INTRODUÇÃO
No mundo moderno, em termos de criminalidade a maior preocupação reside na figura criminológica do “crime organizado”. Tanto as Organizações das Nações Unidas, como as demais Ciências que tem o fato-crime como objeto de estudo, mostram-se atordoadas no tratamento desta questão, porque constatam a inoperância dos mecanismos estatais de reação anticriminal no combate à delinqüência organizada.
O crime organizado cresce assustadoramente, alastrando o medo e a insegurança entre os cidadãos. Por outro lado não se sabe como criar um corpo legislativo que permitindo eficiência ao sistema repressivo, atue como controlador do crime a níveis suportáveis e respeite os direitos e garantias dos indivíduos, assegurados nas constituições e Convenções de Direitos Humanos.
Neste trabalho será abordada a complexa problemática do crime organizado, iniciando seu estudo a partir de sua origem e desenvolvimento, analisando suas características principais, que se constituem em acumulação de poder econômico, pouca visibilidade dos danos, alto poder de corrupção, alto poder de intimidação, mutação constante, criminalidade difusa e conexões locais e internacionais.
Ainda, atende-se à dificuldade em se conceituar crime organizado. É de verificar que a Lei n° 9.034/95 foi omissa quanto à conceituação de crime organizado, comparando-o aos crimes de associação criminosa e quadrilha ou bandos já tipificados no ordenamento jurídico brasileiro. O artigo 1° do mencionado dispositivo legal foi revogado pela Lei n° 10.217/01, contudo esta não solucionou o problema apontado, apenas declarando a distinção entre os crimes de quadrilha ou bando e de associação criminosa do crime organizado.
Também será abordado seu alcance, sua vitimologia, seus fatores condicionantes, assim como a obtenção de provas para se apurar o crime organizado.
Será verificada a atuação das organizações criminosas no contexto internacional e das organizações criminosas no Brasil. Ainda será discutida a importância do Terrorismo como ameaça a comunidade e sua correlação com o crime organizado, o crime de tráfico de entorpecentes que se configura como objeto de ação de inúmeras organizações criminosas, a questão da “lavagem de dinheiro”, relevante crime econômico de profunda conexão com o crime organizado e as organizações criminosas.
Ademais, serão apontadas propostas para o seu controle, a fim de se combater um dos maiores desafios da atualidade, onde a formação destas organizações ilícitas reside em pessoas sem escrúpulos, cobiçadoras em potencial do ganho fácil e rápido, que unindo com outras de certas habilidades, passaram a investir na delinqüência, devido a alta lucratividade dos crimes desta natureza.
2. ORIGEM E DESENVOLVIMENTO
Estudando a História da humanidade, verifica-se dentro do contexto de desenvolvimento de cada época, que o crime organizado não é fruto gerado nos dias de hoje. Em clima de medo, o povo brasileiro assiste cada vez mais estarrecido, o crime organizado agir com crescente audácia, desafiando e enfrentando ostensivamente as Forças Policiais. Recentemente, até mesmo atentados com bombas e granadas tendo como alvos Órgãos Policiais, foram perpetrados por integrantes de organizações criminosas, visando a intimidá-los para que não cumpram suas obrigações de proporcionar segurança à população.
Cumpre examinar, preliminarmente, a complexidade existente quanto à origem das organizações criminosas, face às diferenças circunstanciais apresentadas por cada país. Eduardo Araújo da Silva (2003, p. 20):
[…] No Reino Unido e na Espanha, por exemplo, a existência de uma regulamentação sobre o consumo de drogas, o jogo e a prostituição fazem com que os grupos organizados sejam de caráter distinto dos existentes no Japão, onde as organizações que se dedicam ao controle do vício e da extorsão têm uma grande proeminência. Em muitos países do Terceiro Mundo, além da exploração da droga, o crime organizado se dedica à corrupção de funcionários públicos e políticos.
Algumas organizações, como as Máfias italianas, a Yakuza japonesa e as Tríades chinesas apresentam traços comuns, uma vez que surgiram no início do século XVI como uma maneira de defesa contra os abusos cometidos por aqueles que detinham o poder.
No Brasil a associação criminosa derivou do movimento conhecido como cangaço, cuja atuação deu-se no sertão do Nordeste, durante os séculos XIX e XX (1897 -1938).
“Os cangaceiros passaram a atuar dedicando-se a saquear fazendas, pequenas cidades, extorquindo dinheiro mediante ameaças e contavam com a colaboração de pessoas importantes que lhes forneciam armas e munições.” (Ibid. 2003, p. 20).
Para entender a situação por que passamos e identificar a origem dessa real falta de vontade política, há necessidade de voltar-se a um passado não muito distante – final da década de 60 e grande parte da década de 70 – de triste memória para todos os homens de bem deste País, quando a prática de atentados a bomba, assaltos a bancos, assassinatos, seqüestros de autoridades e de aviões comerciais era prática comum em quase todas as organizações que, naquele período, tentavam implantar o comunismo em nosso País. Muitos daqueles terroristas foram presos. Na prisão, repassaram para seus companheiros de celas, criminosos de toda ordem, os procedimentos e técnicas que haviam aprendido em cursos de guerrilha urbana e rural, realizados principalmente em Cuba e na China. Aqueles criminosos fizeram “escola” e hoje temos o crime organizado empregando aqueles ensinamentos.
Cumpre assinalar que nas décadas de 70 e 80 organizações criminosas surgiram nas penitenciárias da cidade do Rio de Janeiro, como a “Falange Vermelha” formada por quadrilhas especializadas em roubos a bancos e o “Comando Vermelho” comandado por líderes do tráfico de entorpecentes. “Em meados da década de 90 surgiu a organização criminosa denominada PCC – Primeiro Comando da Capital.”( SILVA, op.cit., p. 26).
