Não basta haver direito de voto e eleições.
Em sua obra, “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, o teórico Joseph Schumpeter esclareceu que as definições idealistas e utópicas de democracia possuíam muitas imprecisões. Estas impediam a identificação e a classificação corretas das formas de governo democráticas e não-democráticas.
De acordo com Shumpeter, “o método democrático é o arranjo institucional para se chegar a decisões políticas em que os indivíduos adquirem o poder de decidir através de uma luta competitiva pelos votos do povo”.
Parece, mas pode não ser
O direito de voto e as eleições periódicas para seleção de representantes políticos não são os únicos requisitos de um governo democrático. Se assim fosse, os governos da ex-União Soviética e dos Estados Unidos deveriam ser considerados igualmente democráticos.
Outros países poderiam ser mencionados para mostrar os limites das definições idealistas e utópicas de democracia. Talvez os exemplos mais característicos sejam os dos países de regimes socialistas, que se autodefiniam como “democracias populares”.
A definição processual
Esta definição, também chamada procedimental, considera que, além do direito de voto, a seleção dos representantes políticos deve ocorrer a partir de um processo eleitoral livre, ou seja, “competitivo”.
Trata-se de um conceito operacional bastante útil para classificar as formas de governos. Com base nessa definição é possível comparar os governos e estabelecer graus de democratização.
Desse modo, um sistema político é mais democrático quando o direito de voto é garantido a toda população. Mas há necessidade de haver eleições livres e competitivas, que permitam que os grupos políticos concorrentes, (as oposições políticas) tenham iguais chances de chegar ao poder.
Aplicação do conceito
Se empregarmos a definição processual de democracia nos vários sistemas políticos que vigoraram no Brasil, podemos avaliar que o período da Primeira República, ou República Oligárquica, deve ser classificado como um sistema não-democrático, em dois aspectos.
Primeiro, o direito de voto estava restrito a uma diminuta parcela da população adulta. Segundo, a corrupção e constantes fraudes eleitorais impediam as oposições políticas de conquistarem o poder. Além disso, não havia garantias constitucionais para o livre exercício da crítica ao governo.
E no regime militar?
No período do regime militar (1964-1985), o direito de voto foi ampliado, mas o processo eleitoral foi controlado pelo governo de modo a impedir a livre organização das oposições políticas.
A censura e a violência repressiva anularam as possibilidades do exercício da contestação ao regime. O povo tinha o direito de votar, mas a escolha de representantes políticos ficou restrita aos candidatos do partido governista e da oposição consentida pelo próprio governo.
Nivelando pelo mínimo
Por volta da década de 1970, no mundo ocidental, o debate acadêmico sobre as definições de democracia havia terminado. A definição processual de democracia havia sido amplamente aceita e considerada o conceito mais apropriado para classificar os sistemas políticos.
No entanto, essa definição é considerada “minimalista”. Ela leva em consideração apenas os requisitos mínimos que permitem estabelecer distinções entre os sistemas políticos, com base em dois critérios essenciais: direito de voto e eleições livres.
Mais críticas à definição processual
Nos últimos 20 anos, iniciou-se um acalorado debate entre os teóricos do tema. A definição processual de democracia continua a ser considerada um conceito eficaz para classificação dos sistemas políticos, mas sofreu várias críticas.
Pensadores e teóricos têm ressaltado que o bom funcionamento de uma democracia depende também de garantias mínimas de direitos sociais para a população, como condições dignas de vida e escolaridade.
Discute-se hoje o quanto as condições sociais da população (pobreza, miséria, analfabetismo) impedem ou limitam o livre exercício do direito de voto.
Fonte: Uol
Autor: Renato Cancian