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quarta-feira, novembro 20, 2024

COMPLEXO MATERNO – CASO FERNANDO

Complexo Materno – Caso Fernando

“Há também um pensamento nas imagens primordiais, nos símbolos, que são mais antigos do que o homem histórico e nascidos com ele desde os tempos mais antigos e, eternamente vivos, sobrevivem a todas as gerações e constituem os fundamentos da nossa alma”. C. J. Jung.

Fernando é um homem que não saiu da adolescência, mostra-se dependente de uma mãe absolutamente boa, um homem que não escolhe, é antes escolhido, possui auto-estima baixa e não encontra satisfação no que faz, com um dilema (traição), que poderá desencadear uma crise e consequentemente seu crescimento, um homem com complexo materno originalmente positivo.

Fernando engenheiro civil, construtor de estradas, 31 anos, casado há 13 anos, pai de dois filhos, um de 13 anos e um de 10 anos. Solicitou atendimento com a queixa de que “precisa dar um rumo a sua vida”, pois a esposa o traiu com um namorado da adolescência. Kast (1997, p. 53), nos fala que “uma coisa típica do complexo materno originalmente positivo de um homem é a expectativa de que a vida e o mundo existam como uma mãe doadora de tudo, que nutre, admira, sabe o que é bom”. A mesma autora (p. 53), diz que “a problemática consiste no fato de estarem estas pessoas à procura de um parceiro ou parceira que satisfaça todos os seus desejos”. Este homem casou-se um menino, aos 18 anos, porque a namorada estava grávida, e foram morar com os pais dela. Após cinco anos de casado pensou em separar-se, mas ficou com ‘pena dos filhos’. Foi pego de surpresa com a traição da esposa, mas a mulher diz não querer separar-se, que foi uma fraqueza e está arrependida. Fernando, por sua vez, comenta que não sabe se quer se separar, e fica enumerando incessantemente os prós e contras de cada decisão. Para Kast (1999, p. 53), “uma das razões para o homem com complexo materno originalmente positivo terem grande dificuldades em se separar, é o fato de que separações destroem o sentimento vital do pertencer um ao outro e a exigência da pessoa voltar a se organizar sobre o si-mesmo próprio”. Ele soube da traição pelos recados vistos no celular da esposa, agora acha que todos na cidade sabem da história e se sente envergonhado em ser visto como ‘corno manso’. Fernando acredita amar a esposa, diz que sexualmente não tinham problemas mas que ela não costumava ‘procurá-lo’ para sexo com freqüência. Durante todo este relato, Fernando chorou inúmeras vezes. Com certeza a sensação dele é de abandono, solidão e de que terá de fazer algo à respeito. O autor de Síndrome de Peter Pan, Kiley, (1987, p. 27 e 28), diz que “o homem sente-se provocado frente às atitudes de afirmação ou de autonomia da mulher; Na realidade, ele sente-se impotente para lidar com uma mulher de personalidade marcante, que o trata de igual para igual, e por isso ele a inferioriza”. Segundo o mesmo autor (1987, p. 43) “A fim de merecerem ‘fazer parte’ e ser aceitos pelo grupo, os meninos devem apegar-se ao papel de machos”. Observa-se aqui um homem inseguro, imaturo, desorientado, preocupado com sua imagem de homem perante a sociedade, precisa continuar sendo ‘macho’, e não ‘corno manso’. É evidente que sua esposa o provocou, pois o traiu, e demonstrou não precisar dele, pois o substituiu por outro(ex-namorado). É claro que Fernando sente-se impotente para lidar com esta mulher, com esta situação. Então surgem perguntas e hipotéticas respostas em minha mente: Por que esta mulher o traiu? Estaria farta da imaturidade do marido? Cansada de só ‘serví-lo’ (de não ser conquistada, de não sentir-se atraente) sexualmente? Como seria o ex-namorado? Um conquistador sensível? Agradável, seguro, maduro, centrado? Fazia com que ela se sentisse atraente? Com certeza a conquistou!