O PCC patrocina rebeliões e resgates de presos, rouba bancos e carros de transporte de valores, pratica extorsão mediante seqüestro e tráfico de entorpecentes, possui conexões internacionais e assassinam membros de facções rivais, tanto dentro como fora dos presídios. Ademais, dois grandes fatores contribuíram para o surgimento e desenvolvimento do crime organizado: a abertura da economia brasileira e a globalização. Estes fatores facilitaram o contrabando de armas, drogas, produtos piratas e, principalmente, a movimentação de recursos financeiros.
2.1. CONCEITO DE CRIME ORGANIZADO
A construção do conceito do que é crime organizado não é fácil. Inexiste no Brasil uma definição legal que dê limites precisos ao termo. Aspectos econômicos e institucionais devem ser levados em consideração. Inicialmente, é de vital importância tentar descobrir quais são as características – que estão no âmbito econômico e institucional – que permitem que um grupo de indivíduos que pratica atos ilícitos possa ser classificado como organização criminosa. Dentre essas características deve ser observado o modus operandi dos atores na operacionalização dos atos criminosos, as estruturas de sustentação e ramificações do grupo, as divisões de funções no interior do grupo e o seu tempo de existência, suas dimensões de atuação e os poderes econômicos e políticos.
Na busca de um conceito de Crime Organizado, torna-se necessária breve análise da Lei n° 9.034/95. Sendo tal legislação pertinente aos casos em comento, seria salutar que trouxesse, ao menos, o conceito de Crime Organizado, mas não o faz. Nesse diapasão, o artigo 1° da mencionada Lei n° 9.034/95 diz:
Art. 1°. […]: Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo.
O mencionado dispositivo equipara a atividade criminosa organizada àquela do artigo 288 do Código Penal Brasileiro, qual seja, quadrilha ou bando, equiparação esta que não reputo seja aconselhável, até porque não existe identidade entre a figura da quadrilha ou bando e a atividade criminosa organizada, salvo a pluralidade de agentes, o que é muito pouco para se atribuir um conceito.
Tenha-se presente que a Lei n° 9.034/95 procurou tutelar o crime organizado, não partindo de uma noção de organização criminosa, não definindo crime organizado por seus elementos essenciais, não arrolando as condutas que constituiriam criminalidade organizada nem procurou aglutinar essas orientações para delimitar a matéria. Optou somente, num primeiro momento, por equiparar a organização criminosa às ações resultantes de quadrilhas ou bandos. Posteriormente, a Lei n°10.217/2001 alterou a redação do artigo 1° da Lei n° 9.034/95, contudo não solucionou o problema da conceituação de crime organizado.
Pelo texto atual a lei incide nos ilícitos decorrentes de quadrilha ou bando, organização criminosa e associação criminosa. Como se percebe, com o advento da Lei 10.217/01, está perfeitamente delineado três conteúdos diversos. Quadrilha ou bando (Código Penal, artigo 288) Associações criminosas (ex.: Lei de Tóxicos, artigo 14 e Lei 2.889/56, artigo 2° : associação para prática de genocídio). Em relação à organização criminosa sujeita-se ao intérprete a definição do que seja Crime Organizado.
De acordo com o professor de Direito Penal da Universidade de Frankfurt, Winfried Hassemer (1994, p. 41) com vasto conhecimento no estudo, opina no sentido que:
[…] essa criminalidade organizada não é apenas uma organização bem feita, não é somente uma organização internacional, mas é, em ultima análise, a corrupção da legislatura, da Magistratura, do Ministério Público, da Polícia, ou seja, a paralisação estatal no combate a criminalidade, é uma forma de criminalidade difusa que se caracteriza pela ausência de vítimas individuais, agindo, pela pouca visibilidade dos danos causados bem como um novo modus operandis.
Guaracy Mingardi (1994, p. 143), afirma que a criminalidade organizada notabiliza-se pela previsão de lucros, comando hierárquico, planejamento empresarial meticuloso, divisão de trabalhos, estreita ligação com o Estado, pauta de conduta estabelecida em código, procedimentos rígidos e divisão territorial. Alberto Silva Franco (1994, p. 34), com a sua sobriedade de costume, manifesta-se:
[…] o crime organizado possui uma textura diversa: tem caráter transnacional na medida em que não respeita as fronteiras de cada país e apresenta características assemelhadas em várias nações; detém um imenso poder com base numa estratégia global e numa estrutura organizativa que lhe permite aproveitar as fraquezas estruturais do sistema penal; provoca danosidade social de alto vulto; tem grande força de expansão, compreendendo uma gama de condutas infracionais sem vítimas ou com vítimas difusas; dispõe de meios instrumentais de moderna tecnologia; apresenta um intrincado esquema de conexões com outros grupos delinqüentes e uma rede subterrânea de ligações com os quadros oficiais da vida social, econômica e política da comunidade; origina atos de extrema violência; exibe um poder de corrupção de difícil visibilidade; urde mil disfarces e simulações e, em resumo, é capaz de fragilizar os poderes do próprio Estado.
Luiz Flávio Gomes, o mais destacado entre nós no estudo da questão, em minuciosa definição, sugere que se atenda por crime organizado, aquele que abrange a quadrilha ou bando, associações criminosas e todos os ilícitos delas decorrentes, reunindo ao menos três das seguintes características: previsão de acumulação de riqueza indevida; hierarquia estrutural, planejamento empresarial; uso de meios tecnológicos sofisticados; recrutamento de pessoas; divisão funcional das atividades; conexão estrutural ou funcional com o poder público ou com agentes do poder público; ampla oferta de prestações sociais; divisão territorial das atividades ilícitas; alto poder de intimidação; real capacidade para a fraude difusa; conexão local, regional, nacional ou internacional com outras organizações criminosas.
O crime organizado é uma forma de atividade que obedece fielmente às leis de mercado, funcionando nos moldes empresariais, explora o crime na busca do lucro como se fosse uma atividade lícita, comercializando o que é proibido. É o comércio de produtos que geram lucros exorbitantes, enriquecendo as organizações.
