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CHOQUE HIPOVOLÊMICO E REPOSIÇÃO VOLÊMICA

Introdução

O conceito de choque tem sido modificado através dos anos, baseado num melhor conhecimento de sua fisiopatologia. Atualmente, choque é conceituado como uma síndrome clínica caracterizada por um quadro de hipoperfusão sistêmica aguda devido a uma incapacidade do sistema circulatório de atender às demandas metabólicas dos diversos tecidos, levando a distúrbios celulares graves, hipóxia tecidual, disfunção de múltiplos órgãos e, finalmente, morte. O conceito supracitado não inclui nenhuma variável hemodinâmica, pois sua caracterização é essencialmente clínica. O amplo conhecimento da fisiopatologia dos diversos estados de choque é fundamental para uma terapêutica adequada.
Neste texto, especificamente, será abordado o choque hipovolêmico, mas deve-se ter claro que uma correta interpretação fisiopatológica é essencial para a abordagem de todos os tipos de choque.

Aspectos Fisiopatológicos

A avaliação fisiopatológica do paciente em estado de choque deve-se iniciar obrigatoriamente pelo conhecimento do transporte de oxigênio. A oferta de oxigênio para os tecidos (DO2) pode ser calcula­da a partir das fórmulas abaixo, onde CaO2 (mL%) é o conteúdo de oxigênio do sangue arterial e DC (L/min) é o débito cardíaco:

DO2 = CaO2 x D.C x 10

CaO2 = 1,34 x Hb x SatO2 + 0,0031 x PaO2

Pela fórmula acima, depreende-se que a DO2 está na dependência direta de uma boa oxigenação sangüínea. Mas não basta somente um sangue bem oxigenado. É necessário que este sangue circu­le em quantidades adequadas, distribuindo-se para todas as células. Isto vai depender do débito cardíaco, que por sua vez, é determinado pelo produto do volume sistólico pela freqüência cardíaca (DC = VS x FC).
A freqüência cardíaca, com raras exceções, não deve ser manuseada no estado de choque, por­que, na maioria das vezes, ela é simplesmente um reflexo do mecanismo compensatório neurohumoral. O volume sistólico, por sua vez, é dependente da pré-carga, que é a capacidade de estiramento da fibra cardíaca no seu estado de relaxamento; da contratilidade cardíaca, que representa a capacidade de contração das fibras miocárdicas; e, finalmente, da pós-carga, que representa a força contrária à ejeção ventricular.
No choque hipovolêmico, o distúrbio hemodinâmico primário ocorre na pré-carga. A avaliação da pré-carga à beira do leito tem sido problemática, pois, com a tecnologia atual, não se consegue medir com exatidão os seus valores. Do ponto de vista clínico, utiliza-se as pressões de enchimento das câmaras cardíacas, em sua fase de relaxamento máximo. Isto pode levar a erros importantes se os valores mensurados não forem corretamente interpretados dentro de todo um contexto fisiopatológico e clínico.

Classificação

O choque hipovolêmico pode ser subclassificado em dois tipos: hemorrágico e não-hemorrágico. O choque hemorrágico pode apresentar hemorragias aparentes externas a partir de lesões, sangramentos cirúrgicos, hematomas em região de coxa e pelve ou saída de sangue a partir de drenos torácicos ou abdominais. Porém, o sangramento pode não se exteriorizar devido à compartimentalização do sangue em cavidades (torácica, abdominal, retroperitonial, pelve) ou para o trato gastrointestinal.
O choque hipovolêmico não-hemorrágico ocorre em uma série de estados patológicos, sendo caracterizado por um estado hipovolêmico absoluto e/ou relativo consequente de uma perda corporal total de fluidos ou devido à perda de fluido acelular do intravascular para o extravascular.

Reposição volêmica

Os objetivos do tratamento através da reposição volêmica são: restaurar a perfusão tecidual com a consequente recuperação do metabolismo oxidativo, correção da hipovolemia absoluta/relativa, melhora do débito cardíaco através do aumento da pré-carga. Obviamente, tais objetivos são interdependentes, sendo que a recuperação da volemia leva imediatamente à melhora do débito cardíaco e normalização da perfusão tecidual.

