Para explicar o surgimento do determinismo precisamos entender o contexto histórico da Alemanha, pois a situação do país influência nas propostas do determinismo.
A Alemanha, no final o século XVIII e início do século XIX, era um aglomerado de feudos onde a única ligação entre eles era a partir de alguns traços culturais. Dessa forma a Alemanha não conhece uma monarquia absolutista ou qualquer tipo de governo centralizado e também não ocorre uma revolução democrático-burguesa como em alguns países europeus, pois a burguesia alemã se desenvolve a sombra do Estado, sendo este comandado pela aristocracia agrária. Com isso houve uma penetração tardia das relações capitalistas, mas sem acabar com o sistema feudalista, pois alguns aspectos continuaram como a aristocracia agrária.
A Confederação Germânica foi o primeiro passo para a unificação, mas o poder ainda estava disperso por dominações locais, sem a existência de um governo central; a Prússia e a Áustria disputavam à hegemonia dentro da Confederação, houve uma guerra entre os dois reinos em que a Prússia saiu vencedora e assim podia imprimir as suas características na nova nação e sua principal característica é a organização militar da sociedade e do Estado.
Através de uma política cultural nacionalista e uma política exterior agressiva e expansionista, inúmeras guerras de conquista são empreendidas por Bismarck, o primeiro ministro da Prússia e do Império Alemão. A unificação tardia da Alemanha não impediu o seu desenvolvimento interno, mas esta ficou de fora da partilha dos territórios coloniais, por isso uma política expansionista com o objetivo de anexar novos territórios.
Friedrich Ratzel e a Escola Geográfica Alemã
Foi nesse contexto que encontraremos o autor mais importante para o determinismo alemão: Friedrich Ratzel, este vivencia a constituição real do Estado nacional e suas primeiras décadas, por isso a sua geografia expressa diretamente um elogio ao imperialismo e expansionismo bismarckiano. “Semelhante à luta pela vida, cuja finalidade básica é obter espaço, as lutas dos povos são quase sempre pelo mesmo objetivo. Na história moderna a recompensa da vitória foi sempre um proveito territorial.” (MORAES, 1988, p.55).
Em 1882 Ratzel publica seu livro Antropogeografia – Fundamentos da aplicação da Geografia à História, nesta obra Ratzel define o objeto da geografia como o estudo da influência que as condições naturais exercem sobre a humanidade (influências da natureza sobre o homem); Ratzel viajou pela Europa, América do Norte e Central observando a migração, a concentração populacional em determinadas áreas da Terra e chegou a esta conclusão: que o homem vivia sujeito às leis da natureza.
Assim podemos perceber que Ratzel foi bastante influenciado pelas idéias evolucionistas de Charles Darwin, admitindo que na luta pela vida venceriam sempre os mais fortes, mais aptos: “Ratzel via o homem como produto final de uma evolução cuja principal forma era a seleção natural dos tipos, na conformidade da capacidade de se ajustarem ao meio natural. Ele tendia a ver o homem como produto de seu meio, moldado por ele, vencendo na proporção de sua adaptação a esse meio.” (SODRÉ, 1986, p.49).
Às influências serão exercidas através das condições econômicas e sociais, desta forma Ratzel elaborava o conceito de espaço vital que representa uma proporção de equilíbrio entre a população de uma determinada sociedade e os recursos disponíveis para suprir as necessidades; o espaço vital é uma justificativa para o expansionismo alemão como algo natural e inevitável numa sociedade que progride. Essas idéias eram comprometias com o capitalismo da livre-empresa e da concorrência, assim “o homem é produto do meio”.
Ratzel, com a sua geografia, manteve a idéia desta como ciência empírica e com a sua visão naturalista reduziu o homem a um animal ao não diferenciar as suas qualidades especificas.
“Os discípulos de Ratzel radicalizaram suas colocações, constituindo o que se denomina ‘escola determinista’ e Geografia, ou doutrina do ‘determinismo geográfico’.” (MORAES, 1988, p.57)
O autor Elsworth Huntington, influenciado por Ratzel, concebe uma teoria o determinismo invertido em que as condições mais hostis seriam as que propiciariam o maior desenvolvimento, assim surgem teses bastante divulgadas no ideário do pensamento conservador. “Basta pensar nas interpretações da história brasileira, que lançaram mão teorias como a ‘indolência do homem tropical’, ou o ‘subdesenvolvimento, como fruto da tropicalidade’ (e a inevitável comparação com o desenvolvimento dos EUA, também colônia, mas em clima temperado).” (MORAES, 1988, p.58)
Houve outra perspectiva a partir das formulações de Ratzel chamada escola “ambientalista” que estuda o homem em relação aos elementos do meio em que ele se insere.