Aos 18 anos, Fernando foi trabalhar na imobiliária com o pai ‘já que não tinha noção do que queria ser na vida’. Após cinco anos, resolve que tinha que dar outro rumo profissional a sua vida porém fica um ano inteiro pensando em que carreira poderia seguir. Por convite de um amigo, já foi vendedor de jóias, trabalhou numa multinacional a partir da indicação de seu cunhado. “Resolveu” fazer Engenharia Civil por sugestão de seu pai. Diz que não é a melhor coisa do mundo, mas paga as contas do fim de mês. Corneau (1999, p. 167), elabora algumas questões neste sentido, “por que motivo, então, os meninos bonzinhos continuam a ser bons ao mesmo tempo que constatam que o preço que pagam por suas dificuldades de afirmação trazem tormentos interiores? O que é que os leva a dizer ‘sim’ no momento em que gostariam de dizer ‘não’? O que é que os impede de afirmar o que pensam, mesmo correndo o risco de desagradar as pessoas a sua volta? Por que motivo julgam preferível trair suas convicções íntimas? Existe só uma resposta possível. O menino bonzinho possui dentro de si um monstro devorador que o lança em um inferno de remorsos, dúvidas e sentimentos de culpa, não tem a ousadia de dizer o que pensa e de agir segundo seus sentimentos”. A falta de escolhas de Fernando é visível, nada é resolvido por ele, por este motivo é levado a fazer escolhas que nem sabe se são dele, sente que precisa resolver, fazer acontecer, mas não consegue. É tão clara esta dificuldade, que pergunta à terapeuta diversas vezes: “O que eu faço? O que você faria se estivesse no meu lugar”? E para demonstrar ainda mais um pouco sua insegurança em estar só, pede o nº de telefone da terapeuta para caso ele ‘precise de uma palavra amiga’. Se Fernando não se decide, quem decide é o destino (incosciente).

Fernando fala pouco de seus pais, da mãe comenta que sempre foi muito boa e que não gosta da nora, ‘ela judia de você, Dinho; é como minha mãe me chama até hoje’; e do pai relata que sempre foi mulherengo, e que acha que fez a mãe sofrer muito durante todos os anos de casamento, o pai é falecida há um ano. Puer Aeternus, segundo Franz (1992, p. 9), “significa ‘juventude eterna’, mas também o usamos para indicar certo tipo de jovem que tem um complexo materno fora do comum e que portanto comporta-se de certas maneiras típicas: permanece durante muito tempo como adolescente, com aquelas características que são normais em jovens de 17 ou 18 anos continuam que na vida adulta, juntamente com uma grande dependência da mãe”. O pai nos parece ausente, e neste caso a mãe ocupa todos os espaços possíveis, até substituindo o pai impedindo a identificação de Fernando com o mesmo (logos). Fernando se encontra estagnado, não é um homem adulto, não construiu sua individuação, não se diferenciou, não tem seus limites demarcados, o que é da mãe e o que é seu, pois foi roubado deste ímpeto realizador, a mãe super-protetora alimentou sua passividade e sua emotividade fornecendo assim uma dose excessiva de suplemento energético. A grande mãe exige fidelidade e dependência, e Fernando não tem consciência de quem ele é e o quê ele quer. A mãe não respeitou sua individualidade, impediu seu crescimento por seu filho possuir um ego fragilizado ou simplesmente por ele se acomodar, pois o reino da mãe gera a necessidade da mesma. É um mundo mágico onde tudo é suprido. Segundo Corneau (1999, p. 169), “a anima masculina está fortemente marcada pela personalidade materna; assim, enquanto não tiver conseguido separar-se da mãe, essa anima não terá possibilidades de evoluir”. O mesmo autor (p. 173), diz que “não poderá resolver o conflito interior que o neutraliza a não ser escolhendo entre dois fogos (o do dragão materno ou o do inferno), o do inferno, será caos, raiva, medo e sentimentos de culpa e são efeitos inevitáveis, mas passageiros, de tal escolha”. No caso de Fernando, há uma luta para ficar preso ao abraço da mãe, enquanto o desenvolvimento normal seria o de lutar para sair deste abraço, desta mãe que o infantiliza, que o chama de ‘Dinho’. Ele se encontra em um momento de crise que o fará gerar a consciência necessária para perceber-se como indivíduo e consequentemente uma retomada ao ponto onde parou seu desenvolvimento, possibilitando assim, mudança, crescimento e autonomia. Fernando gosta muito dos filhos, faz tudo para eles e acha que por isso ele abusam de sua benevolência, demonstrando ser um pai permissivo que não impõe limites, pois não os aprendeu.

