DANOS MORAIS: QUANTUM INDENIZATÓRIO
BREVES REFLEXÕES
PRELIMININARES
O ser humano desde a sua concepção tem direitos assegurados pelo ordenamento jurídico. Todavia, é do nascimento com vida que passa a ser capaz de direito, o que significa capacidade de ser sujeito de direitos e obrigações na ordem civil; de ser titular de direitos e de obrigações; de ser sujeito em relações jurídicas. Portanto, adquire direitos da personalidade (direito à moral, à honra, à imagem, ao nome etc.). Esses, inerentes à pessoa humana e, assim, a ela ligada de maneira perpétua e permanente. São direitos não patrimoniais e, por conseguinte, inalienáveis, intransmissíveis, imprescritíveis e irrenunciáveis. Nesses termos, todos da sociedade devem respeito a esses direitos, oponíveis erga omnes. A sua violação está a exigir uma sanção, ou seja, uma indenização pelo dano causado a vitima.
Assim, o dano moral encontra guarida no âmbito da responsabilidade civil, que há séculos agasalha o princípio geral de direito sobre o qual se funda a obrigação de indenizar. Conforme ensinamento seguro de Silvio Rodrigues, ao abordar o tema da responsabilidade civil, assim elucida: “Princípio geral de direito, informador de toda a teoria da responsabilidade, encontradiço no ordenamento jurídico de todos os povos civilizados e sem o qual a vida social é quase inconcebível, é aquele que impõe a quem causa dano a outrem o dever de repara – lo.
DANO MORAL
Cumpre, ab initio, perquirir-se a acepção da palavra DANO. Consoante a assertiva propalada por José de Aguiar Dias: “O conceito de dano é único, e corresponde a lesão de um direito” (Da Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 737). Por MORAL, na dicção de Luiz Antônio Rizzatto Nunes, entende-se “(…) tudo aquilo que está fora da esfera material, patrimonial do indivíduo” (O Dano Moral e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Saraiva 1999, p. 1). Destarte, DANO MORAL exprime sofrimento, “dor”, definida esta por Aurélio Buarque de Holanda como:
“Sensação desagradável, variável em intensidade e em extensão de localização, produzida pela estimulação de terminações nervosas especializadas em sua recepção” ou, ainda, “Sofrimento moral; mágoa, pesar, aflição”. Nesse diapasão, trazemos à colação os ensinamentos de Christino Almeida do Valle: “A dor, física ou moral, é uma só: é a dor! (…) Como a fisiologia e a psicologia não diferenciam a dor, somente pode haver diferença na sua causalidade. Logo, dor física e dor moral ficam igualadas, não obstante a dor física impedir o labor manual, algumas vezes. Mas o acabrunhamento ou a prostração moral também impede a execução dos serviços, sejam físicos ou intelectuais.” ·.
Preleciona, ainda, Yussef Said Cahali: “Dano moral, portanto, é a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado, sem repercussão patrimonial”. Seja dor física – dor-sensação, como a denomina Carpenter – nascida de uma lesão material; seja a dor moral – dor sentimento, de causa imaterial.
Infere-se, portanto, que o dano moral, no bojo de princípios éticos e morais que norteiam nossa sociedade, atingem violações a direitos não patrimoniais, a exemplo da:
Há muito se inscreveu a máxima ubi homo, ibi jus – “onde está o homem, está o direito.
Nesse sentido, vale transcrever os lúcidos ensinamentos de José de Aguiar Dias, ao se referir à necessidade do direito para o convívio social em harmonia: “Seja dom dos deuses, seja criação dos homens, o direito tem como explicação e objetivo o equilíbrio, a harmonia social”. Estivesse o homem sozinho no mundo, como seu primeiro habitante ou seu último sobrevivente e não haveria necessidade de direito, por ausência de possibilidade de interpretação e conflito de interesses, cuja repercussão na ordem social impõe a regulação jurídica, tendente à pacificação ou, pelo menos, à contenção desses conflitos.”.
Consentâneo salientar que a reparação de danos morais exerce função distinta daquela dos danos materiais. Assim, a fixação do quantum indenizatório destes encontra-se sob a égide do estatuído no art. 1.059 do Código Civil brasileiro, através da aplicação da fórmula danos emergentes e lucros cessantes. No concernente àquela reparação, tem-se por escopo oferecer uma espécie de compensação ao lesado a fim de atenuar seu sofrimento (caráter satisfativo). No que pertence à figura do lesante, tem-se por mira, com a fixação do quantum indenizatório, pespegar-lhe uma sanção para que seja desestimulado a praticar atos lesivos à personalidade de outrem (caráter punitivo). Desse modo, o valor da reparação assume um duplo objetivo, qual seja: satisfativo-punitivo.
Há no tocante ao caráter satisfativo-punitivo da reparação do dano moral quem defenda a não acumulação dos valores, ou seja; ou a indenização tem caráter tão-só satisfativo, ou somente punitivo.
Tal tese encontra fulcro no princípio geral de direito que veda o enriquecimento sem causa, do lesado no caso sob exame. Não está a tese de forma total aviltando o ordenamento jurídico e tampouco a moral, mas, quando tal tese vem alicerçada na valoração econômica dos pólos ativo (lesante) e passivo (lesado), mormente sobre este último, pode-se, com efeito, asseverar tratar-se de um raciocínio (i) lógico e (i) moral. Isso porque, se levar em conta a condição econômica da vítima e não a do ofensor, estar-se-ia a legitimar que, por exemplo, uma mega empresa utilizasse do seu poder econômico para ridicularizar, através da mídia, aqueles menos favorecidos para o deleite do telespectador. A indenização imputada à empresa seria de somenos repercussão em seu patrimônio, o que não a inibiria de novamente incorrer nesse artifício para, com o estranho beneplácito da sociedade – telespectador, aumentar seu índice de audiência e, por conseguinte seu faturamento.
Com efeito, assumir tal postura é atribuir ao direito um caráter meramente econômico e, como corolário, incidir em um ato discriminatório, o que é veementemente vedado pela Constituição Federal em seu art.3, inciso IV.
Do acima articulado, exsurge a seguinte pergunta: Seria menor a dor física, o sofrimento, o padecimento espiritual de toda ordem, de um homem humilde, inferior economicamente a muitos daqueles parasitas sociais das classes abastadas? Certamente que não, pois caso contrário haveria flagrante desobediência ao princípio constitucional da igualdade entre as pessoas. Não se quer aqui fazer alusão à igualdade meramente formal (art. 5º, caput, CF/88), até porque “não se pode reduzir o Direito a normas positivadas. O Direito compreende – como se sabe – o costume, a jurisprudência e outras inúmeras formas”.
Volvendo à idéia acerca do caráter unicamente satisfativo ou punitivo do quantum indenizatório, quiçá poder-se-ia pensar na existência de um fundo estatal – um seguro de responsabilidade -, onde o lesante ou ofensor indenizaria a vítima com um valor de caráter apenas satisfativo a fim de evitar o enriquecimento sem causa do lesado ou ofendido. O valor referente ao caráter punitivo seria depositado nesse fundo estatal com o intuito de garantir eventuais indenizações – de caráter satisfativo – às vítimas, quando o ofensor não dispuser de recursos para tal. O ofensor, por óbvio, não se escusaria da obrigação de indenizar, que perduraria junto ao Estado. Ademais, o ofensor não sairia incólume, pois sofreria algumas restrições nos seus direitos civis até que liquidasse a aludida divida junto ao Estado.
Sistematizada essa breve digressão, de capital importância, senhor deixar assente que a presença do dano moral em nosso Direito não representa novidade, não sendo cabível titubear quanto à cominação ou não de sua indenização, pois há muito o direito positivado, a jurisprudência e a doutrina pátrias já a consignavam em virtude da ofensa à dignidade ou à honra (arts. 76, § único, 1.538, 1.539, 1.543, 1.547 a 1.550, todos do Código Civil brasileiro; arts. 81 e 84 do Código de Telecomunicações (Lei n° 4.117/62); art. 244, § 1°, do Código Eleitoral (Lei n° 4.737/65); arts. 49 a 53 da Lei de Imprensa (Lei n° 5.250/67) etc.).
Entretanto, foi com o advento da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 que essa matéria passou a adquirir relevância em face do registro feito nos incisos V e X do art.5º, que enumerou, entre os direitos e garantias fundamentais – considerada como cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, CF/88) -, “o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” e declarou serem invioláveis “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (grifo nosso). Ainda nessa trilha, destaca-se que, após a promulgação da atual Carta Magna, passa a ser admitida a cumulação do dano moral com o dano patrimonial, haja vista a autonomia das indenizações, pouco importando se originárias ou não do mesmo ato ilícito.
FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO
Por derradeiro, o problema mais sério suscitado pela admissão da reparabilidade do dano moral reside na quantificação do valor econômico a ser reposto ao ofendido. Quando se trata de dano material, calcula-se exatamente o desfalque sofrido no patrimônio da vítima e a indenização consistirá no seu exato montante. Mas quando o caso é de dano moral, a apuração do quantum indenizatório se complica, porquanto o bem lesado (a honra, o sentimento, o nome etc.) não se mede monetariamente, ou seja, não tem dimensão econômica ou patrimonial. Cabe, assim, ao prudente arbítrio dos juízes e à força criativa da doutrina e da jurisprudência a instituição de critérios e parâmetros que haverão de presidir às indenizações por dano moral. Portanto, na fixação do quantum indenizatório, o julgador subordina-se a alguns parâmetros procedimentais, considerando, por exemplo, a extensão espiritual do dano.
A indenização por dano moral é arbitrável, mediante estimativa prudencial que leve em conta a necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima. Não se trata de um valor que se submete ao livre talante do julgador, sem quaisquer critérios. Até porque deve o juiz, na sua sentença, conforme preconiza o art. 458, do CPC, fundamentar a sua decisão.
Em última análise, visa-se com a indenização “restabelecer o equilíbrio no mundo fático rompido pelas conseqüências da ação lesiva, porque interessa à sociedade a preservação da ordem existente e a defesa dos valores que reconhece como fundamentais na convivência humana”.
A RESPONSABILIDADE CIVIL
Antes de adentrarmos no tema específico do presente trabalho, é de bom grado que se façam algumas considerações acerca da responsabilidade civil.
Todo causador de dano tem obrigação de repará-lo, e nesta assertiva se fundamenta a teoria da responsabilidade, que tem como pressupostos: ação ou omissão do agente; culpa do agente quando subjetiva a responsabilidade; relação de causalidade; dano experimentado pela vítima.
Na concepção clássica, a responsabilidade conceitua-se como obrigação que incumbe a uma pessoa de reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam. O prejuízo causado pode decorrer de ação ou omissão, em ambas as hipóteses com dolo ou culpa.
Também é inconcebível a responsabilidade se não houver uma relação de causalidade entre a ação ou omissão e o dano causado. Assim, se o dano ocorreu por culpa exclusiva da vítima, não há responsabilidade por parte do causador.
Na esfera da responsabilidade, os seguintes temas merecem especial realce:
a) responsabilidade da pessoa física;
b) responsabilidade da pessoa jurídica;
c) responsabilidade coletiva de associações e grupos;
d) responsabilidade objetiva e subjetiva;
e) responsabilidade contratual;
f) responsabilidade extracontratual;
g) responsabilidade decorrente de exercício abusivo de direito;
h) responsabilidade por fato de terceiro; e
i) responsabilidade do Estado.
RESPONSABILIDADE DA PESSOA FISICA
Durante séculos, a responsabilidade da pessoa física constitui o único tema, quando se travava da obrigação de ressarcir o dano causado. Ainda hoje, as diversas manifestações do universo jurídico (doutrina, decisões judiciais) sobre o dano patrimonial ou pessoal enfocam a matéria sob o mesmo ângulo, a ponto de parecer dispensável, por se tratar de algo óbvio, ao menos inter doctos, tecer considerações sobre a responsabilidade da pessoa física quando causadora de dano patrimonial ou pessoal.
A matéria assume complexidade quando a pessoa física é obrigada a responsabilizar-se por fato de terceiro, a ponto de merecer um tratamento diferenciado, que será objeto de parágrafo à parte.
RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURIDICA
Sendo a pessoa jurídica uma “realidade sociológica”, “corpo intermediário”, não criado pelo Estado, mas por este reconhecido, dando-lhe personalidade, inescapável é admitir que responda por atos por ela praticados.
Não é, apenas, a existência distinta de seus membros (universitas distat a singulis), mas também distinta a responsabilidade, ainda que seus atos sejam realizados por pessoas físicas que as representam. Assim, quando, em qualquer campo do direito, em qualquer campo material (civil, trabalhista, criminal), judicial ou extrajudicialmente, seu representante legal ou seu preposto fala ou age em seu nome, é a pessoa jurídica que fala, age, confessa, acorda, transaciona, paga, recebe e pratica ato ilícito (deste obtendo os efeitos benéficos desejados e até mesmo, se for o caso, a sanção premial) ou ato ilícito contratual ou extracontratual, respondendo por ele no caso de perdas e danos patrimoniais e/ou morais.
Se seus atos forem defeituosos (vícios sociais: erro, dolo, coação, lesão, fraude contra credores e simulação), sofrem os efeitos decorrentes de tais circunstâncias. Quando, porém, ocorre a desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine), com abuso de poder, excesso de poder ou violação estatutária, o prejudicado pelo dano da sociedade pode socorrer-se com os bens patrimoniais dos administradores desta.
Não há razão para excluir da responsabilidade da pessoa jurídica as sociedades integrantes dos grupos societários, as controladas, consorciadas e coligadas.
Desde que juridicamente constituída, para efeito da responsabilidade é indiferente que a pessoa jurídica seja associação (sem fins lucrativos) ou sociedade (visando lucro), que seja universitas personarum (elemento subjacente: o homem), ou universitas bonorum (fundadas em torno de um patrimônio).
A responsabilidade das sociedades comerciais assume contornos diversos, conforme se trate de sociedade em nome coletivo, em comandita simples, em comandita por ações, em conta de participação, por contas de responsabilidade limitada ou anônima.
Embora haja um consenso doutrinal e jurisprudencial quanto à legitimação passiva da pessoa jurídica, serão aqui expostas algumas observações suplementares concernentes à responsabilidade da pessoa jurídica em relação a atos de seus membros fora de ações de representação dentro de duas hipóteses distintas: a pessoa jurídica em ato coletivo age dentro da lei, mas um de seus membros causa dano de modo anônimo ou identificado.
A título de exemplo, examinemos a matéria em um fenômeno sociológico muito comum, que é o das passeatas ou das torcidas organizadas em eventos.
Se a pessoa jurídica, agindo dentro dos parâmetros legais, obedecendo a determinações administrativas pertinentes e, um de seus membros devidamente identificado em seu ato, participando do evento, causa dano patrimonial, responde pessoalmente por seu comportamento.
Indaga-se, porém, quando ocorre situação diversa: o ato danoso permanece no anonimato apesar de todos os esforços envidados para identificação.
