1. NOÇOES INTRODUTÓRIAS
Dentro do grande tema da defesa do Estado, a CF/88 estabeleceu dois grupos:
A: instrumentos (medidas excepcionais) para manter ou restabelecer a ordem nos momentos de anormalidades constitucionais, instituindo o sistema constitucional de crises, composto pelo estado de defesa e estado de sítio (legalidade extraordinária);
B: defesa do País ou sociedade, através das Forças Armadas e da segurança pública.
A defesa do Estado pode ser entendida como:
A: defesa do território nacional contra eventuais invasões estrangeiras (arts. 34 A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: II – repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra, e Art. 137. O Presidente da República pode ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de: II – declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.
B: defesa da soberania nacional (Art. 91. O Conselho de Defesa Nacional é órgão de consulta do Presidente da República nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do Estado democrático);
C: defesa da Pátria (Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem).
A defesa das instituições democráticas caracteriza-se como o equilíbrio da ordem constitucional, não havendo preponderância de um grupo sobre outro, mas, em realidade, o equilíbrio entre os grupos de poder. Se a competição entre os grupos sociais extrapola os limites constitucionais, teremos o que a doutrina denomina situação de crise.
Assim, ocorrendo qualquer violação da normalidade constitucional, surge o denominado sistema constitucional das crises, definido por Aricê Amaral Santos como “… o conjunto ordenado de normas constitucionais que, informadas pelos princípios da necessidade e da temporariedade, têm por objeto as situações de crises e por finalidade a mantença ou o restabelecimento da normalidade constitucional”.
Nesse sentido, José Afonso da Silva observa que o sistema constitucional das crises fixa “… normas que visam à estabilização e à defesa da Constituição contra processos violentos de mudança ou perturbação da ordem constitucional, mas também à defesa do Estado quando a situação crítica derive de guerra externa. Então, a legalidade normal é substituída por uma legalidade extraordinária, que define e rege o estado de exceção”.
Portanto, diante das crises, existem mecanismos constitucionais para o restabelecimento da normalidade, quais sejam, a possibilidade de decretação do estado de defesa, do estado de sítio e o papel das Forças Armadas e das forças de segurança pública (Título V da CF/88)
Referidos mecanismos devem, contudo, como apontou Aricê, respeitar o princípio da necessidade, sob pena de configurar arbítrio e verdadeiro golpe de estado, bem como o princípio da temporariedade, sob pena de configurar verdadeira ditadura.
Sistema Constitucional das Crises:
– Necessidade: Arbítrio e Golpe de Estado
– Temporariedade: Ditadura
Essas situações de abuso, arbítrio, golpe, ditadura podem ser verificados no constitucionalismo pátrio, por exemplo, durante o “Estado Novo” de Getúlio Vargas (carta de 1973), no governo da ditadura militar de 1964 até o seu fim com a nova Constituição de 1988 e, durante este período, pela utilização do AI-5, momentos em que se decretou estado de sítio e de guerra sem qualquer observância aos princípios da necessidade e temporariedade.
1.2. ESTADO DE DEFESA
1.2.1. Hipóteses de decretação do estado de defesa
As hipóteses em que se poderá decretar o estado de defesa estão, de forma taxativa, previstas no Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza da CF/88.
1.2.2. Procedimento
Titularidade: o Presidente da República (art. 84, IX, c/c o art. 136), através de decreto, pode, ouvido o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa.
Conselho da República e Defesa Nacional: como órgãos de consulta, são previamente ouvidos, porém suas opiniões não possuem caráter vinculativo, ou seja, o Presidente da República, mesmo diante de um parecer opinando pela desnecessidade de decretação, poderá decretar o estado de defesa.
O decreto que instituir o estado de defesa: deverá determinas: a) o tempo de duração; b) a área a ser abrangida (locais restritos e determinados); c) as medidas coercitivas a vigorar durante a sua vigência.
