Poluição e desperdício reduzem a água disponível no Brasil
O país é rico em disponibilidade de água, com 12% do total do mundo, mas a distribuição no território é muito desigual
Se o assunto é água, o Brasil é um país privilegiado. Sozinho, detém 12% da água doce de superfície do mundo, o rio de maior volume e um dos principais aqüíferos subterrâneos, além de invejáveis índices de chuva. Mesmo assim, falta água no semi-árido e nas grandes capitais, porque a distribuição desse recurso é bastante desigual. Cerca de 70% da reserva brasileira de água está no Norte, onde vivem menos de 10% da população. Enquanto um morador de Roraima tem acesso a 1,8 milhão de litros de água por ano, quem vive em Pernambuco precisa se virar com muito menos – o padrão mínimo que a ONU considera adequado é de 1,7 milhão de litros ao ano. A situação pode ser pior nas regiões populosas, nas quais o consumo é muito maior e a poluição das indústrias e do esgoto residencial reduz o volume disponível para o uso. É o caso da bacia do rio Tietê, na região metropolitana de São Paulo, onde os habitantes têm acesso a um volume de água menor do que o recomendado para uma vida saudável.
Além da poluição, o que preocupa a maior metrópole do país é a ocupação irregular das margens de rios e represas, como a de Guarapiranga, que mata a sede de 3,7 milhões de paulistanos. A seu redor, vivem cerca de 700 mil habitantes. Com o desmatamento das margens para a construção das casas, grande quantidade de sedimentos foi arrastada para a represa, que perdeu sua capacidade de armazenamento e ainda recebe o esgoto de muitas residências. O problema se repete na represa Billings, também responsável pelo abastecimento de São Paulo. Esse manancial é destino final das águas poluentes que são bombeadas dos rios Tietê e Pinheiros para manter seu curso.
A alternativa foi trazer água de uma bacia hidrográfica vizinha, a do rio Piracicaba-Jundiaí-Capivari, que abastece a metade da metrópole paulistana. Isso acabou gerando uma disputa regional. No total, 58 municípios compartilham esse manancial, e a solução foi criar o Banco das Águas, um acordo que estabelece cotas de captação para a região metropolitana de São Paulo (31 metros cúbicos por segundo) e para o conjunto dos municípios da região de Piracicaba (5 metros cúbicos por segundo). Nesse sistema, tanto um lado como o outro podem ir além desses limites como compensação, caso tenha retirado menor quantidade de água em períodos anteriores.
DEMOCRATIZAÇÃO DA ÁGUA
Essa política de uso das águas foi definida por um comitê, formado em 1993, para acabar com a briga sobre quem tinha direito a que nessa bacia hidrográfica. Esse modelo, pioneiro no Brasil, inspirou quatro anos depois a Lei das Águas, dando a possibilidade de criar em nível nacional um sistema que harmonizasse os diversos usos dos mananciais – geração de energia, abastecimento da população e irrigação de cultivos. A Agência Nacional de Águas é o órgão do governo federal responsável pela gestão dos recursos hídricos no país. Esse trabalho é conduzido em parceria com os Comitês de Bacia, que se espalharam no Brasil, após a nova legislação. Os comitês reúnem representantes da sociedade civil em cada região para sugerir iniciativas para preservar os rios e evitar conflitos.
A atual legislação reconhece os vários usos para a água e determina que a prioridade seja sempre para o abastecimento humano e animal. O Brasil tem 89,1% da população urbana com acesso a redes de distribuição de água. Nas residências rurais, a situação é menos confortável: só 17% são atendidas. O uso doméstico e industrial corresponde hoje a 30% de todo o consumo do país. O setor que mais utiliza recursos hídricos é a agricultura, com 70% do consumo.
MELHORAR O USO
Um dos meios para equilibrar essas necessidades é a cobrança pelo uso dos rios por indústrias e outros agentes econômicos. Criado a partir da Lei das Águas, o sistema é aplicado nas bacias dos rios Piracicaba-Jundiaí-Capivari e do Paraíba do Sul, e há projetos para o início da cobrança em outras regiões. Como resultado, para diminuir custos, muitas indústrias cortaram o consumo pela metade. Associado a isso, reduzir o desperdício é uma das medidas para preservar mananciais. Outras iniciativas são o reúso de água por indústrias e a reciclagem de esgoto para irrigar jardins e lavar ruas.
