Autoria: Moacir Rener
CONSTRUTIVISMO RUSSO EISENSTEIN
CURITIBA
2005
Construtivismo e as vanguardas européias
Na Europa, no final da década de 1910 (e com mais intensidade nos anos 20) desenvolve-se uma interação entre cinema e vanguardas artístico-literárias, principalmente na França e Alemanha. Nos países nórdicos, a produção cinematográfica, desvinculada desses movimentos, é marcada por grande lirismo e beleza plástica. Na Rússia, o cinema é dirigido para as questões políticas e sociais.
Construtivismo – histórico
Para o construtivismo, a pintura e escultura são pensadas como construções (e não como representações), guardando proximidade com a arquitetura em termos de materiais, procedimentos e objetivos. O termo liga-se ao movimento de vanguarda russa e a um artigo do crítico N. Punin, de 1913, sobre os relevos tridimensionais de Vladimir Evgrafovic Tatlin (1885-1953). Os pressupostos construtivos se fazem presentes, de diferentes modos, no cubismo, no dadaísmo e no futurismo italiano.
A ideologia revolucionária e libertária que impregnou as vanguardas em geral, vai adquirir feições concretas na Rússia, diante da revolução de 1917. A nova sociedade projetada no contexto revolucionário mobiliza os artistas em torno de uma arte nova, que se coloca a serviço da revolução e de produções concretas para a vida do povo.
Das pesquisas iniciais, em estreito diálogo com as pinturas abstratas e geométricas de Malevitch, o artista passa às construções tridimensionais, encontrando na fotografia um meio privilegiado de expressão e registro pictórico da nova Rússia. Sua perspectiva fotográfica original influencia de perto o cinema de Eisenstein.
Construtivismo russo
O construtivismo russo buscava a investigação sistemática da lógica formal e material da arte, o mergulho nas possibilidades técnicas dos meios de expressão. Dentro da construção de uma nova sociedade, o artista era visto como um construtor, um engenheiro visual.
O movimento do construtivismo leva o cinema a retratar etapas da Revolução de 1917 e a difundir seus ideais. O teórico e cineasta Serguei Eisenstein (1898-1948), diretor de A Greve (1924) e Outubro (1928), é o principal expoente. Seus filmes pretendem apresentar idéias para discussão, em vez de contar histórias. A montagem das cenas explora o contraste das imagens. O Encouraçado Potemkin (1925), seu filme mais importante, é uma obra de propaganda realizada para comemorar os 20 anos do levante popular russo de 1905, precursor da revolução.
A fotomontagem transforma a experiência do “ver o familiar” para poder “enxergar o não-familiar”, encorajando as pessoas a ver o mundo sob novos pontos de vista.
Vertov e Eisenstein, magos do cinema, trouxeram o conceito de montagem cinematográfica explorando a multiplicidade de focos, a multiplicidade de sentidos ao se construir um discurso. Vertov fundou a revista Kino-Pravda (Cinema-Verdade) e o movimento Kino-eye (Cinema-Olho), cujo objetivo era descortinar a “fabricação” da imagem, revelando a interferência do diretor (e dos técnicos envolvidos na captação e edição da imagem) na documentação da realidade, contestando a noção de realidade única. A realidade do país também é tema dos novos cineastas como Aleksandr Dovjenko, Eduard Tissé e Lev Kuleshov.
Serguei Eisenstein (A greve) e Vsevolod Pudovkin (A mãe) retratam as principais etapas da Revolução de 1917, renovando as técnicas de angulação e movimentação da câmera, iluminação e montagem.
Serguei Eisenstein (1898-1948)
Sergei Mikhailovitch Eisenstein é o diretor russo de grande expressão mundial, é considerado o grande inovador da montagem cinematográfica. Cursa engenharia, quando é chamado a prestar serviço militar, em 1917. Ainda no Exército Vermelho, torna-se caricaturista e, a partir de 1921, trabalha como cenógrafo no teatro moscovita. No cinema, sua teoria da montagem (duas imagens sucessivas provocam uma significação) já está presente em seu primeiro filme, A greve, de 1924. Ganha força com a utilização simbólica do ritmo e de planos longos em O encouraçado Potemkin, de 1925, sua obra-prima, em homenagem à Revolução Russa. Outubro (1927) e Ivan, o terrível (1945) também são tidos como marcos do cinema mundial.