2.1.1 Alcance
Verifica-se uma criminalidade cada vez mais organizada, especializando no planejamento e profissionalismo de seus integrantes. Mais rica, violenta, ameaçadora e com estrutura empresarial. Na criminalidade organizada tudo é muito diferente quanto à ocorrência do fato delituoso. A polícia sequer é comunicada da ocorrência do fato, e quando é, depara com um sujeito ativo, que age via empresa criminosa estruturalmente edificada, encontrando-se no topo da pirâmide os todo-poderosos mandantes que dificilmente serão alcançados pela repressão, simplesmente porque desconhecidos.
A atuação do crime organizado expande-se na esfera interna graças à redução das distâncias e na esfera externa, seja pêlos meios de transportes, seja pêlos meios de comunicação e fazendo uso do que há de mais moderno e sofisticado em termos de tecnologia. A expansão geográfica passou a ser um dos objetivos principais. As organizações criminosas vêm ganhando caráter de multinacionais do crime, estendendo-se por todo o mundo e aprofundando o processo de cooperação entre as organizações ilícitas, de modo a maximizar os lucros.
Essas organizações cada vez mais buscam infiltrar na estrutura do poder estatal, deixando a simples corrupção num segundo plano e tentando colocar seus homens na estrutura do Estado, de modo a influenciar nas decisões políticas administrativas e, assim, ampliar suas possibilidades de lucro e ao mesmo tempo reduzir a repressão de suas atividades.
2.1.2 Vitimologia e Crime Organizado
Na criminalidade organizada a grande vítima é a sociedade desorganizada. A harmonia social é atingida diretamente de forma imediata, porém, quase sempre sem a sua percepção. Percebe-se que a sociedade é duplamente agredida. Em primeiro lugar é ofendida pela ação da organização criminosa e, em segundo lugar, passa a ser vítima do próprio agir do Estado.
A delinqüência organizada é também um crime sem notitia criminis, pois, formalmente, ninguém vai a uma delegacia de polícia comunicar a ocorrência de crimes cujas vitimas são: a Saúde Pública, a Fazenda Pública, o Meio Ambiente, a Administração Pública, isto é, o que Luiz Vicente Cernicchiario chama de criminalidade difusa, a contabilidade do prejuízo estende a toda sociedade.
Hoje em dia, pessoas envolvidas com a administração de justiça estão sendo cada vez mais vítimas de ataques por parte do crime organizado e do narcotráfico, que têm como propósito gerar impunidade. Somente até março deste ano, três advogados foram executados. No entanto, recentemente a Corte Suprema de Justiça confirmou a aprovação de um plano de emergência para dar proteção a dezenas de operadores judiciais que enfrentam ameaças de morte em seus trabalhos. Dezenove juízes e seis magistrados que foram intimidados serão protegidos por agentes de segurança.
Tudo isso ocorre ao passado que o Estado é incapaz de enfrentar essa situação. Impotente e inoperante para prevenir e punir ilude a sociedade com leis sem eficácia e soluções enganosas.
2.2 CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS
Esta nova modalidade criminosa, organizada, possui algumas características marcantes, aspectos tais que lhe proporcionam grande mobilidade, alto poder de ação e intimidação, bem como resultados espantosos em termos financeiros.
2.2.1 Acumulação de Poder Econômico
Em primeiro plano, atente-se à questão da acumulação de poder econômico dos integrantes das organizações criminosas, já que estas atuam no vácuo de alguma proibição estatal, o que lhes possibilita auferir extraordinários lucros. “As Máfias italianas são consideradas verdadeiras potências financeiras do mundo: o volume anual de seus negócios alcança US$50 bilhões e estima-se que seu patrimônio seja superior a US$100 milhões.” (Silva, 2003, p. 28)
2.2.2 Pouca Visibilidade dos Danos
Necessário salientar que o prejuízo financeiro causado por tais organizações criminosas é altíssimo, ressaltando-se, por oportuno, que não obstante serem elevados os danos, estes não são visualizados em um primeiro momento, ou seja, apesar de enormes os danos, permanecem invisíveis por considerável período.
Isto em face de que a atuação criminosa ocorre em áreas específicas, contando com alto grau de operacionalidade e cobertura necessária para “maquiar” a atividade criminosa e, quando é descoberta, o prejuízo já se faz monstruoso e a reparação se torna quase sempre impossível.
Exemplos da dificuldade de visualizar os danos causados são os casos de organizações voltadas à sonegação fiscal, de organizações voltadas a lesar a previdência social, onde se desvia muito dinheiro, sem que ninguém perceba, e quando se descobre o prejuízo é enorme. E, diga-se, prejuízo não somente financeiro, mas também decorrente do desgaste institucional, da desconfiança e descrédito da sociedade nos órgãos estatais, que deveriam combater tais crimes.
2.2.3 Alto Poder de Corrupção
Em derradeiro, o alto poder de corrupção configura-se como fator relevante no incentivo ao crime organizado, uma vez que é direcionado a várias autoridades das três esferas estatais, na medida em que são compostas pelas instâncias formais de controle do Direito (Polícia Judiciária, Ministério Público e Poder Judiciário), pelas altas esferas do Poder Executivo, além de integrantes do Poder Legislativo. Assim, a participação de agentes estatais cria uma sensação de “segurança nos criminosos”, na medida em que contribui para a continuidade das ações delituosas e para o agravamento do problema da impunibilidade.
2.2.4 Alto Poder de Intimidação
O alto poder de intimidação também é um fator considerável, já que a “lei do silêncio” imposta aos membros do crime organizado, assim como às pessoas estranhas à organização é mantida devido ao emprego de meios cruéis de violência. Assim sendo, os membros de tais facções podem atuar na clandestinidade, a fim de evitar a responsabilização penal.