Tempo de duração: Maximo de 30 dias prorrogado por mais 30 dias, uma única vez.
Medidas coercitivas: a) restrições (não supressão) aos direitos de reunião, sigilo de correspondência, sigilo de comunicação telegráfica e telefonia e restrição à garantia prevista no art. 5º, LXI, ou seja, prisão somente em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judicial competente; b) ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.
Prisão por crimes contra o Estado: como exceção ao art. 5º, LXI, poderá ser determinada pelo executor da medida (não pela autoridade judicial competente). O juiz competente, imediatamente comunicado, poderá relaxá-la. Tal comunicação deverá vir acompanhada do estado físico e mental do detido no momento de sua autuação. Referida ordem de prisão não poderá ser superior a 10 dias, facultando-se ao preso requerer o exame de corpo de delito à autoridade policial.
Incomunicabilidade do preso: é vedada.
1.2.3. Controle exercido sobre a decretação do estado de defesa ou sua prorrogação
Controle político imediato: nos termos do art. 136, §§ 4.º -7º, será realizado pelo Congresso Nacional. Decretado o estado de defesa pelo Presidente da República, após ouvir os Conselhos da República e Defesa Nacional, tal ato será apreciado pelo Congresso Nacional, que decidirá pela maioria absoluta de seus membros. Se o Congresso Nacional estiver em recesso, será convocado, extraordinariamente, no prazo de cinco dias, e deverá apreciar o decreto dentro de 10 dias contados de seu recebimento, devendo continuar funcionando enquanto vigorar o estado de defesa. Se o Congresso rejeitar o decreto, o estado de defesa cessará imediatamente.
Controle político concomitante: nos termos do art. 140, a mesa do Congresso Nacional, ouvidos os líderes partidários, designará Comissão composta de 5 de seus membros para acompanhar e fiscalizar a execução das medidas referentes ao estado de defesa.
Controle político sucessivo (ou a posteriori): nos termos do art. 141, parágrafo único, logo que cesse o estado de defesa, as medidas aplicadas em sua vigência serão relatadas pelo Presidente da República, em mensagem ao Congresso Nacional, com especificação e justificação das providências adotadas, com relação nominal dos atingidos e indicação das restrições aplicadas. Prestadas as informações e não aceitas pelo Congresso Nacional, José Afonso da Silva entende parecer ficar “… caracterizado algum crime de responsabilidade do presidente, especialmente o atentado a direitos individuais – pelo que pode ser ele submetido ao respectivo processo, previsto no Art. 86. (Admitida à acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade) e regulado na lei 1.079/50”.
Controle jurisdicional concomitante: durante a decretação do estado de defesa, nos termos do art. 136, § 3º, haverá controle pelo Judiciário da prisão efetiva pelo executor da medida. A prisão ou detenção de qualquer pessoa. Também, não poderá ser superior a 10 dias, salvo quando autorizada pelo Poder judiciário.
Entendemos, também, que qualquer lesão ou ameaça a direito não poderá deixar de ser apreciada pelo Poder Judiciário, claro, observados os limites constitucionais das permitidas restrições a direitos (art. 136, § 1º). Parece, assim, que o Judiciário poderá reprimir abusos e ilegalidades cometidos durante o estado de crise constitucional por meio, por exemplo, do mandado de segurança, do habeas corpus ou de qualquer outra medida jurisdicional cabível.
Contudo, como anota Alexandre de Moraes, lembrando Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em relação “… à análise do mérito discricionário do Poder Executivo (no caso do Estado de Defesa), a doutrina dominante entende impossível, por parte do Poder Judiciário, a análise da conveniência e oportunidade política para a decretação”.
Controle jurisdicional sucessivo (ou a posterior): nos termos do art. 141, caput, cessado o estado de defesa, cessarão também seu efeitos, sem prejuízo da responsabilidade pelos ilícitos cometidos por seus executores ou agentes.
