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segunda-feira, dezembro 2, 2024

DIREITO TRIBUTARIO

TEMA:
A Fazenda Municipal pode cobrar de apontador de jogo do bicho o ISS devido pelo exercício de atividade de prestação de serviço?
A Secretaria da Receita Federal pode cobrar Imposto de Renda pelos rendimentos recebidos por esse mesmo apontador?

Conta a História que, na Roma Antiga, tendo o Imperador Vespasiano instituído um tributo sobre os mictórios públicos (cloacas), logo foi sugerida, por seu filho Tito, a extinção da nova exação, em decorrência de sua origem espúria. Convicto, indagou Vespasiano, empunhando uma moeda: Olet? (Tem cheiro?). Ao que lhe respondeu o filho: Non olet! (Não tem cheiro!), ficando assim demonstrado que a receita advinda da tributação não é acompanhada das características do fato tributado.

O Direito é marcado por polêmicas discussões e opiniões divergentes, e é isso que o torna tão interessante. O tema tributação dos atos ilícitos não poderia ser diferente. Serão citadas as opiniões de alguns autores acerca do tema.

Alfredo Augusto Becker ressalta a dicotomia do problema da tributação dos atos ilícitos. Para esse memorável doutrinador, há dois momentos distintos de análise da questão. O primeiro momento seria a lei, cabendo a aferição da possibilidade ou não de ser a ilicitude um dos elementos integrantes da hipótese de incidência. O segundo momento seria o lançamento, devendo-se analisar se pode ser lançado tributo (cuja hipótese de incidência é lícita), mesmo havendo ilicitude constatada quando do exame da realização da hipótese de incidência.

Quanto ao primeiro momento, conclui Becker que a licitude é um dos elementos essenciais do conceito de tributo, não podendo, pois, haver hipótese de incidência abarcando em si fato ilícito. Para justificar brilhantemente essa posição, Becker se embasa na distinção de natureza jurídica da sanção e do tributo extrafiscal. A escolha por Becker do tributo extrafiscal foi proposital, vez que tanto nele quanto na sanção coexistem os finalismos fiscal e extrafiscal. Não teria sentido lógico o autor sob comento utilizar como comparação à sanção o tributo puramente fiscal, pois clara está a distinção entre essas duas figuras. Daí a utilização do tributo extrafiscal, pois é ele que fundamentará a impossibilidade de ser a ilicitude passível de figurar na hipótese de incidência do tributo.

O referido autor define sanção como o dever preestabelecido por uma regra jurídica que o Estado utiliza como instrumento jurídico para impedir ou desestimular, diretamente, um ato ou fato que a ordem jurídica proíbe. Já tributo extrafiscal proibitivo seria o dever preestabelecido por uma regra jurídica que o Estado utiliza como instrumento jurídico para impedir ou desestimular, indiretamente, um ato ou fato que a ordem jurídica permite. O ilícito, como elemento integrante da hipótese de incidência, é o único elemento que distingue, no plano jurídico, a sanção do tributo extrafiscal proibitivo.

Disso infere-se que se fosse possível a tributação de atos ilícitos, esvaziada de sentido ficaria a sanção.

Quanto ao segundo momento, que se refere à abstração do ilícito na fase do lançamento, Becker formula algumas hipóteses.

Em sua visão, é possível a abstração da ilicitude por ocasião do lançamento quando a hipótese de incidência tem como elemento integrante fato econômico ou ato humano, considerados em sua realidade fática, como por exemplo o exercício de profissão. Dessa sorte, alguém que se passa por médico pagará ISS (imposto sobre serviços) ainda que esteja exercendo ilegalmente a medicina. É também possível a abstração da ilicitude quando a hipótese de incidência tem como elemento integrante um efeito jurídico de um fato jurídico, porém a ilicitude deste fato não impede a irradiação do efeito jurídico. Nesse caso, Becker exemplifica com a morte por suicídio, informando que essa não impede a irradiação do efeito jurídico consistente na transmissão da propriedade para os herdeiros do suicida.

