Autoria: Fabrício Fernandes Pinheiro
A demanda de energia – eletricidade, gás e combustíveis necessários para operar todas as ferramentas da civilização moderna – em países desenvolvidos é a maior causa da poluição a qual está agora aquecendo nosso planeta.
Dióxido de carbono, produzido na queima de combustíveis fósseis – carvão, óleo e gás natural – é responsável por cerca de 6% do efeito estufa. Os outros gases envolvidos nesse efeito são os CFCs (CloroFlúorCarbonos), metano, vapor de água, ozônio e óxido nitroso(1).
Bolin(2), coordenador do Intergovernamental Panel on Climate Change (IPCC) instituído em 1988, alertou, durante a Second World Climate Conference em Geneve realizada no final de 1990, sobre não haver mais tempo para usar as dúvidas remanescentes sobre o aquecimento global e a mudança climática como uma desculpa para a inatividade.
O planeta já está passando por estiagens regionais, tempestades, redução do suprimento de água, extinção de muitas espécies de plantas e animais, em função do aquecimento global que altera os padrões climáticos e perturba os ecossistemas naturais.
Previsões atuais do aquecimento global não levam em conta as reações e interações das massas de terra, oceânicas e de gelo em resposta à elevação da temperatura que já iniciou. Na avaliação das mudanças em desenvolvimento deve-se levar em conta os processos de “feedback” (re-alimentação) através dos quais o efeito estufa desencadearia reações que, por sua vez, exacerbariam o aquecimento global. Surge um problema em incluir reações de “feedback” em modelos computacionais de um clima futuro, porque esses processos não tem comportamento suficientemente previsível para dar resultados confiáveis. É impossível quantificar o efeito dos “feedbacks” quando eles mesmos são alimentados uns pelos outros. Quando as respostas de comunidades de plantas, massas de terra, oceanos e gelo começam a realimentar-se entre si, a incerteza de cada efeito individual é ampliada por todos os outros. Torna-se, então, impossível produzir previsões confiáveis sobre seus efeitos totais no sistema climático. O que se pode prever, no entanto, é que, se eles interagem de forma sinergética, seus efeitos combinados serão muito maiores do que a soma dos efeitos individuais considerados separadamente.
Além disso, nenhum dos cálculos das concentrações dos gases estufa e o respectivo aquecimento nos próximos cem anos leva em conta os “feedbacks” que virão da biosfera e das comunidades microbiológicas e de plantas em particular, enquanto a temperatura aumenta e o clima muda.
Muitos dos “feedbacks” biosféricos dependem das variações esperadas para o ciclo do carbono, durante o qual carbono é armazenado por massas de terra e oceanos, liberado para a atmosfera e, novamente, absorvido nas massas de terra e oceanos. O consenso científico é que podemos esperar significativas quantidades extras de CO2 a serem liberadas à atmosfera no futuro, pois as plantas e microorganismos mudam seu comportamento em reação ao aumento da temperatura.
Uma reação biosférica potencial resultará da morte esperada de florestas que não se adaptem, num tempo adequado, ao aumento da temperatura. Quando essas florestas morrerem haverá liberação de grandes quantidades de CO2 e CH4.
Pesquisas sugerem(2) que as áreas cobertas pelas florestas boreais diminuirão drasticamente dos atuais 23%, da área total florestada do mundo, para menos de 1%. Estima-se que haverá adição de 80 – 120 milhões de toneladas de CH4 à atmosfera e a temperatura local aumentará 10C. Prevê-se, também, um aquecimento global em torno de 3C para o ano 2100.
Deve-se considerar, também, um número de reações dentro dos oceanos e praticamente todas aumentarão o dióxido de carbono na atmosfera. A princípio, os oceanos não absorverão convenientemente o CO2 extra na atmosfera na mesma velocidade em que o mesmo será emitido. Se houver um aumento de 10%, os oceanos absorverão somente 1%. Além disso, como as águas superficiais do oceano se aquecem, elas não serão capazes de absorver tanto CO2 como o fazem no presente.
Pensa-se, também, que como os oceanos sofrerão aquecimento, carbono orgânico dissolvido sofrerá decomposição mais rapidamente, liberando novamente quantidades crescentes de CO2 à atmosfera.
A combinação de todos os fatores envolvidos no aquecimento e mudança climática levou à conclusão de que é necessária a redução imediata de 60 – 80% nas emissões de CO2 e de outros gases estufa. Um aumento maior que o dobro na concentração atual dos gases estufa seria um risco inaceitável e, no momento, tem-se que a concentração dobrará por volta do ano 2025(3).
Diversas ações, englobadas no que poderia se chamar de Revolução Industrial Verde, tais como desenvolvimento de novas tecnologias, maior eficiência no uso da energia disponível e utilização efetiva e com eficiência de biomassa (árvores, plantas, rejeitos, …) estão em curso. Nesse sentido tem especial interesse os microorganismos presentes na enorme massa de água da Terra. As algas microscópicas marinhas fazem a fotossíntese e produzem um ingrediente essencial (dimetilsulfeto – DMS) que mantem os níveis de enxofre constantes e ajuda na formação das nuvens.