1.3 Estado de sitio
1.3.1 Hipóteses de decretação do estado de sítio
As hipóteses em que poderá ser decretado o estado de sítio estão, de forma taxativa, prevista no Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:
Comoção grave de repercussão nacional (se fosse de repercussão restrita e de defesa);
Ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa (portanto, pressupõe-se situação de maior gravidade);
Declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.
1.3.2 Procedimento
Assis como no estado de defesa, quem decreta o estado de sítio é o Presidente da República, após prévia oitiva do Conselho da República e de Defesa Nacional (pareceres não vinculativos).
No entanto, para a decretação do estado de sítio, ao contrário do que ocorre com o estado de defesa, deverá haver prévia solicitação pelo Presidente da República de autorização do Congresso Nacional, que se manifestará pela maioria absoluta de seus membros.
O decreto do estado de sítio indicará sua duração, as normas necessárias a sua execução e as garantias constitucionais que ficarão suspensas, e, depois de publicado, o Presidente da República designará o executor das medidas específicas e as áreas abrangidas (art. 138, caput).
A duração do estado de sítio, no caso de comoção grave de repercussão nacional ou da ineficácia das medidas tomadas durante o estado de defesa (art. 137, I), não poderá ser superior a 30 dias, podendo ser prorrogada, sucessivamente (não há limites), enquanto perdurar a situação de anormalidade, sendo que cada prorrogação também não poderá ser superior a 30 dias.
No caso de declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira (art. 137, II), enquanto perdurar a guerra ou a agressão armada estrangeira.
1.3.3. Medidas coercitivas
Nas hipóteses do art. 137, I (comoção grave de repercussão nacional ou da ineficácia das medidas tomadas durante o estado de defesa):
– Obrigação de permanecia em localidade determinada;
– Detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;
– Restrições (não supressões) relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei (desde que liberada pela respectiva Mesa, não se inclui a difusão de pronunciamentos de parlamentares efetuados em suas Casas Legislativas);
– Suspensão da liberdade de reunião;
– Busca e apreensão em domicílio;
– Intervenção nas empresas de serviços públicos;
– Requisição de bens.
Em relação à decretação de estado de sítio na hipótese do art. 137, II, qual seja, no caso de declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira, em tese, qualquer garantia constitucional poderá ser suspensa, desde que: a) tenham sido observados os princípios da necessidade e da temporariedade (enquanto durar a guerra ou resposta a agressão armada, estrangeira); b) tenha havido prévia autorização por parte do Congresso Nacional; c) nos termos do art. 138, caput, tenha sido indicado no decreto do estado de sítio a sua duração, as normas necessárias a sua execução e as garantias constitucionais que ficarão suspensas.
1.3.4. Controle exercido sobre a decretação do estado de sítio
Controle político prévio: tendo em vista a sua maior gravidade, o controle realizado pelo Congresso Nacional é prévio, ou seja, o Presidente da República, para a sua decretação, depende de prévia e expressa autorização do Congresso Nacional. Se o Congresso rejeitar o pedido, o presidente da República, agora vinculado, ano poderá decretar o estado de sítio. Se o fizer, sem dúvida, cometerá crime de responsabilidade. Estando o Congresso Nacional em recesso, haverá convocação extraordinária. Decretado o estado de sítio, nos termos do art. 138, §3º, o Congresso Nacional permanecerá em funcionamento até o término das medidas coercitivas.
Controle político concomitante: nos termos do art. 140, a mesa do Congresso Nacional, ouvidos os líderes partidários, designará Comissão composta de 5 de seus membros para acompanhar e fiscalizar a execução das medidas referentes ao estado de sítio.
Controle político sucessivo (ou a posteriori): nos termos do art. 141, parágrafo único, logo que cesse o estado de sitio, as medidas aplicadas em sua vigência serão relatadas pelo Presidente da República, em mensagem ao Congresso Nacional, com especificações e justificação das providências adotadas, com relação nominal dos atingidos e indicação das restrições aplicadas.