A questão é relevante porque, historicamente, a comprovação da existência do vínculo de causalidade a cargo da vítima tem sido uma garantia de liberdade individual, tendo como conseqüência o fato de que, quando o dano não decorrer de uma ação culpável, seu autor não poderia ser incomodado.
Os autores que abordam a matéria tecem longas considerações, recorrem à analogia, citando especialmente o art. 938 do Código Civil ou o art. 12 do Código de Defesa do Consumidor, para concluir, com razão, que a pessoa jurídica responde objetivamente pelo dano causado.
A responsabilidade da pessoa jurídica é coletiva e tem como fundamento esse mesmo conceito de responsabilidade objetiva, baseando-se no fato de que, se houve dano, alguém tem de repará-lo.
A questão básica que se coloca é a de que a vítima do dano não pode ver frustrado o pedido de reparação por impossibilidade de individualização do agente causador, estando o grupo devidamente identificado.
Ao tratar da caracterização da responsabilidade coletiva, Júlio Alberto Díaz assim se manifesta:
“Obviamente deve tratar-se de um dano anônimo, assim qualificado pela impossibilidade real da determinação do autor daquele”. Esta circunstância não pode ser identificada com a mera falta de prova por negligência processual da vítima. Pelo contrário, o sujeito que sofre o dano deve esgotar a possibilidade de identificação do responsável até colocá-lo, no mínimo, dentro de um círculo reduzido de pessoas.
Claro que a dificuldade probatória deve apenas estar referida à identificação do autor material, pois resulta imprescindível a demonstração de que o dano foi provocado por algum, dentre vários indivíduos determinados.
A mínima das exigências, para que uma pessoa possa ser comprometida como membro de um grupo, é a de saber se ela fazia parte desse grupo. “A inobservância desse requisito abre as portas ao risco de dar à responsabilidade coletiva uma extensão inadmissível.”
Conclui o mesmo autor, seu raciocínio sobre a possibilidade de existência de uma responsabilidade coletiva:
“Consideramos a responsabilidade coletiva como uma evolução no desenvolvimento do sistema geral da responsabilidade civil”. A falta de identificação do agente causador do dano não pode conduzir à irresponsabilidade deste e ao conseqüente desamparo da vítima.
Perante o dilema de valor criado pelo anonimato opta-se pela não-exoneração dos membros componentes do grupo identificado.
Interpretamos que a norma contida no art. 1.529 do Código Civil é suscetível de aplicação analógica, o que possibilita o reconhecimento de um sistema de responsabilidade aplicável a todos os casos em que apareçam os extremos configurastes deste tipo de responsabilidade (anônima).”
A solução doutrinária dada à questão acima colocada atribui a responsabilidade do dano ao grupo, pelos atos cometidos por seus membros, ainda que não individualmente identificados, evitando-se a ocorrência de lesão a outrem sem que haja a devida reparação.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA
Ocorre responsabilidade subjetiva quando o dano decorre diretamente do autor que o causa.
No sentido de remediar os inconvenientes advindos da estreiteza da teoria da culpa e com o escopo de facilitar à vitima a obtenção de justa reparação, alguns procedimentos técnicos foram adotados pela lei e pela jurisprudência. Entre eles cabe distinguir: a) o acolhimento da noção de abuso de direito; b) a admissão, em muitos casos, da presunção de culpa do agente causador do dano; c) o enquadramento da responsabilidade dentro do corpo do contrato; e d) a adoção, em determinadas hipóteses, da teoria do risco.
A responsabilidade subjetiva só se concretiza se houver dolo ou culpa por parte do causador do dano. Já a responsabilidade objetiva independe de culpa, pois aquele que, através de sua atividade, cria um risco de dano para terceiros, é obrigado a repará-lo ainda que não se apure ação culposa.
Basta, pois, que se evidencie a relação de causalidade entre o ato e o dano para configurar-se a responsabilidade pela reparação do dano.
A responsabilidade objetiva é de ampla aplicação no campo do direito, destacando-se entre outras hipóteses: na responsabilidade pelo fato das coisas, a responsabilidade pelos danos ambientais, na Lei nº. 6.367/76 sobre acidentes do trabalho.
A “teoria do risco”, nas hipóteses previstas em lei, implica responsabilidade objetiva, pois basta que alguém, no exercício de sua atividade, crie risco de dano para terceiro, devendo repará-lo, ainda que seu comportamento seja isento de culpa, isto é, apesar de ter tomado todas as providências para que o evento não acontecesse.
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Se antes da obrigação de indenizar existir entre o sujeito ativo e o passivo do dano um vínculo jurídico derivado de convenção e o dano decorrerem do descumprimento da avença, a responsabilidade diz-se contratual. Descumprida a obrigação ou deixada de cumprir pelo modo e no tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos.
Na responsabilidade contratual, basta que haja inadimplemento da obrigação para haver direito à reparação, que só se elide se ocorrer força maior ou outra excludente de responsabilidade.
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
A responsabilidade será extracontratual ou aquiliana se resultante da prática de ato ilícito, inexistindo vínculo anterior entre as partes, por não estarem ligadas por uma relação obrigacional ou contratual. A fonte dessa responsabilidade é a lesão a um direito, sem que entre ofensor e ofendido preexista qualquer relação jurídica.
Existe a garantia do nosso ordenamento jurídico de que, se o dano não for conseqüência de culpa ou risco, o sujeito não sofrerá moléstia alguma, importando em uma garantia individual.
No passado a idéia de culpa sempre foi informadora da responsabilidade civil, baseada na idéia de que aquele que causasse dano a outrem deveria repará-lo, mas só deveria fazê-lo se houvesse infringido uma regra de conduta legal, social ou moral. Assim, se alguém causasse prejuízo a outrem, mas ficasse comprovado que agiu de forma absolutamente incensurável, não deveria, ordinariamente, ser compelido a reparar o dano, ante a ausência de culpa, segundo a teoria clássica da inexistência de responsabilidade.
Tal concepção, contudo, permitia que a vítima permanecesse sem ser indenizada pelos prejuízos sofridos.
Com o passar do tempo, a revolução industrial e o aumento do número de acidentes, a muitos juristas pareceu conveniente ao menos propiciar às vítimas um meio de se ressarcirem dos prejuízos experimentados.
Existem, com efeito, diversas situações que precisam ser devidamente amparadas pelo direito, caso contrário implicariam injustiça e impunidade.
Conforme bem expõe Júlio Alberto Díaz a respeito da questão:
“(…) o tratamento da questão não pode ignorar as mudanças que a Justiça, como meio de satisfazer os requerimentos e necessidades dos cidadãos, vem sofrendo nos últimos anos. Descobriu-se, por exemplo, que não só existem danos injustamente causados, mas também os que, não tendo sido ‘causados injustamente’, são ‘injustamente sofridos’. (…) isso determinou uma passagem do direito de responsabilidade ao direito de danos; o primeiro preocupado pelo responsável, o segundo, pela vítima.”
Silvio Rodrigues, analisando o tema em debate e fazendo breve síntese, assim expõe:
“Essa preocupação dos juristas se inspirava principalmente no convencimento de que uma teoria da responsabilidade, baseada no tradicional conceito de culpa, apresentava-se talvez inadequado para atender àquele anseio de ressarcimento (…)”. Isso porque impor à vítima, como pressuposto para ser ressarcida do prejuízo experimentado, o encargo de demonstrar não só o liame de causalidade, como por igual o comportamento culposo do agente causador do dano, equivalia a deixá-la ir ressarcida, pois em numerosíssimos casos o ônus de prova surgira como barreira intransponível. Por conseguinte, senhor se fazia encontrar meios de alforriar a vítima desse encargo, o que foi obtido através de vários procedimentos técnicos, inclusive pela preconizada adoção da teoria do risco.
Esses processos técnicos também chamados paliativos ao rigor da culpa, e que são soluções menos severas do que a adoção da teoria do risco criado, apresentam-se como marcas na evolução conceitual da noção de culpa à noção de risco (…). Tais expedientes consistiam, entre outros:
a) em propiciar maior facilidade à prova de culpa;
b) na admissão da idéia de exercício abusivo do direito, como ato ilícito;
c) no reconhecimento de presunções de culpa;
d) em admitir, em maior número de casos, a responsabilidade contratual;
e) finalmente, na admissão, em determinados casos, da teoria do risco.”
A teoria do risco faz resultar a responsabilidade do próprio fato como conseqüência do risco criado, sem questionar a conduta do agente, sua negligência ou sua imprudência. A responsabilidade surge do próprio fato causador do dano, mesmo que inexista culpa do agente causador.
RESPONSABILIDADE PELO USO IRREGULAR DO DIREITO E ABUSO DE DIREITO
Quando o agente atua dentro dos limites da lei, não há obrigação de reparar, se da ação decorrer dano.
Todavia, pode ocorrer que o agente pratique irregularmente um ato no exercício do direito, cometendo ato ilícito. Assim agindo, incorre no que a doutrina denomina “abuso de direito”. Embora atue dentro das prerrogativas que o direito concede, não se considera a finalidade social do direito subjetivo e, assim agindo, causa dano a outrem.
A doutrina do abuso de direita data do século passado, embora suas origens sejam bem mais antigas, oriundas do direito romano.
O primeiro texto legislativo moderno que procurou coibir o abuso de direito foi o Código Civil da Prússia de 1794, que assim dispunha:
“O que exerce o seu direito, dentro dos limites próprios, não é obrigado a reparar o dano que causa a outrem, mas deve repará-lo, quando resulta claramente das circunstâncias que entre algumas maneiras possíveis de exercício de seu direito foi escolhida a que é prejudicial a outrem, com intenção de lhe acarretar dano (§§ 36 e 37).”
Somente a partir do Código Civil alemão de 1900 alguns outros códigos passaram a admitir a inclusão da doutrina do abuso de direito, embora haja ainda grande diversidade de fórmulas adotadas.
Não há no direito positivo brasileiro, norma que aceite ou repudie expressamente a teoria do abuso de direito, mas existem normas que são contrárias ao exercício anormal de certos direitos, como ocorre, por exemplo, com o art. 188 do Código Civil, que, ao arrolar as causas excludentes da ilicitude, dispõe, dentre outras, que “não constituem atos ilícitos… os praticados… no exercício regular de um direito reconhecido”, de forma que, contrario sensu, serão atos ilícitos os praticados no exercício irregular de qualquer direito.
A melhor definição para o tema em estudo é a constante Código Civil que, em seus art. 187, se refere expressamente ao abuso de direito, condenando o exercício abusivo de qualquer direito subjetivo ao estabelecer:
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestadamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
Alvino Lima assim analisa a questão em estudo:
“Mesmo no exercício daquelas prerrogativas que a lei nos confere, a nossa ação pode ferir interesses, lesar terceiros, produzir o desequilíbrio social. Esta lesão do direito de terceiro pode gerar a nossa responsabilidade, quando exercemos o nosso direito sem obedecer a certos ditames fundamentais da polícia jurídica, ordenada pela própria natureza das instituições jurídicas.”
O cerne da questão é que, mesmo que o indivíduo esteja exercendo seu direito legítimo, ainda assim pode causar dano à outra pessoa de o fizer abusivamente.
O problema ligado ao limite do exercício do direito, além do qual poderá ser abusivo, constitui a essência da teoria do abuso de direito.
Caio Mário da Silva Pereira, comentando o tema em exame, afirma:
“(…) os direitos existem em razão de certa finalidade social e devem ser exercidos na conformidade deste objetivo. Todo direito se faz acompanhar de um dever, que é o de exercer perseguindo a harmonia das atividades. A contravenção a esse poder constitui abuso do direito.”
A consciência jurídica inclina-se no sentido de que isso deve efetivamente ocorrer, pois o ofensor poderia, sem prejuízo para ele, não fazer uso do direito, ou fazê-lo de forma a não prejudicar terceiro.
Martinho Garcez Neto, a respeito do assunto em comento, assim expõe:
“Os partidários da teoria do abuso de direito sustentam que a reparação é devida (1º) porque o direito não é um fim, e sim um meio, e, como tal, sob nenhum pretexto pode ser empregado de forma a causar prejuízo a outrem; (2º) porque a pessoa que tenha usado de uma prerrogativa legal, para prejudicar consciente ou inconscientemente aos outros, não usou dessa prerrogativa, como se impunha que o fizesse. Ao destinar o exercício de um direito a um fim que não era o legítimo fim que o direito previa, terá abusado desse direito.”
Quando alguém se utiliza de um direito dentro das prerrogativas que lhe são conferidas, estará usando o seu direito. Comete, porém, abuso que exceder tais prerrogativas.
Dessa forma, verifica-se que, mesmo no exercício do seu direito, uma pessoa pode causar dano a outrem, situação em que fica obrigada a efetuar a reparação devida.
Como norma de convivência social, a ordem jurídica assegura ao indivíduo exercer o seu direito subjetivo, sem que tal exercício possa causar a alguém um mal desnecessário.
O problema existe quando se procura estabelecer o limite da regularidade ou a linha demarcatória entre o uso do direito e o abuso do direito.
Alvino Lima, expondo seu pensamento a respeito do abuso de direito e citando de Page, esclarece:
“A teoria do abuso de direito veio alargar o âmbito das nossas responsabilidades, cerceando o exercício dos nossos direitos subjetivos, no desejo de satisfazer melhor equilíbrio social e delimitar, tanto quanto possível, a ação nefasta e deletéria do egoísmo humano. Como corretivo indispensável ao exercício do direito, ela veio limitar o poder dos indivíduos, mesmo investidos de direitos reconhecidos pela lei, conciliando estes direitos com os da coletividade.”
Comentando os critérios identificadores dos atos abusivos, Maria Helena Diniz afirma:
“Para assinalar os atos abusivos que possam acarretar responsabilidade civil, os autores concentram sua atenção em três critérios: a) intenção de lesar outrem, ou seja, no exercício de um direito com o intuito exclusivo de prejudicar, que deverá ser provado por quem alega; b) ausência de interesse sério e legítimo; c) exercício do direito fora de sua finalidade econômica e social. (…)”.
Quem age com abuso de direito responde pelos atos que praticar. Citando os casos de responsabilidade resultantes do exercício abusivo de direito, esclarece ainda Maria Helena Diniz:
“Caem na órbita do abuso de direito, ensejando, obviamente, a responsabilidade civil”:
a) Os atos emulativos ou ad emolutionem, que são os praticados dolosamente pelo agente, no exercício formal de um direito, em regra, o de propriedade, com a firme intenção de causar dano a outrem e não de satisfazer uma necessidade ou interesse de seu titular;
b) Os atos ofensivos aos bons costumes ou contrários à boa-fé, apesar de praticados no exercício formal de um direito, constituem abuso de direito. (…)
c) Os atos praticados em desacordo com o fim social ou econômico do direito subjetivo. Como o direito deve ser usado de forma que atenda ao interesse coletivo, logo haverá ato abusivo, revestido de iliceidade de seu titular, se ele o utilizar em desacordo com a finalidade social. Assim, se alguém exercer direito, praticando-o com uma finalidade contrária a seu objetivo econômico ou social, estará agindo abusivamente (…).”
O abuso do direito não se circunscreve no âmbito do direito material.