Tratamento e Monitorização

Atualmente, muita discussão tem se desenvolvido em torno da reposição volêmica antes da interrupção da fonte de sangramento. Alguns autores teorizam que se isto for feito imediata e vigorosamente, a melhora do quadro hemodinâmico do paciente fará com que haja sangramento adicional e, portanto, redução da sobrevida dos pacientes, especialmente naqueles atendidos fora do ambiente hospitalar. Estes mes­mos autores advogam que a reposição volêmica só deve ser iniciada após a interrupção da fonte de sangramento, o que só é possível, na maioria das vezes, por profissional qualificado e dentro do ambiente hospitalar, e mesmo, mais especificamente, dentro do bloco cirúrgico, causando dificuldades operacionais importantes. Balizado principalmente pelo manual do ATLS, do Colégio Americano dos Cirurgiões, é de bom senso que a reposição volêmica no politraumatizado deva ser iniciada o mais rápido possível, e não se deve tolerar qualquer atraso para transportar o paciente para local onde se possa resolver o problema cirúrgico, com a interrupção da fonte de sangramento. Somente isto é capaz de tornar viável a redução da perda sangüínea, facilitando inclusive a reposição volêmica adicional.
O tratamento do choque hipovolêmico inicia-se obrigatoriamente através da instalação de acessos vasculares que possibilitem a administração de volume de forma adequada.
As vias de acesso vascular de eleição são as veias superficiais dos membros superiores. Somente na impossibilidade destas é que se faz a opção por outros acessos vasculares, que, em geral, são de maior complexidade. As punções percutâneas de veias centrais em ambiente de emergência estão associadas a riscos de complicações muito maiores que quando feitas em situações eletivas. Portan­to, devem ser evitadas ou realizadas somente por profissionais altamente experientes. Um acesso vascular freqüentemente esquecido é a punção da veia femoral. Ela tem marcadores anatômicos fixos e está longe de estruturas vitais, podendo ser considerada como a segunda opção em se tratan­do de acessos vasculares no atendimento do politraumatizado. Somente na impossibilidade de obten­ção de acessos vasculares pelas vias expostas acima é que se deve partir para acessos alternativos, sejam eles punções de veias centrais (jugular ou subclávia) ou dissecções de veias profundas (cefálica, basílica ou safena magna). Nesta opção, deve prevalecer a maior experiência do profissional que está realizando o procedimento. Em crianças menores de cinco anos, quando as dificuldades são maiores, tem-se a opção da punção intraóssea, uma via segura e relativamente simples. Ela é realizada na superfície antero-lateral da tíbia, 1cm abaixo da sua tuberosidade, em direção caudal, a fim de se evitar a placa de crescimento. Posteriormente, este acesso pode ser substituído, de forma eletiva, por outro acesso vascular.
Seja qual for o acesso, deve-se ter em mente que os acessos curtos e de grosso calilbre permitem administração de volumes grandes de fluidos em menos tempo.
Duas complicações da reposição volêmica, que independem do fluido administrado, devem ser aqui mencionadas. A hipotermia é uma complicação grave da reposição volêmica maciça, quando o cuidado no aquecimento dos fluidos é neglicenciada, sendo responsável por uma série de problemas, tais como: distúrbios da coagulação do sangue, principalmente relacionados ao funcionamento das plaquetas; aumento da viscosidade do sangue, reduzindo a perfusão dos pequenos vasos; redução do metabolismo dos diversos sistemas; desvio da curva de dissociação da oxihemoglobina para a esquerda, dificultando o fornecimento de oxigênio para os tecidos; interferência com o metabolismo do citrato e do lactato; arritmias cardíacas potencialmente fatais e refratárias etc. Tudo isto pode ser evitado aquecendo-se as soluções desde o início da ressuscitação volêmica, e também tendo o cui­dado de manter o paciente sempre aquecido. O tratamento desta complicação é muito difícil e a melhor prática é a sua profilaxia. Outro problema cada vez mais atual é a reposição volêmica realiza­da em pacientes em que a fonte do sangramento ainda não foi controlada, o que já foi discutido anteriormente. Fora essas complicações, podem ocorrer edema pulmonar devido a uma reposição excessiva, assim como coagulopatia dilucional.

