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sábado, dezembro 21, 2024

Dificuldades de Aprendizagem e a Influencia Familiar

Este artigo foi elaborado a partir do estudo de um caso clinico e aborda como as atitudes familiares podem influenciar o desenvolvimento da aprendizagem. A escolha deste assunto foi feita com base em um estudo de caso clínico em psicope-dagogia. O estudo de caso foi realizado com uma criança encaminhada, através da escola, para atendimento psicopedagógico em uma clinica. Após a análise (avaliação psicopedagógica), pôde-se perceber o quanto as atitudes familiares podem estar envolvidas no comprometimento do desejo de aprender. O problema de aprendiza-gem era o sintoma apresentado pela criança. Nesse sentido, o artigo propõe reflexões sobre tais atitudes e sobre a aprendizagem como sintoma.



1. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa refere-se a influencia da família no processo de ensino-aprendizagem do sujeito, de que forma este contexto pode colaborar para o desen-volvimento global no contexto acadêmico ou até onde pode ser prejudicial.

As dificuldades de Aprendizagem ainda é um assunto envolto em inú-meros pardigmas no âmbito escolar. Atuando na área de educação, resolvemos pesquisar e nos aprofundar no assunto. A partir destes conceitos buscamos explanar a importância do trabalho especializado da psicopedagogia para o auxilio no desenvolvimento da aprendizagem do aluno com dificuldades de apren-dizagem e a influencia da família neste processo.

A aprendizagem depende basicamente da motivação. Muitas vezes o que se chama de dificuldade de aprendizagem é basicamente “dificuldade de ensino”. Sabe-se que cada indivíduo tem seu modo peculiar de aprender, conforme seu canal perceptivo preferencial. (Matos)

Silva (2006) reforça que a aprendizagem é considerada um processo natu-ral, que resulta de uma complexa atividade mental, na qual o pensamento, a per-cepção, as emoções, a memória, a motricidade e os conhecimentos prévios estão envolvidos e onde a criança deva “sentir o prazer” em aprender.

A terminologia “dificuldade de aprendizagem” começou a ser usado na dé-cada de 60 e ate hoje, na maioria das vezes, e confundido por pais e educadores como uma simples desatenção em sala de aula. Mas a dificuldade de apren-dizagem refere-se a um distúrbio que pode ser gerado por uma serie de problemas “cognitivos, orgânicos ou emocionais”, podendo afetar qualquer área da aprendizagem. (Neto, 2009)

O campo de dificuldades de aprendizagem agrupa efetivamente uma desorganizada variedade de conceitos, critérios, teorias, modelos e hipóteses, desig-nando assim um fenômeno extremamente complexo. Historicamente já foi concebido que as dificuldades de aprendizagem incluem atividades acadêmicas e não acadêmicas. As acadêmicas englobariam as dificuldades de leitura, soletração, matemática e escrita; e as não acadêmicas incluiriam problemas viso-motores, no processamento fonológico, na linguagem, na memória e também problemas perceptivos. (Silva, 2008)

Já segundo Smith e Strick (2001, p.14) “Dificuldades de Aprendizagem são problemas neurológicos que afetam a capacidade do cérebro para entender, recor-dar ou comunicar informações”.

Considerando-se os dois principais manuais internacionais de diagnóstico,as dificuldade de aprendizagem são assim definidos:

1. CID – 10: organizado pela Organização Mundial de Saúde – OMS/1992

…”grupos de transtornos manifestados por comprometimentos específicos e signifi-cativos no aprendizado de habilidades escolares. Estes comprometimentos no a-prendizado não são resultados diretos de outros transtornos (tais como retardo mental, déficits neurológicos grosseiros, problemas visuais ou auditivos não corri-gidos ou perturbações emocionais) embora eles possam ocorrer simultaneamente em tais condições”… (1993: 237)

2. DSM – IV: organizado pela Associação Psiquiátrica Americana/1995

“Os transtornos de aprendizagem são diagnosticados quando os resultados do in-divíduo em testes padronizados e individualmente administrados de leitura, ma-temática ou expressão escrita estão substancialmente abaixo do esperado para sua idade, escolarização ou nível de inteligência… Os transtornos de aprendizagem po-dem persistir até a idade adulta” (1995: 46)

Ambos os manuais consideram, basicamente, três tipos de transtornos, quais sejam, da leitura (dislexia), da escrita (disgrafia e disortografia) e das habilidades matemáticas (discalculia). Também referem que, em qualquer dos casos, deve haver os seguintes requisitos para o diagnóstico de transtorno:

– Ausência de comprometimento intelectual, neurológico evidente ou sensorial
– Adequadas condições de escolarização
– Início situado obrigatoriamente na primeira ou segunda infância

Contudo vimos que tratar sobre o desenvolvimento do sujeito e, consequente-mente, da construção de sua aprendizagem, implica conhecer a história vital, familiar e escolar. Implica, também, se apropriar das condições que foram propor-cionadas para a evolução dos conhecimentos e, mais ainda, do quanto é significativo o aprender para o sujeito.