A lei processual não dá condição de ação a quem não tem interesse processual. Se este consiste em ir a juízo quando há necessidade e utilidade que o provimento jurisdicional propicia, comete abuso de direito quem, sob o pretexto de ter em seu favor o direito constitucional de pleitear em juízo, o faz sem interesse, mas, apenas, por espírito de emulação ou vingança.
RESPONSABILIDADE POR FATO DE TERCEIROS
A responsabilidade por fato de terceiro surge quando o dano é praticado por alguém de quem se é responsável e encontra fundamento no art.932 do Código Civil, in verbis:
“Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III – o empregador ou comitente por seus empregados, serviçal e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.”
Conforme preleciona Maria Helena Diniz:
“(…) na responsabilidade por fato de terceiro alguém responderá, indiretamente, por prejuízo resultante da prática de um ato ilícito por outra pessoa, em razão de se encontrar ligado a ela, por disposição legal. Há dois agentes, portanto: o causador do dano e o responsável pela indenização.”
O fundamento da responsabilidade por fato de terceiro reside na culpa in iligendo ou na culpa in vigilando, dependendo do caso. Dessa forma, uma pessoa pratica o dano, e outra por ela responsável é que tem a obrigação de indenizá-lo, uma vez que não exerceu de forma correta o dever de fiscalização e vigilância sobre aquelas, invocando-se para tanto, a presunção juris tantum de culpa do agente.
RESPONSABILIDADE DO ESTADO
Sendo responsáveis todas as pessoas físicas ou jurídicas que causam dano, cabe indagar qual é a responsabilidade do Estado com as peculiaridades que lhes são próprias.
Sempre oportuna à lição de Carlos Alberto Bittar:
“Dentre as pessoas jurídicas de direito público, podem figurar como responsáveis os entes da administração direta, ou da indireta, como autarquias, empresas públicas e de economia mista e os serviços institucionalizados de cooperação com o Poder Público, como os da área da assistência social e da educação. Ajuntam-se a esse quadro de responsáveis as fundações públicas, que também arcam, por si, com os efeitos de fatos danosos, e as entidades concessionárias de serviços públicos, ou mesmo permissionárias, ou seja, aquelas que prestam serviços de interesse público, diante de contratos ou de atos administrativos, com relação aos eventos a elas referentes, e sem prejuízo de responsabilização indireta do Estado.”
O Estado, assim, pode perfeitamente ser responsabilizado pelos danos pessoais causados diretamente por seus agentes, bem como pelos cometidos por terceiros a quem delegou a realização da tarefa.
Carlos Alberto Bittar distingue tecnicamente a posição do Estado enquanto ente político e a das demais pessoas jurídicas de direito público, sujeitas à responsabilidade objetiva pelos atos praticados (Constituição da República, art. 37, § 6º), e como empresa, seja como detentor da totalidade do capital social, seja como controlador, em que impera o mesmo regime de responsabilidade das empresas privadas (CR art. 173, § 1º).
Na primeira posição encontram-se, também, as autarquias e os partidos políticos, submetendo-se às mesmas regras de responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado que prestam serviços públicos.
Dessa forma, centra-se no ente público a responsabilidade pelos danos morais causados, tanto diretamente quanto indiretamente (por permissionários ou concessionários).
O Estado, assim, deverá indenizar o lesado pelo dano sofrido, em virtude da responsabilidade objetiva a que está sujeito, independentemente de dolo ou culpa.
Será possível, porém, ação de regresso contra o agente causador, desde que provada a respectiva culpa.
DA LEGITIMIDADE ATIVA – DO DIREITO À PERCEPÇÃO DA INDENIZAÇÃO PELOS DANOS MORAIS SOFRIDOS
Titulares do direito à reparação – lesados ou vítimas – são as pessoas que suportam os reflexos negativos de fatos danosos; vale dizer, são aqueles em cuja esfera de ação repercutem os eventos lesivos. No sistema tradicional, podem apresentar-se nessa condição quaisquer dos entes personalizados já indicados, públicos ou privados, individualmente considerados. Mas, com a evolução operada, na referida linha de coletivização da defesa de interesses, entes não personalizados e grupos ou classes ou categorias de pessoas indeterminadas passaram também a figurar como titulares de direito à reparação civil, inclusive a sociedade, ou certas coletividades como um todo.
A titularidade de direitos, com respeito às pessoas físicas, não exige qualquer requisito, ou condição pessoal: todas as pessoas naturais, nascidas ou nascituras, capazes ou incapazes, podem incluir-se no pólo ativo de uma ação reparatória, representadas, nos casos necessários, conforme a lei o determina (nesse sentido, menores são representados pelos pais; loucos, pelos curadores; silvícolas, pela entidade tutelar e assim por diante).
DA LEGITIMIDADE PASSIVA – DA RESPONSABILIDADE DE INDENIZAR OS DANOS MORAIS CAUSADOS
Responsáveis pela indenização do dano moral são as pessoas que, direta ou indiretamente, nos termos da lei, se relacionam com o fato gerador do dano. Com efeito, incluem-se, de início, as pessoas que praticam atos ilícitos, por si ou por elementos outros produtores de danos, ou exercem atividades perigosas, compreendidas, pois, as diferentes situações de responsabilidade por fato próprio, ou de terceiro, ou de animal, ou de coisa relacionada.
Inserem-se, então, nesse contexto, entidades ou pessoas das quais flui a energia danificadora, ou que estão relacionadas juridicamente com o causador da lesão. Em princípio, podem estar nesse pólo da relação jurídica quaisquer pessoas, físicas ou jurídicas, de direito público ou privado nacional ou estrangeiro, incluídos os próprios entes políticos, ou seja, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; partidos políticos; sindicatos, corporações profissionais e outras.
Tem-se, pois, que por fatos próprios ou de outrem, ou de coisas sob sua guarda ou titularidade, pode a pessoa ser enredada nas malhas da responsabilidade civil. No âmbito dos fatos próprios, figuram a prática do ilícito, civil ou penal, e este, quando se atinjam direitos de pessoas determinadas ou determináveis; a mora, ou o descumprimento culposo de obrigação ou de contrato; e o exercício de atividades perigosas.
Quanto aos demais fatos, inserem-se, em sua órbita, os de pessoas dependentes, civil ou economicamente, do agente; de animais sob sua guarda e de coisas de que seja titular, ou de que tenha posse, nas condições descritas na lei.
AS ORIGENS DA REPARAÇÃO DO DANO MORAL
CÓDIGO DE HAMURABI
Conta-nos a história que o dano moral, ainda que de forma muito primitiva, já constava no Código de Hamurabi, surgindo na Mesopotâmia. Tinha como princípio a garantia do oprimido, o mais fraco, e nesse ponto Hamurabi, rei da Babilônia, também conhecido por Kamo Rabi, mostrava preocupação para com seu povo.
Consta do referido código 282 dispositivos legais, que são conhecidos hoje por intermédio de uma versão escrita em forma de cunha, que cobre uma pedra de basalto encontrada em Susa, no Irã. Dizem os historiadores que esta pedra teria sido levada para lá por volta de 1100 a.C. Hoje esta pedra encontra-se guardada no Museu de Louvre.
Uma verdadeira raridade, fruto de nossos antepassados.
Hamurabi aparece recebendo as leis do deus do Sol. A inscrição começa assim dizendo:
“Como Anu, o sublime, o rei Anukak, e Bel, o Senhor do céu e da terra, que fixa o destino dos homens, e Marduk, o filho do Senhor Ea, o deus do Direito, repartiu a humanidade terrena”… Assim Anu e Bel me designaram, a mim, Hamurabi, o alto Príncipe, temeroso de Deus, para dar valor ao Direito na terra, aniquilar os maus e perversos, com o que o forte não prejudica o fraco… e para iluminar o mundo e procurar a felicidade dos homens. Como Marduk me enviou para governar os homens e para proteger o Direito dos povos, assim hei de realizar o Direito e a Justiça e procurar a felicidade dos súditos.
O Rei é considerado como a suprema garantia da lei e do direito; mas o direito está acima do arbítrio do Rei. Em uma antiqüíssima tábua babilônica lê-se que ‘o rei pratica o direito conforme a escritura dos deuses’. E assim lhe concedem os grandes deuses um governo duradouro e a glória de Justiça. “Se o Rei ordena castigar um vizinho da cidade de Sippara e o premia como escravo, o deus do Sol, que rege o céu e a terra, porá outro juiz em seu povoado e designará um príncipe justo e um juiz justo para substituir o injusto.”
Calha lembrar que o Código de Hamurabi é colocado por muitos como o mais antigo que se tem notícia no mundo do Direito, com formação de corpo de leis.
Para Valentin o Código de Hamurabi foi o primeiro na história em que predominaram idéias claras sobre direito e economia.
Hamurabi demonstrava profunda preocupação com os lesados, destinando-lhe reparação exatamente equivalente (insustentável nos dias de hoje). Era a regra “olho por olho, dente por dente”, a forma de reparação do dano causado, conforme se verifica pela dicção dos parágrafos 196, 197 e 200 do Código, transcritos na brilhante obra de Clayton Reis, acompanhados com a indispensável tradução.
Vejamos:
“§ 196. ‘Se um awilum destruir um olho de (outro) awilum destruirão seu olho’.”
A expressão DumuA-Wi-Lum, “filho de awilum”, indica aqui alguém que pertence à classe dos awilum.
A lei determina que, se o agressor e o agredido pertencem à mesma classe social, seja aplicada a pena de talião: “olho por olho”.
“§ 197. Se quebrou o osso de um awilum: quebrarão o seu osso.”
§ 200. “Se um awilum arrancou um dente de um awilum igual arrancou um dente de um awilum igual a ele arrancarão o seu dente.”
Referido código também definia outra modalidade de reparação do dano, com pagamento em pecúnia, trazendo nos primórdios a idéia da compensação da dor, denunciando “um começo da idéia de que resultou modernamente a chamada teoria de compensação econômica, satisfatória dos danos extra patrimoniais”., posto que lançado o dano de ordem moral, não era mais possível repor ao lesado o status quo ante, e sim lhe compensar a dor.
Nesta ordem, vejamos os parágrafos 209, 211 e 212, também transcritos por Clayton Reis:
“§ 209. Se um homem livre (awilum) ferir o filho de um outro homem livre (awilum) e, em consequência disso, lhe sobrevier um aborto, pagar-lhe-á 10 ciclos de prata pelo aborto.
§ 211. Se pela agressão fez a filha de um Muskenun expelir o (fruto) de seu seio: pesará cinco ciclos de prata (o que corresponde a mais ou menos 40 g de prata.)
§ 212. Se essa mulher morrer, ele pesará meia mina de prata. (“equivalente a 250 g de prata).”.
Os dispositivos legais existentes à época do reinado de Hamurabi, demonstram ter sido altamente eficazes para o seu tempo, encontrando reflexos em outros sistemas de leis de civilizações anteriores, porém, certamente não resistiriam às mudanças que o futuro se encarregaria de estruturar.
AS LEIS DO MANU
Os historiógrafos acusam a existência de corpos legislativos advindos das antigas civilizações, atribuindo-lhes, por conseguinte, o nome de códigos, acompanhando a denominação dos códigos modernos. Em verdade, o que está registrado no subconsciente destes historiadores é o anteriormente mencionado Código de Hamurabi.
Existiu na Índia antiga um personagem mítico. Manu (Manu Vaivasvata), que era muitíssimo respeitado pelos brâmanes (membros da mais alta das castas hindus, a dos homens livres), motivo por que sua obra legislativa era de significativa importância, tendo sido denominada: O Código de Manu. Sua figura, para muitos, permanece lendária.
Manu, apesar de elaborar textos jurídicos, era muito religioso, tendo sido considerado o pai do Hinduísmo, e que até os dias de hoje é a religião predominante nos povos indianos. Com sua influência religiosa e política à época. Manu registra o feito de ter conseguido promover a organização geral da sociedade. Daí a importância desta figura lendária até os dias de hoje, justificando sua admiração pelos indianos, que sabemos, guardam profundas raízes medievais.
O Código de Manu demonstrou profundo e indiscutível avanço em relação ao de Hamurabi, visto que tratava a reparabilidade do dano em pecúnia, muito diferente deste que ainda trazia a lesão reparada por outra lesão de igual valor.
Como se percebe, Manu apresentou características de ética social, pois, com a reparação em valor pecuniário, impedia que o transgressor fosse alvo de vingança, interrompendo o período de desforra por parte das vítimas. Assim, pôs fim à vingança, que, convenhamos, é peculiar às almas mesquinhas. Partilho integralmente do entendimento do jurista já citado Clayton Reis, que afirma tratar-se de um sentimento cristão:
Na Grécia, a Odisséia de Homero pinta os gritos retumbantes de Hefesto, o marido enganado, que surpreendera no próprio leito a infiel Afrodite e os formosos Ares, a provocar uma assembléia de deuses, que, atendendo aos reclamos do coxo ferreiro, decretaram, a seu favor, o pagamento por Ares, de pesada multa. Manifesta assim claramente um caso de reparação de danos morais resultante de adultério. Esquines repreendeu publicamente Demóstenes por ter recebido de Mídias uma certa porção em dinheiro, em pagamento de uma bofetada.”
As reflexões não poderiam ser mais sugestivas, posto que o perdão das ofensas, como todos sabem, é pregado pelo Cristianismo, indicando o caminho da paz, quer entre os indivíduos, quer entre as nações.
O Código abrangia os campos comercial, civil, penal, laboral e outros, trazando, em seu bojo, forma de administração da Justiça, meios de prova e formas de julgamento, impondo uma penalidade aos juízes ou ministros responsáveis pela condenação injusta do inocente. O rei era quem aplicava a penalidade em face dos possíveis erros judiciários.
EGITO
No Egito, a figura do faraó era respeitadíssima, pois seu poder era absoluto. Tinha como características o rigor com que se cumpriam as leis, sem qualquer piedade de seus súditos.
O Poder do faraó era tão absoluto que dispunha até da vida de seus súditos, bem como exigia exageradamente de sua força de trabalho para construir túmulos e templos, chegando muitos a morrerem durante suas construções, tamanha a exigência de seus esforços. Sabe-se ainda que aqueles que construíram tais pirâmides, se ao final sobrevivessem, eram mortos para não desvendarem os segredos de tamanhos mistérios, que até os dias de hoje causa espanto ao mundo, quando são descobertas novas tumbas e novas passagens secretas.
As leis eram excessivamente rígidas, por influência dos sacerdotes, que cuidavam de iniciar os enigmas da religião ao próprio faraó, condição essa indispensável para subir ao trono.
Em verdade, o faraó abusava de seu poder absoluto, punindo de forma rigorosa e desumana os culpados.
As pirâmides e as ruínas dos templos atraem milhares de pessoas. Nos museus, elas ficam maravilhadas diante das formas graciosas das estátuas e das múmias cuidadosamente preparadas, há muito tempo, para a vida após a morte. É a curiosidade quanto às descobertas e às novas idéias sobre uma das civilizações mais esplêndidas e duradouras do mundo antigo. Certamente ainda restam muitos mistérios a serem desvendados sobre a riqueza desta civilização, que somente o tempo e as contínuas pesquisas entre as ruínas poderão decifrar.