Conforme visto para o estado de defesa, prestadas as informações e não aceitas pelo Congresso Nacional parece ficar caracterizada a prática de crime de responsabilidade.
Controle jurisdicional concomitante: qualquer lesão ou ameaça a direito, abuso ou excesso de poder durante a sua execução não poderão deixar de ser apreciados pelo Poder Judiciário, observados, é claro, os limites constitucionais da “legalidade extraordinária”, seja por via do mandado de segurança, do habeas corpus, ou de qualquer outro remédio.
Conforme anotado para o estado de defesa, o juízo de conveniência para a decretação do estado de sitio cabe ao Presidente da República.
Controle jurisdicional sucessivo (ou a posteriori): nos termos do art. 141, caput, cessado o estado de sítio, cessarão também seu efeitos, sem prejuízo da responsabilidade pelos ilícitos cometidos por seus executores ou agente.
1.4 DISPOSIÇÕES COMUNS AOS ESTADOS DE DEFESA E DE SÍTIO
Em se tratando de medidas excepcionais, somente poderão ser adotadas dentro dos limites constitucionais, nas hipóteses expressamente previstas, enfim, somente durante a chamada crise constitucional. “Em outras palavras (concluem Araujo e Nunes Júnior), se medidas de exceção forem aplicadas em tempos de normalidade democrática, a Constituição estará sendo violada, configurando-se autêntico golpe de estado”.
Decretado o estado de defesa ou estado de sítio, haverá o controle político concomitante (art.140 da CF/88).
Por razões óbvias, cessando o estado de defesa ou o estado de sítio, cessarão também os seus efeitos, sem prejuízo da responsabilidade pelos ilícitos cometidos por seus executores ou agentes.
Dada a gravidade das medidas (por restringirem direitos constitucionais), logo que cesse o estado de defesa ou o estado de sítio, o Presidente da República terá de prestar contas, respondendo por abusos e arbítrios.
1.5 FORÇAS ARMADAS
1.5.1 Regras gerais
A Marinha, o Exército e a Aeronáutica constituem as Forças Armadas, sendo consideradas instituições nacionais permanentes e regulares, destinadas à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
As Forças Armadas organizam-se com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade e comando supremos do Presidente da República, que tem por atribuições nomear os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seu oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos (art. 84, XIII, na redação determinada pela EC n. 23, 02/09/1999). Assim, os superiores hierárquicos e o Presidente da República, como chefe maior, com base na hierarquia e na disciplina, poderão aplicar sanções disciplinares de natureza administrativa.
Os membros das Forças Armadas, conforme estabelece o art. 142, § 3º, são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das regras que vierem previstas em lei, as diversas disposições dos incisos I a X, dentre as quais a proibição da sindicalização e da greve, etc.
Caracterizando-se exceção expressa ao art. 5º, LXVIII, com base no princípio da hierarquia, não caberá habeas corpus em relação a eventuais punições disciplinares militares (art. 142, § 2º), vedação esta permitida, visto que introduzida pelo poder constituinte originário, que, conforme já estudamos. Do ponto de vista jurídico, é incondicionado, ilimitado e soberano na tomada de suas decisões, podendo, inclusive, trazer exceções às regras gerais.
Cabe observar, contudo, seguindo a jurisprudência do STF, a possibilidade de impetração de habeas corpus para a análise, pelo Judiciário, dos pressupostos de legalidade (hierarquia, poder disciplinar, ato ligado à função e pena suscetível de ser aplicada disciplinarmente – HC 70.648, Moreira Alves), excluídas as questões do mérito da sanção administrativa (cf., por exemplo, RE 338.840-RS, rel. Min. Ellen Gracie, 19/08/2003).
Nesse sentido: “A legalidade da imposição de punição constritiva da liberdade, em procedimento administrativo castrense, pode ser discutida por meios de habeas corpus. Precedentes” (RHC 88.543, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 03/04/2007, DJ, 27/04/2007).