1.1. A INFLUÊNCIA FAMILIAR

A aprendizagem humana envolve uma árdua relação sujeito-objeto. O sujei-to nasce com um ser biológico e logo se constitui com um ser psicológico. As evoluções normais das ações cognitivas dependem das condições externas, mais especificamente das relações entre a criança e sua família. (FONSECA, 1999)

Pilletti (1984) considera, como diversos outros autores, que as primeiras ex-periências educacionais das crianças , geralmente são proporcionadas pela família. (apud FONSECA, 1999) Para o autor através das influencias familiares, vai-se paula-tinamente moldando seu comportamento. Os pais fazem na maioria das vezes de modo inconsciente.

De acordo com Içami Tiba psiquiatra e psicodramatista que escreveu sobre a importância da educação familiar

A maior segurança para os navios pode estar no porto, mas eles foram construídos pra singrar os mares. Por maior segurança, sentimento de preservação e de manutenção que possam sentir junto aos pais, os filhos nasceram para singrar os mares da vi-da, onde vão encontrar aventuras e riscos, terras, culturas e pessoas diferentes. Para lá levarão seus conhecimentos e de lá trarão novidades e outros costumes, ou, se gostarem dali, poderão permanecer, porque levam dentro de si um pouco dos pais e de seu país. (2002:23)

A educação familiar é um fator bastante importante na formação da perso-nalidade da criança, desenvolvendo sua criticidade, ética e cidadania refletindo di-retamente no processo escolar (LOPES & VIVALDO, 2007)

Com base no referencial teórico, iremos relatar um caso clínico que com-prova o quanto a família pode influenciar na vida escolar positivamente ou negati-vamente.

2. OBJETIVOS

Analisar e discutir a influencia da família no processo de ensino e aprendizagem do sujeito através de um caso clinico psicopedagógico.

3. MÉTODOS

Abaixo estará o relato do caso clinico de uma criança em idade escolar que apresentou dificuldades de aprendizagem e foi encaminhado à clinica psico-pedagógica, por motivos de preservação e segurança, iremos chamá-lo pela abre-viação “F.C.”

F.C. é uma criança com facilidade de fazer amizades e se comunicar, estatura baixa, franzino. O desejo da mãe, de que continue sendo seu bebê, é explicitado em diversos momentos da entrevista. Dentre eles: é ainda dormir na cama com os pais; a mãe incentivou a parar de tomar mamadeira, mas depois tentou fazer com que ele tomasse novamente; ela leva e busca na escola que é bem próxima da sua casa; ele tem muitos medos (escuro, doença, temporal, etc.) e muitos deles só aparecem na presença da mãe. Com base na construção da hipótese diagnóstica, que se refere ao fato da mãe desejar que ele não cresça e este, ocupar esse “papel” de bebê, inclusive fisicamente (organicamente). Pode-se, perceber que apesar de estar alfabetizado, ele apresenta dificuldades de apren-dizagem quanto ao fato de expandir seus conhecimentos e consequentemente expandir-se como sujeito.

Pois, aprender e conhecer para pode representar entender seu papel na relação de seus pais, desapontar a sua mãe, reconhecer o seu desejo em contrapartida ao desejo da mãe. Esse revelar-se através do saber, pode significar sofrimento para, que por isso se nega a mostrar o que sabe.

Foi inicialmente feito uma entrevista com a mãe, para uma possível sondagem sobre a vida acadêmica e o desenvolvimento de F.C. desde o PIU (perío-do intra-uterino). Com questionamentos sobre alimentação, comportamento, relação com outras crianças e vida escolar.

Foram aplicados em F.C. testes psicopedagógicos através de desenhos, lei-tura, escrita, jogos e decodificações de símbolos. Estes testes comprovaram a capa-cidade de F.C. com a aprendizagem e interação com o meio, relatando que sua difi-culdade de aprendizagem era uma influencia afetiva da mãe.