CHINA
A história da civilização chinesa não foi marcante quanto a existência de leis, isso porque sempre foram, por características, pacifistas, não tendo registro de questões alarmantes de ofensa ao ser humano.
A história chinesa foi muito rica no aspecto filosófico, tendo como protagonistas, Confúcio e Lao-Tse, que com suas inteligências, pregaram incansavelmente o respeito ao próximo.
Arremata Clayton Reis:
“Na China, no período que se aproxima à civilação assíria, o sistema de leis era essencialmente monárquico: a figura central do Imperador, com os poderes de vida e morte sobre os seus súditos. Houve períodos brilhantes da sua história, com homens notáveis, como Kung-Tse (Confúcio) e Lao-Tse, que humanizaram o espírito chinês. ‘Não faças a outrem o que não queres que te façam’, dizia Confúcio. ‘Retribui inimizade com benefícios’, afirmava Lao-Tse. Inobstante a civilização chinesa fosse rica em conteúdo filosófico e em organização política, em certos períodos da sua história não há elementos preponderantes que destaquem a sua estrutura legislativa”
GRÉCIA
A Grécia assumiu um papel importante na história do homem, tendo seu sistema jurídico atingido pontos elevados, graças aos seus grandes pensadores.
Foi, sem dúvida, na Grécia que se ouviu falar, pela primeira vez, em civilização e democracia; elementos importantes, e que certamente influenciaram as civilizações que estavam por vir, sobretudo na antiga Roma.
As leis, instituídas pelos Estados, davam ao cidadão a necessária proteção jurídica, sendo que a reparação do dano era pecuniária, demonstrando com isso, sua importante parcela na construção da proteção ao ser humano.
ROMA
Os romanos tinham uma profunda preocupação com a honra, dizendo que a honesta fama est alterium patrimônios (a honesta fama é outro patrimônio). Sem dúvida, a honra é um patrimônio representado pela boa conduta. Daí a reflexão dos romanos ao dizer: est praerogativa quaedam ex vitae morunque probitate causata (a honra é uma prerrogativa motivada pela probidade da vida e dos bons costumes).
Ulpiano, protagonista dos preceitos Jus Naturale (Direito comum a todos os seres), tais como: “Suum cuique tribuere”, “Honeste Vivere”, e, “Alterum non leadere”, demonstrava sua consciência do conceito de justiça, baseado no “dar a cada um o que é seu”, “viver honestamente”, e, “não lesar outrem”. Como se vê, naturalmente, não se permitia a lesão no Direito Romano.
A parti daí, com a vinda da norma, todo e qualquer ato lesivo ao patrimônio ou à honra, demandava a conseqüente reparação, por intermédio do “Jus Scriptum” (Direito Escrito).
A responsabilidade civil no Direito Romano, diga-se de passagem, obedecida à seguinte subdivisão: A Lex das XII Tábuas – “Lex duodec tabularum” (ou também Lex Decenviralis) (450 a.C.), A Lex Aquilia (286 a.C.) e a Legislação Justiniana (528/534 a.C.), que por sua vez subdividia-se em As Institutas, “O Codex Justinianus” e o “Digesto”.
Os romanos, vítimas de injúria, utilizavam-se da ação pretoriana denominada injuriarum aestimatoria, pleiteando a reparação em dinheiro, que por sua vez ficava ao arbítrio do juiz, o qual deveria sopesar todas as circunstâncias e fatores para fazê-lo de forma moderada. O objetivo era separar e proteger os interesses do vitimado..
Prova dessa proteção à vítima, encontramos na Lei das XII Tábuas (Lex duodec tabularum). A Tábua VII – De delictis, consagra-a, com o seguinte texto:
§ 1º Se um quadrúpede causa qualquer dano, que o seu proprietário indenize o valor desses danos ou abandone o animal ao prejudicado.
§ 2º Se alguém causa um dano premeditado mente que o repare;
§ 3º Aquele que fez encantamentos contra a colheita de outrem;
§ 4º Ou a colheu furtivamente à noite antes de amadurecer ou a cortou depois de madura, será sacrificado a Ceres;
§ 5º Se o autor do dano é impúbere, que seja fustigado o critério do pretor e indenize o dobro;
§ 6º Aquele que fez pastar o seu rebanho em terreno alheio;
§ 7º E o que intencionalmente incendiou uma casa ou um monte de trigo perto de uma casa, seja fustigado com varas e em seguida lançado ao fogo;
§ 8º Mas, se assim agiu por imprudência, que repare o dano; se não tem recursos para isso, que seja punido menos severamente do que se tivesse intencionalmente;
§ 9º Aquele que causar dano leve indenizará 25 asses;
§ 10. Se alguém difama outrem com palavras ou cânticos, que seja fustigado;
§ 11. Se alguém fere a outrem, que sofra a pena de Talião, salvo se houver acordo;
§ 12. Aquele que arrancar ou quebrar um osso a outrem deve ser condenado a uma multa de 300 asse, se o ofendido é homem livre; e 150 asses, se o ofendido é um escravo;
§ 13. Se o tutor administra com dolo, que seja destituído como suspeito e com infâmia; se causou algum prejuízo ao tutelado, que seja condenado a pagar o dobro ao fim da gestão;
§ 14. Se um patrono causa dano a seu cliente, que seja declarado a… (podendo ser morto como vítima devotada aos deuses);
§ 15. Se alguém participou de um ato como testemunha ou desempenharam nesse ato as funções de libripende, e recusa dar o seus testemunho, que recaia sobre ele a infâmia e ninguém lhe sirva de testemunha;
§ 16. Se alguém profere um falso testemunho, que seja precipitado da rocha Tarpéia;
§ 17. Se alguém matou um homem e empregou feitiçaria e veneno, que seja sacrificado com o último suplício;
§ 18. Se alguém matou o pai ou a mãe, que se lhe envolva a cabeça, e seja colocado em um saco costurado e lançado ao rio.
Pelos capítulos citados, não restam dúvidas que os romanos reparavam o dano através da pena pecuniária, embora houvesse resquícios da pena de Talião, encontrada na referida Lei das XII Tábuas, através do § 11 da mesma Tábua VII: “Se alguém fere a outrem, que sofra pena de Talião, salvo se existiu acordo” (Si, membrum rupsit, ni cum eo pacit, tálio esto).
CONCEITO DE DANO MORAL
Muitos são os conceitos acerca desse instituto. O setor doutrinário-civil é vasto e de imenso potencial.
Traremos rapidamente alguns conceitos de notáveis autores.
Wilson de Melo da Silva, um dos mais citados em todas as obras, citado por Clayton Reis, define o dano moral como:
“Lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito e sem patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico.”
Na seqüência, o valioso e sintético conceito de Orlando Gomes: “é a lesão a direito personalíssimo produzida ilicitamente por outrem.”
José de Aguiar Dias define dano moral como “as dores físicas ou morais que o homem experimenta em face da lesão.”
Por fim, Ricardo Cunha Porto leciona:
“Deve-se entender por dano moral, a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado, sem repercussão patrimonial. Seja a dor física, dor-sensação, nascida de uma lesão material; seja a dor moral, dor-sentimento, nascida de causa material, como o abalo do sentimento de uma pessoa, provocando-lhe dor, tristeza, desgosto, depressão, enfim, perda da alegria de viver.”
O dano moral é um assunto de rigorosa atualidade e de uma forte tendência ao crescimento. É sabido que qualquer pessoa munida de um mínimo de discernimento jurídico saberá dizer o que ele seja, mas se perguntarmos sua definição, as dificuldades certamente surgirão. Por isso, concordamos com a afirmativa do Professor Celso Bastos, de que toda conceituação é muito perigosa, sobretudo a de dano moral.
ASPECTOS DOUTRINÁRIOS SOBRE A CLASSIFICAÇÃO DO DANO MORAL
O silogismo da reparabilidade do dano moral tem como premissa básica a noção de dignidade humana e a clara delineação dos direitos da personalidade. Mas isso não significa dizer que devem estar exaustivamente previstos todos estes, o que se revela, de fato, impossível, considerada a natureza desses direitos.
Não obstante essa impossibilidade de sistematização e classificação imposta pela própria natureza dos direitos derivados da pessoa humana, GABBA e, mais tecnicamente, BREBBIA ousaram classificar os danos morais, em síntese, em duas modalidades: a primeira compreende aqueles advindos da violação dos direitos inerentes à personalidade que tutelam os bens integrantes do aspecto objetivo ou social do patrimônio moral, nela se inserindo a honra, nome, honestidade, liberdade de ação, pátrio poder, fidelidade conjugal e estada civil; e a segunda, pertinente ao aspecto subjetivo da esfera moral desses mesmos direitos, inclui as afeições legítimas, segurança pessoal e integridade física, intimidade, direito moral do autor sobre sua obra e valor afetivo de certos bens patrimoniais.
Por sua vez, CARLOS FERNÁNDEZ SESSAREGO se opõe veemente à classificação do dano moral e afirma, ao comentar as tendências do direito quanto à proteção da pessoa, que a estrutura existencial da pessoa, ao exigir, por sua própria natureza, uma proteção unitária e integral, não admite seja fracionada, parcelada em uma multiplicidade de aspectos, desconexos uns dos outros, cada um dos quais se apresentando como um interesse juridicamente tutelável de modo autônomo e independente.
Ainda sob o enfoque conferido por SESSAREGO, a simultânea presença de uma pluralidade, sempre crescente, de direitos da pessoa, não pode reclamar uma plural sustentação. Cada um dos direitos da pessoa não pode estar fundamentado, autonomamente, em um interesse parcial e fragmentário a ser tutelado, sem referência à incindível unidade representada pela pessoa humana. Por isso, toda possível tutela a algum determinado aspecto da rica e complexa personalidade está em relação com o próprio ser da pessoa, no quanto representa seu único e exclusivo fundamento.
Conclui, assim, o Professor que a posição pluralista se aparta da realidade, ao atomizar e decompor, com multiplicidade de aspectos autônomos, o que é realmente uma unidade ontológica. Alheia-se, ainda, quando pretende tutelar, isoladamente, cada um dos aspectos da personalidade, desligado de toda referência à unidade existencial da pessoa, com a pretensão de encontrar, também, em cada um deles, de modo desconexo, seu próprio fundamento.
A experiência histórica denota, segundo SESSAREGO, pelo contrário, que os direitos da pessoa, ao invés de independentes, são interdependentes e se acham, entre si, calcados em um mesmo e único fundamento, que é o valor ontológico da pessoa humana. Sua vinculação é essencial. Bastaria citar como exemplo o caso do direito à imagem, que se encontra em íntima conexão com inenarrável gama de direitos, como a identidade, honra e intimidade. Confluem, portanto, na pessoa humana um sem número de interesses que podem ser conceitualmente isolados, regulados e estudados, sem que isso signifique que todos eles não mantenham entre si um elo, um eixo, um ponto em comum de referência que, ao servir-lhes como fundamento único, outorgue um sentido solidário e unitário.
Abstraindo-se à questão relativa à divisão dos direitos da personalidade e sua tutela de forma isolada, a doutrina majoritária, ao classificar os danos em materiais e morais (ou patrimoniais e extra patrimoniais), observa, tão-somente, a esfera jurídica atingida pela conduta lesiva.
Nesse sentido, Carlos Alberto Bittar sistematiza:
“a) são patrimoniais os prejuízos de ordem econômica causados por violações a bens materiais ou imateriais de seu acervo; b) são pessoais os danos relativos ao próprio ente em si, ou em suas manifestações sociais, como, por exemplo, as lesões ao corpo, ou a parte do corpo – componentes físicos –, ou ao psiquismo – componentes intrínsecos da personalidade – , como a liberdade, a imagem, a intimidade; c) morais, os relativos a atributos valorativos, ou virtudes, da pessoa como ente social, ou seja, integrada à sociedade, vale dizer, dos elementos que a individualizam como ser, de que se destacam a honra, a reputação e as manifestações do intelecto
O Juiz e Professor revelam, ainda, entre outras, a divisão dos danos em puros e reflexos (conforme sejam sentidos diretos e apenas na esfera mais íntima da personalidade do lesado ou na hipótese em que, atingida esta, vislumbrem-se, também, danos patrimoniais, caracterizando-se como repercussão de um mesmo fato gerador); e subjetivos ou objetivos (em face de sua projeção na esfera valorativa da vítima ou no seu relacionamento social).
Em que pese ao esforço empreendido pelos doutos, o certo é que, da imensa gama dos direitos tutelados como da personalidade, atados à noção de dignidade humana, deriva a inviabilidade, constatável de plano, de enumeração exaustiva de todas as hipóteses de ocorrência do dano moral e, por via reflexa, a dificuldade de classificação sistematizada.
Cabe, então, ao Magistrado a tarefa de identificar o dano moral no caso concreto considerado as circunstâncias e peculiaridades que a hipótese trouxer o lume.
O DANO MORAL E O DIREITO BRASILEIRO
Muito já se debateu no direito pátrio sobre a reparabilidade do dano moral. Não só os nossos tribunais, mas também a doutrina, de consagrados nomes, por muito tempo relutaram em aceitar a possibilidade, ao sustentarem, como visto, que a dor e o sofrimento da vítima não têm preço capaz de ser estimado.
Com o passar dos anos, contudo, não havendo legislação expressa a respeito, começou a amadurecer e prevalecer entre os doutos a necessidade da reparação. A discussão, então, passou a residir nos fatos que poderiam ensejá-la.
Antigo acórdão do Excelso Pretório, ao interpretar o art. 1537 do Código Civil de 1916, chegou à conclusão de não ser indenizável o valor afetivo exclusivo:
“Nem sempre dano moral é ressarcível, não somente por se não poder dar-lhe valor econômico, por se não poder apreciá-lo em dinheiro, como ainda porque essa insuficiência dos nossos recursos abre a porta a especulações desonestas pelo manto nobilíssimo de sentimentos afetivos; no entanto, no caso de ferimentos que provoquem aleijões, no caso de valor afetivo coexistir com o moral, no caso de ofensa à honra, à dignidade e à liberdade, se indeniza o valor moral pela forma estabelecida pelo Código Civil. No caso de morte de filho menor não se indeniza o dano moral se ele não contribuía em nada para o sustento da casa.”
Extrai-se, ainda, do texto jurisprudencial colacionado que no valor da reparação por dano material já deveria estar embutido o valor correspondente ao dano moral.
Esse posicionamento acabou sendo derrogado ante os insistentes reclamos doutrinários, que fizeram despertar naqueles julgadores a sensibilidade outrora inexistente, em face da nova realidade social, inspirados na necessidade de proteção mais contundente aos interesses morais, tão açodadamente feridos pelas contingências da vida moderna.
À época, quando vigia o Código Civil de 1916, dizia Agostinho Alvim:
“Em doutrina pura, quase ninguém sustenta hoje a irreparabilidade dos danos morais. É assim que a obrigação de reparar tais danos vai se impondo às legislações, mais ousada mente aqui, mais timidamente ali, já se admitindo a reparação, como regra, já, somente, nos casos expressamente previstos”.
