Oliveira, Marília Pêra, Soya Lira e Matheus Nachtergaele. 112 minutos.
1999 – O PRIMEIRO DIA: Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1999. João foge da prisão no mesmo momento em que Maria, abandonada pelo namorado, vaga pelas ruas da cidade. O encontro dos dois na virada do ano é envolto na utopia de um recomeço para ambos. O filme foi produzido a convite de uma televisão francesa, que com a série ”2000 visto por…” queria mostrar a visão de dez países sobre a virada do milênio. Com Fernanda Torres, Luiz Carlos Vasconcelos, Matheus Nachtergaele, Nélson Sargento e Tonico Pereira. 76 minutos.
1999 – ADÃO OU SOMOS TODOS FILHOS DA TERRA: Salles quando foi filmar no morro carioca do Cantagalo encontrou por acaso um compositor profícuo e inédito, que o impressionou com seu enorme talento em estado bruto. Desse encontro nasceria este curta, um tocante retrato de um brasileiro preto, pobre e preso a uma cadeira de rodas após sobreviver aos 12 tiros com que a bandidagem carioca o presenteou. Artista que mistura autodidatismo com intuitividade, Adão Dãxalerabadã é autor de mais de 500 composições, com temas que vão desde o orgulho negro até questões ecológicas e sociais. É evidente seu talento em vários níveis poéticos e lingüísticos. Com Adão Dãxalerabadã.
2002 – ABRIL DESPEDAÇADO: Em abril de 1910, na geografia desértica do sertão brasileiro vivem Tonho e sua família. O rapaz vive atormentado pela perspectiva da morte, pois é impelido por seu pai a vingar a morte de seu irmão mais velho, assassinado por um clã rival. Mas Tonho sabe que, uma vez consumada a vingança, passará a ser o alvo dos rivais. Com Rodrigo Santoro, José Dumont, Ravi Ramos Lacerda, Rita Assemany e Flávia Marco Antônio. 105 minutos.
2002 – A SAGA DE CASTANHA E CAJU CONTRA O ENCOURAÇADO TITANIC: Estrelado pela dupla de emboladores pernambucanos Caju e Castanha, o curta-metragem fala de globalização e mostra os dois cantando em vários pontos turísticos do Rio de Janeiro.
2004 – DIÁRIOS DE MOTOCICLETA: Em 1952, dois jovens argentinos, Alberto Granado e Ernesto Guevara, decidem se aventurar numa viagem de motocicleta por um continente praticamente desconhecido: a América Latina. A travessia vai mudar, definitivamente, o rumo de suas vidas. Com Gael Garcia Bernal, Rodrigo de La Serna e Mía Maestro. 130 minutos.
2004 – DARK WATER: Suspense baseado no livro homônimo de Kôji Suzuki, mesmo autor de O Chamado. Uma mãe que briga na Justiça pela custódia da filha muda-se para um velho apartamento abandonado. Lá, elas são assombradas pelo fantasma de uma outra garota, antiga moradora do local. Com Jennifer Connelly, Ariel Gade, Shelley Duvall, Perla Haney-Jardine, Camryn Manheim, Pete Postlethwaite, John C. Reilly e Tim Roth. Lançamento nos cinemas: 26/11/04
2005 – PARIS, JE T’AIME: Um filme que será feito por cineastas de diversas nacionalidades, declarando o seu amor à França e ao cinema francês. Entre os diretores estão Fanny Ardant, Tim Roth, Alejandro González Iñárritu, Johnny Deep e os brasileiros Walter Salles e Daniela Thomas. Lançamento 2005 nos cinemas.
Prêmios conquistados pelo diretor ao longo de sua carreira:
Ganhou o Urso de Ouro, no Festival de Berlim, por Central do Brasil (1998).
Ganhou o Prêmio do Júri Ecumênico, no Festival de Berlim, por Central do Brasil (1998).
Ganhou o BAFTA de Melhor Filme Estrangeiro, por Central do Brasil (1998).
Ganhou o Grande Prêmio Cinema Brasil de Melhor Direção, por O Primeiro Dia (1998).
Ganhou o Grande Prêmio Cinema Brasil de Melhor Roteiro, por O Primeiro Dia (1998).
Recebeu indicação ao Grande Prêmio Cinema Brasil de Melhor Lançamento de Cinema, por O Primeiro Dia (1998).
Recebeu indicação ao Prêmio Independent Spirit de Melhor Filme Estrangeiro, por Central do Brasil (1998).
Recebeu indicação ao César de Melhor Filme Estrangeiro, por Central do Brasil (1998).
Ganhou o Prêmio Golden Satellite de Melhor Filme Estrangeiro, por Central do Brasil (1998).