A prestação do serviço militar é obrigatória, ficando as mulheres e os eclesiásticos isentos de tal compulsoriedade em tempos de paz, sujeitando-se, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir.
Apesar de obrigatória, alegando-se imperativo de consciência, decorrente de crença religiosa, convicção filosófica ou política (direito de escusa de consciência), às Forças Armadas competirá, na forma da lei, atribuir serviço alternativo em tempo de paz (art. 5º,VIII, c/c o art. 143, §§ 1 e 2).
Havendo recusa da prestação alternativa nos termos da lei (Lei n. 8.239/91), ter-se-á por sanção a declaração da perda dos direitos políticos (art. 15, IV, da CF/88).
Por fim, lembramos que as leis que fixem ou modifiquem os efeitos das Forças Armadas, bem como as que disponham sobre os seus militares, seu regime jurídico, provimento para reserva, serão de iniciativa privativa (exclusiva) do Presidente da República.
1.6 SEGURANÇA PÚBLICA
1.6.1 Aspectos gerais
Para Maria Sylvia Zanela Di Pietro, adotando um conceito moderno, “o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em beneficio do interesse público.
Assim, podemos distinguir a) polícia administrativa lato sensu; b) policia de segurança, sendo esta dividida em polícia administrativa (preventiva, que não deve confundir-se com a idéia de poder de polícia lato sensu do Estado) e polícia judiciária. Concentraremos a análise na polícia de segurança.
O objetivo fundamental da segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144 da CF/88).
A atividade policial divide-se, então, em suas grandes áreas: administrativa e judiciária. A polícia administrativa (policia preventiva, ou ostensiva) atua preventivamente, evitando que o crime aconteça, na área do ilícito administrativo. Já a policia judiciária (polícia de investigação) atua repressivamente, depois de ocorrido o ilícito penal.
1.6.2 Cooperação entre a União e os Estados-membros e o DF e a Forca Nacional de Segurança Pública
Com o objetivo de minimizar os efeitos danosos à população causados, por exemplo, pelas “greves” em setores essenciais, como o da polícia militar, o Presidente da República adotou a MP n 2.205, de 10/08/2001, convertida em lei n 10.277 de 10/09/2001, e que, posteriormente, veio a ser revogada, passando a matéria a ser disciplinada pela Lei n. 11.473, de 10/05/2007.
De acordo com o novo dispositivo legal, a União poderá firmar convênios com os Estados-membros e o Distrito Federal para executar atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Referida cooperação federativa compreende operações conjuntas, transferências de recursos e desenvolvimento de atividade de capacitação e qualificação de profissionais, no âmbito da Força Nacional de Segurança Pública, sendo que as atividades terão caráter consensual e serão desenvolvidas sob a coordenação conjunta da União e do ente federativo que firmar o convenio.
Adesão é voluntaria por parte dos Estados, a Força Pública, somente atuara em policiamento ostensivo (preventivo).
1.6.3 Polícias da União
Os órgãos que compõem a polícia no âmbito federal são: polícia federal, polícia rodoviária federal e polícia ferroviária federal.
A policia federal será instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União. Estruturada em carreira, exercendo a função de polícia judiciária (art. 144, §1, IV).
A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo da rodovias federais.
1.6.4 Polícias dos Estados
A segurança pública em nível estadual foi atribuída às polícias civis, às polícias militares e ao corpo de bombeiros.
A polícia civil, como policia judiciária, a polícia militar como polícia administrativa e corpo de bombeiros militares, considerados forças auxiliares.
1.6.5 Polícias dos Municípios
Na forma da lei, os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seu bens, serviços e instalações (art. 144, § 8), o que, segundo bulos, corresponde ao policiamento administrativo da cidade, para a proteção do patrimônio público contra a depredação dos demolidores da coisa alheia.