E, ressalvava, ainda: “O sentimento de justiça impulsiona no sentido de admitir-se a indenização por dano moral; mas, a dificuldade da aplicação da teoria aos casos ocorrentes faz retroceder”.
Todavia, alertava, igualmente:
“O nosso legislador não inseriu no Código uma regra sobre dano moral, nem mesmo, como certos Códigos, para conceder a indenização em casos previstos. Nenhuma norma de caráter geral. No art. 1543 prevê-se um caso. Outros dispositivos há, de caráter casuístico, melhor dirão discutíveis. Mas, ainda mesmo que se enxerguem casos de indenização por dano moral em várias disposições, nenhuma generalização é possível, donde, o mais que se pode conceber, é que o Código se filiou à doutrina dos casos previstos em lei.”
Parte da doutrina contestava essa posição, ao argumento de que o próprio caput do art. 76 do Código Civil de 1916 afirmava textualmente: “Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico, ou moral”.
Clóvis Beviláqua, entretanto, ao comentar sua obra, ministrou com sua clareza costumeira lição sobre o verdadeiro alcance da regra contida no referido dispositivo:
“Se o interesse moral justifica a ação para defendê-lo ou restaurá-lo, é claro que tal interesse é indenizável, ainda que o bem moral se não exprima em dinheiro. É por uma necessidade dos nossos meios humanos, sempre insuficientes, e não raro, grosseiros, que o direito se vê forçados a aceitar que se computem em dinheiro o interesse de afeição e os outros interesses morais.”
Ao omitir-se sobre o tema, o Código Civil revogado viu surgir calorosa discussão acerca da reparabilidade dos danos morais, havendo, contra a possibilidade de reparação por dano não patrimonial, argumentos que variavam desde a alegação de “impossibilidade de uma rigorosa avaliação pecuniária do dano moral, passando pela imoralidade da compensação da dor com dinheiro e chegando ao perigo de enriquecimento sem causa”.
Até então, o lesado poderia ir buscar algum tipo de reparação na legislação anterior, que, embora esparsa e nem sempre clara, permite, ainda hoje, o embasamento na sustentação do pedido indenizatório. Reporto-me, além do comentado art. 76 do Código Civil, que legitimava a ação, aos artigos 84 do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4417, de 27.8.1962)[52]e 53 da Lei de Imprensa (Lei 5250/67)
Também das hipóteses casuísticas estampadas no Código Civil Brasileiro de 1916, a exemplo dos artigos 1537, 1538, 1543, 1548, 1549 e 1550, tornou-se permitido induzir a existência no sistema jurídico pátrio de um princípio geral de reparabilidade do dano moral. O berço desse princípio, entretanto, é a exegese literal do art. 159 daquele Codex, cuja aplicação não se encontra restrita aos danos patrimoniais, já que da letra da lei não decorre qualquer distinção – ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.
Apesar de a positivação da reparabilidade do dano moral ter recebido, em nosso sistema jurídico, inspiração na construção doutrinária e pretoriana, não se pode deixar de valorá-la como conquista em termos de direitos e garantias fundamentais.
Os incisos V e X do art. 5o da Constituição da República promulgada em 1988 cristalizaram o brocardo advindo do Direito Romano, pilar da teoria da responsabilidade civil – neminem laedere – e positivaram a reparabilidade do dano moral no sistema normativo pátrio. O primeiro assegura o direito de resposta proporcional ao agravo, acrescentando que esta deva ocorrer “além da indenização por dano material, moral ou à imagem”; o segundo, ao cuidar da inviolabilidade da intimidade, honra e imagem das pessoas, assegura-lhes “o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Embora pela doutrina prevalente o preâmbulo constitucional não tenha valor jurídico, consoante a tese capitaneada pelo Ministro Celso De Mello; sob a luz da teoria positivista de Hans Kelsen, há os que defendam, liderados pelo Ministro Cernicchiaro, que aquele integra e resume a própria Constituição, não se lhe podendo, assim, contrariar as diretrizes. Sob uma ou outra ótica, no entanto, não resta dúvida de que, desde o referido texto, o constituinte reafirmou valores como liberdade e igualdade, solidificando a intenção, posteriormente concretizada, de atribuir chancelam constitucional a direitos individuais como a honra.
Todavia, a Constituição da República nada mais fez, segundo majoritária corrente, do que explicitar e garantir o que já se havia positivado como princípio geral, mas, inexoravelmente, espancou de vez qualquer dúvida a respeito da possibilidade de reparação do dano moral.
Nessa esteira de raciocínio, manifesta-se Yussef Said Cahali: “a Constituição de 1988 apenas elevou à condição de garantia dos direitos individuais a reparabilidade dos danos morais, pois esta já estava latente na sistemática legal anterior; não sendo aceitável, assim, pretender-se que a reparação dos danos dessa natureza somente seria devida se verificados posteriormente à referida Constituição”.
Mas, não se pode negar, a Constituição da República de 1988 trouxe o sol a clarear todos os possíveis cantos obscuros que poderiam afastar a possibilidade da reparação moral. Foi a partir dela que os Tribunais pátrios abraçaram definitivamente a reparabilidade do dano moral.
Após o advento da Constituição de 1988, que, como visto, positivou o silogismo criado pela doutrina e jurisprudência, sobreveio, trazendo maior lume a até então acinzentada temática, o enunciado da Súmula n.37 do Colendo Superior Tribunal de Justiça que expressamente admite a cumulação de reparações por danos materiais e moral oriundo do mesmo fato.
Atualmente, integra, ainda, o ordenamento jurídico a respeito o art. 6o do Código de Defesa do Consumidor, que, nos seus incisos VI e VII, a este assegura, como direito básico, “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais…” e “o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vista à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais”, respectivamente.
Acompanhando a inovação constitucional, de suma importância o tratamento dispensado ao dano moral pelo Código Civil em vigor hoje, que traz em seu artigo 186 o reconhecimento expresso da existência de dano moral ao dispor, verbis: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”
O supracitado artigo, em conjunto com o artigo 927 do referido diploma legal encerra qualquer argüição existente sobre a não reparabilidade de dano reputado como moral, constituindo-se em verdadeira inovação em nosso ordenamento.
Assim e de acordo com Sílvio Venosa, as antigas objeções encontram-se hoje superadas, não podendo, a dificuldade de avaliação, em qualquer situação, ser obstáculo à indenização.
Na verdade, o Direito brasileiro, ao proteger a dor moral, protege o mais inalienável dos direitos, ou seja, a própria vida, haja vista que esta, da forma como constitucionalmente foi compreendida, vai muito além daquela considerada apenas no seu sentido biológico.
A propósito, conforme ressalta o Professor José Afonso Da Silva: “A vida humana, que é o objeto do direito assegurado no art. 5o, caput, integra-se de elementos materiais (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais). […] No conteúdo de seu conceito se envolvem o direito à dignidade da pessoa humana […], o direito à privacidade […], o direito à integridade físico-corporal, o direito à integridade moral e, especialmente, o direito à existência.”
E continua o Mestre:
“A vida humana não é apenas um conjunto de elementos materiais”. Integram-na, igualmente, valores imateriais, como os morais. A Constituição empresta muita importância à moral como valor ético-social da pessoa e da família, que se impõe ao respeito dos meios de comunicação social (art. 221, IV). Ela, mais que as outras, realçou o valor da moral individual, tornando-a mesmo um bem indenizável (art. 5o, V e X). A moral individual sintetiza a honra da pessoa, o bom nome, a boa fama, a reputação que integram a vida humana como dimensão imaterial. Ela e seus componentes são atributos sem os quais a pessoa fica reduzida a uma condição animal de pequena significação. “Daí por que o respeito à integridade moral do indivíduo assume feição de direito fundamental.”
Portanto, enraizada, a reparabilidade do dano moral no sistema normativo brasileiro e na própria Carta Política, tem-se como certa a sua aplicabilidade em face de qualquer “lesão injusta a componentes do complexo de valores protegidos pelo Direito”, como necessidade natural da vida em sociedade, conferindo guarida ao desenvolvimento normal de todas as potencialidades de cada ente personalizado.
O FUNDAMENTO E O OBJETIVO
É condição necessária para a vida social que, ao escolher as vias pelas quais atua na sociedade, o homem assuma os ônus de sua condição de ser inteligente e livre.[59]
Na verdade, muito embora não se possa deixar de expor a questão pertinente ao fundamento da reparação do dano moral, é de se salientar a desnecessidade de mergulho mais profundo na matéria, pois a razão maior da imposição do dever de indenizar o dano moral em tudo se identifica com aquela à qual se submete a reparação do dano material, ante a unicidade ontológica que alicerça a responsabilidade civil: o princípio geral da obrigação de não lesar – neminem laedere.
O traço diferencial entre a reparação do dano de cunho econômico e a do dano moral reside no fato de que a sanção afeta ao segundo não se resolve em indenização, porque não há o retorno ao status quo ante. A reparação, nesse caso, não é de cunho satisfativo, enquanto que, diante do dano patrimonial (stricto sensu) há indenização propriamente dita, pois ocorre a eliminação do prejuízo e das conseqüências da conduta lesiva.
O Mestre Yussef Said Cahali, em sua festejada obra Dano Moral, preconiza a respeito:
“Diversamente, a sanção do dano moral não se resolve numa indenização propriamente, já que a indenização significa eliminação do prejuízo e das suas conseqüências, o que não é possível quando se trata de dano extra patrimonial; a sua reparação se faz através de pagamento de uma certa quantia de dinheiro em favor do ofendido, ao mesmo tempo que agrava o patrimônio daquele, proporciona a este uma reparação satisfatória.”
Assim, com relação à função própria da indenização por dano moral, há de se dar o devido destaque.
Divide-se ela em três aspectos distintos: compensatório, sancionador e pedagógico.
O primeiro repousa – atualmente com larga mansidão – na necessidade de minimizar os sacrifícios suportados por força dos danos ocorridos ou, quiçá, de reconstituir a situação pessoal.
A doutrina, em passado próximo, envolveu-se na discussão acerca da impossibilidade da reparação, ao argumento de que seria inaceitável a atribuição de preço à dor – pretium doloris.
Entre os que repeliram enfaticamente tal entendimento, nosso jurisconsulto Carvalho De Mendonça. Assinala, com a sabedoria que lhe é própria:
“[…] existe uma verdadeira logomaquia nesse argumento. Que tal equivalência não existe não há duvidar. Concluir daí para a não-reparação é o que reputamos sem lógica. Realmente, a equivalência não se verifica, nem mesmo entre os meios morais. Nada, pois, equivale ao mal moral; nada pode indenizar os sofrimentos que ele aflige. Mas o dinheiro desempenha um papel de satisfação ao lado de sua função equivalente. Nos casos de prejuízo material esta última prepondera; nos de prejuízo moral a função do dinheiro é meramente satisfatória e com ela reparam-se não completamente, mas tanto quanto possível, os danos de tal natureza.”
José Eduardo Callegari Cenci corrobora o posicionamento capitaneado por Carvalho De Mendonça e Caio Mário Da Silva Pereira e afirma que “na reparação dos danos morais, o dinheiro não desempenha a função da equivalência, como, em regra, nos danos materiais, porém, concomitantemente, a função satisfatória é a pena.”
Tem-se que o fim almejado pela reparação do dano moral não é o de reparar, em sentido literal, a dor, pois, esta, a toda evidência, não tem preço; mas, fundamentalmente, aquilatar o valor compensatório apto a amenizar.
Por essa razão é que, ressalta pertinente a conclusão do Professor Wilson Mello Da Silva:
“Reparar, em verdade, o dano moral, seria assim buscar, de um certo modo, a melhor maneira de se contrabalançar, por um meio qualquer, que não pela via direta do dinheiro, a sensação dolorosa infligida à vítima, ensejando-lhe uma sensação outra de contentamento e euforia, neutraliza dora da dor, da angústia e do trauma moral.”
A toda evidência, portanto, a dor não é paga, assim como os sentimentos e os sofrimentos pouco se amenizam; entretanto, o ofendido necessita de meios para se recuperar.
E, como muito bem lembra Clayton Reis, citando Alcino de Paula Salazar:
“Com a prestação pecuniária o que se visa não é diretamente extinguir a dor com a aplicação de um preço ou antídoto; não é extraí-la pondo-lhe no lugar a moeda, como ficou esclarecido. O que se faz é outra coisa, é procurar para o lesado um conjunto de sensações agradáveis, motivo de satisfação e de emoções, segundo a sua inclinação e o seu temperamento, de sorte a criar condições que, se não chegam a suprimir o sentimento de pesar, de certo podem atenuá-lo, tornando-o mais suportável e menos prolongado”.
Assim é que, para se minguarem ou amenizarem os sofrimentos, os sentimentos, busca o Direito propiciar ao ofendido o meio adequado e plausível para que se recomponha da dor sofrida. Mas tal “remédio” custa dinheiro, a ser bancado pelo ofensor.
O segundo – aspecto sancionador – causou, no início do percurso da moderna teoria da responsabilidade, significativa polêmica. Argumentava-se sobre a incompatibilidade da imposição de pena com o direito privado. Além disso, alguns estudiosos sequer reconheciam a possibilidade da composição do dano moral, pois afirmavam que a única finalidade da indenização seria a sancionadora. Exemplificativamente, entre estes, Carbonnier, que somente reconhecia a faceta “aflitiva” da reparação e declarava não ser justo que o responsável pelo delito permanecesse livre de sanção; para ele, as perdas e danos, nesse caso, se justificavam como uma espécie de punição de caráter privado, que, no lugar de aproveitar ao Estado, como na retratação do Direito Penal, beneficia a vítima.
Mas, em verdade, hodiernamente, prevalece o entendimento de que o mecanismo protetor da norma geral, que impõe o ressarcimento ou a reparação – neminem laedere – caracteriza-se por sua natureza mista: de um lado compondo danos, de outro impondo certa sanção, pois o próprio dever de indenizar representa obrigação imposta em função do ato ilícito.
Yussef Said Cahali, ao abordar a problemática, assevera que, na solução dos interesses em conflito, o direito, como processo social de adaptação, estabelece aquele que deve prevalecer, garantindo-o mediante coerção até mesmo física, preventiva ou sucessiva, que não é desconhecida, também, do direito privado. Assim, pode acontecer que, para induzir alguém a que se abstenha da violação de um preceito, o direito o ameace com a cominação de um mal maior do que aquele que lhe provocaria a sua observância. Nesse caso, ter-se-ia, então – agora segundo Carnelutti – a sanção econômica do preceito.
É certo que o caráter sancionador da reparação em nada se mescla à composição pecuniária que substituiu a vingança privada do Direito Romano, mas não se pode deixar de reconhecer que alguns resquícios ainda não esmaeceram por completo.
Finalmente, o terceiro aspecto – o pedagógico – volta-se não só para o ofensor, mas, também, para toda a sociedade.