2.2.5 Mutação Constante
Diante das várias dificuldades que se enfrentam ao lidar com organizações criminosas, são necessários vários meses de investigação para que se consiga mapear e levantar as ações destes grupos, o que implica em alto custo de investigação, verba de que o Estado não dispõe.
Com efeito, outra grande dificuldade se afigura ao constatar que as organizações criminosas possuem uma característica mutante, ou seja, trabalham utilizando-se de empresas de “fachada”, de pessoas de frente “laranjas”, de contas bancárias específicas. De tempos em tempos, altera toda sua estrutura administrativa, mudando as empresas, removendo as pessoas para outros postos em outros lugares e criando outras contas bancárias.
Assim, uma investigação que caminhava há alguns meses e já tinha um custo considerável para o Estado, de hora para outra toma-se prejudicada em face da alteração do modus operandi da organização, fato que muito contribui para dificultar o fiel levantamento da estrutura criminosa.
2.2.6 Criminalidade Difusa
A criminalidade difusa caracteriza-se pela ausência de vítimas individuais, ou seja, é aquela indivisível, em que as vítimas são pessoas indeterminadas e indetermináveis, ligadas entre si por circunstâncias de fato.
Esse aspecto é muito importante em razão de que, em não havendo vítimas diretas, os prejuízos não são visíveis imediatamente e sequer a médio prazo. Assim, quando se descobre à ocorrência criminosa o dano é imenso e quase sempre irreparável, até porque ao Poder Público somente resta a busca do valor apropriado pela organização, tarefa esta muito lenta, difícil e de pálidos resultados.
Certo é que a criminalidade organizada vem atuando em áreas nas quais o controle estatal é precário, como no sistema de Previdência Social, onde já foram detectadas várias fraudes (ações que contaram com a participação de agentes estatais), com relevantes prejuízos à coletividade (vítimas difusas) e com índice mínimo de recuperação do produto desviado.
2.2.7 Conexões Locais e Internacionais
Outro fator consiste nas conexões locais e internacionais. Como exemplos, a máfia japonesa, além de comercializar entorpecentes, passou a atuar no mercado de ações e na exploração de atividades ligadas à pornografia. A Máfia russa explora o tráfico de componentes nucleares, além de armas, entorpecentes e mulheres. A Máfia Colombiana expandiu seus negócios de comércio de cocaína para o cultivo do ópio e a comercialização da heroína. Os grupos brasileiros também diversificaram suas atividades, as quais constituem em roubo a bancos, extorsão mediante seqüestro, resgate de presos e tráfico de armas e entorpecentes, com conotações internacionais.
3. O CRIME ORGANIZADO NO CONTEXTO INTERNACIONAL
O crime organizado internacional vem sendo comparado a um câncer que se espalha pelo mundo. Estudos científicos, estatísticos e observações, são unânimes quanto ao franco crescimento do crime organizado no contexto internacional.
Organizações criminosas, fortemente institucionalizadas, consolidadas geograficamente e de existência permanente, pactuam entre si objetivando a formação de uma organização criminosa a abranger todo o planeta. Neste sentido, Luiz Flavio Gomes e Raul Cervini (1997, p. 76) afirmam que:
[…] talvez seja a internacionalização (globalização) a marca mais saliente do crime organizado, nas duas últimas décadas. Já não é mais correto apontar a conexão norte-americano-italiana (Máfia siciliana e Cosa Nostra) como uma singular manifestação dessa modalidade criminosa. Inúmeras são as organizações criminais já mundialmente conhecidas. Podemos citar, dentre tantas outras ainda não tão destacadas, a camorra italiana, a sacra corona pugliesa, a boryokudan e a yakuza japonesas, as tríades chinesas, os jovens turcos de Cingapura, os novos bandos no Leste Europeu, o PCC – Primeiro Comando da Capital entre nós e outras.
As organizações criminosas beneficiam-se da globalização da economia, do livre comércio, do desenvolvimento das telecomunicações, do sistema financeiro internacional, etc. Alguns já chegaram a formar um verdadeiro “antiestado”, isto é, um “estado” dentro do Estado, com uma economia incrível, até porque existe muita facilidade na “lavagem do dinheiro” sujo.
Alguns exemplos representam a nova face do crime organizado. A droga êxtase, fabricada principalmente na Holanda, é traficada para os Estados Unidos por grupos de crime organizado de Israel, dentre outros. Um vírus de computador projetado e enviado nas Filipinas fez com que os computadores de muitas agências governamentais dos Estados Unidos fossem desligados, alguns por até uma semana. Importante banco norte-americano descobriu que estava sendo utilizado pelo crime organizado da Rússia para lavagem de dinheiro. Há relatos de que grupos criminosos colombianos verificam por computador as contas bancárias de motoristas parados em bloqueios nas estradas para selecionar vítimas ricas para seqüestro.
A extensão dessas atividades ilegais aumentou enormemente devido à globalização. E os envolvidos não têm nenhum respeito, nem lealdade, pelas nações, fronteiras ou soberania. Certos tipos de crimes internacionais (terrorismo, tráfico de pessoas, tráfico de drogas e contrabando) envolvem violência séria e danos físicos. Outras formas (fraude, extorsão, lavagem de dinheiro, suborno, espionagem econômica, roubo de propriedade) não exigem armas para causar danos importantes. Além disso, a difusão da tecnologia da informação criou novas categorias de cíbercrime.
Os Estados Unidos, enquanto nação livre e maior economia do mundo possuem imenso interesse no estabelecimento de consenso internacional para ações contra o crime globalizado. À medida que emergem novos riscos, necessitamos ser dinâmicos e flexíveis em nossa abordagem. Somente podemos ter sucesso através de ações unidas, prolongadas e determinadas. Dados da ONU (Organização das Nações Unidas) mostram que o poder econômico das máfias pode chegar à quantia de 500 bilhões de dólares por ano.