Muito se discute sobre a ampliação dos poderes das guardas municipais, atualmente destituídas de competência para realização do policiamento ostensivo e preventivo. Destaque-se , nessa linha, proposta de emenda à Constituição (PEC) permitindo aos Municípios, por meios de convênios com os Estados, executar serviços de policiamento ostensivo e preventivo.
2. Intervenção federal
2.1 Hipóteses de intervenção federal
As hipóteses de intervenção federal (e quando dizemos intervenção federal significa intervenção realizada pela União) nos Estados e Distrito Federal estão taxativamente previstas no art. 34, sendo cabíveis para:
• Manter a integridade nacional;
• Repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
• Pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;
• Garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;
• Reorganizar as finanças da unidade da federação que: a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior; b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas na Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;
• Prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
• Assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta; e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
As hipóteses de intervenção federal nos Municípios localizados em Territórios Federais serão estudadas quando tratarmos da intervenção estadual, prevista no art. 35.
2.2 Espécies de intervenção federal
• Espontânea: neste caso o Presidente da República age de ofício art. 34, I, II, III e V;
• Provocada por solicitação: art. 34, IV, combinado com o art. 36, I, primeira parte – quando coação ou impedimento recaírem sobre o Poder Legislativo ou o Poder Executivo, impedindo o livre exercício dos aludidos Poderes nas unidade da Federação, a decretação da intervenção federal, pelo Presidente da República, dependerá de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou impedindo;
• Provocada por requisição: a) art. 34, V?I, combinado com o art. 26, I, segunda parte – se a coação for exercida contra o Poder Judiciário, a decretação da intervenção federal dependerá de requisição do Supremo Tribunal Federal; b) art. 34, VI, segunda parte, combinado com o art. 36, II – no caso de desobediência a ordem ou decisão judicial, a decretação dependerá de requisição do STF, STJ ou do TSE, de acordo com a matéria;
• Provocada, dependendo de provimento de representação: a) art. 34, VII, combinado com o art. 36, III, primeira parte – no caso de ofensa aos princípios constitucionais sensíveis, previstos no art. 34, VII, da CF/88, a intervenção federal dependerá de provimento, pelo STF, de representação do Procurador Geral da República (ADI interventiva); b) art. 34, VI, primeira parte, combinado com o art. 36, III, segunda parte – para prover a execução de lei federal (pressupondo ter havido recusa à execução de lei federal), a intervenção dependerá de provimento de representação do Procurador-Geral da República pelo STF (EC n. 45/2004).
Nesta última hipótese, Humberto Peña de Moraes observa: “insista-se, por oportuno, que a actio vertente não busca a alcançar oportuna declaração de inconstitucionalidade – fim a que se propõe a ação direta de inconstitucionalidade interventiva – com vista à possível intervenção, mas sim a garantir, ocorrendo recusa por parte de Estado ou do Distrito Federal e julgada procedente a pretensão pela Excelsa Corte, a execução de lei federal, sob pena, é óbvio, da prática interventiva. A intervenção para execução de lei federal só deve ser havida por lícita, insta observar, quando não existir outro tipo de ação aparelhada para a solução da quaestio juris”.
Na hipótese de solicitação pelo Executivo ou Legislativo, o Presidente da República não estará obrigado a intervir, possuindo discricionariedade para convencer-se da conveniência e oportunidade. Por outro lado, havendo requisição do Judiciário, não sendo o caso de suspensão da execução do ato impugnado (art. 36, § 3.º), o Presidente da República estará vinculado e deverá decretar a intervenção federal.
2.3 Decretação e execução da intervenção federal
Como vimos, a decretação e execução da intervenção federal é de competência privativa do Presidente da República (art. 84, X), dando-se de forma espontânea ou provocada. Lembramos, ainda, a provisão da oitiva de dois órgãos superiores de consulta, quais sejam, o conselho da República (art. 90, I), e o Conselho Nacional de Defesa (art. 91, § 1º, II), sem haver qualquer vinculação do Chefe do Executivo aos aludidos pareceres.