Com efeito, a simples possibilidade de condenação na reparação do dano moral, não se pode negar, produz efeitos pedagógicos em relação ao que praticou a ofensa à medida que desestimula a reincidência e alerta a coletividade sobre o resultado negativo da conduta reprovável – quem descumprir o dever de não praticar conduta capaz de provocar no outro a dor moral será punido. Isso, sem dúvida, traz como resultado a diminuição das violações.
Conclui-se, assim, que, a reparação do dano, notadamente o moral, é multifacetada, apesar de num primeiro momento prevalecer o seu aspecto individualista. De muitos colores se reveste sua função. A este Carlos Alberto Bittar acentua, reportando-se a René Savatier, Giovani Bonilini e Alfredo Minozzi:
“[…] embora sob perspectivas diversas possa ser analisada, resultam como centrais, na teoria da responsabilidade civil, as orientações de que: sob o prisma do interesse coletivo, prende-se ao sentido natural de defesa da ordem constituída e, sob o do interesse individual, à conseqüente necessidade de reconstituição da esfera jurídica do lesado, na recomposição ou na compensação dos danos sofridos. De outra parte, sob o ângulo do lesante, reveste-se de nítido cunho sanciona tório, ao impor-lhe a submissão, pessoal ou patrimonial, para a satisfação dos interesses lesados. Serve, também, sob o aspecto da sanção, como advertência à sociedade, para obviar-se a prática do mal.”
Destarte, pode-se vislumbrar que a teoria da reparação civil do dano moral, de modo geral, está calcada em funções de defesa de interesses individuais, a exemplo dos direitos da personalidade, mas sem se desconectar, em momento algum, do escopo maior de servir como instrumento de proteção aos interesses da coletividade.
A QUESTÃO DA CARACTERIZACÃO DO DANO MORAL
Quando se fala em caracterização do dano moral discute-se os pressupostos necessários para sua ressarcibilidade.Nessa discussão, duas correntes encontram-se presentes; os dos que defendem a necessidade de se comprovar a dor; e a dos que entendem a necessidade de se comprovar o nexo causal entre o ato praticado pelo agente e o dano que por sua vez se presume.
A primeira corrente defende que não se pode restringir apenas à narrativa dos fatos, deve o autor demonstrar a extensão da lesão sofrida, até porque, será o parâmetro para fixação da indenização na hipótese de condenação. Alguns mais extremistas chegam inclusive, a suscitar na possibilidade de se realizar uma prova pericial psicológica.
A segunda corrente defende que não se está em questão a prova do prejuízo, e sim a violação de um direito constitucionalmente previsto.
Essa corrente vem encontrando guarida no Superior Tribunal de Justiça, que assim já decidiu: “A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação (damnum in re ipsa), não havendo que se cogitar da prova do prejuízo” (REsp nº 23.575-DF, Relator Ministro César Asfor Rocha, DJU 01/09/97). “Dano moral – Prova. Não há que se falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que os ensejam (…)” (REsp nº 86.271-SP, Relator Ministro Carlos A. Menezes, DJU 09/12/97).
É natural que antes de aderir por uma ou por outra corrente, deve se levar em consideração que o instituto requer uma análise minuciosa a cada caso concreto, pois à justiça, através do devido processo legal, cabe a aplicação do direito ao caso concreto.
Nesse critério, claro está que cabe ao julgador analisar os fatos narrados pelo autor em sua peça exordial, bem como contrapô-los a contestação apresentada pelo réu.
Nessa contraposição se verificará os fatos controvertidos que serão matéria de prova. Agora, inexistindo fatos controversos, têm-se que resta apenas ao julgador verificar se trata de dano garantido pelo sistema normativo pátrio.
Dessa forma, a única prova que se concebe nas ações indenizatórias, é a da existência dos fatos colacionados na peça prefacial.
Incontroversos os fatos, ou devidamente provados na fase instrutória do processo, resta para se caracterizar a existência de dano moral, apenas o estabelecimento do nexo causal entre o ato ilícito praticado pelo agente e os fatos narrados pelo autor.
Caso estabelecido esse nexo, e tratando-se de direito garantido pelo sistema normativo pátrio, nova questão surge para a conclusão do tema, que se trata da quantificação pecuniária dessa lesão.A Professora Maria Helena Diniz complementa essa questão, se posicionando da seguinte forma: “O dano moral, no sentido jurídico não é a dor, a angústia, ou qualquer outro sentimento negativo experimentado por uma pessoa, mas sim uma lesão que legitima a vítima e os interessados reclamarem uma indenização pecuniária, no sentido de atenuar, em parte, as conseqüências da lesão jurídica por eles sofridos”.
A CONFIGURAÇÃO DO DIREITO DE REPARAR
Sobre a configuração do dever de reparar o dano moral, diverge a doutrina.
Há os que, de um lado, conforme esclarece Cahali, defendem o posicionamento de que a regra geral a ser observada, no plano do dano moral, exige a prova não só de sua ocorrência, mas, também, de sua repercussão moral.
De outro lado, majoritária corrente abraçada por Bittar aponta a responsabilização como decorrente do simples fato da violação, ao fundamento precípuo de que:
“[…] verificado o evento danoso, surge, ipso facto, a necessidade de reparação, uma vez presentes os pressupostos do direito, haja vista que a constatação do alcance do dano constitui fenômeno claramente perceptível a qualquer um, porquanto diga respeito à essencialidade do homem.”
Vale ressaltar que, mesmo entre os opositores desse último posicionamento, é reconhecida a desnecessidade da referida prova em alguns casos, como o dano moral decorrente da perda de pessoa da família, do protesto de título de crédito, da ofensa à honra da mulher e outros.
Os Tribunais pátrios se têm manifestado no sentido de que, diferentemente do que ocorre com o dano material, para que se configure o dano moral, não há se cogitar da prova do prejuízo.
Portanto, embora alguns juristas de renome defendam, por vezes, posicionamento diverso, tem prevalecido na jurisprudência a idéia de que basta a constatação do nexo de causalidade entre o dano e a conduta do ofensor para se fazer presente o dever de indenizar.
Considera-se que a indenização devida em face da lesão praticada aos direitos da personalidade, por se relacionar ao sofrimento e à dor moral, ocorre a partir do fato violador (damnum in re ipsa). Ou seja, o direito à reparação nasce uma vez apurado o eventus damni, independentemente de haver, ou não, comprovação de prejuízo.
Nesse sentido, oportuno destacar, entre outros, a decisão recente do Colendo Superior Tribunal de Justiça, da relatoria do eminente Ministro Sávio de Figueiredo Teixeira:
“Civil. Responsabilidade civil. Lei de Imprensa. Notícia jornalística. Abuso do direito de narrar. Assertiva constante do aresto recorrido. Impossibilidade de reexame nesta instância. Matéria probatória. Enunciado n. 7 da Súmula/STJ. Dano moral. Demonstração de prejuízo. Desnecessidade. Violação de direito. Responsabilidade tarifada. Dolo do jornal. Inaplicabilidade. Não-recepção pela Constituição de 1988. Precedentes. Recurso desacolhido.
I – Tendo constado do aresto que o jornal que publicou a matéria ofensiva à honra da vítima abusou do direito de narrar os fatos, não há como reexaminar a hipótese nesta instância, por envolver análise das provas, vedada nos termos do enunciado n. 7 da Súmula/STJ.
II – Dispensa-se a prova de prejuízo para demonstrar a ofensa ao moral humano, já que o dano moral, tido como lesão à personalidade, ao âmago e à honra da pessoa, por vez é de difícil constatação, haja vista os reflexos atingirem parte muito própria do indivíduo – o seu interior. De qualquer forma, a indenização não surge somente nos casos de prejuízo, mas também pela violação de um direito.
III – Agindo o jornal internacionalmente, com o objetivo de deturpar a notícia, não há que se cogitar, pelo próprio sistema da Lei de Imprensa, de responsabilidade tarifada.
“IV – A responsabilidade tarifada da Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição de 1988, não se podendo admitir, no tema, a interpretação da lei conforme a Constituição.”
O QUANTUM REPARATÓRIO
A dor e o sofrimento impedem que o homem exerça de forma plena o seu direito inalienável à vida. O direito positivo, enquanto instrumento de justiça, não ignora as ofensas capazes de ocasionar a ruptura dessa plenitude, seja na esfera material, seja na esfera moral.
A dignidade da pessoa, os seus sentimentos de estima e as suas lutas pela realização existencial devem merecer o devido respaldo por parte dos operadores do Direito.
Assim, os danos que a ela afetem podem e devem ser minimizados com a reparação autônoma, haja vista que o exame da disciplina legal vigente em nosso País revela, sem margem à dúvida, os casos em que ocorrem.
Tema da maior complexidade, e tarefa das mais árduas, é a fixação do quantum reparatório para o dano moral pelo Judiciário. Mas, a nossa Lex Mater impõe a indenização, a exemplo do direito comparado, de maneira a possibilitar ao lesado a compensação econômica.
Entretanto, é preciso lembrar sempre que a reparação pecuniária do dano moral não indeniza de maneira satisfatória – e nem poderia – a agressão íntima sofrida pelo ofendido.
A QUESTÃO DA FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO
Questão crucial é justamente essa que diz respeito à quantificação do dano moral, aliás, a dificuldade que isso representa, por muito tempo foi o óbice para aceitação da tese da reparabilidade do dano moral.
No entanto, fica-se em dúvidas no tocante aos parâmetros a serem considerados para a fixação do quantum. Sabe-se da função eminentemente de ressarcimento da responsabilidade civil, que visa tanto possível, ao restabelecimento do status quo ante pela recomposição do patrimônio lesado, o que não se afigura difícil nos danos materiais.
A matéria ganha, todavia, diverso relevo quando se trata de danos morais, nos quais, não se pode deixar de reconhecer, que não visa à indenização a recompor sentimentos, insuscetíveis, por sua natureza, deste resultado por efeito só dela, nem se prestando a compensar lesão a bens ofendidos.
Busca propiciar ao lesado meios para aliviar sua mágoa e sentimentos agravados, servindo, por outro lado, de inflição de pena ao infrator.
Levam-se, pois, em conta, em sua determinação, as condições pessoais (sociais, econômicas) do ofendido e do causador do dano, o grau de sua culpa ou a intensidade do elemento volitivo, assim como a reincidência. São critérios preconizados no artigo 53. I e II da Lei de Imprensa, e no artigo 84 do Código Brasileiro de Telecomunicações.
Aqui, ainda, um cuidado se impõe: de evitar a atração, apenas pelo caráter de exemplaridade contido na reparação, de somas que ultrapassem e que representou o agravo para o ofendido.
Nesta seara, mais do que nunca, há de reter-se não consistir a responsabilidade civil em fonte de enriquecimento para o ofendido. Os critérios da razoabilidade e proporcionalidade são recomendáveis, para sem exageros, atingir-se indenização adequada.
Neste campo, mais ainda se redobram cautelas, eis que, tendo em vista ser o agente economicamente mais poderoso do que o lesado, quase sempre, insinuar-se-á tentação de impor-lhe reparação elevada. Não condiz, todavia, com sua natureza.
Mas, se por um lado, a reparação efetiva dá-se, até excepcionalmente, prescindindo de base subjetiva, de outro lado, há, por estes mesmos fatores, de ser alcançada de forma módica, compatível, sem absurdos que possam desestimular a cadeia de sua oferta.
Alguns doutrinadores, bem como alguns julgados, defendem que a ressarcibilidade do dano moral deve propiciar meios sucedâneos ou derivativos que visam amenizar o sofrimento da vítima, como passeios, divertimentos, ocupações e outros do mesmo gênero.
Porém, certo é que a dor não é generalizada, ao contrário, é personalíssima, variando de pessoa para pessoa, de forma que uns são mais fortes outros mais suscetíveis.
Assim sendo, pensar no critério de ressarcimento através de meios que possam transpor essa dor, geraria a uma diversificação de critérios para sua fixação de forma a torná-lo também personalíssimo.
Dessa forma, coerente é a doutrina que indica que além de respeitar os princípios da equidade e da razoabilidade, deve o critério de ressarcibilidade considerar alguns elementos como: a gravidade do dano; a extensão do dano; a reincidência do ofensor; a posição profissional e social do ofendido; a condição financeira do ofensor; a condição financeira do ofendido.
Finalmente, como órgão de distribuição de justiça, cabe ao julgador aplicar a teoria do desestímulo, de forma a evitar a reincidência da prática delituosa.
Assim, poderíamos dividir os critérios para fixação da indenização por danos morais em positivos e negativos.
Nos positivos, deveria ser observado: condição econômica, pessoal e social do ofendido; condição econômica do ofensor; grau de culpa; gravidade e intensidade do dano; hipótese de reincidência; compensação pela dor sofrida pelo ofendido; desestímulo da prática delituosa.
Nos negativos, observar-se-ia: enriquecimento do ofendido; viabilidade econômica do ofensor.
De qualquer forma, além da observação desses critérios, a aplicação deve ser norteada pelos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e equidade.
ESTÁGIOS E SISTEMAS DE FIXAÇÃO
No cenário mundial, no que pertence à fixação do valor ideal da indenização do dano moral, historicamente, identificam-se três estágios:
a) no primeiro deles, dos tribunais franceses, tinha-se como suficiente a imposição meramente formal (simbólica, equivalente a um franco) ao ofensor da condenação, pois valorizava-se o aspecto moral desta, desprezando-se o econômico;
b) no segundo, passou-se ao entendimento de que a indenização não poderia ser tão irrisória, inexpressiva economicamente, mas, de igual forma, deveria ser evitado que alcançasse cifra capaz de se traduzir em fonte de enriquecimento;
c) no terceiro, o da exacerbação da condenação, é enaltecido o caráter punitivo da reparação, tal qual se observa nas punitive damages do direito norte-americano.
Quanto aos sistemas de aferição do quantum reparatório postos pelo Direito, divide-os a doutrina, em face do dano moral, em: sistema tarifário e sistema aberto.
No primeiro – tarifário – o valor da indenização se encontra predeterminado. Nesse caso, cabe ao Magistrado, tão-somente, aplicá-lo ao caso concreto, atentando para os limites fixados para cada situação.
No segundo – aberto – ao Juiz é atribuída a competência para estabelecer o valor indenizatório, de forma subjetiva e correspondente à possível satisfação da lesão experimentada pela parte. Esse o sistema adotado pelo nosso ordenamento jurídico, malgrado as insurgências contrárias.
Imposição de limites legais versus prudente arbítrio do juiz
No Brasil, atualmente, ainda se discute doutrinariamente se o valor da indenização deve respeitar limites mínimo e máximo fixados legalmente, a exemplo do que estabelece a Lei de Imprensa, cuja reforma ora se discute no Legislativo, ou deve ser entregue como quer a lei, ao arbítrio prudente do Magistrado, a este cabendo estimar livremente o quantum, verificadas as particularidades do caso concreto.
A propósito, oportuno salientar que já há jurisprudência firmada pelo Excelso Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a Constituição Federal não recepcionou a responsabilidade tarifada da Lei de Imprensa, conforme trecho da ementa do teor seguinte: “[…] I – A responsabilidade tarifada da Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição de 1988, restando revogada a norma limita dora (art. da Lei 5.250/67), pelo texto constitucional. […]”.