O grande problema de água do Brasil é, sobretudo, seu mau uso. Em razão de uma rede de distribuição obsoleta, avariada e insuficiente para atender a população, 40% de toda a água encanada se perde. Além disso, mais da metade dos municípios brasileiros ainda não têm rede de esgoto, o que reduz a água potável disponível para o consumo da população.
ÁGUAS SUBTERRÂNEAS
Uma importante fonte potencial de abastecimento são as águas subterrâneas, aquelas que ocupam os espaços existentes entre as rochas do subsolo e se movem pelo efeito da força da gravidade. Seu volume é calculado em cerca de 100 vezes mais do que o das águas doces superficiais (rios, lagos, pântanos, água atmosférica e umidade do solo). No território brasileiro, as reservas de águas subterrâneas em aqüíferos são estimadas em 112 trilhões de metros cúbicos, e o mais importante deles é o Aqüífero Guarani.
Trata-se da principal reserva subterrânea de água doce da América do Sul e ocupa 1,19 milhão de quilômetros quadrados. Esse aqüífero se estende pelo subsolo de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina e por partes do território do Uruguai, do Paraguai e da Argentina. Uma camada de rocha basáltica retém as águas e as protege de contaminação. Pelos atuais estudos, o Aqüífero Guarani tem armazenados 45 trilhões de metros cúbicos de água, dos quais 160 bilhões são extraídos por ano para diversos fins. No momento, ainda é pouco usado para esse fim, embora haja poços artesianos que captem suas águas. Em pontos nos quais chega mais perto da superfície, já está sofrendo ameaças de contaminação
LIQUIDO PRECIOSO
A poluição e o mau uso de mananciais ampliam a escassez hídrica e fazem do acesso à água potável um foco de tensão em diversas partes do globo.
O corpo humano é composto de mais de dois terços de água. Para manter a saúde, precisamos bebê-la várias vezes ao dia. É condição básica para a existência da vida; faz parte da rotina de todos. Com ela, escovamos os dentes, tomamos banho, lavamos roupa e louça e ainda geramos energia elétrica, produzimos alimentos, movemos indústrias, transportamos mercadorias e aproveitamos o lazer. O planeta, fornecedor dessa fonte vital, também precisa dela para manter-se saudável – e garantir o equilíbrio do clima e dos ambientes naturais. Não é por acaso que a água simboliza a vida. O problema é que se torna um bem cada vez mais escasso. Mais que isso. Disputada como um tesouro raro e precioso, ela pode se transformar em motivo de violência e guerra, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Hoje, calcula-se que 2,2 bilhões de habitantes, quase um terço da humanidade, sofre com a falta de água potável. Em 20 anos, serão 3,9 bilhões com sede.
Estima-se que a principal disputa no planeta nos próximos 50 anos não será por petróleo, ouro ou carvão – mas por água. O alerta consta do relatório divulgado pela ONU no Dia Mundial da Água. Dentro de um cenário de crise, aumenta a briga pela posse e pelo uso desse recurso. A questão preocupa, porque a desigualdade e a escassez tendem a aumentar os conflitos. Além de atritos entre grupos rivais em um mesmo país, há embates diplomáticos entre nações e outras desavenças que podem culminar nas próximas décadas em confrontos armados pelo controle de mananciais. O relatório identifica 46 países nos quais há risco de essa crise provocar brigas. O perigo é maior entre nações que vivem escassez e compartilham o uso de rios e lagos. Existem no planeta263 bacias hidrográficas transnacionais, abrangendo 145 países. Mais de 40%da população mundial habita essas áreas, como o mar Cáspio e o mar de Aral, na Ásia; o lago Chade e o lago Vitória, na África, e os Grandes Lagos da América do Norte.
Em alguns casos, as fontes são disputadas litro a litro, como no Oriente Médio, onde dominar a água é estopim de guerras desde a Antiguidade. Israelenses e palestinos lideram as disputas. Sob o solo do deserto, estão os lençóis da Cisjordânia. Até 1967, os palestinos usavam essa água à vontade, mas a ocupação israelense, após a Guerra dos Seis Dias, acabou com isso. Os poços são controlados por militares israelenses. E qualquer acordo de paz para a Faixa de Gaza exigirá um capítulo especial para a água.