A decretação materializar-se-á através de decreto presidencial de intervenção que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução, e, quando couber, nomeará o interventor.
2.4 Controle exercido pelo Congresso Nacional
Nos termos dos §§ 1 e 2 do art. 36, o Congresso Nacional (legislativo) realizará controle político sobre o decreto de intervenção expedido pelo Executivo no prazo de 24 horas, devendo ser feita a convocação extraordinária, também no prazo de 24 horas, caso a Casa Legislativa esteja em recesso parlamentar. Assim, nos termos do art. 49, IV, o Congresso Nacional ou aprovará a intervenção federal ou a rejeitará, sempre por meio de decreto legislativo, suspendendo a execução do decreto interventivo nesta última hipótese.
Na última hipótese, ou seja, em caso de rejeição pelo Congresso Nacional do decreto interventivo, o Presidente da república deverá cessá-lo imediatamente, sob pena de cometer crime de responsabilidade (art. 85, II – atentado contra os Poderes constitucionais do Estado), passado o ato a ser inconstitucional.
2.4.1 hipótese em que o controle exercido pelo Congresso Nacional é dispensado
Como regra geral, o decreto interventivo deverá ser apreciado pelo Congresso Nacional (controle político). Excepcionalmente, a CF (art.36, §3º) dispensa a aludida apreciação, sendo que o decreto se limitará a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade. As hipóteses em que o controle político é dispensado são as seguintes:
• Art. 34, VII – para prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
• Art. 34, VII – quando houver afronta aos princípios sensíveis da CF.
No entanto, nesses casos, se o decreto que suspendeu a execução do ato impugnado não foi suficiente para o restabelecimento da normalidade, o Presidente da República decretará a intervenção federal, nomeando, se couber, interventor, devendo submeter o seu ato ao exame do Congresso Nacional (controle político), no prazo de 24 horas, nos termos do art. 36, §1º, conforme visto.
2.5. Afastamento das autoridades envolvidas
Por meio do decreto interventivo, que especificará a amplitude, prazo e condições de execução, o Presidente da República nomeará (quando necessário) interventor, afastando as autoridades envolvidas.
Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal (art. 36, § 4º).
2.6. Intervenção estadual
2.6.1. Hipóteses de intervenção estadual e intervenção federal nos Municípios localizados em territórios federais
As hipóteses de intervenção estadual e federal (nos Municípios localizados em Territórios Federais) estão taxativamente previstas no art. 35, sendo cabíveis quando:
• Deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por 2 anos consecutivos, a dívida fundada;
• Não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;
• Não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde;
• O Tribunal de Justiça der provimento à representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.
2.6.2. Decretação e execução da intervenção estadual
A decretação e execução da intervenção estadual é de competência privativa do Governador de Estado, através de decreto de intervenção que especificará a amplitude, o prazo e as condições da execução e, quando couber, nomeará o interventor.
2.6.3. Controle exercido pelo Legislativo
A Constituição estabeleceu a realização de controle político a ser exercido pelo Legislativo, no prazo de 24 horas. Na hipótese de não estar funcionando haverá convocação extraordinária, também no prazo de 24 horas.
2.6.3.1 hipóteses em que o controle exercido pela Assembléia Legislativa é dispensado
Como regra geral, o decreto interventivo deverá ser apreciado pela Assembléia Legislativa (intervenção estadual). Excepcionalmente, porém, a CF (art. 36, §3º) dispensa a aludida apreciação pelo Congresso Nacional (hipóteses acima descritas), ou pela Assembléia Legislativa estadual, sendo que o decreto, nestes casos, limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade. A hipótese em que o controle político é dispensado é a seguinte:
• Art. 35, IV – o Tribunal de Justiça der provimento à representação para segurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.