Formas de monitorização da reposição volêmica

É de suma importância que a reposição volêmica seja acompanhada de uma monitorização adequada para que seja feita de maneira efetiva, sem excessos ou faltas, uma vez que ambas são igualmente deletérias ao paciente.
Seja qual variável utilizada para se determinar a continuidade do tratamento de reposição de volume, o importante é determinar se o paciente se encontra na fase ascendente da curva de Frank-Starling (fase volume-responsiva).
Os parâmetros hemodinâmicos tradicionalmente utilizados para se avaliar volemia (PVC, PAPO) sofrem influência de diversos valores externos como pressão intratorácica, alterações na complascência ventricular etc. Dessa forma, os trabalhos mais recentes não demonstram boa sensibilidade ou especificidade desses parâmetros para avaliação da volemia.
Atualmente, há uma tendência a se valorizar dados hemodinâmicos ditos dinâmicos (variáveis que se alteram com a respiração como a variação da PVC – DELTA PVC – ou a variação da pressão de pulso – DELTA Pp). Tais dados predizem a resposta volêmica com melhor sensibilidade e especificidade que os dados estáticos.
O DELTA PVC é medido com o paciente respirando espontaneamente e se observa a variação da PVC com a respiração. Variações maiores que 1 mmHg predizem resposta a volume com 84% de valor preditivo positivo e 93% de valor preditivo negativo.
O DELTA Pp é medido em pacientes em choque séptico em ventilação positiva em volume controlado (Vt 8-12 ml/kg, PEEP 7 sem arritmias importantes que variem o volume sistólico) na curva de pressão arterial invasiva. Caso o cálculo seja maior que 13%, o paciente responderá à prova de volume com uma sensibilidade de 94% e especificidade de 97%.

DPp% = 100 x (Ppmax – Ppmin)/ [(Ppmax + Ppmin)/2]

Tipos de solução para reposição volêmica

Cristalóides

Os cristalóides contêm água e eletrólitos em concentrações variáveis, podendo ser hipotônicos, isotônicos ou hipertônicos em relação ao plasma. São os fluidos mais freqüentemente utilizados na ressuscitação volêmica de pacientes graves, e existem vários trabalhos que demonstram a sua eficá­cia neste contexto. Os principais exemplos são o Ringer lactato e o soro fisiológico. Por causa do pequeno tamanho de suas moléculas, as soluções cristalóides cruzam livre e rapidamente o endotélio vascular, equilibrando-se em poucos minutos com o líquido extravascular. Isto pode levar a um rápido acúmulo de líquidos no espaço intersticial. Também, por causa do rápido extravazamento do fluido para o extravascular, seus efeitos hemodinâmicos máximos acontecem imediatamente após a infusão, e perduram por pouco tempo, não produzindo efeitos duradouros sobre o sistema cardiovascular, exigindo novas infusões para a manutenção do efeito hemodinâmico inicial. Existem estudos que demonstram que menos de 20% do Ringer lactato permanecem no espa­ço intravascular cerca de duas horas após o término da sua infusão.
De maneira geral, as soluções cristalóides são seguras, atóxicas, não reagentes, baratas e pronta­mente disponíveis. As complicações freqüentemente descritas incluem aquelas relacionadas à ressuscitação incompleta, como choque progressivo, insuficiência renal aguda etc, pois os pacientes podem precisar de quantidades muito grandes de fluidos. Outra complicação é o acúmulo de líquido no espaço intersticial, conforme citado acima, dando a impressão para um profissional menos experi­ente que a necessidade de líquidos já foi contemplada. Existe muita discussão na literatura se este edema excessivo é ou não prejudicial para os pacientes. A diluição das proteínas plasmáticas, com queda importante da pressão coloidosmótica, é uma compli­cação conhecida do uso de cristalóides, e pode contribuir para o edema periférico. Concomitantemente, em pacientes com choque hemorrágico, a reposição volêmica pode levar à uma diluição das proteí­nas participantes da cascata de coagulação, responsabilizando-se pela perpetuação de distúrbios hemorrágicos. Complicações específicas de cada solução, como o aparecimento ou agravamento da acidose hiperclorêmica quando se usa soro fisiológico podem ocorrer, apesar que sua repercussão clínica ainda é desconhecida. A simples presença ou a persistência destes distúrbios em pacientes res­suscitados com grandes volumes de infusão não podem ser explicadas como sendo apenas secundá­rias ao uso de cristalóides, e outras causas devem ser averiguadas, com especial atenção para a reposição volêmica incompleta com persistência de um déficit perfusional.