Quanto ao uso de testes de acordo com BOSSA (1994) Alguns testes utiliza-dos são de uso exclusivo de psicólogos, como as Provas de Inteligência (Wisc),Testes Projetivos, Avaliação perceptomotora (Teste Bender), Teste de Aper-cepção Infantil (CAT.), Teste de Apercepção Temática(TAT.). Vale ressaltar que es-tes testes foram aplicados de forma multidisciplinar juntamente ao profissional da área para obter resultados mais precisos.

Foi utilizado também a avaliação assistida ou avaliação dinâmica, está fun-damentada na teoria sócio-construtivista proposta por VYGOTSKY, a qual aborda a “aprendizagem mediada e a zona de desenvolvimento proximal”.

O atendimento de F.C. ocorreu durante nove sessões, sendo a ultima sessão tendo a participação da mãe para a amostra do diagnóstico da criança.

Através das informações obtidas, observou-se uma dificuldade de aprendi-zagem sintoma, que tem por base a existência de um contrato de sobrevivência en-tre a criança e sua mãe. A questão norteadora para a compreensão das dificuldades da lecto-escrita apresentadas, está diretamente vinculada ao desejo que a mãe pos-sui de que ele não cresça. Portanto, o menino, tem todas as possibilidades de aprender, mas não pode mostrar o que sabe para não romper com o contrato de sobrevivência existente na família.

Sugestões para o auxilio da família no desenvolvimento de F.C. segundo a Psicopedagoga responsável pelo caso:

– Oportunizar através do lúdico, que F.C. desempenhe papéis (jogo simbóli-co) condizentes com a sua idade, e até, por vezes, papéis adultos. Favorecendo a aquisição da sua independência;
– Estabelecer que tenha seu espaço determinado na sua casa, dormindo sozi-nho, cumprindo tarefas, participando das decisões e conversas familiares. Para que, desta maneira ele desenvolva responsabilidades, percebendo a sua importância e, conseqüentemente o seu lugar;
– Autorizá-lo a realizar atividades que valorizem seu crescimento. Ex.: vo-cê pode ir e voltar sozinho da escola, pois você já é “grande” o bastante; você pode “dormir” sozinho, porque nada de mal lhe acontecerá; você pode acender o fogão, porque você vai cuidar; etc. Conversar sobre os medos e as questões que lhe afligem;
– Possibilitar momentos de expressão da linguagem oral e escrita, contextuali-zados pelo desejo, por exemplo, jogos de videogame, que, por serem momentos de prazer, facilitariam que ele revelasse seus saberes.

Com base na entrevista e provas projetivas realizadas, conclui de que há um contrato de sobrevivência entre F.C. e sua mãe. Neste contrato F.C. deve manter-se no seu papel de bebezinho da mãe, que admite não desejar que seu fi-lho cresça, sendo esta, a causa dos sintomas apresentados pela criança. Esta família também apresenta segredos, começando pela omissão da mãe sobre a gravidez, sendo que o pai foi informado por terceiros.

O fato de ele ter descoberto apenas aos 9 anos que seu irmão não é filho de seu pai também denota que o segredo é presente nesta família, pois esta in-formação lhe foi omitida por muitos anos, o que pode criar em seu imaginário a fantasia de que, já que o irmão não é filho deste pai, talvez ele também não o se-ja.

Em seu desenho faz um rosto e apaga, ficando a marca no papel, nos revelando a possibilidade de haver mais um segredo, que talvez ainda não tenha sido revelado.

Mesmo já estando alfabetizado, ainda apresenta dificuldades de lecto-escrita, onde quando escreve se esquece de letras no meio das palavras, e quando lê omite algumas letras, como o “r”. Em alguns momentos em seu caderno, que tivemos a oportunidade de ver, ele escreve algumas palavras pela metade, não fazendo isto no texto que produziu sobre a história que propomos.

Tendo observado o desenho da família, concluí que ele apresenta o dese-jo de se libertar do papel que lhe é imposto pela sua família, pois em seu desenho faz um quarto para ele e o irmão separado do quarto dos pais, onde a cama de seu irmão fica entre a sua cama e o quarto que desenhou para seus pais. No mesmo desenho observei que se coloca distante do pai, e põe seu irmão entre ele e sua mãe. Isto contradiz a fala da mãe, que em dado momento da entrevista nos informa que muitas vezes quando ela o leva a escola é ele quem pega na sua mão para andar na rua. Acredito que para que ocorra o crescimento, e conseqüentemente a aprendizagem de uma forma saudável, se faz necessário libertar da proteção da mãe.