PODERIAM AS ALGAS SER USADAS
PARA CONTROLAR O AQUECIMENTO GLOBAL?
O fitoplâncton compõe-se de plantas microscópicas unicelulares que povoam as camadas superficiais ( 80 metros) de todos os corpos de água, seja doce ou salgada. Utilizando a luz solar como fonte de energia, esses organismos vegetais transformam substâncias simples, que obtem do meio ambiente, na matéria orgânica necessária a seu crescimento e multiplicação. Trata-se de um dos mais importantes processos em curso no planeta, uma vez que constitui o primeiro elo do complexo sistema alimentar aquático. Todos os animais dos meios aquáticos devem sua subsistência, de forma direta ou indireta, à multiplicação celular dessas plantas microscópicas (diatomáceas, flagelados, dinoflagelados, ..)(4).
Além da luz que necessitam para se multiplicar, seu metabolismo não pode prescindir de determinadas substâncias biogênicas, como sais nutrientes (nitratos, fosfatos, silicatos), oligoelementos (como ferro, molibdênio, cobalto, vanádio, cobre, manganês e zinco) e de algumas substâncias orgânicas (vitaminas, ácidos húmicos, …).
As diferentes formas de vida competem entre si pela captura dos nutrientes disponíveis na camada superficial marinha. O resultado da competição não depende, apenas, do ritmo de reprodução celular ou da velocidade em assimilar os nutrientes. Depende também das condições ambientais, que variam muito conforme as regiões e a época do ano(5). Nos mares temperados, por exemplo, em que as mudanças de estação são muito marcadas, produzem-se períodos de rápidos crescimento e declínio da população fitoplanctônica. Pode-se dizer que no inverno, há forte mistura vertical no oceano, ou turbulência (pelo vento), há nutrientes, mas a baixa luminosidade limita seu crescimento. Na primavera, há maior luminosidade, menos ventos, a camada superficial se aquece. Assim, nessa camada, ocorre um crescimento exponencial do número de células de fitoplâncton (florescimento primaveral), por um dado tempo. Seu declínio também é rápido, pois a diminuição de nutrientes acarreta uma diminuição na divisão celular, a tal ponto que as perdas devido ao afundamento e ao consumo por animais planctônicos não são compensadas. Nesta condição, outro tipo de espécies se desenvolve mais rapidamente havendo uma sucessão de espécies até o outono.
Considerando a relação direta entre o CO2 e o efeito estufa, é de extrema importância o fato de esses microorganismos, durante o dia, processarem a fotossíntese, onde ocorre consumo de gás carbônico e geração de oxigênio. Deve-se considerar, também, que devido à migração vertical de alguns tipos de fitoplâncton, mesmo que os nutrientes tenham se esgotado durante o dia, aqueles permanecem na superfície, assimilando gás carbônico e, consequentemente, acumulando carboidratos(4). Entretanto, à noite, processo contrário ocorre; é a respiração de todos os tipos de fitoplâncton e a decomposição de alguns deles. Há consumo de oxigênio dissolvido na coluna de água e liberação de gás carbônico à água e à atmosfera.
A hipótese Gaia desenvolvida por Lovelock(6), um químico inglês, sugere que com o objetivo de manter a condição termostática da Terra, CO2 é contínua e progressivamente bombeado da atmosfera. Há uma entrada constante através de processos tectônicos, e a retirada a longo prazo são os depósitos de rochas calcáreas nos sedimentos. O consumo de CO2 ocorre quase que totalmente nos processos biológicos; na ausência de vida, CO2 aumentaria sua abundância além de 1% por volume. Lovelock e Whitfield observaram que, se a regulagem do clima ocorre por bombeamento de CO2, o mecanismo está relacionado ao limite de sua capacidade operacional. Sabendo que dióxido de carbono da atmosfera diminuiu de cerca de 30%, no início da vida, a 300 p.p.m.v. (um fator de 1000), os autores sugeriram que o decréscimo no CO2, através do respectivo declínio no efeito estufa, foi compensado pelo aumento da luminosidade solar e assim o clima permaneceu constante e adequado à vida.
A hipótese Gaia sugeriu também que o dimetilsulfeto (DMS) poderia ser o meio de retorno de enxofre (elemento bioquímico essencial) da terra para o mar(7). Em 1987, Charlson et al.(8) sugeriram também que a influência de DMS iria além de sua participação no ciclo do enxofre e, assim, as algas (emissoras de DMS) teriam papel vital na regulagem do clima da Terra.
Os ciclos biogeoquímicos do carbono e do enxofre estão intimamente ligados e aparecem conectados regulando os potenciais redox em ecossitemas óxicos e anóxicos. Emissão de DMS, através de seu efeito no albedo do planeta, juntamente com o bombeamento de CO2 levam à tendência ao esfriamento.