Podemos perceber que sem Ratzel não poderíamos falar sobre a Escola Geográfica Alemã, pois este foi o fundador desta.
Contexto Histórico Francês
A França unifica-se precocemente e utilizam a monarquia absolutista como centralização do poder; a Revolução Francesa em 1789 acaba definitivamente com o poder dos senhores feudais e fortifica a ascensão da burguesia, a qual se solidifica no poder e tem uma ação nacional, neste processo o pensamento burguês gerou propostas progressistas, instituindo uma tradição liberal no país.
Quando Luís Bonaparte, sobrinho de Napoleão Bonaparte ascendeu ao poder exercia uma política imperialista estabelecendo colônias francesas na Ásia e na África e pretendia transformar a França na primeira potência do continente europeu, graças a esse imperialismo; na metade do século XIX, a França e a Alemanha disputaram o controle do continente europeu culminando na guerra franco-prussiana (prussiana, porque a Alemanha ainda era a Prússia), a Alemanha sai vitoriosa e a França perde os territórios de Alsácia e Lorena, vitais para sua industrialização, pois é uma região rica em ferro e que agora ajudaria a ascensão da indústria alemã; a derrota francesa ajudou a Alemanha a se unificar.
No plano interno francês a burguesia não estava contente com as vaidades de Napoleão 3° e nem o proletariado que tinha tendências socialistas, mas era oprimido pelo capitalismo selvagem, assim com tanta descontentação do imperador ergue-se a terceira republica. A vitória alemã significou a humilhação da França, nascendo, assim, o ideal de revanchismo contra a Alemanha. Foi nesse período que a Geografia se desenvolveu apoiada pelo Estado francês.
Vidal de La Blache e a Escola Geográfica Francesa
“A guerra havia colocado, para a classe dominante francesa, a necessidade de pensar o espaço, de fazer uma Geografia que deslegitimasse a reflexão geográfica alemã e, ao mesmo tempo, fornecesse fundamentos para o expansionismo francês.” (MORAES, 1988, p.64).
Paul Vidal de La Blache foi o principal veiculo dessas transformações.
Como o desenvolvimento do capitalismo foi diferente na Alemanha e na França, as formas, conteúdos e propostas também foram diferentes. A proposta de Vidal manifesta um tom mais liberal ao contrário de Ratzel que exprimia o autoritarismo, Vidal imprimiu no pensamento geográfico uma despolitização aparente do temário dessa disciplina, temas como o espaço vital foi diretamente criticado, criticando também o caráter naturalista de Ratzel que minimizou elemento humano e também a relação homem e a natureza, assim criticou a idéia de determinação pelas condições naturais.
Vale lembrar que La Blache aumentou a carga humana no estudo geográfico, mas não rompeu totalmente com a visão naturalista, no entanto a geografia precisava ir além das enumerações exaustivas e dos relatos de viagem.
Vidal de La Blache foi quem articulou a Geografia Francesa a partir da produção da sua obra, este definiu o objeto da geografia como sendo a relação homem-natureza, onde o homem, como um ser ativo, sofre a influência do meio, mas também atua sobre ele, transformando-o. Como a natureza passou a ser vista como possibilidades para ação humana, por isso o nome de Possibilismo dado por Lucien Febvre.
“A teoria de Vidal concebia o homem como hóspede antigo de vários pontos da superfície terrestre, que em cada lugar se adaptou ao meio que envolvia, criando, no relacionamento constante e cumulativo com a natureza, um acervo de técnicas, hábitos, usos e costumes, que lhe permitiram utilizar os recursos naturais disponíveis.” (MORAES, 1988, p.68-69).
Como Ratzel com sua teoria de espaço vital, La Blache faz a teoria de gênero da vida, que é um conjunto de técnicas e costumes constituídos e passados socialmente, essa teoria exprimi uma relação entre a população e os recursos, uma situação de equilíbrio, construída historicamente pelas sociedades e esses gêneros de vida podem ser mudados quando: há diminuição dos recursos existentes, isto impulsionaria uma sociedade a migrar ou buscar um aprimoramento tecnológico, outro fator de mudança é o crescimento populacional, isso poderia impulsionar a sociedade na busca de novas técnicas gerando, assim, um processo de colonização.
A proposta de La Blache não rompeu, totalmente, com as propostas de Ratzel, aquele era mais relativista negando a idéia de causalidade e determinação de Ratzel, por isso o enfoque de La Blache era menos generalizador, mas os fundamentos positivistas aproximam as concepções dos dois autores.
“La Blache propôs o seguinte encaminhamento para análise geográfica: observação de campo, indução a partir da paisagem, particularização da área enfocada (em seus traços históricos e naturais), comparação das áreas estudadas e do material levantado, e classificação das áreas e dos gêneros de vida, (…).” (MORAES, 1988, p.72).