4. O CRIME ORGANIZADO NO BRASIL
Seguindo o posicionamento do ilustre Dr. Luiz Flávio Gomes(1997, p. 78), comungamos com o raciocínio de que o Brasil ainda não seria matriz de nenhuma organização criminosa em nível internacional, o que não implica na prematura conclusão de que o crime organizado não esteja presente em território nacional. Está presente e com força assustadora.
O Brasil é hoje um refúgio ideal para mafiosos “alienígenas” de alto nível, vez que o país conta com uma estrutura precária de investigação internacional, bem como de acompanhamento interno de pessoas e de movimentação financeira suspeita. Tal fato atrai o criminoso estrangeiro que, ao vir para o país, traz consigo parte de sua estrutura criminosa, passando a operar aqui mesmo no Brasil.
O país é uma interessante praça para a “lavagem do dinheiro” de origem ilícita, vez que qualquer pessoa abre uma firma nas Juntas Comerciais, há a falta de controle das transações financeiras, movimentação da empresa e declaração de imposto de renda, fazendo do país verdadeiro território livre para a “lavagem do dinheiro” proveniente do crime. Isto sem sequer comentarmos a livre atuação das casas de câmbio nas regiões de fronteira, por onde se despacham quaisquer quantias para o exterior.
Outra realidade brasileira a ser considerada é o fato de ser o Brasil o maior fornecedor e produtor de matérias químicas utilizadas pêlos laboratórios na produção dos entorpecentes. Produtos químicos que tomam rumo dos países vizinhos produtores, de forma ilegal, em face da precária fiscalização nas estradas fronteiriças ou em face do chamado golpe do seguro, em que se forja um assalto a uma carga de produtos químicos (obviamente segurada), quando na realidade a carga já está no país vizinho ou apenas aguarda um tempo para ser transferida.
O Brasil transformou-se, ainda, em ponto estratégico de trânsito para o tráfico de entorpecentes produzidos nos países vizinhos (principalmente Bolívia e Colômbia), porque o nosso país conta com boa e movimentada infra-estrutura aeroportuária, com imensa rede fluvial e rodoviária com pouquíssima fiscalização e, ainda, forte comércio com o exterior, o que facilita a criação de empresas exportadoras de fachada para transportar o entorpecente até o seu destino final.
Diante desse quadro, outra realidade vem causando muita preocupação, qual seja, o fato de o Brasil está se tornando local ideal para a instalação de pequenos laboratórios que se destinam a misturar a droga, aumentando o seu volume, bem como servindo de depósitos de drogas.
Em muitos países do Terceiro Mundo, além da exploração da droga, o crime organizado se dedica à corrupção de funcionários públicos e políticos. A ilustre professora Ada Pellegrini Grinover em bem sucedido artigo sobre o objeto que tratamos, afirma categoricamente ser grave a situação da criminalidade organizada no Brasil.
4.1 ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
Cabe consignar a existência de uma série de organizações criminosas atuantes no território brasileiro, configurando numa situação alarmante e preocupante a todos os setores da sociedade.
Uma das organizações mais conhecidas e temidas denomina-se “Comando Vermelho”, cuja criação deu-se em razão da união de alguns reincidentes da facção “Falange Vermelha”, no final dos anos 70 no Rio de Janeiro, objetivando lutar contra o grupo de poderio da época e dominar o tráfico de entorpecentes no Estado.
Ao longo dos anos, novos adeptos juntaram-se ao Comando Vermelho, ampliando seu poder e possibilitando o investimento em armamentos pesados e a distribuição de substâncias entorpecentes. Atualmente, essa organização domina cerca de 70% do tráfico no Rio de Janeiro e atua em outras áreas, como tráfico de armamentos, crime organizado, roubos, seqüestros e homicídios, conforme esclarece GRINOVER (1997, p. 59).
Os líderes atuais dividem-se por regiões e morros. Embora a maioria esteja na prisão, às ordens são repassadas de dentro das celas e as principais decisões são discutidas por uma espécie de colegiado do comando da organização. Devido aos conflitos internos e às constantes discórdias, muitos integrantes afastaram-se do “Comando Vermelho” e fundou uma nova facção, denominada “Terceiro Comando”. A partir de sua criação, muitos conflitos com o Comando Vermelho foram registrados, em decorrência da disputa pelo controle de morros e favelas. Ainda no Estado do Rio de Janeiro, formou-se, no final dos anos 90, outra organização, “Amigos dos Amigos (ADA)”, cujo objetivo era o de controlar “bocas de fumo” e fugir do domínio do Comando Vermelho. Diferentemente dos outros grupos, a “ADA” não repassa o dinheiro obtido pelo comércio ilegal de entorpecentes e não sustenta as famílias dos traficantes presos.
No Estado de São Paulo, no ano de 1.993, surgiu o PCC – Primeiro Comando da Capital, organização criminosa que tinha como objetivo inicial extorquir presos e seus familiares, assassinar presos a fim de dominar o sistema carcerário e traficar substâncias entorpecentes dentro dos presídios. Com o passar dos anos, o PCC passou a cometer outros tipos de infrações penais fora do aludido sistema. Ressalte-se que o Primeiro Comando da Capital possui uma estrutura piramidal, cujo topo é formado por líderes conhecidos como “fundadores” e por aqueles que alcançaram posição de prestígio, denominados “batizados”. Ainda, tal organização ganhou a atenção da mídia, principalmente com a maior rebelião já registrada no mundo, a chamada “Megarebelião”. De feito, em vários presídios foram realizadas rebeliões simultâneas sendo que os detentos gravaram, no chão do pátio do presídio Carandiru, o símbolo da organização.
Além disso, há sérios indícios de que as organizações Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital uniram-se a fim de destituir o Estado de Direito, realizando uma série de ações coordenadas. Também apura-se a ligação dessas organizações com outras de nível internacional, formando uma rede de conexão do crime organizado.