O casamento dos pais se apóia na vida dele, foi a gestação dele que uniu es-te casal, os mantendo juntos até hoje. Uma mudança no papel que F.C. ocupa significaria a desestruturação de todo este movimento familiar, mexendo não só com ele, mas com as posições tomadas por todos, principalmente a da mãe.

Considerando o que foi exposto a aprendizagem da criança é um processo no qual deve acontecer de formal motivante. Mussen confirma que (1970) a aprendi-zagem ocorrerá de maneira mais satisfatória se houver uma motivação (necessidade ou desejo de aprendê-la).

José & Coelho (1999) também consideram como desencadeantes dos distúr-bios de aprendizagem, o tipo de educação familiar e fatores psicológicos (inibição, ansiedade, angústia, inadequação à realidade, sentimento generalizado de rejeição, etc.)

Dessa forma confirma-se a ideia de Lopes e Vivaldo citado acima, o qual diz que a educação familiar é um fator bastante importante na formação da personalidade da criança, desenvolvendo sua criticidade, ética e cidadania refletindo diretamente no “processo escolar”.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pudemos observar que a influencia familiar pode causar grandes impactos na vida acadêmica e no desenvolvimento global de uma criança, causando assim possíveis dificuldade de aprendizagem

O fator família é de suma importância para o bom rendimento escolar, se-gundo o referencial teórico exposto nesta pesquisa esse fator pode atuar como principal motivador para o sucesso escolar, do contrário, a má influencia familiar pode ser a grande causadora das repetências, desinteresse e das dificuldades na aprendizagem.

Conseqüentemente ao exposto, fica clara a necessidade do apoio familiar, da presença dos pais na vida acadêmica de seus filhos, da aproximação e do papel de motivadores que devem exercer.



REFERÊNCIAS

BOSSA, N. AP. A PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL: CONTRIBUIÇÕES A PARTIR DA PRÁTICA. PORTO ALEGRE: ARTES MÉDICAS, 1994.

FONSECA, N.G. A INFLUENCIA DA FAMILIA NA APRENDIZAGEM DA CRIANÇA. CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONALDIOLOGIA CLÍNICA E LINGUAGEM. SÃO PAULO, 1999]

JOSÉ, E. da A.; COELHO, M.T. Problemas de Aprendizagem. São Paulo, Áti-ca,1999, 9-25p

LOPES, A; VIVALDO, L. A influencia da Família no rendimento escolar do indivi-duo. Revista virtual Partes. Disponível em: http://www.partes.com.br/educacao/familiaerendimento.asp . Acesso em: 01 dez. 2009

MATOS, L. Dificuldades de aprendizagem. Disponivel em: http://www.albertomatos.net/psico.php?id=46 Acesso em: 01 dez. 2009

MUSSEN, P.H. O desenvolvimento psicológico da criança, 5ª edição. Rio de Janei-ro, 1970, 54-131p

NETO, A. N. Dificuldades de Aprendizagem. Disponível em: http://dificuldadesdeaprendizagem.com/dificuldades_difi.html# Acesso em: 01 dez. 2009

PILETTI, N. Psicologia educacional. São Paulo, Ática, 1984, 273-87p

SILVA V.F. Problemas de Aprendizagem: possíveis intervenções psicopedagógicas. Disponível em: http://www.psicopedagogia.com.br/artigos/artigo.asp?entrID=882 acesso em: 01 dez. 2009

SILVA, N.M.D. Dificuldades de Aprendizagem. Disponível em: http://www.colegiosantamaria.com.br/santamaria/aprenda-mais/artigos/ver.asp?artigo_id=1. Acesso em: 01 dez. 2009

SMITH, C.; STRICK, L. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM DE A A Z. TRAD. DAYSE BAPTISTA. PORTO ALEGRE, ARTMED, 2001. 332P.

TIBA, IÇAMI. DISCIPLINA, LIMITE NA MEDIDA CERTA. 41ª ED. SÃO PAULO: GENTE, 1996. 240P.

TIBA, IÇAMI. DISCIPLINA, LIMITE NA MEDIDA CERTA. 41ª ED. SÃO PAULO: GENTE, 1996. 240P.

____________. Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID – 10: Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Mé-dicas, 1993.

____________. DSM – IV – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

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