Segundo Jung (1991, p. 342), “Alguma coisa dentro de nós quer permanecer como criança, quer permanecer inconsciente, ou, quando muito, consciente apenas do seu ego; quer rejeitar tudo o que lhe é estranho, ou então, sujeita-lo à sua própria vontade; não quer fazer nada, ou no máximo satisfazer sua ânsia de prazer e de domínio”. Fernando diz que na adolescência, foi usuário de drogas, uma forma de fuga para permanecer no prazer mais imediato e no domínio, que gostava de não fazer nada e de surfar, fazer só o que gostava, perdeu contato com seus amigos e mais uma vez chorou ao relatar que teve que crescer à força e teve que ser pai e marido da noite para o dia. É difícil aceitar responsabilidades diferentes e estranhas de uma hora para outra sem tempo para adaptar-se.

Fernando conta que tem um pensamento freqüente: se ele se separar o filho morre.

A terapeuta pergunta: Que filho é este?

Fernando: Não sei…um dos meus talvez..

A terapeuta: Separar….filho….morre.

Fernando: Quando se separa um filho morre.

Aqui Fernando faz uma projeção, este filho não é o filho dele, é ele o filho que precisa morrer. Separar significa diferenciar, não pertencer a outro, ser individual, existir sozinho. Para Franz (1992 p. 470), “esse é o dilema da criança divina, que fica dividida entre a sua personalidade adulta e a infantil. Teoricamente, a solução é clara: deve-se ultrapassar a imaturidade, substituindo-a pela maturidade. Deve-se buscar este objetivo, e se a análise for bem feita ele será alcançado”. Segundo Wenth (2005), “O grande objetivo analítico é conduzir o paciente à sua individuação, a ser aquilo que se é – através da relação que se estabelece entre analista e paciente, entre paciente e sua psique. Ambos a serviço do trabalho com a psique e suas imagens. O que buscaríamos promover seria movimentação psíquica”. Fernando tem a necessidade de decidir se quer ultrapassar os obstáculos, se quer continuar dividido e nesta busca da ajuda profissional deve ser definido o que realmente Fernando quer, se quer liberdade ou se quer substituir sua perda pela terapeuta.

Para Wenth (2005), “A análise pressupõe transformação, mas há que se ter cuidado e perspicácia. Não é tudo que pode ou deve ser modificado, não podemos correr o risco de “ao trocar a água do banho, jogar o bebê junto”. Inclusive, sempre digo que, muitos de nossos defeitos são nossas virtudes exageradas. Precisamos saber separar o joio do trigo. Precisamos saber distinguir aquilo que pode e deve ser mudado, daquilo que não pode e deve ser “lapi-dado” ou , no máximo, aceito”. Na terapia com Fernando é necessário que se faça a desconstrução de sua persona e que se trabalhe no sentido de trazer à consciência conteúdos inconscientes de sua sombra, isto pode ser realizado por meio de interpretação de sonhos, trabalhar com caixa de areia e imaginação ativa entre outras técnicas, o terapêuta deve explicar as projeções de Fernando auxiliando-o na construção de sua consciência, de sua individuação.

Fernando com a ameaça eminente de separação fica deprimido, auto-estima baixa, pensa em morrer, morte simbólica do menino, a separação real de seu complexo materno e de sua esposa certamente faz isso doer e também provoca uma crise que pode provocar uma mudança. Como Jung disse (1991, p. 344), “É uma luta travada dentro e fora de si próprio, é comparada à luta da criança pela existência do eu. Essa luta se processa na obscuridade; quando vemos a obstinação com que certos indivíduos se mantém apegados a ilusões e pressupostos infantis e a hábitos egoístas, podemos ter uma idéia da energia que foi necessária, outrora, para produzi-los”. Morre um filho, nasce um homem, nascer também dói, é uma batalha e imaginamos também quanta energia será necessária para isso, este homem poderá exercer seus papéis de pai, de filho, de marido, de profissional, de amigo, etc.

REFERÊNCIAS

CORNEAU, Guy. Será que existe amor feliz? Rio de Janeiro: Campus, 1999.

FRANZ, Marie-Louise von. Puer Aeternus: a luta do adulto contra o paraíso da infância. São Paulo: Paulinas, 1992.

JUNG, C. G. A dinâmica do inconsciente. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1991.

KAST, Verena. Pais e filhas, mães e filhos: caminhos para a auto-identidade a partir dos complexos materno e paterno. São Paulo: Loyola 1997.

KILEY, Dan. Síndrome de Peter Pan. 20. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1987.

WENTH, Renata Cunha. A Prática da Psicoterapia. Disponível em : Acesso Outubro/2005.

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