O conceito de cultura, na concepção antropológica, pode ser resumido como o conjunto complexo dos códigos e padrões que regulam a ação humana individual e coletiva. Em outras palavras, todos os indivíduos têm cultura, pois todos tiveram algum tipo de relacionamento com a sociedade na qual tiveram origem. Os códigos comportamentais de cada grupo social estão implantados, ou melhor, entranhados, na mente de seus componentes.
Podemos fazer a seguinte analogia: a cultura é como um programa de computador, sendo o software nossas crenças e valores sociais, inserido em nosso hardware (o organismo físico) que regula as ações e comportamentos segundo um padrão estabelecido e fora do qual não há resposta codificada. Por exemplo: se num software construído especialmente para a edição de textos estivermos tentando usar um dispositivo para desenhar à mão livre, fatalmente não conseguiremos realizar nosso intento. O programa ou não responderá aos comandos ou poderá interromper por completo suas operações. Isso ocorre porque os comandos dados estão fora do quadro de referências para o qual o programa foi criado. Ele, então, rejeita as operações solicitadas.
Nos grupos sociais ocorre algo semelhante. Se uma atitude que não se encaixa na cultura daquele grupo está muito evidente, é provável que o grupo rejeite o penetrador da atitude ou o condene a algum tipo de repreensão. Aquela cultura não tem um quadro de expectativas capaz de assimilar tal ação fora dos padrões, por isso a considera perniciosa, capaz de atentar contra a ordem que mantém o senso de realidade (cosmo – universo criado e ordenado) do grupo social.
Em um determinado período da história da cultura o elemento marcante em todas as falas, acadêmicas ou não, era o mundo da hierarquia dos valores, principalmente dos valores dos produtos: música, cinema, livros e roupas. O ambiente era contaminado pelo “espírito do tempo” da cultura de massa. A leitura que se impunha à paisagem urbana era contaminada por uma visão reducionista que não permitia o vislumbre de uma cultura que sugerisse a inércia, a lentidão ou a fixidez do homem em um determinado lugar, a rua. Era uma visão totalitária de mundo. Acreditava-se que a representação do mundo se daria apenas pela fala de alguns atores hegemônicos. Afirmava-se que as culturas populares e originais, criadas pelo povo, teriam sido apagadas pela cultura de massa. A velocidade em transmitir novos valores teria supostamente apagado, ou melhor, ultrapassado a cultura lenta ou desqualificada do povo. Apresentava-se uma corrida veloz e sem resistências. Era um tempo que se colocava como inconcebível pensar em várias culturas convivendo e compartilhando o mesmo espaço.
O estilo de vida produz sentido ao mundo da cultura. São práticas sociais que lentamente vão se elaborando e se cristalizando vagarosamente com seus segredos e vertigens de realidade. O estilo de vida é composto por segredos compartilhados entre homens. Nesse espaço criado em comunhão, por um grupo de indivíduos em processo de interação constante, mostra-se uma dinâmica permanente e própria. É nessa organização tecida pelos homens que freqüentam a rua que encontramos as construções do estilo de vida que marcam as diversas culturas. Vive-se de forma gregária, na malha das relações localizadas, em pequenos retalhos da cidade e, assim, marca-se a identidade da rua, da periferia que se torna um dos vetores de cultura.
A cultura simploriamente pode também ser definida como o conjunto de elementos que uma pessoa aprende ao longo da sua vida. Estes elementos variam desde a língua à religião, passando pela arte e pelo modo de ver o mundo – ou seja, todos os padrões de comportamentos que uma pessoa aprende. Claro que uma pessoa não partilha exatamente a mesma cultura do seu vizinho até ao mais pequeno detalhe! Por vezes estas distinções no modo de vida podem, inclusive, ser agrupadas em zonas: costumes “próprios da cidade” e outros “próprios do campo”, por exemplo. Assim, fala-se muitas vezes de áreas culturais: zonas extensas que, à parte certos particularismos culturais, partilham alguns elementos culturais como a língua, sociedade, escrita, modos de produção, etc. A evolução cultural tem sofrido um crescimento ao longo dos tempos, crescimento esse que proporcionou uma evolução cada vez mais rápida. Claro que toda a rapidez é relativa! Atualmente, a evolução cultural atinge um ritmo sem precedentes, algo que seria impensável sem a proximidade das populações pela tecnologia e, por conseguinte, das suas culturas.
Uma vez que a cultura é algo que se aprende, a vida em comunidade permite uma exposição a um maior número de hábitos – pois a cultura é cumulativa – e, por conseguinte, a uma maior possibilidade de evolução. Diversas comunidades levam, por sua vez, a uma maior comunicação e trocas culturais. Certos hábitos podem ser esquecidos, sendo substituídos por outros pertencentes a outras culturas, ou então substituídos por simples evolução cultural. A rápida troca de informações que permite o contato de culturas diferentes leva a que todas elas sofram uma aculturação. Ao adquirirem novos hábitos culturais as culturas vão ficando mais enriquecidas, mas se perderem muitos traços culturais, estas culturas ficam em risco de desaparecerem. É o homem das grandes cidades como exemplifica Peter Pál Pelbart, impessoal, e que no entando pretende descobrir o princípio de uma moral nova e de um novo começo. Pelbart afirma ainda a comunidade não é apenas a comunicação íntima de seus membros entre si, mas também a comunhão orgânica dela mesma com a sua própria essência, constituída pelo compartilhamento de uma identidade. Porém na contramão do sonho funcional, a comunidade é feita de interrupção, fragmentação, suspense, é feita dos seres singulares e de seus encontros, o antagonismo do compartilhamento de uma separação dada pela singularidade.