Diferentemente, não poderá haver abstração do ilícito na fase do lançamento quando a hipótese de incidência tem como elemento integrante um fato jurídico e este ocorre, porém ilícito. Para ele, a ocorrência ilícita de um fato jurídico não realiza a hipótese de incidência tributária que esteja integrada com aquele fato jurídico, porque a regra jurídica tributária quando escolhe para composição de sua hipótese de incidência, um fato jurídico, refere-se implicitamente a fato jurídico licito.

O ilustre Professor Sacha Calmon Navarro Coelho compartilha da posição de Becker ao afirmar que o fato gerador dos tributos é sempre um fato lícito. Além disso, assevera que são tributáveis os fatos lícitos embora realizados ilicitamente e que não podem ser tributados os fatos ilícitos, como por exemplo o rufianismo e o jogo do bicho.

Misabel Machado Derzi sustenta a intributabilidade dos bens, valores e direitos oriundos de atividades ilícitas. Entende a renomada autora que as leis já prevêem o destino dos bens de origem criminosa, tal como é o caso da Lei 9.613/98 (lavagem de dinheiro) que determina como efeito da condenação a perda dos bens, direitos e valores objeto do crime. Assim sendo, admite-se a tributação de receita de origem lícita, porem nunca comprovadamente criminosa.

Alguns autores clássicos admitem a tributação de atos ilícitos, tais como Griziotti, Giannini, Jarach, e, no nosso país, Rubens Gomes de Sousa e Amílcar de Araújo Falcão. Até mesmo o brilhante Aliomar Baleeiro segue esse entendimento.

Segundo o último autor citado, deve se admitir a tributação de tais atividades eticamente condenáveis e condenadas. O que importa não é o aspecto moral, mas a capacidade econômica dos que com elas se locupletam. Do ponto de vista moral, parece-lhe pior deixá-las imunes dos tributos, exigidos das atividades lícitas, úteis e eticamente acolhidas.

Alegam, ainda, aqueles que defendem a tributação de atos ilícitos que o Estado estaria pactuando com o crime, que o Estado estaria dando uma vantagem ao criminoso em detrimento dos demais contribuintes se não fossem tributados os atos ilícitos.

Assim, podemos perceber que a doutrina fica dividida acerca da possibilidade da cobrança de impostos cuja origem são atos ilícitos, como o jogo do bicho, listado como contravenção penal no artigo 58 do Decreto-Lei 3.688 de 1941. Vale lembrar que não se considera em momento algum o hipótese de que a cobrança do imposto seria uma forma de punição, já que o artigo 3o do CTN veda isto. A discussão gira acerca apenas da possibilidade ou não da cobrança.

Para ilustrar a questão reporta-se às palavras de Luiz Emygdio Franco da Rosa Júnior, Manual de Direito Financeiro & Direito Tributário, 16ª ed., Renovar, 2002, pág. 490:
“Ademais, o fato de o Estado cobrar imposto de renda da pessoa que aufira rendimentos da exploração do jogo do bicho, ou de uma casa de prostituição, não tem o condão de legitimar tais atividades. Isso porque o CTN, em seu artigo 3º, prescreve que a prestação tributária não constitui sanção (legalização, validação) de ato ilícito.”

Considerando-se os argumentos dos doutrinadores que admitem a tributação de atos ilícitos temos a resposta que segue.

Acerca do ISS, o fato gerador dessa obrigação tributária é, segundo o artigo 1o da Lei Complementar 116 de 2003, a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador. Nada é falado acerca dos serviços prestados por apontadores de jogo do bicho na lista anexa, principalmente em seu item 12, que trata de serviços de diversões, lazer, entretenimento e congêneres. Assim, não é possível a Fazenda Municipal cobrar o ISS devido pelo exercício de atividade de prestação de serviço de apontador de jogo do bicho.

Acerca do Imposto de renda, é possível verificar pelo artigo 1o da lei 7.713 de 1988 que seu fato gerador é a percepção de rendimentos e ganhos de capital. O Parágrafo 1o, do artigo 3o desta mesma lei chega a mencionar proventos de qualquer natureza. Assim, independentemente da origem do rendimento, ele deve ser tributado.

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