A idéia original de Charlson é que a água aquecida pelo efeito estufa poderia acentuar a produção de algas, produzindo mais DMS e assim mais nuvens. Isso faria com que mais energia solar fosse refletida e, conseqüentemente, a uma temperatura da Terra menor. Essa idéia sugere também que haveria maior retirada de CO2 da atmosfera pelo processo da fotossíntese.
Com a finalidade de verificar essas hipóteses, diversos estudos tem sido efetuados com relação ao crescimento e ao comportamento das algas. Entre esses estudos (controversos ainda) Martin propôs a teoria de que o crescimento das algas é limitado em muitas áreas não pela falta de nutrientes convencionais, como nitrogênio e fósforo, mas por ferro. Este pode alcançar os oceanos remotos por vários meios com origem na terra e isso explica porque águas remotas, ricas em nitrogênio e fósforo, como nos mares da Antártica, não são mais biologicamente ativas. Experimentos de Martin et al.(9,10) mostraram que quando ferro é adicionado a amostras de água tiradas de regiões ricas em nutrientes, a atividade biológica aumenta cerca de dez vezes.
Com base nos resultados obtidos, Martin sugeriu que é possível reagir ao aquecimento global adicionando ferro a partes de oceanos ricas em nutrientes mas com baixa atividade biológica. A proposta inicial foi que o aumento na produção de algas “fixaria” mais dióxido de carbono da atmosfera, da mesma maneira que o plantio de árvores.
O plano elaborado por Martin, que faleceu no princípio deste ano, será posto em prática por Johnson, Liss e Watson. Farão uma tentativa de fertilizar com ferro, em água marcada, uma parte do Oceano Pacífico, próxima às Ilhas Galapagos, talvez uma área de um km2. Será monitorado o volume e distribuição das espécies de algas e a emissão e absorção de gases tais como DMS e CO2.
Se tal experimento fosse aplicado em grande escala para controlar o aquecimento global, o ecossistema marinho seria fundamentalmente alterado. Mas não se sabe como. Tem-se, então, a pergunta: será que o aumento na concentração de ferro ou temperaturas mais altas favoreceriam a produção de diatomáceas, Coccolithophores ou phaeocystis? Diatomáceas fixam carbono, mas produzem pouco DMS. Coccolithophores produzem DMS, mas liberam CO2. Assim, torna-se duvidoso se o aumento de cada grupo reagiria ao aquecimento global. Phaeocystis absorve carbono e produz DMS.
Johnson(6) acredita serem remotas as chances de o método proposto controlarem o CO2 na atmosfera. Ele espera um deslocamento das diatomáceas pequenas para as grandes e com base nisso, usando modelos computacionais, uma redução de não mais que 2 gigatoneladas de CO2. Isso ainda é pouco comparado às 5 gigatons liberadas por ano, resultantes da atividade humana, e menos ainda se comparado ao previsto de 15 gigatons para os próximos 50 anos.
Torna-se claro, assim, que todos os estudos efetuados auxiliarão na previsão sobre os efeitos provocados nos ecossistemas marinhos em função do aquecimento global. Entretanto, enquanto a dinâmica das algas não for bem compreendida, qualquer tentativa para prever seu efeito no clima será em vão.
Referências Bibliográficas
1. Sinclair, J. – “Using today’s technology to clean up the planet” – Our Planet, 3(3) (1991), 4-9
2. Sinclair, J. – “Global warming: a vicious circle” – Our Planet, 3(1) (1991) 4-7
3. Brown, L.R. – “State of the world – 1993” – W.W. Norton & Company, New York, 1993
4. Sournia, A. – “Circadian periodicities in natural populations of marine phytoplankton” – Adv. Mar. Biol., 12 (1974), 325-389
5. Doty, M.S. – “Phytoplankton photosynthetic periodicity as a function of latitude” – J. Mar. Biol. Ass. India, 1(1) (1959) 66-68
6. Jardim, W.F. e Chagas, A.P. – “A Química Ambiental e a Hipótese Gaia: uma nova visão sobre a vida na Terra?” – Química Nova 15(1) (1992) 73-76
7. Fell, N. e Liss, P. – “Can algae cool the planet?” – New Scientist 1887 (1993) 34-38
8. Charlson, R.J., Lovelock, J.E., Andreae, M.O. e Warren, S.G. – Oceanic phytoplankton, atmospheric sulphur, cloud albedo and climate” – Nature 326 (1987) 655-661
9. Martin, J.H., Gordon, R.M. e Fitzwater, S.E. – “The case for iron” – Limnol. Oceanogr., 36(8) (1991), 1793-1802
10. Martin, J.H., Fitzwater, S.E. e Gordon, R.M. – “We still say iron defficiency limits phytoplankton growth in the subartic pacific” – J. Geophys. Res., 96 (1991), 20.699-20.700