Na cidade pós-moderna, quando os indivíduos saem de casa, andam rapidamente de um lado para, pois, na rapidez que move suas vidas, ninguém quer comprometimento com o “Outro”, por isso desvia-lhe o olhar. Nestas andanças, as inúmeras tribos desfilam um empório de estilos e códigos sem nenhuma relação, regidos pela liberdade e flexibilidade pós-modernas. A cidade pós-moderna pode ser o espaço das desigualdades, mas também pode ser da liberdade; esta contradição, além da política, passa pela escolha de ações entre arquitetos, engenheiros, economistas, educadores, geógrafos, antropólogos e sociólogos. Suas ações isoladas, continuarão colaborando para aumentar o espaço das desigualdades como um todo. Porém o desenvolvimento de ações multidisciplinares, somadas à efetivas decisões do poder público (em torno das políticas sociais), podem definir um espaço da liberdade. Quando esta for a escolha, os habitantes poderão dizer que a cidade pós-moderna é uma paisagem que vale apreciar, e um espaço muito bom de se viver.
No entanto, para além de uma tendência globalizadora, hoje também co-existe uma tendência tribalista – que procura reviver as diferenças culturais para que certos grupos não percam a sua identidade cultural. O processo de globalização investe e atravessa, violentamente, os territórios, afirmam Gianfranco Bettin e Beppe Caccia. Para eles, o território é desfigurado e colocado de “pernas para o ar” por esta nova dinâmica aparentemente irrefreável. Dentro de um ainda ilusório contexto sobre democracia participativa, não podemos esquecer o conflito social da relação constituinte dos novos municípios.
Cultura e Sociedade são duas coisas diferentes, apesar de estarem indiscutivelmente interligadas: é através da sociedade que se adquire uma cultura, mas sem sociedades não faz sentido falar-se de culturas. Se a cultura é a súmula da experiência humana, em qualquer comunidade detecta-se sempre uma dimensão de escassez na relação com a cultura. A cultura de uma comunidade não é mais do que um fragmento da experiência humana. O verdadeiro criador de uma cultura crítica é a comunidade. Uma cultura crítica é uma cultura sem guardiões. Não há nela nomes sagrados, nem lugares sagrados, nem tempos sagrados. Não há nela santos nem igrejas. Não há nela âmbitos fora do alcance da crítica. Mas uma comunidade crítica sabe que a cultura é demasiado importante para deixá-la apenas nas mãos dos seus produtores somente. O produtor cultural Leonardo Guelman afirma em seu artigo sobre a nova lógica cultural que o produtor cultural não é um profissional isento de responsabilidades, é sobretudo um viabilizador, um mediador do processo cultural que deve assumir seu papel de agente de transformação e desenvolvimento da cultura, e não somente aquele que atende às supostas expectativas do sistema.
O mundo atual em que cada um se organiza por si e luta por seus próprios interesses, sem se preocupar muito com o que se passa fora, gera uma outra percepção de comunidade, fora dos padrões antes estabelecidos e idealizados. A cultura é uma construção de sentido que permite tomar consciência de suas relações com o mundo, com os outros e consigo mesmo. a cultura expressa e explicita o que se vive na comunidade que é sua portadora, porém ela é mais do que a mera interiorização de normas dessa comunidade. A cultura, ao menos em nosso mundo de hoje, apresenta uma dimensão de universalidade e de singularidade.
Conforme atenta Nestor Canclini, deve-se levar em conta a diversidade de repertórios artísticos e de meios de comunicação que contribuem na reelaboração das identidades, tema cujo debate atual precisa situar-se com relação a vários suportes culturais, e não permanecer restrito. Segundo o autor, a maioria das situações de interculturalidade se configura, hoje, tanto através das diferenças entre culturas desenvolvidas separadamente, como também pelas maneiras desiguais com que os grupos se apropriam de elementos de várias sociedades, combinando-os e transformando-os. Desta maneira, as nações se convertem em cenários em que diversos sistemas culturais se interpenetram e se cruzam. Comunidades nacionais já não devem ser estudadas apenas pelas diferenças de umas em relação às outras, mas também por uma hibridização. De acordo com Canclini, o enfraquecimento da política e a descrença nas instituições levou a população a criar outras formas de participação. A crise de instituições intermediárias e a crise da democracia representativa geram a vontade por ações mais diretas.
Na mesma linha de pensamento, Michel de Certeau diz que a cultura popular é a cultura comum das pessoas comuns, que se fabrica no cotidiano, nas atividades diárias. Para entender a criatividade popular, é preciso atentar para o uso que as pessoas fazem da produção de massa. Certeau chama o consumo de produção, por causa das diferentes maneiras de viver com esses produtos impostos pela ordem econômica dominante que as pessoas criam. Os usos devem ser analisados em si mesmos. Pelas diferentes maneiras de fazer, os consumidores dão outra função aos produtos padronizados, diferentes da que havia sido projetada para eles. Certeau explica a crise do conceito comunidade, não existe mais unidade, esse conceito está em crise. A mobilização está contraposta com o individualismo, é preciso resgatar essa unidade.
Teoriza-se que a cultura surgiu em vista da necessidade humana de sobrevivência ante um mundo hostil. O Homem desenvolveu-se e proliferou em função do aprendizado cultivado em cada sociedade. O acúmulo e a transmissão de conhecimentos e experiências foram criando subsídios para uma vida mais confortável, garantindo a sobrevivência em meio às dificuldades. Em conseqüência, cada cultura se autojustifica e dá legitimidade a seu sistema excluindo quaisquer outros, pois tudo aquilo que está fora dela parece-lhe atentar contra a continuidade da existência (seu cosmo particular). A cultura, portanto, é também um sistema de garantia da vida. Desestruturar esse sistema é aproximar-se da destruição da vida. Eis aí um dos tabus mais comuns da humanidade.