Sobre diagnóstico da candidíase vaginal
The diagnosis of vaginal candidiasis
Professor Doutor de Ginecologia do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
José Antonio Simões
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Rev Bras Ginecol Obstet. 2004;26(1):65-70.
A candidíase vaginal (CV) continua sendo extremamente comum, uma vez que quase todas as mulheres experimentam esse desagradável quadro genital pelo menos uma vez em algum momento de suas vidas. A grande maioria das cepas isoladas da vagina correspondem a espécies da C. albicans, estimando-se que a proporção de infecções por cepas não-albicans venha aumentando progressivamente nos últimos anos. Clinicamente ambas são indistinguíveis, causando sintomatologia muito semelhante. Todavia, tem sido relatado que a C. albicans está mais associada com os sintomas do que as cepas não-albicans, as quais geralmente são mais resistentes às terapias habituais.
Com o objetivo de avaliar a distribuição de espécies de leveduras isoladas da vagina e o perfil de susceptibilidade in vitro das mesmas aos antifúngicos habituais, Ferrazza et al.1 publicaram em número recente desta revista os resultados de estudo com 227 mulheres em duas localidades no sul do Brasil. A freqüência de cultura positiva foi de aproximadamente 24%, confirmando ser a C. albicans a mais prevalente. Entretanto, encontraram uma considerável diferença na proporção de cepas não-albicans, sendo muito mais freqüentes em uma das cidades e sugerindo diferenças regionais quanto à espécie isolada. Além disso, encontraram uma maior tendência de resistência à nistatina, sendo que praticamente metade das cepas apresentaram susceptibilidade dose-dependente (intermediária) a este anti-fúngico. A sugestão desses autores é de que seja realizada a determinação da espécie através de cultura e anti-fungigrama no manejo clínico da CV.
Acreditamos, no entanto, que isso seria inviável para nossa realidade e até mesmo desnecessário na grande maioria das vezes, devendo ser reservado apenas para aqueles casos da atualmente denominada CV complicada. Cremos, sim, que o diagnóstico correto de uma CV seja de extrema importância, e para o qual alguns pontos devem ser ressaltados para a prática diária, particularmente no sentido de se evitar o tratamento excessivo e equivocado dessa vulvovaginite.
A C. albicans é freqüentemente o diagnóstico presuntivo para qualquer irritação vulvovaginal. A maioria das mulheres e dos próprios ginecologistas assume erroneamente que todo e qualquer prurido genital, especialmente quando acompanhado por um corrimento vaginal, seja causado invariavelmente por uma candidíase. É preciso cuidado, pois esta idéia/crença não é verdadeira. Nossa experiência tem mostrado que pelo menos metade das mulheres que nos são encaminhadas com o rótulo de portadoras de CV recorrente (CVR), na verdade, têm seus sintomas devidos a outras causas que não a candidíase. Por isso, um diagnóstico correto é a maior garantia para o sucesso terapêutico.
Podemos, na prática diária, distinguir três tipos de mulheres com candidíase no nosso consultório: 1) aquela em que a cândida foi um achado ocasional no exame rotineiro de Papanicolaou; 2) aquela que nos procura por estar sintomática, porém sem história de recorrências (CV não-complicada); e 3) aquela que se apresenta com história de episódios recorrentes de candidíase (CV complicada). No primeiro caso, não devemos nos esquecer que a cândida pode ser isolada em até 30% das mulheres saudáveis e completamente assintomáticas (as chamadas “portadoras sãs”). Assim, o simples achado da cândida num exame de rotina (por exemplo no Papanicolaou) não significa necessariamente que a mulher tenha a doença candidíase vaginal clínica. Se não houver nenhum sintoma e o exame ginecológico for normal (sem corrimento ou inflamação, pH normal e teste de whiff negativo), a paciente não deve receber nenhum tratamento, a não ser uma boa orientação a respeito dos fatores predisponentes.
A cândida é um microorganismo dimórfico, e pode ser tido como comensal ou patogênico, na dependência dos seus fatores próprios de virulência e dos fatores de defesa do hospedeiro. Para que ocorra a candidíase vaginal clínica, o fungo precisa vencer a batalha com o meio vaginal e invadir a mucosa, causando sintomatologia. Geralmente isso é favorecido por alguns fatores classicamente reconhecidos como predisponentes para a CV: gravidez, uso de anticoncepcionais orais de alta dosagem, diabete melito descompensado, uso de corticóides, imunossupressores e antibióticos. Rosa e Rumel2, também em recente publicação nesta revista, associaram a CV com ciclos menstruais normais. Além disso, com alterações na resposta imunológica, hábitos de higiene e vestuário inadequados, e contatos com alergenos e/ou irritantes da genitália.
No segundo caso, a CV não-complicada é causada pela C. albicans e ocorre em mulheres não comprometidas imunologicamente e com infecção leve ou moderada, e sem história de recorrências. O diagnóstico é sugerido clinicamente pela presença de prurido, corrimento vaginal e eritema, os quais, todavia, não são específicos da CV. Por isso, nunca se deve tratar sem ao menos examinar a mulher. Nunca se deve tratar sem exame físico prévio ou baseado apenas na queixa. Outras causas (infecciosas ou não) também podem levar a esses mesmos sintomas. Embora o corrimento seja descrito tipicamente como tipo “leite coalhado”, ele pode ser extremamente variável, ou até muito discreto. O exame freqüentemente revela vulva e vagina bastante hiperemiadas, às vezes edemaciadas e com fissuras. Deve-se sempre tentar a confirmação diagnóstica através da microscopia (a fresco, com KOH a 10% ou corada pelo Gram), que mostra a presença do fungo (leveduras e/ou 4,5). A cultura epseudo-hifas). O pH vaginal apresenta-se normal ( anti-fungigrama não são necessários nesses casos não complicados, uma vez que praticamente todos eles são causados pela C. albicans.
Finalmente, a CV complicada (recorrente) refere-se àquelas infecções mais severas incluindo as causadas por espécies não-albicans, geralmente em mulheres com história de CVR e/ou com algum tipo de imunodeficiência. Ocorre em aproximadamente 10-20% das mulheres, as quais merecem considerações especiais, e continua sendo uma das principais “pedras nos sapatos” dos ginecologistas. A primeira questão que deve ser feita nos casos que se apresentam como CVR é: será que realmente trata-se de uma CVR? Uma grande parte das mulheres que nos chegam rotuladas como portadoras de CVR têm, na verdade, seus sintomas devidos a outras etiologias, geralmente não-infecciosas (alergia, hipersensibilidade local, vaginose citolítica, etc.). Portanto, acreditamos que nesses casos de CVR, sim, o diagnóstico da candidíase deve sempre ser confirmado por meio de cultura vaginal específica (em meio de Sabouraud). Além de confirmar o diagnóstico clínico, a cultura específica determina a espécie de cândida envolvida e permite a realização dos testes de susceptibilidade, que pode ser importante nesses casos recorrentes.
Referências
1. Ferrazza MHSH, Maluf MLF, Consolaro MEL, Shinobu CS, Svidzinski TIE, Batista MR. Caracterização de leveduras isoladas da vagina e sua associação com candidíase vulvovaginal em duas cidades do sul do Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005;27(2):58-63.
2. Rosa MI, Rumel D. Fatores associados a candidíase vulvovaginal: estudo exploratório. Rev Bras Ginecol Obstet. 2004;26(1):65-70.