COLÓIDES

A albumina é a principal proteína no soro e responde por 80% da pressão coloidosmótica do plasma, sendo esta sua principal função no organismo. Tem, ainda, importante papel como proteína transportadora de inúmeras substâncias incluindo drogas, hormônios etc; possui também capacidade de atuar como removedor de radicais livres, podendo limitar o processo lesivo da peroxidação dos lipídeos. As soluções de albumina são extraídas do plasma humano e processadas com a finalidade de inativação de vírus, não havendo risco de transmissão de doenças infecto-contagiosas com o seu uso. É apresentada em solução de 5, 20 e 25%. Deve-se lembrar que no plasma humano a albumina se encontra em solução a 5%, e que reposições com soluções acima de 5% induzirão a transferência de líquido do espaço extra para o intravascular, existindo então a necessidade de se repor líquido para completar este espaço. A albumina administrada distribui-se inicialmente para o espaço intravascular, mas sofre redistribuição progressiva para o espaço intersticial. Sua meia-vida no espa­ço intravascular é de 16h, muito maior, portanto, que a das soluções cristalóides. Atualmente, diver­sas críticas têm surgido em relação ao uso da albumina como solução colóide de expansão volêmica, incluindo o seu elevado custo em relação às soluções cristalóides e também à falta de estudos que comprovem maior taxa de sobrevida com a sua utilização. Além disto, existem relatos de piora da função respiratória quando se utiliza albumina na ressuscitação, mas isto não é unânime em todos os trabalhos que a compararam com cristalóides. Contudo, é inequívoco que ressuscitações feitas com soluções colóides necessitam de menor quantidade de fluidos, estão relacionadas com um menor ganho de peso durante a ressuscitação e podem ser feitas em um menor intervalo de tempo. A ocorrência de reações alérgicas é muito rara com o uso de albumina.
O hidroxietilamido é um termo utilizado para descrever uma classe de moléculas sintéticas seme­lhantes ao glicogênio. Estas soluções contêm partículas de vários pesos moleculares, resultando em misturas muito heterogêneas, mas que são designadas por seu peso molecular médio. O hetamido foi produzido a partir de uma modificação da amilopectina submetida à hidroxilação, o que permite uma maior resistência à degradação pela amilase, aumentando sua meia-vida no plasma. O volume intravascular aumenta mais que a quantidade infundida, visto que a pressão coloidosmótica é alta e retira líquido do interstício. Sua permanência no intravascular é muito mais duradoura que a dos cristalóides, podendo perdurar por até 24hs. Em inúmeros trabalhos clínicos o hetamido mostrou-se tão eficiente quanto a albumina, ou até mesmo superior a ela. O fabricante recomenda uma dose-teto diária de até 20ml/kg, mas em inúmeros estudos esta quantidade foi ultrapassada sem que tenham sido observadas complicações clínicas relevantes. Mais recentemente, novas modificações na fórmu­la do hetamido levaram ao aparecimento do pentamido, uma solução com peso molecular mais baixo, com um tamanho de partículas em solução mais homogênea e menor substituição com hidroxietilamido. Estas mudanças levam a uma excreção mais rápida e homogênea, a uma geração de maior pressão coloidosmótica, levando a um aumento proporcionalmente maior da volemia (cerca de 1,5 vezes o volume infundido ). No entanto, há menor duração do efeito hemodinâmico (em torno de 12h). O pentamido é apresentado como solução a 10%. O principal problema potencialmente relacionado com a infusão de hetamido é o desenvolvimento de coagulopatia. Em vários estudos clínicos demons­trou-se a associação de sua infusão com o aparecimento ou agravamento de distúrbios da coagula­ção sangüínea, sem contudo estar relacionado a sangramento clinicamente evidente. Quando se utilizam as doses preconizadas pelo fabricante, raramente observa-se o aparecimento de coagulopatias. A anafilaxia é um fenômeno raro, ocorrendo em menos que 0,085% das infusões. Com freqüência, aumentos nos níveis séricos da amilase têm sido relatados, podendo atingir até o triplo dos valores de referência, sem no entanto ter-se observado quaisquer alterações na função pancreática. O pentamido apresenta os mesmos efeitos indesejáveis que o hetamido, mas parece interferir menos nos parâmetros da coagulação que o segundo.