Ganhou em 1998, no Festival de Havana, o Prêmio da Universidade de Havana, o Prêmio Especial do Júri e o Prêmio Gláuber Rocha de Menção Especial, por Central do Brasil (1998).
Ganhou em 1998, no Festival de San Sebastián, o Prêmio do Público e o Prêmio do Júri Jovem por Central do Brasil (1998).
Ganhou o Prêmio Ariel de Prata de Melhor Filme Latino-Americano, no México Academy Awards, por O Primeiro Dia (1998).
Ganhou o FIPA de Ouro de Melhor Documentário do ano, França 1996 por Socorro Nobre.
Ganhou o Prêmio Rosa Camuna de Ouro, no Encontro de Filmes de Bergamo, por Terra Estrangeira (1995).
Ganhou o Prêmio de Melhor Documentário de Pesquisa e Prêmio do Público no Festival Del Popoli (Florênça, Itália) e Menção Honrosa do Juri no Festival de Montbéliard, na França, por Krajcberg – O Poeta dos Vestígios.
O filme do momento:
CHE GUEVARA E SUA DIVERTIDA JORNADA PELA AMÉRICA DO SUL.
DIÁRIOS DE MOTOCICLETA
(The Motorcycle Diaries/ARG/BRA/CHI/ING/PER/2004) * * * * 24/05/04
Quando falamos em Che Guevara sempre lembramos de suas idéias políticas e da Revolução Cubana. No entanto é comum ver sua imagem em torcidas de futebol, bandas de rock e em comunistas. Pois é, quem acha que o novo filme de Walter Salles aborda essas tais concepções está completamente enganado. “Diários de Motocicleta” é um “road movie” que conta a agradável e divertida aventura de Ernesto Guevara e seu amigo Alberto Granado que, juntos, andaram por mais de 10 mil quilômetros na América do Sul nos anos 50.
Em 1952, o futuro líder Che Guevara (Gael García Bernal) era um jovem estudante de Medicina. Ele e seu amigo Granado (Rodrigo de la Serna) viajam pela América do Sul em uma velha moto, que acaba quebrando depois de oito meses. Mas eles seguem em frente, arranjando caronas e fazendo longas caminhadas. Depois de passar por Machu Pichu, chegam a uma colônia de leprosos na Amazônia Peruana, onde começam a questionar o valor do progresso econômico, que privilegia apenas uma parte da população, deixando muitos em situação precária. A experiência na colônia foi decisiva para o surgimento das personalidades históricas que se tornariam alguns anos depois.
O brasileiro Walter Salles (“Central do Brasil” e “Abril Despedaçado”) surpreende a cada filme que faz. Em “Diários de Motocicleta”, Salles demonstra maturidade e carisma. Preservou a beleza estética numa fotografia que exibe imagens belíssimas principalmente do Chile e Peru, uma trilha sonora amena e gostosa, e, constantemente mantém o interesse do espectador por sua direção sensível.
A história não traz debates nem reflexões políticas, exceto em dois diálogos (uma rápida conversa com Alberto em Machu Pichu e o discurso em seu aniversário). O excelente roteiro escrito por Jose Rivero, baseado no “diário de bordo” de Ernesto e Granado, evitou polêmicas e mostra a vida de Guevara antes de se tornar um revolucionário por sua ideologia. Ele é um jovem de 23 anos como qualquer outro, inteligente, sentimental e encantador, atuado com uma impressionante naturalidade e talento por Gael García Bernal (“Amores Brutos” e “E Sua Mãe Também”).
O enredo procura mostrar as situações que a dupla enfrentou ao longo da viagem. Sempre humano e com bom humor. A primeira metade é divertida (bons diálogos e os tombos da motocicleta), harmonizando personagens bacanas com a amizade contagiante dos protagonistas, principalmente de Guevara, todos os lugares que passa, torna-se adorado por sua simpatia e pelo seu jeito de ser. Já a segunda parte aborda o sentimentalismo e o trabalho humanitário das figuras principais.
Os acontecimentos ou, a história da vida das pessoas, na maioria das vezes, o final se torna mais marcante que o início. Mas aqui, o legal é que o começo é a parte mais fascinante.
É um filme para todos os gostos. Sem dúvida, o melhor de Salles e talvez, é a produção latina americana mais importante já feita. Imperdível.
PS: Che Guevara foi assassinado por soldados bolivianos treinados pela CIA em 1967.
Referências Bibliográficas:
EWALD FILHO, Rubens. Os 100 Maiores Cineastas. São Paulo: Vimarc Editora, 2001.
MORGAN, Ricardo. Crítica N.º 219 sobre o filme Diários de Motocicleta. 2004. Disponível em:
Enciclopédia Digital Abril 2004.
Acesso: 11/08/04.
Acesso: 11/08/04.