Na Rússia dos anos vinte, a regra era fugir de qualquer manifestação artística que lembrasse os tempos do Czarismo. Os teatros deixaram de exibir peças de inspiração romântica ou erudita, e urgia criar uma nova fórmula para os espetáculos, algo que servisse aos propósitos da revolução e fizesse sentido num cenário cultural onde o construtivismo agora reinava absoluto.
Com base em estudos sobre a teoria dos marionetes de Kleist, a ginástica expressiva de Bode, e o sistema fisionômico de Lavater, Eisenstein monta uma teoria priorizando a economia de gestos (poucos mas marcantes) e expressões (máscaras vivas): cada movimento do ator deve corresponder a uma necessidade específica da peça, todo o resto é supérfluo. Com a narrativa assim reduzida à sua essência, todos os momentos passam a ter suprema importância, provocando uma sucessão de estímulos muito fortes no espectador.
A montagem de atrações teve uma influência importante no futuro trabalho cinematográfico de Eisenstein. Depurada e adaptada a um novo meio, acabou sendo fundamental na criação de toda a sua técnica de montagem, que opunha cenas diferentes (atrações) para criar impacto significante (estímulo).
Eisenstein – obras
A Greve
Em 1924, o jovem Sergei Eisenstein, então com 26 anos, dirigiu o filme que mudaria a estética e a linguagem do Cinema Soviético, A Greve é uma visionária experimentação de manipulação de imagem. Recriando brilhantemente a greve que ocorreu em 1912 na Rússia Czarista, num conflito entre operários e polícia.
O Encouraçado Potemkin
Se os americanos celebram por terem “Cidadão Kane” o maior filme de todos os tempos, os russos também encabeçam esta lista com a grande obra-prima O Encouraçado Potemkin. Para quem quiser compreender o cinema atual, do roteiro a montagem, assistir Potemkin é obrigatório. Repleto de poderosas imagens e uma montagem muito avançada para a época. A seqüência da Escadaria de Odessa, em que as tropas do Czar massacram homens, mulheres e crianças, é a mais famosa e imitada da história do cinema. Em seu segundo longa-metragem, Eisenstein já era tido como um grande e revolucionário cineasta.
Outubro
Terceiro longa-metragem de Eisenstein, que ele fez para comemorar os dez dias de Revolução Soviética, em 1917, durante os quais os bolchevistas derrubaram o governo Kerensky. Outra obra máxima de Eisenstein. Aqui ele usa, de forma impressionante, métodos experimentais e sofisticados de montagem, baseada no choque entre imagens para comunicar idéias abstratas, e o conceito das massas como herói. Filme obrigatório aos amantes da sétima arte, pleno de criatividade e forte apelo político social.
Alexander Nevsky
Em 1924, a Rússia sofria constantes invasões pelos cavaleiros mongóis, o príncipe-pescador Alexander Nevsky (Nicolay Cherkassov) soube da invasão pelos teutônicos ao país. O povo se mobiliza e o escolhe seu comandante. Apesar da maioria das vitórias serem teutônicas, quando estes dominavam a cidade Pskov, são batidos por Nevsky na Batalha do Gelo. Paralelamente a este cenário em 1938, a Rússia estava na eminência de ser atacada por Hitler, situação que espelha o ocorrido em 1242. Ironicamente, o filme foi tirado de circulação quando da assinatura do pacto Germânico-Soviético em 1939.