Os dextrans são misturas de polímeros de glicose de vários tamanhos e pesos moleculares produ­zidos por bactérias em meio contendo sacarose. Seu peso molecular pode variar muito, mas os dextrans mais usados na prática médica apresentam peso molecular médio de 40.000 daltons (Dextran-40), comercialmente disponível em solução a 10%, ou 70.000 (Dextran-70), comercialmente disponível em solução a 6%. A expansão e a duração do efeito dos dextrans variam de acordo com o peso molecular médio e a velocidade de sua eliminação no plasma. As moléculas menores são rapidamen­te filtradas pelo glomérulo e podem determinar diurese leve. As moléculas maiores ficam armazena­das nos hepatócitos e células do tecido retículo-endotelial, sem qualquer toxicidade, e são finalmente metabolizadas a CO2 e água. O maior peso molecular do dextran-70 leva à excreção mais lenta, determinando expansão de volume mais prolongada, sendo esta a solução preferida quando o obje­tivo é a expansão de volume. Em um trabalho clínico, a infusão de um litro de dextran-70 levou a um aumento do volume plasmático de 790mL, o que foi comparável com o hetamido à 6% e superior à albumina à 5%. A expansão volêmica com dextran-40 à 10% é ainda mais potente que com o dextran­70, visto que o primeiro é mais hiperoncótico que o segundo; contudo, tal expansão dura muito menos tempo, pois sua excreção é mais rápida. O volume de expansão é cerca de 1,5 vezes o volume infundido, mas a duração é máxima ao final da expansão, e não ultrapassa 1,5h após o término da infusão. Ambos, mas em muito maior grau o dextran 40, reduz a viscosidade do sangue, o que pode facilitar o fluxo sangüíneo periférico em pacientes com choque circulatório. A infusão de dextrans pode estar relacionada a vários problemas potencialmente sérios. Moléculas de dextrans podem se depositar nos túbulos renais, principalmente em pacientes hipovolêmicos e com disfunção renal pré­via, com reabsorção ativa de água nos túbulos, levando à insuficiência renal aguda. Isto é muito maisfreqüente com o dextran-40, sendo o dextran-70 raramente relacionado a esta complicação. Reações anafiláticas e anafilactóides podem ocorrer e são descritas em 0,03 a 5% dos casos. Ambas as solu­ções produzem defeito na coagulação, que é dose-dependente e de origem multifatorial, mas está principalmente relacionado com diminuições da adesividade e agregação plaquetárias, sendo mais freqüentemente observado com o dextran-70. Para se evitar esta complicação, deve-se limitar a infu­são dos dextrans a não mais que 20mL/kg/dia. Outros problemas também relatados com o uso de dextrans são a interferência com as provas cruzadas de tipagem sangüínea e dificuldades para dosar a glicemia.
Gelatinas são polipeptídeos derivados do colágeno bovino e modificados. Apresentam pesos moleculares de aproximadamente 35.000, o que leva à rápida eliminação renal de um grande percentual das soluções e a um tempo de permanência no espaço intravascular muito curto, com meia vida de 2,5 horas. A mais importante toxidade relacionada com às gelatinas são as reações anafilactóides, ou até mesmo reações anafiláticas, cuja incidência é estimada em 0,146%. A rápida infusão desta solu­ção está relacionada com à liberação de histamina em alguns pacientes. Elas ainda podem causar redução dos níveis séricos de fibronectina, mas a importância clínica disto não é clara.
O plasma fresco congelado (PFC) é a porção líquida de uma unidade de sangue, que foi centrifugada e rapidamente congelada com o intuito de se preservar as proteínas da coagulação. Deve ser usado com o propósito único de repor fatores de coagulação, em pacientes que estejam clinicamente san­grando e, de forma ideal, guiado por coagulogramas (exceção feita a pacientes em choque sob repo­sição maciça e que estejam sangrando patologicamente). A utilização de PFC para reposição volêmica ou como suplemento nutritivo é uma prática condenável.
As plaquetas são preparadas a partir de uma unidade de sangue doada e separadas por centrifugação. O armazenamento correto é fundamental para manutenção de suas funções hemostáticas plenas, necessitando serem conservadas entre 22° e 24°C e sob agitação contínua; mesmo assim, não duram mais que cinco dias. Assim como o PFC, o concentrado de plaquetas (CP) não deve ser usado de forma profilática ou a partir de fórmulas fixas. Deve ser utilizado somente em pacientes que apresentam plaquetopenia com a presença de sangramento microvascular. O objetivo de forma geral é manter uma contagem de plaquetas entre 50.000 e 75.000/mm3.

CONCLUSÃO

Pelo que foi exposto anteriormente, o conhecimento da fisiopatologia dos estados de choque e dos efeitos hemodinâmicos e farmacológicos das diversas soluções de reposição volêmica, assim como de suas indicações e contra-indicações, deve ser de domínio de todos aqueles que lidam com pacien­tes graves. É consenso que não existe uma solução ideal para todos os casos, devendo-se lançar mão de julgamento crítico para que cada solução tenha sua melhor indicação. Em conclusão, parece que a precocidade do diagnóstico e da ressuscitação volêmica, bem como a atenção rigorosa a obje­tivos fisiológicos definidos previamente, freqüentemente com necessidade de utilização de monitorização invasiva, são muito mais significativos que o tipo de fluido utilizado na recuperação do paciente. Devemos lembrar que quando soluções cristalóides isoladas são escolhidas, o volume de fluido necessário será muitas vezes maior do que quando se utilizam soluções colóides.

Autor:Dr. Chaudes Ferreira da Silva Júnior
24/10/2007

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