5. CRIMES QUE ALIMENTAM E FORTALECEM O CRIME ORGANIZADO
A seguir veremos características de vários tipos de crimes que alimentam, mantém e fortalecem o crime organizado no país e no mundo. São tipos de crimes que fazem parte do nosso cotidiano, e que muitas vezes, a população não tem conhecimento da sua ligação com o crime organizado.
5.1 “O JOGO DO BICHO”
É de verificar-se que a primeira infração penal organizada no Brasil consistiu na prática do “jogo do bicho”, iniciada no século XX. Consta que, na década de 80, o jogo do bicho movimentou cerca de R$500.000,00 por dia com as apostas realizadas.
A organização do jogo do bicho, enraizada social e institucionalmente, pode servir como alerta. O Estado, ao definir o jogo como ilegal, criou o estímulo para organizações ilícitas. Ao defini-lo como contravenção e não como crime, portanto um ilícito de menor poder ofensivo e com a menor pena, facilitou o seu desenvolvimento. Observa-se no jogo do bicho uma estrutura hierárquica, ligações estreitas com outras modalidades criminosas, relações com atividades comerciais para a legislação do dinheiro sujo e uso da violência para a proteção do território, corrompe sistematicamente as forças policiais e tem representante e influência em diversos setores do Estado, nas cúpulas da Policia e no Congresso Nacional.
5.2. FURTO E ROUBO DE VEÍCULOS E CARGAS
Não há estatísticas disponíveis que registrem o número de carros roubados e furtados no Brasil. Todavia, sabe-se que a quantidade é elevada e que existe uma ampla e complexa indústria lucrando no imenso mercado.
Quando o veículo chega nas mãos dos que são chamados de receptores, e que lhe darão o destino, estabelecem-se diferenças na forma de organização do modo e local onde será comercializado. Há os casos em que o veículo não se destina á comercialização, sendo usado apenas como meio para outro crime (assalto, seqüestro) e logo depois abandonado.
Quando o destino é a venda do carro inteiro no país, há toda uma técnica própria de adulteração das numerações ou características do veículo e troca de placas. Este trabalho é feito normalmente em oficinas mecânicas ou locais ocultos. Outros veículos têm como destino a exportação para países vizinhos e para consecução de tal plano criminoso, requer-se contatos internacionais, documentação para o transporte e pessoas encarregadas de transportá-los ao país receptor.
Miguel Reale Jr.(1996, p. 182) vê no furto e no roubo de veículo um exemplo da prática organizada de crimes e assim comenta tal questão:
[…] o furto de automóveis, em combinação com oficiais de ‘desmanche’, que alteram o número de chassi e de outros dados identificadores do veículo, com a obtenção de certificados falsos de propriedade, que permitem a venda e o ocultamento de toda a operação. Há sem dúvida uma organização delituosa, com ramificações e lastreada na eficaz participação de agentes do Estado, que cooperam no fornecimento de meios para a emissão de documentos falsos de propriedade.
A subtração de cargas é uma das modalidades de delitos que mais cresceram na última década. É um típico crime urbano que se concentra nas capitais e zonas metropolitanas. A preferência pêlos grandes centros, reside na circunstância de o veículo passar geralmente desapercebido entre milhares de veículos, a grande quantidade de galpão para esconder a mercadoria e a facilidade de negociar no amplo mercado consumidor.
Às vezes a atividade é terceirizada, para estancar as informações acerca da organização. Os assaltantes apenas entregam o caminhão a terceiros, que irá então levá-lo ao depósito desconhecido pêlos primeiros. A cobertura da operação geralmente é feita por policiais associados à organização, que em caso de perigo, tentarão dissimular os colegas policiais ou dissuadi-los de agir. A chefia da organização comumente é exercida por alguém que possui empresa legal, associada à rede de varejistas (supermercados, lojas de confecções, lojas de calçados, farmácias, camelos etc.). Para dar a cobertura legal há conivência de escritórios de contabilidade e de advocacia.
5.3. FALSIFICAÇÃO DE REMÉDIOS
O Brasil é um dos campeões mundiais da falsificação de remédios. A existência desta forma de crime organizado adquiriu destaque no ano de 1998 como uma atividade criminosa de amplitude e de grande dano social.
Comercializam-se aqui falsos medicamentos para câncer, aids, doenças do coração, dentre outras. Todos nós corremos riscos de consumirmos comprimidos, injeções e xaropes que podem ter sido fabricados com outros componentes sem nenhuma eficácia terapêutica. Karina Pastore (1998, p. 40):
[…] é um dos piores crimes que de podem cometer. As vítimas são homens, mulheres e crianças doentes – presas fáceis, capturadas na esperança de recuperar a saúde perdida. A máfia dos medicamentos falsos é mais cruel do que as quadrilhas de narcotraficantes. Quando alguém decide cheirar a cocaína, tem absoluta consciência do que coloca corpo adentro. As vítimas dos que falsificam remédios não é dada oportunidade de escolha. Para o doente, o remédio é compulsório. Ou ele toma o que o médico lhe receitou ou passará a correr risco de piorar ou até morrer.
5.4. ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEL
Diante do crescente preço do petróleo no mercado mundial, o consumidor brasileiro, também é vítima da mais recente modalidade de criminalidade organizada: a “adulteração de combustível”. Diversas são as formas de adulteração: adição de água no álcool anidro, adição de álcool anidro na gasolina acima do limite previsto na legislação, composição de combustível à base de solventes, que misturado ao álcool anidro é vendido como gasolina.
O combustível adulterado pode conter apenas 10% de “gasolina de verdade”. Os outros 90% são compostos por solvente e querosene de aviação. Essa mistura recebe ainda álcool anidro (para que sua octonagem seja semelhante à de um combustível não adulterado) e corante (para garantir a coloração perfeita). Com a indústria do crime organizado atuando sorrateiramente no mercado dos derivados do petróleo, o simples ato de abastecer o veículo transformou-se em uma grande dor de cabeça a lesionar o público consumidor.