A Geografia lablachiana fala de população agrupamento e na sociedade fala de estabelecimentos humanos e não de relações sociais. A partir das suas conclusões, La Blache, sobre a área de atuação da geografia, institui a Região como objeto de estudo da ciência. “Ele buscou estabelecer os princípios básicos em que a Geografia deveria assentar: a unidade dos fenômenos terrestres; a combinação variável desses fenômenos; o laço entre Geografia e todos os fenômenos da superfície da Terra; o reconhecimento da influência do meio e sua relação com o homem; na necessidade de um método cientifico para definir e classificar os fenômenos; e o reconhecimento à importância do papel do homem na modelagem do meio geográfico.” (SODRÉ, 1986, p.87)
Portanto, Vidal de La Blache discute a relação homem-natureza não abordando as relações entre os homens, mantendo, assim, uma carga naturalista na sua teoria, este além de criar a teoria do Possibilismo, fundar a Escola Geográfica Francesa, trouxe para a França o eixo da discussão geográfica que se manteve até o século XX, pois La Blache formou vários discípulos que deram continuação à geografia francesa.
“Um indivíduo geográfico não resulta somente das condições geológicas e climáticas. Não é completamente livre das mãos da natureza, mas é um homem que revela a sua individualidade moldando um território para seu próprio uso. A Geografia tem como missão investigar como as leis físicas ou biológicas que regem o globo se combinam e se modificam ao aplicarem-se às diversas partes da superfície terrestre.
A geografia tem como especial estudar as expressões cambiantes que existem nos diversos lugares (…) O geógrafo deve buscar o encadeamento e a unidade dos elementos que agem sobre a superfície terrestre. A Terra é o domínio do Homem. Mas é preciso que a humanidade conheça o seu domínio para dele desfrutar e para fazer-se valer. A Geografia tem como função ensinar isso.” (Paul Vidal de La Blache, Annales de Géographie, 1913)
Contexto Histórico Norte-Americano
O contexto histórico da época dessa escola geográfica não é tão certo como o das outras escolas, pois Hartshorne começou suas formulações após a Primeira Guerra Mundial, pois como este retomou as teses de Hettner, que publicou a suas obras entres 1890 e 1910. Depois da retomada das teses Hettner essa proposta passou a ser amplamente discutida colaborando no aumento do peso dos EUA na dominação cultural do Ocidente, pois o pensamento geográfico norte-americano, até então, era repetição das teses européias.
Assim, podemos dizer que Hartshorne fez suas propostas e estudos no período entre guerras, publicando uma obra em 1939 (The Nature of Geography) e outro em 1959 (Perspective on the Nature of Geography), que já era um período de Guerra Fria. Mas o importante a ser dito é que, ao contrário das outras escolas geográficas, a Escola Norte-Americana não foi tão influenciada pelo meio como a alemã e a francesa, por isso o contexto histórico não é de tanta relevância como nas outras, mas mesmo assim deve ser lembrado.
Richard Hartshorne e a Escola Geográfica Norte-Americana
Como em todas as outras escolas geográficas, a escola geográfica norte-americana também terá um autor muito importante, Richard Hartshorne, que retomou as teses de Alfred Hettner, um geógrafo alemão que publicou sua obra ainda influenciado pelas criticas francesas as colocações de Ratzel, assim a teoria de Hettner seria um caminho além do Determinismo e Possibilismo, mas suas teses não foram muito divulgadas: “A Geografia enquanto um ‘conhecimento da Terra’ seria uma ciência da Terra [geocêntrica]. Alguns autores, como Gerland, desejam excluir o Homem da Geografia. Outros desejam conhecer as influências exercidas pela natureza sobre o Homem.[Contudo] A definição da Geografia como ciência da Terra não é conseqüente.
A Geografia pode ser definida como conhecimento do espaço terrestre, sendo ao mesmo tempo uma ciência concreta e corológica. Essa distinção entre ciências abstratas e concretas foi estabelecida por A. Comte. E foi Kant quem estabeleceu a distinção entre ciências sistemáticas [como a Física], cronológica [como a História] e corológicas ou espaciais [como a Geografia].
Ela procura compreender a diferenciação local dos elementos naturais e humanos (…) O geógrafo que não se preocupa com o conhecimento das regiões corre o perigo de ficar completamente desprovido de fundamento geográfico. O conhecimento das regiões, mesmo sem a geografia geral continua sendo um conhecimento. Em contrapartida, a geografia geral sem o conhecimento das regiões de maneira nenhuma pode cumprir o papel da Geografia e com freqüência situa-se fora do âmbito desta disciplina.” (Alfred Hettner, 1905).