A partir daí se pode inferir que o tarifamento legal da responsabilidade de reparar o dano moral se encontra com seus dias contados.
Mas, nem por isso, se permite ignorar as opiniões dos juriscivilistas a respeito.
Entre os que defendem a imposição de limites legais, o Professor Humberto Theodoro Júnior, que sugere o respeito:
“Para fugir aos cálculos arbitrários, no caso de indenização por dano moral nas relações de consumo, TUPINAMBÁ MIGUEL CASTRO DO NASCIMENTO sugere o recurso à analogia, com base no art. 4º da Lei de Introdução. Uma vez que o Código do Consumidor não cuidou de apontar qualquer critério, poder-se-ia lançar mão dos dados constantes do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117, de 27.08.1962), onde existem cálculos reparatórios organizados em função de certos números de salários mínimos (Responsabilidade civil no Código do Consumidor, Rio, Aide, 1991, nº 15, pág. 102). Esse recurso à solução analógica com as regras da Lei de Telecomunicações e da Lei de Imprensa tem sido adotado, também, pela jurisprudência (1º TACivSP, Ap. 516.041/8, in RT 698/104).”
Também incorpora a defesa da fixação dos limites legais José Ignácio Botelho De Mesquita, que assim conclui sua tese a respeito:
“Em suma, por suas peculiaridades, a indenização do dano moral puro se configura como pena pecuniária, ou multa; é pena civil. Enquanto tal, está sujeita ao princípio da legalidade das penas, conforme se acha expresso na CF: não haverá nenhuma pena ‘sem prévia cominação legal’ (art. 5º, XXXIX).
“Reduz-se, pois, a um falso problema a dificuldade de estimar a indenização do dano moral ex post facto. É que, por ter a natureza de pena civil, não pode essa sanção ser criada ad hoc, depois de ocorrido o fato danoso. Não cabe ao juiz, mas ao legislador, estabelecer os seus limites máximos e mínimos e, para isso, o legislador nunca teve dificuldade alguma. Basta consultar o CP para comprová-lo de imediato. E constando de lei a pena pecuniária, nunca teve nenhum juiz dificuldade maior em ajustá-la a cada caso concreto, graduando-a segundo os fins que lhe são próprios, mas dentro dos limites e critérios previamente fixados pelo legislador.”
Observa-se, assim, a repugnância que advém do arbítrio, a respeito do qual, com muita propriedade, Artur Oscar de Oliveira Deda recomenda:
“Ao fixar o valor da indenização, não procederá ao juiz como um fantasiado, mas como um homem de responsabilidade e experiência, examinando as circunstâncias particulares do caso e decidindo com fundamento e moderação. Arbítrio prudente e moderado não é o mesmo que arbitrariedade”. [sem grifo no original]
Mas, de outro lado, há os que se inclinam na direção defendida por Aguiar Dias, que enfatiza:
“A condição de impossibilidade matemática exata da avaliação só pode ser tomada em benefício da vítima e não em seu prejuízo”.
“Não é razão suficiente para não indenizar e, assim, beneficiar o responsável, o fato de não ser possível estabelecer equivalente exato, porque, em matéria de dano moral, o arbítrio é até da essência das coisas (Natur Der Sache).” [sem grifo no original]
Segundo entendimento que, a cada dia, ganha corpo na doutrina e na jurisprudência, o quantum compensatório, a título de dano moral, deve ficar ao livre e prudente arbítrio do Magistrado, único legitimado a aferir, a partir de seu convencimento e tirocínio, a extensão da lesão e o valor cabível que a esta corresponda. E, conforme bem recomenda o Colendo Superior Tribunal de Justiça, “[…] deve o juiz orientar-se pelos critérios recomendados pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade e eqüidade, atento à realidade e às peculiaridades de cada caso concreto […]”.
Demais disso, lembrando o filósofo francês Anatole France (“Eu não teria medo das más leis se elas fossem aplicadas por juízes bons. Diz-se que a lei é inflexível, mas eu não acredito. Não há texto que se não deixe solicitar. A lei é morta. O magistrado está vivo. Ele tem uma grande vantagem sobre ela.”), conclui-se que, em se tratando da fixação da reparação do dano moral, o voto de confiança na atividade judicante se faz ainda mais imprescindível, pois a valoração de um juiz, sem dúvida, tem infinitas vantagens sobre a previsão fria de uma lei genérica.
E, como oportunamente recorda Cahali:
“[…] o juiz, por dever de ofício, está investido da atividade judicante, e se presume esteja dotado de bom senso, experiência e moderação que o habilitam a desvencilhar-se daquelas dificuldades [a de identificar na dor a existência do dano moral para a procedência da ação e a fixação do quantum da condenação]…”
Ainda sobre a ministrarão da justiça pelo magistrado, com a sabedoria que lhe é própria, Carlos Maximiliano assim considera:
“[…] a sua função como intérprete e aplicador do Direito é necessariamente vasta e complexa; porque a lei deve regular os assuntos de um modo amplo, fixar princípios fecundos em conseqüências, e não estabelecer para cada relação da vida uma regra específica, não decide casos isolados, formula princípios gerais. Até mesmo nas hipóteses cada vez mais raras em que os textos se referem a exemplos particulares, intervém o intérprete ou o aplicador para generalizar a idéia, estendê-la a circunstâncias semelhantes, aos fatos análogos.
Assim, não seria o valor preestabelecido a melhor alternativa de se realizar a justiça – até porque tentar colocar a questão em termos legais objetivos seria tarifar a dor, hipótese absurda.
“A prudência consistirá em punir moderadamente o ofensor, para que o ilícito não se torne, a este título, causa de ruína completa”. Mas, em nenhuma hipótese, deverá se mostrar complacente com o ofensor contumaz, que amiúde reitera ilícitos análogos.
“É o caso das empresas de banco que, com indiferença cruel, consigam informações negativas sobre seus clientes e devedores em cadastros que vedam ou tolhem o acesso ao crédito e, posteriormente, se desculpam com pretexto de erro operacional. Nessas hipóteses, a indenização deverá compensar a vítima pelo vexame e punir, exemplarmente, o autor do ato ilícito, com o fito de impedir sua reiteração em outras situações.”
Os mais radicais no combate à fixação de valores elevados para a reparação moral, e também defensor do estabelecimento legal de limites indenizatórios, como Sérgio Pinheiro Marçal, argumentam que a conseqüência danosa da rápida mudança “de um sistema que amparava a quase irresponsabilidade por danos morais, para um sistema que perigosamente vem procurando se aproximar dos padrões norte-americanos dos punitive damages” é a distorção total do instituto da reparação em tela, em razão do que criticam duramente a teoria do valor do desestímulo preconizada.
Nesse sentido, também, Humberto Theodoro Júnior manifesta sua preocupação a respeito da justa medida do valor da indenização por dano moral:
“Se de um lado se aplica uma punição àquele que causa dano moral a outrem, e é por isso que se tem de levar em conta a sua capacidade patrimonial para medir a extensão da pena civil imposta; de outro lado, tem-se de levar em conta a situação e o estado do ofendido, para medir a reparação em face de suas condições pessoais e sociais. Se a indenização não tem o propósito de enriquecê-lo, tem-se que lhe atribuir àquilo que, no seu estado, seja necessário para proporcionar-lhe apenas a obtenção de ‘satisfações equivalentes ao que perdeu’, como lembra MAZEAUD et MAZEAUD (Responsabilité civile, vol. I, nº 313, apud CAIO MÁRIO, Responsabilidade civil, 2ª ed., Rio, Forense, 1990, nº 45, págs. 63-64)”
Por certo que se deve manter um juízo de razoabilidade, a fim de que não se desvirtue o quantum em fonte de riqueza. Mas, o valor irrisório ou pouco significativo diante da realidade econômica do ofensor, certamente, excluiria relevante aspecto que deve ser atendido pelo julgador, ou seja, o caráter sancionador da indenização.
A propósito: pode-se falar com segurança, em se tratando de dano moral, no enriquecimento “sem causa”, quando se sabe que a dor e o sofrimento impedem que o homem exerça de forma plena o seu direito inalienável à vida, e, mormente quando todos reconhecem que não há como os quantificar?
Somente a título de exemplo, oportuno lembrar, sem nenhum demérito, que não se exige, essencial e especificamente, de um candidato a uma vaga de cargo auxiliar num escritório, o que se reclama em face do homem público, ou seja, a ilibada conduta esperada pela sociedade como integrante do perfil adequado. Assim, como ficaria ele, diante da sociedade, se, ofendido moral e injustamente pelos meios de comunicação social, cujo raio de atuação é incomensurável, não buscasse a exemplar sanção daqueles que maculassem a sua honra, que, no caso, é a sua lei particular de conservação moral, onde, segundo Ihering, reside o mais alto grau de sua sensibilidade, ou seja, aquele ponto que, se tocado, exigirá do homem público a luta pelo seu Direito, sob pena de perder a existência e a independência, de perder a sua personalidade, de não ter mais reconhecidas as suas faculdades?
Com certeza, seria desprezado, porque no bem atingido, in casu, reside o princípio constitutivo da vida pública, que não lhe deixa opção outra, restando-lhe, apenas, evidentemente, o suicídio moral. Poder-se-ia afirmar com segurança que na mesma situação estaria, invariavelmente, envolvido o cidadão comum? Evidente que não. No exemplo, de circunstâncias tão distanciadas, o valor tarifado ou o irrisório atingiria a justiça perseguida pelo Direito ao tutelar a reparação do dano moral?
O TRABALHO DE LAPIDAÇÃO LEVADO O EFEITO PELO JUIZ
Deve o juiz, ao estimar o valor, determinar um ponto a partir do qual exercerá sua avaliação. Seu trabalho, na verdade, assemelha-se ao da lapidação de uma pedra de inestimável valor, onde a força mal empregada é capaz de arruinar todo o resultado pretendido.
Já sinaliza a jurisprudência, que o ponto de partida, esse primeiro parâmetro a ser considerado, se presente, há de ser o valor pedido pelo ofendido, que, em tese, num primeiro momento, obviamente, seria o único capaz de mensurar o quantum suficiente para minimizar os sentimentos de revolta e indignação, aliados ao natural desejo de punir – diga-se de passagem, presente no mais civilizado homem ferido moralmente – voltado que está para a própria dor. A confirmar essa colocação, embora de forma indireta, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça pontificou: “O valor da causa, em ação de reparação de danos morais, é o da condenação postulada se esta já foi de antemão economicamente mensurada pelo autor na inicial”.
Num segundo instante, caberia a intervenção do juiz, que passaria a apreciar se o valor pretendido se ajusta à situação posta em julgamento, afastando, de pronto, a possibilidade de sucesso de quaisquer especulações desonestas que se evidenciem por parte daqueles que pretende se ver compensados, pois deve haver comedimento, como forma de impossibilitar que o instituto seja transformado em mera fonte de enriquecimento.
A orientação capitaneada pela doutrina e jurisprudência majoritárias no momento é no sentido de que o julgador há de considerar, em princípio: a extensão e gravidade do dano, as circunstâncias (objetivas e subjetivas) do caso, a situação pessoal e social do ofendido e a condição econômica do lesante, na busca de relativa objetividade com relação à satisfação do direito atingido, preponderando, como orientação central, a idéia de sancionamento do ofensor, como forma de obstar a reiteração de casos futuros. Tudo isso sopesadas as circunstâncias concretas do caso, à luz da prudência e razoabilidade.
As sutilezas que ressaltam em cada caso concreto, relevam se diga, não permitirão, sem dúvida, que se alcancem, em situações aparentemente semelhantes, resultados uniformes, o que, inexoravelmente, poderá fomentar a argumentação adotada pela corrente defensora da dosimetria, pois alguns de seus expoentes pretendem valorar tal aspecto, sob o fundamento da uniformidade das decisões, como fator de segurança jurídica. Mas, essa argumentação se dissolve no contexto em que inserida, pois, o que se persegue, afinal, é a ideal realização da justiça.
Conclui-se, assim, que cada caso concreto reclama exame próprio e único.
CONCLUSÃO
A teoria da responsabilidade civil, cujas raízes estão fixadas no princípio fundamental do neminem laedere, encontra sua justificação na liberdade de atuação do homem, enquanto ser social, e na sua racionalidade. Busca a satisfação dos interesses do lesado, com vistas a restaurar o seu patrimônio ou compensar o seu sofrimento, conforme o caso. Distingue-se entre a fundada na lei e a que se origina nas relações contratuais, recebendo a chancela do Direito Civil brasileiro sob o fundamento genérico da culpa (lato sensu), não obstante as concessões feitas à responsabilidade objetiva. E, no seu processo evolutivo, centra-se, hoje, cada vez mais acentuadamente, na reparação de dano à vítima.
Desse modo, tutela o Direito o dever amplo de não lesar, ao qual corresponde a obrigação de indenizar, que se revela sempre que de determinada conduta decorra algum prejuízo material ou ofensa moral para outrem.
Tendo como berço a actio iniuriarum do Direito Romano, a reparação do chamado dano moral encontra respaldo nos países civilizados, cujas legislações revelam tão-só nuanças na amplitude que lhe conferem as legislações.
Como pressuposto da responsabilidade civil, o dano é qualquer lesão experimentada pela vítima em seu complexo de bens jurídicos, sejam estes materiais ou morais, haja vista que ambos, por representarem interesses legítimos dos titulares de direitos, devem ser resguardados.
O dano moral ocorre na esfera da subjetividade, ou no plano dos valores da pessoa enquanto ser social, e deriva de práticas atentatórias à personalidade, traduzindo-se em sentimento de pesar íntimo do ofendido, capaz de gerar alterações psíquicas ou prejuízo ao aspecto afetivo ou social do seu patrimônio moral.
Pode-se, então, afirmar, de maneira ampla, que o dano moral é aquele que se manifesta na ofensa ao patrimônio (lato sensu) ideal da pessoa.
Da imensa gama dos direitos tutelados como da personalidade, atados à noção de dignidade humana, deriva a inviabilidade, constatável de plano, de enumeração exaustiva de todas as hipóteses de ocorrência do dano moral e, por via reflexa, a dificuldade de classificação sistematizada, cabendo, então ao Magistrado a tarefa de identificar o dano moral reclamado na demanda, a partir das circunstâncias e peculiaridades trazidas pela hipótese.
No Direito brasileiro, o princípio geral de reparabilidade da lesão moral teve como origem a exegese literal do art. 159 do Código Civil, do qual não decorre qualquer distinção a respeito do tipo de dano capaz de ensejar o dever de indenizar (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).
Não obstante inspirada na construção doutrinária e pretoriana, há de se reconhecer que a reparação do dano moral, no Brasil, a partir da Constituição da República de 1988, representa conquista de direitos e garantias fundamentais. Inexoravelmente, nossa Lex Mater espancou de vez qualquer dúvida a respeito da possibilidade de reparação do dano moral e permitiu aos nossos Tribunais promovê-la da maneira mais ampla, positivando, definitivamente, o silogismo criado pela doutrina e jurisprudência.