5.5. TRÁFICO DE ANIMAIS E MADEIRA
O crime organizado, incluindo a máfia russa, está adentrando no tráfico ilícito de animais, devido ao seu caráter lucrativo (de até 800%), ao baixo risco de detenção e à falta de punição. Estima-se que, no Brasil, 40% dos carregamentos ilegais de drogas estejam relacionados com o tráfico de animais. Nos Estados Unidos, mais de 1/3 (um terço) da cocaína apreendida em 1993 provém da importação de animais selvagens. Em alguns casos, os animais são levados juntamente com as drogas e em outros são usados como moeda de troca e “lavagem de dinheiro”.
Pesquisas biológicas clandestinas, o comércio irregular de madeiras nobres da região amazônica e da mata atlântica, em especial o mogno, extraído dos Estados do Pará e sul da Bahia, com a suposta conivência de funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), são consideradas relevantes áreas de atuação do crime organizado no território nacional, com conotações transnacionais. Segundo relatório divulgado em 03/02/2004, o comércio ilegal de animais movimenta aproximadamente R$2 bilhões por ano e, a comercialização ilegal de madeira, R$4 bilhões.
5.6. TRÁFICO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES
Cabe salientar que um dos seguimentos mais lucrativos do crime organizado é o tráfico de drogas, sobretudo cocaína, heroína e anfetamina. Estima-se que esse negócio movimenta cerca de US$300 bilhões a US$500 bilhões por ano. Grupos que traficam drogas freqüentemente vinculam-se a outros responsáveis pelo tráfico de armas, na medida em que o negócio não envolve somente dinheiro, mas também mercadorias. Assim, consegue-se armas em troca de substâncias entorpecentes e vice-versa.
Criou-se no Brasil um mercado interessante para os traficantes, porque eles não precisam pagar com dinheiro os serviços que prestam aos seus colegas na Europa e nos EUA. Em um carregamento de 100 kg de cocaína que entra no Brasil, os brasileiros se encarregam de despachar 80 kg para fora e ficam com 20 para distribuir aqui. A droga no Brasil é barata.
O traficante é temido pela população. A comunidade ajuda porque tem medo de vingança. Não dá só para fazer força-tarefa, entrar, comandar operação e sair, porque você não consegue apoio da população. Vale lembrar que tráfico ilícito de substâncias entorpecentes está tipificado na Lei 6368/76 e especificado no artigo 1° (primeiro), inciso l, da Lei 9613/98 que trata da “lavagem de dinheiro”. Calcula-se que as vendas de heroína, cocaína e maconha rendem, aproximadamente, US$ 122 bilhões por ano. Deste total, avalia-se que, em torno de 50 a 70% do valor destina-se à de “lavagem de dinheiro”.
Igualmente, a crescente utilização de complexas estruturas corporativas e transações que negociam envolvendo bancos , empresas imobiliárias e outras instituições financeiras, por traficantes e seus associados, trouxe dificuldade adicional à apreensão de ativos originados pelo tráfico de drogas. Em razão das variações nacionais existentes na legislação bancária, fiscal e financeira, traficantes e seus cúmplices encontram brechas legais, conseguindo, de maneira rápida, adaptar seus esquemas de lavagem e técnicas para esconder seus ganhos ilícitos.
5.7. CRIME ORGANIZADO E “LAVAGEM DE DINHEIRO”
Cumpre examinar, preliminarmente, que característica mais marcante e comum ao crime organizado é a “lavagem de dinheiro”. Nenhuma organização criminosa destina-se a ideologias políticas ou sociais, mas especificamente à obtenção de dinheiro e de poder.
É de se dizer que nem sempre a criminalidade organizada vincula-se à criminalidade econômica, contudo os grandes delitos econômicos requerem uma estrutura para sua organização. Assim sendo, o crime organizado e o crime de lavagem de dinheiro possuem uma estreita ligação, já que as características deste delito requerem a presença de requisitos identificáveis na estrutura das organizações criminosas.
Foi em decorrência desta certeza que surgiu a Lei 9613/98, que estabeleceu em seu artigo 1°, inciso VII que “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores direta ou indiretamente de crime: praticado por organização criminosa. De modo geral, qualquer conduta de ocultação de bens e valores obtidos, por meio de conduta criminosa anterior, praticada por Organização Criminosa, é classificada como crime de “lavagem”.
Nos últimos anos, registrou-se um eminente crescimento das atividades criminosas geradoras do crime de “lavagem de dinheiro” ou ocultação de bens, objetos e valores provenientes de crimes, em decorrência, primordialmente, do tráfico de entorpecentes. Os grandes impérios da droga fazem circular seus benefícios através dos mercados financeiros nacionais e internacionais, sendo prioridade dos criminosos retirar o montante do país onde foi produzido e misturá-lo com o imenso volume de dinheiro sem nacionalidade que circula eletronicamente ao redor do mundo, a fim de se obter maior segurança e rendimento. De acordo com André Luís Callegari (2003, p. 40):
[…] a fórmula essencial para obtenção de dinheiro é a mescla de atividades lícitas com atividades ilícitas. Quase toda organização criminosa vale-se dessa fórmula para lavar o dinheiro, utilizando-se de empresas e comércios lícitos dos mais diversos.
A saber, a lavagem de dinheiro exige um tratamento profissionalizado, com a utilização de técnicas e procedimentos sofisticados, a fim de dirimir os agentes dos riscos da persecução criminal e de expandir seus negócios. André Luiz Callegari (2003, p. 42) ainda afirma:
[…] as operações de “lavagem de dinheiro” dinheiro efetivam-se de forma massiva ou em grande escala, requerendo, desta maneira, uma organização profissional, uma estrutura, uma rede de colaboradores e de cúmplices nos mais variados escalões, além de um conjunto internacional de empresas e entidades em diversos países, incluindo as entidades financeiras próprias que operam sob aparência de legalidade. Como se observa, daí decorre a ligação entre o crime de lavagem de dinheiro e o crime organizado.