Os dois autores, Hettner e Hartshorne, são relacionados com a Geografia Racionalista e esta se denomina racionalista porque se utiliza de uma menor carga empírica em relação as anteriores. Hartshorne foi muito importante para Geografia Tradicional e também para a Geografia Norte-americana: “O único autor de peso, surgido nos EUA, era um especialista em Geomorfologia – William Davis. Em termos de uma Geografia Geral, os norte-americanos acompanhavam o pensamento europeu: E. Semple havia introduzido as tese de Ratzel e do Determinismo; I. Brown, as de Beunhes e, com elas, o Possibilismo. Hartshorne introduzira o pensamento de Hettner, porém, ao contrário dos anteriores, desenvolvendo-o e aprimorando-o.” (MORAES, 1988, p.86).
Depois dos anos 30 que a geografia norte-americana se desenvolveu, assim surgindo duas escolas geográficas dentro deste país: a Escola Geográfica Californiana que se aproximou da Antropologia, elaborando uma geografia cultural, destacando o autor Carl Sauer; e a Escola Geográfica do Meio-Oeste que se aproximou da Sociologia Funcionalista e da Economia, propondo estudos como o da organização interna das cidades, o da formação da rede de transportes, entre outros.
Uma das diferenças entre a proposta de Hartshorne e as outras foi este defender a idéia de que as ciências se definiriam por métodos próprios e não por objetos singulares, dessa forma a geografia teria a sua individualidade e autoridade para uma própria análise da realidade. A geografia iria trabalhar o real em sua complexidade, abordando fenômenos variados estudados por outras ciências, para este autor o estudo geográfico não isolaria os elementos e pelo contrário, trabalharia com suas inter-relações.
Hartshorne, ao contrário de outros autores, deixou de procurar o objeto da Geografia, sendo esta entendida como um ponto de vista, esta seria o estudo das inter-relações entre os fenômenos heterogêneos apresentados numa visão sintética e também um estudo da variação das áreas. Hartshorne formulou dois conceitos básicos: o de área e o de integração. “A área seria uma parcela da superfície terrestre, diferenciada pelo observador, que delimita por seu caráter, isto é, a distingue das demais.
(…) Desta forma, a área seria um instrumento de análise (semelhante ao tipo-ideal de Max Weber), ao contrário da região ou território, que eram vistos como realidades objetivas exteriores ao observador. A área seria constituída no processo de investigação. Para Hartshorne, uma área possuiria múltiplos processos integrados, sendo uma fonte inesgotável de inter-relações.” (MORAES, 1988, p.88).
Com isso o autor denominou Geografia Idiográfica, que seria uma análise singular e unitária que levaria a um conhecimento profundo de um determinado local, este também propôs uma segunda forma de estudo a Geografia Nemotética, esta deveria ser generalizadora, apesar de parcial; esta última geografia possibilitou a agilização do estudo regional graças aos interesses do planejamento, afinal abriu perspectivas pata trabalhar com um número bastante elevado de elementos, relacionando-os de acordo com os interesses do plano.
Assim, Hartshorne, articulou a Geografia Geral e a Regional, sendo estas diferentes a partir do seu nível de profundidade nas suas colocações, quanto maior a simplicidade de fenômenos e relações tratados, maior será a possibilidade de generalização e quanto mais profunda a análise efetuada, maior será o conhecimento da singularidade local.
“A Geografia, tal como a História, é essencial para a compreensão total da realidade. Elas se assemelham na medida em que ambas são ciências integradoras e interessadas no estudo do mundo. Existe, portanto, uma relação universal e mútua entre elas, inclusive se suas bases de integração são num certo sentido opostas – a Geografia em função dos espaços terrestres e a História em função dos períodos de tempo -, a interpretação das configurações geográficas atuais requer certo conhecimento do desenvolvimento histórico.
Da mesma maneira, a interpretação dos acontecimentos históricos requer certo conhecimento do seu contexto geográfico (…) A Geografia estuda as diferenciações entre as áreas da superfície terrestre e por conseguinte seleciona os fenômenos a serem considerados em função do seu significado geográfico. Ao estudar a inter-relação entre esses fenômenos [físicos e humanos], a Geografia depende em primeiro lugar da comparação de mapas que representam à expressão regional dos fenômenos individuais, ou dos fenômenos inter-relacionados.” (Richard Hartshorne, A Natureza da Geografia, 1939)
Bibliografia
MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: Pequena História Critica. Editora Hucitec. São Paulo, 1988. 8ª Edição.
SODRÉ, Nelson Werneck. Introdução à Geografia. Geografia e Ideologia. Editora Vozes. Petrópolis, 1986. 5ª Edição.
Sites
19-05-07: www.frigoletto.com.br/Geografos/ratzel.htm
22-05-07: www1.univap.br/~sandra/blache.pdf
02-06-07: www.outrostempos.uema.br/artigo6.doc
02-06-07: www.geocritica.com.br/texto05.htm