Hoje, enraizada, pois, no sistema normativo brasileiro e na própria Carta Política, a reparação tem aplicação certa no Direito pátrio, diante de qualquer lesão injusta ao patrimônio moral da pessoa.
Alicerçadas sobre o mesmo fundamento – o princípio geral da obrigação de não lesar (neminem laedere) – a reparação do dano de cunho material e a da ofensa moral têm como principal diferença o fato de que a primeira se resolve em indenização, ocorrendo, nesse caso, a eliminação do prejuízo e das conseqüências da conduta lesiva, enquanto que a segunda possui natureza eminentemente compensatória, pois não é possível o retorno ao status quo ante.
Vê-se, então, que o fim almejado pela reparação do dano moral é, fundamentalmente, aquilatar o valor compensatório apto a amenizar a dor do ofendido.
Entretanto, embora se possa vislumbrar que a teoria da reparação civil do dano moral, de modo geral, está calcada em funções de defesa de interesses individuais, a exemplo dos direitos da personalidade, verifica-se, igualmente, que ela, em momento algum, se desconecta do escopo maior de servir como instrumento de proteção aos interesses da coletividade.
Assim, reparte-se a função da reparação por dano moral em três aspectos distintos: compensatório, sancionador e pedagógico.
Vale enfatizar, a propósito, que o próprio mecanismo protetor da norma geral que impõe a reparação – neminem laedere – caracteriza-se por sua natureza mista, pois, se, de um lado, compõe danos, de outro lado, impõe a sanção do ato ilícito. E, via de conseqüência, ao comandar a punição do infrator, orienta condutas.
Ressalvado o posicionamento diverso de alguns doutrinadores de escol, no que concerne à configuração do dever de reparar, em se tratando de danos morais, não há se cogitar da prova do prejuízo, como ocorre em face da indenização por danos materiais.
Regra geral, basta a constatação do nexo de causalidade entre o dano e a conduta lesiva do ofensor. É que, por estar relacionada ao sofrimento e à dor moral, evidencia-se já a partir do fato violador (damnum in re ipsa) a lesão, fazendo nascer o direito à reparação uma vez apurado o eventus damni, independentemente de haver, ou não, comprovação de prejuízo.
Delineados os principais aspectos referentes ao dano moral, resta, agora, concluir sobre o tema central objeto do presente estudo: os critérios para a fixação do valor devido a título de dano moral pelo Judiciário.
A fixação do quantum compensatório insere-se entre os temas delicados do Direito, a exigir acurada sensibilidade e senso de justiça, pois, como visto, diferentemente do que ocorre com relação aos danos materiais, não se volta à recomposição patrimonial do ofendido, com o restabelecimento puro e simples do status quo ante; persegue, acima de tudo, a compensação, de alguma forma, das aflições da alma humana, das dores provocadas pelas mágoas produzidas em decorrência das lesões íntimas.
A meu modesto sentir, o valor reparatório, a título de dano moral, deve ficar ao livre e prudente arbítrio do magistrado, único legitimado a aferir, a partir de seu convencimento e tirocínio, a extensão da lesão e o que a esta corresponda.
Há quem tema, e muito, tal liberdade dada ao julgador, e, via de conseqüência, defenda, enfaticamente, a implantação de um tarifa mento ou dosimetria de valores por parte da lei, a fim de coibir eventuais excessos.
Mas, em se tratando da fixação da reparação do dano moral, o voto de confiança na atividade judicante se faz ainda mais imprescindível, pois a valoração de um juiz, inegavelmente, tem infinitas vantagens sobre a previsão fria de uma lei genérica.
Não se apresenta como a melhor alternativa, sem dúvida, o sistema tarifário diante da aflição humana. Ademais, os interesses intersubjetivos de cada vítima são sempre distintos, e díspares é os efeitos causados pelos danos cometidos, o que impossibilita a dosimetria. Não bastasse isso, no condenado sistema, estar-se-ia a igualar realidades desiguais, o que não se admite. E, além do que, considerada a nossa realidade cultural, a tendência nesse “tabelamento”, certamente, seria a de limitar o direito aquém do necessário e justo, caminhando-se na contramão da história.
Assim prudência e razoabilidade devem ser tomadas como palavras-de-ordem em todo o processo de apuração do dano moral e da indenização devida em função deste.
Dessa forma, necessita o juiz, ao estimar o valor, repita-se, tarefa das mais tortuosas, determinar um ponto a partir do qual exercerá sua avaliação. Seu trabalho assemelha-se ao da lapidação de uma pedra de inestimável valor, no qual a força mal empregada é capaz de arruinar todo o resultado pretendido.
O ponto de partida, esse primeiro parâmetro a ser considerado, se presente, há de ser o valor pedido pelo ofendido, que, em tese, em um primeiro momento, obviamente, seria o único capaz de mensurar o quantum suficiente, haja vista o caráter compensatório da reparação. Demais disso, não se pode esquecer que a reparação pecuniária do dano moral não indeniza de maneira satisfatória – e nem poderia – a agressão íntima sofrida pelo lesado.
Num segundo instante, caberia a intervenção do juiz, que, passaria a apreciar, de forma integrada, a gravidade ou extensão do dano, as circunstâncias (objetivas e subjetivas) do caso, a situação pessoal e social do ofendido e a condição econômica do lesante.
Nessa análise, em que deve preponderar como orientação central, a idéia de sancionamento do ofensor, que impõe seja o quantum reparatório razoavelmente expressivo, como forma de obstar a reiteração de casos futuros, deve, ainda, o julgador atentar, embora com menor rigor, para a possibilidade do enriquecimento do ofendido, que somente se admite em situações excepcionais, desde que, obviamente, não se identifiquem especulações desonestas.
Somente considerados todos esses aspectos pelo Judiciário estaria assegurada a quantificação da indenização devida por dano moral de forma a punir de fato o ofensor, na proporção da gravidade da lesão por ele cometida – o que, por certo, não ocorreria se o valor fixado fosse simbólico ou “tabelado” –, e a compensar o ofendido, embora em pecúnia, observado o poder por esta alcançado no terreno das satisfações humanas, ao mesmo tempo em que se impede seja o quantum expressão de puro arbítrio, alcançando-se, assim, o ideal de justiça.
No que diz respeito à natureza das lesões passíveis de indenização, hoje não mais subsistem dúvidas quanto à plena reparabilidade de toda e qualquer espécie de dano havido, seja de natureza patrimonial ou moral, sobretudo porque a cada dia adquire-se maior consciência de que se incrementam a vulnerabilidade do ser humano ante as incessantes transformações da civilização de massa, transformações estas de efeitos ainda pouco assimilados.
A respeito da caracterização do dano, parece claro que a segunda corrente mencionada encontra-se bem mais próxima do acerto, pois, com efeito, em se tratando de direitos oriundos da personalidade humana, impera a hominis, restando apenas a necessidade da prova do fato, sendo que a dor apenas deve guardar nexo com a causa, o que por sinal já vem sendo reconhecido pelos Tribunais Superiores.
Sobre a questão do quantum indenizatório parece-nos prudente considerar os ensinamentos do Mestre Caio Mário da Silva Pereira, segundo o qual a soma não deve ser tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva.
Os excessos e as mitigâncias só levam à desmoralização do instituto, restando necessário que se considerem os princípios da equidade, da razoabilidade, e principalmente o bom senso do julgador.
Na falta de parâmetros objetivos para fixar o quantum, devem os Tribunais, em atenção as suas finalidades, arbitrá-lo dentro dos princípios mencionados, sempre considerando o gravame em relação ao todo, respeitando elementos como: a gravidade do dano; a extensão do dano; a reincidência do ofensor; a posição profissional e social do ofendido; a condição financeira do ofensor; a condição financeira do ofendido.
Sua fixação não pode, assim, ultrapassar os limites do bom senso, fazendo-se a necessária justiça através da aplicação da já mencionada teoria do desestímulo.
A detida análise desenvolvida acerca do tratamento dispensado por nosso atual Código Civil ao tema do dano moral fazia-se necessária para um melhor entendimento dos fundamentos e das características que este rodeiam.
Após a feitura do presente trabalho, aferiu-se a evolução do pensamento doutrinário no que diz respeito à aceitação do dano moral como dano que, a despeito de poder não guardar qualquer relação com dano material, é passível de gerar reparação àquele que o sofreu.
A partir do acima exposto, percebeu-se que, de maneira diferente das indenizações oriundas de danos patrimoniais, as reparações referentes a danos morais possuem como objetivo primordial a compensação da dor causada, sendo a indenização pecuniária muito mais um lenitivo do que uma tentativa de mensuração do dano.
Confirmou-se também a importância de o atual Código Civil ter tratado de forma direta do tema, garantindo expressamente a possibilidade de indenização por dano moral e pondo fim às discussões acerca da reparabilidade ou não do mencionado dano, levantadas por diversos autores.
Podê-se, ainda, demonstrar o avanço da forma de pensar que vê no dano moral, algo mais que a simples reparação pelo dano sofrido, interpretando-o como sanção punitiva àquele que deu causa ao dano. Neste sentido, importante o papel do Projeto de Lei nº 6.960/2002 a tratar diretamente do tema ao propor a inclusão de parágrafo ao artigo 944 de nosso Código Civil.
Em última análise, observou-se o perigoso caminho trilhado pelo legislador ao procurar impor limitações às indenizações provenientes de dano não patrimonial, caso do Projeto de Lei do Senado nº 150/1999, a despeito de constituir-se este em tentativa de inibir possíveis abusos quando da definição do montante indenizatório por parte do juiz. Fundamentando-se a crítica a tal forma de pensar na possibilidade de prejuízo à vítima do dano por não se atingirem os papéis satisfatório e punitivo da reparação.
A título de conclusão, impende assinalar que o Princípio da Proporcionalidade, utilizado para se apurar dano moral, não liberta o juiz dos limites e possibilidades oferecidos pelo ordenamento e por sua própria formação, tampouco da realidade apurada e sopesada caso a caso. Em verdade, oferece uma alternativa de atuação construtiva do Judiciário para a produção do melhor resultado, ainda quando não seja o único possível ou mesmo aquele que mais obviamente resultaria da aplicação mais justa da lei.
A valoração do dano moral, por ser matéria complexa, na maioria dos casos não tem sido tratada com a merecida e necessária atenção. Isto porque acredita-se ser a espécie de cunho meramente subjetivo do lesado, o que tornaria impossível mensurar sua extensão.
Realmente, é indiscutível, a dor não tem preço. E isto torna o tema essencialmente complicado. Mas o direito é ciência viva e em constante evolução. Suas bases filosóficas milenares são alicerces de seu contínuo desenvolvimento, e por estas devemos, como nestes casos, buscar soluções mais concretas para valorar o dano moral.
Sem dúvida, são por demais insubsistentes as teorias da indenidade do dano moral, eis que a dor moral, resultante de ofensa aos bens e valores essenciais da pessoa, é, por certo, o maior prejuízo a ser suportado por alguém. E mesmo não sendo possível sua estimativa em dinheiro, deve ser reparado. A indenização pecuniária, neste caso, possui valor compensatório ou permutativo, podendo, de alguma forma, minorar os efeitos do dano sofrido, além do que representam também punição, desestímulo e prevenção à prática dos atos ilícitos.
Neste sentido, é de se observar que a sentença condenatória à reparação de dano moral possui dupla natureza: é reparatória, quanto ao prejuízo sofrido, e punitivo quanto à reprovabilidade da conduta ofensiva, agindo como espécie de pena de caráter privado.
Dano moral pertence ao campo da ética e o dinheiro ao campo da lógica. Assim sendo o dano moral deve ser reparado pelos meios morais, e não pelos meios monetários.
Exemplos: se uma pessoa ficou traumatizada por uma brincadeira assustadora num parque de diversões, não devidamente informada pelo promotor do evento, o autor do dano deve propiciar um tratamento psicológico para a vítima e não simplesmente dar uma quantia em dinheiro para reparar danos morais; se alguém sofreu danos morais por notícias inverídicas no jornal, na TV, deve ser objeto do desagravo pela mídia; se alguém teve título protestado indevidamente, o equívoco deve ser informado ao público, ao mercado financeiro e assim por diante.
É interessante a contradição do argumento de muitos que advogam pela indenização pecuniária para punir o autor do dano, condenando-o a uma espécie de pena pecuniária. O dano moral não é para reparar a dor da vitima? Ou é para punir pecuniariamente o autor? Para casos de punição existe o Código Penal. Parece que se quer criar uma nova pena pecuniária para pessoas físicas e jurídicas, sem previsão legal, ao arbítrio do julgador.
O ilustre professor e jurista baiano Calmon de Passos, em recente, memorável e lúcido artigo”O imoral nas indenizações por dano moral” ,cuja leitura se recomenda aos que ainda acreditam na ética, criticou visceralmente a mercantilização dos danos morais.
Fazemos nossas as palavras do ilustre mestre e pensador do direito: ”Quando a moralidade é posta debaixo do tapete, esse lixo pode ser trazido para fora no momento em que bem nos convier. E justamente porque a moralidade se fez algo descartável e de menor importância no mundo de hoje, em que o relativismo, o pluralismo,o cinismo,o ceticismo, a permissividade e o imediatismo têm papel decisivo, o ressarcimento por danos morais teria que também se objetivar para justificar-se numa sociedade tão eticamente frágil e indiferente. O ético deixa de ser algo intersubjetivamente estruturado e institucionalizado, descaracterizando-se como reparação de natureza moral para se traduzir em ressarcimento material, vale dizer o dano moral é significativo não para reparar a ofensa à honra e aos outros valores éticos,sim para acrescer alguns trocados ao patrimônio do felizardo que foi moralmente enxovalhado.”
É preciso que todos os operadores do direito façam uma revisão da desastrosa maneira com que doutrinadores e jurisprudência vêm tratando a matéria do dano moral, que se tornou sem dúvida, uma rendosa indústria de indenizações pecuniárias,
Reparar os danos morais através dos meios morais é, em meu entendimento, o único modo justo, coerente e eqüitativo de resolver a questão. É preciso restabelecer a moralidade em matéria de dano moral, eliminando a imoral conversão da moral em dinheiro.
Nesta linha de raciocínio, torna-se claro o entendimento de que o art. 5°, caput, da Constituição Federal, não é passível de uma interpretação restritiva e meramente literal.
Há, pois, flagrante equívoco daqueles que enxerga, ou melhor, visualizam de forma míope, a rigorosa, inflexível e inconteste igualdade formal entre os seres, não admitindo e nem ensejando espaço para as peculiaridades e diferenças inerentes ao próprio ser humano.
Trata-se de grave patologia hermenêutica, visto que uma interpretação sistemática, teleológica e, sobretudo, extensiva, permite, com segurança, que as individualidades e particularidades da pessoa humana sejam respeitadas.
Portanto, conferir o mesmo grau de importância a um dano moral de pequena repercussão na sociedade e a outro, que teve o mesmo bem jurídico lesado, mas que a repercussão social dos fatos foi altamente bombástica, seria fechar os olhos ao princípio da igualdade substancial (tratar os desiguais na medida de suas desigualdades).
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