CRESCE A BRIGA
Israelenses e palestinos, por sua vez, confrontam a Síria e a Jordânia pelo controle do vale do rio Jordão, a principal fonte de água da região. Exaurido pela mineração, pela irrigação e até pela manutenção de campos de golfe no deserto, o Jordão está minguando. Apenas um terço do volume original chega ao mar Morto, que pode sumir até 2050 e se resume a um lago sem vida, seis vezes mais salgado que o oceano. Não muito longe dali, a Síria briga com a Turquia e o Iraque pelo uso da bacia que envolve os rios Tigre e Eufrates.
O MUNDO COM SEDE
A Água do planeta pode acabar?
A natureza pode ser irônica quando responde às agressões causadas pelo homem. Exemplo disso é a relação da humanidade com a água, o líquido mais abundante da Terra. Tratamos tão mal nosso planeta que acabamos nos colocando numa realidade catastrófica, de dupla face: ao mesmo tempo que corremos o risco de afogar nossas cidades sob a água salgada do mar, padecemos da falta de água doce.
De um lado, está o aquecimento global, com o conseqüente derretimento das geleiras e a elevação do nível dos mares, que ameaça desalojar bilhões de habitantes das zonas litorâneas. De outro, há o esgotamento das reservas de água potável do planeta. Em outras palavras, estamos chegando à mesma situação extrema de um náufrago, que se vê com água por todos os lados, mas sem nenhuma gota para beber.
Relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU) repetem o diagnóstico cada vez mais alarmante: mais de 1 bilhão de pessoas – o equivalente a 18% da população mundial – não têm acesso a uma quantidade mínima aceitável de água potável, ou seja, água segura para uso humano. Se nada mudar no padrão de consumo, dois terços da população do planeta em 2025 – 5,5 bilhões de pessoas – poderão não ter acesso à água limpa. E, em 2050, apenas um quarto da humanidade vai dispor de água para satisfazer suas necessidades básicas.
A escassez de água não ameaça apenas com a sede. Traz a morte na forma de doenças. Segundo a ONU, 1,7 bilhão de pessoas não têm acesso a sistemas de saneamento básico e 2,2 milhões morrem a cada ano em todo o mundo por consumir água contaminada e contrair
doenças como diarréia e malária.
A água potável é um bem raro por natureza. Quase 97,5% da água que cobre a superfície da Terra é salgada. Dos restantes 2,5%, dois terços estão em estado sólido, nas geleiras e calotas polares – de difícil aproveitamento. A maior parte da água em estado líquido encontra-se no subterrâneo. Lagos, rios e lençóis freáticos menos profundos são apenas 0,26% de toda a água potável.
É dessa pequena fração que toda a humanidade (e boa parte da flora e fauna) depende para sobreviver. É claro que, a princípio, fontes não deveriam esgotar-se, com o ciclo da água garantindo a permanente renovação do volume de rios, lagos e lençóis freáticos por meio das chuvas, originadas pela evaporação dos mares. A água está em eterna reciclagem, há bilhões de anos. A questão é o descompasso entre o tempo necessário para essa renovação e o ritmo em que exploramos os recursos hídricos.
DESEQUILÍBRIO
O primeiro problema é o desequilíbrio na distribuição – um desequilíbrio que começa pela geografia física e segue pela economia. Alguns países têm muito mais água do que sua população necessita. É o caso do Canadá, da Islândia e do Brasil. Outros são situados em regiões extremamente secas, como o norte da África, o Oriente Médio e o norte da China.
Como resultado dessa má distribuição, um canadense pode gastar até 600 litros de água por dia, enquanto um africano dispõe de menos de 30 litros para beber, cozinhar, fazer a higiene, limpar a casa, irrigar a plantação e sustentar os rebanhos.
As populações que habitam as áreas mais áridas da Terra vivem o que se chama “estresse hídrico”, uma reunião de fatores ambientais, como falta de chuvas, e socioeconômicos, como crescimento demográfico alto, que resulta em gente demais para água de menos.