6. O TERRORISMO
Embora terrorismo e organização criminosa sejam, tecnicamente, distintos, uma vez que os grupos terroristas não participam, necessariamente, no comércio de produtos ilícitos, assim como as organizações criminosas não agem de acordo com motivações étnicas, religiosas ou políticas, é preciso encará-lo como uma ameaça a toda comunidade internacional.
O terrorismo pode ser dividido em dois grandes grupos: o primeiro refere-se àquelas organizações independentes, que agem por motivações políticas e ideológicas contra uma população específica ou um determinado governo; o segundo grupo está relacionado com o chamado terrorismo de Estado, que age patrocinado por governos interessados em desestabilizar e aniquilar nações rivais ou grupos populacionais específicos. Em ambos os casos, o terrorismo é considerado um crime político e uma afronta à humanidade, devendo ser combatido por toda comunidade internacional.
Registre-se que grupos de narcotraficantes estão associando-se a movimentos terroristas que, por sua vez, têm no comércio ilegal de drogas uma importante fonte de recursos para financiar suas operações. Constata-se, portanto, uma combinação literalmente explosiva, o que torna essa questão mais complexa e preocupante.
7. PROPOSTAS PARA O SEU CONTROLE
Diante deste contexto complexo, são necessárias algumas medidas de cunho político – judiciais de combate ao crime organizado, configurando uma resposta institucional a esse tipo tão lesivo de criminalidade. Impossível comentar propostas de combate ao crime organizado sem ressaltar a imperiosa necessidade de se especializar a força policial e, ainda, purificá-la, expulsando aqueles policiais já viciados e que integram organizações criminosas. Os policiais corrompidos fazem parte de um sistema que envolve pedágios, compra de liberdade, propinas regulares para não incomodar os pontos de venda de droga, jogo do bicho, lotações clandestinas, proteção de criminosos e extorsão. Além disso, o crime acaba compensando financeiramente, pois uma extorsão negociada em minutos pode significar uma quantia de dinheiro que somente anos de trabalho poderiam render.
A solução para a violência está na educação e na igualdade social. A pobreza no país não é a causa, mas fator de violência. Os excluídos socialmente têm uma propensão maior ao crime, pois vários direitos básicos lhes são negados, como moradia e alimentação. A impunidade, principalmente em relação à corrupção, tem sido um dos fatores responsáveis pela existência e ampliação do crime organizado. Luiz Flávio Gomes (1997, [s.p]) diz:
[…] é preciso equipar a polícia, proporcionar seu acesso à tecnologia de ponta, o que implica no treinamento constante de sua força. Necessária, ainda, a especialização do Ministério Público, como já vem acontecendo em vários estados, com a criação de núcleos especiais voltados ao combate a organizações criminosas. Outra medida de inestimável valor é aquela relativa à formação das denominadas forças tarefas, que seriam a união de vários órgãos, dentre os quais Polícias, Receitas Estaduais e Federal, Ministério Público Federal e Estadual, órgãos de inteligência, entre outros, conforme a necessidade do caso. Assim, a força tarefa teria uma ação ampla com imediata troca de informações e dados, bem como maior facilidade na investigação, quando esta se desenvolve em outros locais, no país ou fora dele.
Ainda, os presídios passam a atuar como “escolas de criminosos”, na medida em que o Estado não mais consegue suprir a demanda e combater a violência. Neste sentido, há propostas de criação de um sistema penitenciário federal, delegando aos Estados a missão de administrar as penas privativas de liberdade nos regimes semi – aberto e aberto. Assim, as penitenciárias federais, de segurança máxima, encarregar-se-iam, primordialmente, do regime prisional fechado, em que incidissem criminosos de alta periculosidade à sociedade.
São necessários também instrumentos eficazes de proteção às vítimas e testemunhas, bem como a seus familiares. A intimidação de testemunhas tem sido obstáculo importante ao processo bem sucedido do crime organizado. As vítimas que testemunharem contra grupos do crime organizado também são vulneráveis a retaliação ou intimidação, devendo haver o fornecimento de assistência e proteção quando necessário, bem como compensação e restituição, se apropriado.
O crime não é mais um problema que qualquer nação possa considerar isoladamente. Se quisermos compreendê-lo e combatê-lo, necessitamos examinar o crime em seu contexto global. Outra forma seria alianças estabelecidas entre as Nações.
CONCLUSÃO
Verdade seja a realidade brasileira enfrenta graves problemas quanto ao controle do crime organizado, sendo imprescindível a criação e a aplicação de medidas políticas, judiciais e institucionais eficazes, a fim de se combater a proliferação do crime organizado, assim como a criação de mecanismos capazes de combater a raiz do problema apontado.
A indústria do crime organizado representa um dos grandes desafios da humanidade. A sua atuação maléfica prejudica os direitos e garantias fundamentais, vitimiza a sociedade, ofende a democracia, afronta à soberania e viola a cidadania; enfrentá-la e vencê-la é uma responsabilidade de toda a sociedade.
Diante do quadro exposto, muitas são as soluções apontadas no tocante ao combate do crime organizado. No entanto, é preciso haver uma união de esforços da sociedade civil e dos Estados de Direito para concretizar o objetivo almejado. Dessa forma, agregando financiamento econômico, aplicação correta dos investimentos, vontade política, esforço e empenho daqueles que apuram, denunciam e julgam o crime organizado, criação de leis aplicáveis ao delito em questão, formação de cidadãos pensantes, inalienados, com a conseqüente formação de uma opinião pública ativa, faz-se possível controlar as ações das associações criminosas, dirimindo-se, assim, as conseqüências malévolas deixadas por elas.
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