Ivan o Terrível Parte 1
Ivan é coroado e depois, devido à oposição dos nobres da corte e a guerra contra os tártaros, é obrigado a abdicar. Extravagância é a definição correta para descrever esta magnífica obra de Eisenstein. Cada fotograma é um espetáculo visual. Com ângulos de câmera oblíquos, cenários gigantescos, vestuário riquíssimo em detalhes e ótimas interpretações, principalmente de Nicolai Cherkasov, como o Czar Ivan. Este épico de grandeza operística, teve uma forte influência da estética expressionista germânica.
Ivan o Terrível Parte 2
O Czar Ivan engana os nobres de sua corte enquanto cria um exército particular, que o ajudará a reinar novamente. Tendo como objetivo unificar os diversos territórios russos em um Império único. Alia-se a sua poderosa tia Eufrosinia, que trama colocar seu filho no trono. Nesta segunda parte, o espetáculo pictorial continua, agora acrescido de cores vistosas. Stalin fez objeções à forma como o Czar foi retratado, frágil e vacilante. Resultando na proibição do filme na URSS até 1958.
Construtivismo – princípios
O princípio construtivista está mais presente na idéia de uma construção. O próprio Vertov associou os fotogramas com tijolos, que, unidos, formam uma casa. O entusiasmo com a tecnologia está expresso na admiração dos construtivistas pelas máquinas, que representam a racionalidade do futuro: captada essencialmente pela força da câmera, de modo a construir uma nova sociedade.
A câmera filmaria os fatos cotidianos assim como eles se apresentam, sem qualquer intervenção externa aos elementos de seu estado natural, num sentido de urgência e especialmente de imprevisto. Para a teoria de Vertov, há uma necessidade do registro das imagens sem que o processo de filmagens interfira no comportamento natural dessa realidade, isto é, os fatos do cotidiano precisam ser filmados sem que haja a consciência da existência de uma filmagem, o que poderia destruir a espontaneidade do registro.
Sendo Vertov um documentarista, sua teoria guarda um profundo interesse pela noção de verdade. A verdade, para Vertov, não estaria imbuída nos fotogramas dos cine-fatos. Estes seriam apenas a primeira parte, a metéria-prima do legítimo processo de busca da verdade. A função do cineasta-engenheiro é exatamente reorganizar os cine-fatos, usando complexas associações rítmicas e espaciais, para construir uma verdade.
A montagem é fundamental para Vertov por meio da aplicação de sua teoria dos intervalos. Mais que o fotograma em si, o impacto na percepção do espectador é intensificado na relação de um fotograma com o próximo. Devido ao fenômeno da persistência da visão, o espectador permanece com a imagem de um fotograma em seu sistema cognitivo mesmo segundos depois que este já não mais está exposto na tela. Por isso, o efeito perceptivo está nos intervalos entre os fotogramas, possíveis em decorrência do corte. Através de um ilusão estroboscópica, haverá uma sobreimpressão da imagem anterior e o novo fotograma, que o sucede, agora exposto na tela. Essa impressão de súbita simultaneidade, passando uma idéia de movimento, é chamado de “efeito phi”, liberando uma energia cinestésica através de um efeito puramente ótico.
Através da montagem, Vertov utiliza esse efeito para diferentes funções. Seu cinema não se restringe ao aspecto interplano, mas também intraplano. Vertov utiliza movimentos no interior do plano para compor um balé rítmico de movimentos, assim como associações entre formas (esferas, cubos, linhas, etc.) e movimentos de câmera variados.
Construtivismo – cinema e comunicação
Lênin assinava, dia 27 de agosto de 1919, o decreto que enterrava o velho cinema czarista, dando origem a uma nova vaga. Na frente de batalha, em que os bolcheviques combatiam os exércitos apoiados por potências estrangeiras, estavam Tissé, Koulechov e Dziga Vertov rodando atualidades.
Para ensinar, como pretendiam os irmãos Lumière, a ver … a verdade das coisas. A União Soviética foi berço de algumas das melhores obras do cinema mundial. Um dos considerados 10 melhores filmes de sempre é o “Couraçado Potemkim” de Seguei Eisenstein. Desde os primeiros dias do poder dos sovietes que o cinema foi escolhido como ‘arte principal’.
O cinema era o principal meio de comunicação num país de vários milhões de analfabetos e com cultura visual riquíssima. O cinema era o mais poderoso meio de propaganda e informação. Tornava-se imperativo desenvolver o cinema e desenvolvê-lo do lado ‘da lei’.
O que Vertov introduz de novo é outra maneira de fazer ver a coisa, através de processos narrativos que desde sempre tinham sido hostis ao cinema. Serguei Eisenstein explicava a sua teoria da montagem de atrações no mesmo número da revista Lief em que Vertov expunha seus princípios.
Já na “Greve” surgia um novo conceito de protagonista: o povo!
Não é de admirar que numa época de socialização de tudo, numa época de massificação da arte, se massifiquem os astros. Estes passam a ser as cidades, o povo em geral, a revolução, os sonhos. E quando temos protagonista este representa toda uma classe ou um ideal.
Sem dramas pessoais ou intrigas amorosas – não há tempo para isso numa terra que sonha com o fim da fome e o aniquilamento do inimigo.
Uma das seqüências mais famosas da história do cinema, imitada posteriormente várias vezes, é a cena da escadaria de Odessa, no filme do “Couraçado Potemkin”. O ritmo (um dos grandes assuntos de estudo de Eisenstein) é impressionante. O espectador sente-se lá, nas escadas, agredido pelos soldados do Czar.
Talvez Eisenstein não tivesse sido tão importante para o cinema mundial, se não tivesse ‘explicado’ o porquê das coisas. O porquê da montagem rítmica, universalmente entendível a todos os seres humanos. Só assim o ocidente compreendeu, e acolheu, as teorias dele. Ele racionalizou o cinema. Associava Eisenstein às suas idéias, impregnadas de teorias vanguardistas assimiladas na literatura e no teatro, aos princípios de Vertov e Koulechov. Queria ele reproduzir a vida em toda a sua crueza e daí deduzir uma transcendência social e filosófica. Introduzia assim o cérebro – agente por excelência do homem que quer dominar o seu futuro – como protagonista do seu cinema.
Construtivismo e realismo
Embora a palavra “realismo” não seja muito freqüente na obra teórica de Serguei Eisenstein, parece consistente que seu objetivo era apontar para a capacidade do corte de neutralizar a visão ideológica e, assim, abrir caminho para a construção de um novo olhar.
Mediante a montagem, Eisenstein pretendeu conferir à imagem o mesmo estatuto da palavra e que, felizmente, foi a inviabilidade deste projeto que manteve quase intacta a força de seu talento em resgatar a realidade.
Ao longo de sua história, o cinema apresentará vários exemplos de reportagens e documentos naturais “dirigidos” parcial ou integralmente como as obras de Eisenstein (em Outubro, a cena dos conflitos de rua) e Tarkovski (a seqüência dos soldados de O espelho), se valem de documentos de arquivo, com graus diversos de integração à narrativa propriamente ficcional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E SITES VISITADOS
Sites pesquisados
Obs.: todos os sites visitados em 16/05/2005
http://www.conhecimentosgerais.com.br/cinema/vanguardas-europeias.html
http://www.universidadefm.ufma.br/vernoticia.php?idNoticia=1353
http://www.itaucultural.org.br/AplicExternas/
Enciclopedia/artesvisuais2003/index.cfm?fuseaction=Detalhe&CD_Verbete=3256
http://www.2001video.com.br/detalhes_produto_extra_dvd.asp?produto=3419
http://www.burburinho.com/20030320.html
http://www.geocities.com/Hollywood/Agency/8041/vertov.html
http://semiosfera.incubadora.fapesp.br/portal/grupo/historico
http://www.iar.unicamp.br/disciplinas/am540_2003/conceito_site.htm
http://www.contracampo.com.br/63/ukamau.htm
http://www.feranet21.com.br/artes/cinema/historia_cinema.htm
http://publique.rdc.puc-rio.br/revistaalceu/media/alceu_n5_Deane.