No entanto, se a suspensão da execução do ato impugnado não for suficiente para o restabelecimento da normalidade, o Governador de Estado decretará a intervenção no Município (hipótese de intervenção estadual em Município), submetendo este ato (decreto interventivo) à Assembléia Legislativa, que, estando em recesso, será convocada extraordinariamente.
2.6.4. Afastamento das autoridade envolvidas
No decreto interventivo que especificará a amplitude, prazo e condições de execução, o Governador de Estado nomeará (quando necessário) interventor, afastando as autoridades envolvidas.
Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal (art. 36, § 4º).
2.6.5 Súmulas 637 do STF
Nos termos da S. 637/STF, “não cabe recurso extraordinário contra acórdão de tribunal de justiça que defere pedido de intervenção estadual em município”.
3. ADI interventiva
3.1. Conceito
O art. 18, caput, da CF/88 estabelece que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito federa e os Municípios, todos autônomos. Vale dizer, como regra geral, nenhum ente federativo deverá intervir em qualquer outro.
No entanto, excepcionalmente, a CF estabelece situações (de anormalidade) em que haverá intervenção:
• União ? nos Estados, Distrito Federal (hipóteses do art. 34) e nos Municípios localizados em Território Federal (hipóteses do art. 35);
• Estados ? em seu Municípios (art. 35).
A adi interventiva apresenta-se como um dos pressupostos para a decretação da intervenção federal, ou estadual, pelos Chefes do Executivo, nas hipótese previstas na CF/88.
Clèmerson Clève, ao analisar o instituto, conclui tratar-se de “…procedimento fincado a meio caminho entre a fiscalização da lei in thesi e aquela realizada in casu. Trata-se, pois, de uma variante da fiscalização concreta realizada por meio de ação direta”.
O Judiciário exerce, assim, um controle da ordem constitucional tendo em vista o caso concreto que lhe é submetido à análise.
O judiciário não nulifica o ato, mas apenas verifica se estão presentes os pressupostos para a futura decretação da intervenção pelo Chefe do Executivo.
3.2. Objeto, competência, legitimidade e procedimento
3.2.1 ADI interventiva federal
O art. 36, III, da CF/88, primeira parte, estabelece que a decretação da intervenção dependerá de provimento, pelo STF, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII. Deste dispositivo encontramos:
• Objeto: lei ou ato normativo, ou omissão, ou ato governamental estaduais que desrespeitem os princípios sensíveis da CF. Inclua-se, também, a lei ou ato normativo, omissão ou ato governamental distrital (sendo o ato normativo de natureza estadual – cf. art. 32, § 1º, da CF/88);
• Princípios sensíveis: as situações previstas no art. 34, VII, ou seja, quando a lei de natureza estadual (ou distrital de natureza estadual) contrariar: 1) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; 2) direitos da pessoa humana; 3) autonomia municipal; 4) prestação de contas da administração pública, direta e indireta; 5) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde;
• Competência: STF;
• Legitimidade ativa: Procurador-Geral da República;
• Procedimento: proposta a ação pelo Procurador-Geral da República, no STF. Quando a lei ou ato normativo de natureza estadual (ou distrital de natureza estadual), ou omissão, ou ato governamental contrariarem os princípios sensíveis da CF, previstos no art. 34, VII, julgada procedente a ação (quorum do art. 97, maioria absoluta), o STF requisitará ao Presidente da República que decrete a intervenção. O Presidente da República, nos termos do art. 36, § 3º, através de decreto, limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnando. Caso essa medida não seja suficiente para o restabelecimento da normalidade, aí, sim, o Presidente da República decretará a intervenção federal, executando-a através da nomeação de interventor e afastando as autoridades responsáveis de seus cargos (art. 84, X da CF/88). O § 4º do art. 36 estabelece que, cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão salvo impedimento legal.
3.2.2 ADI interventiva estadual
O art. 35, IV, da CF/88 estabelece que a intervenção estadual, a ser decretada pelo Governador de Estado, dependerá de provimento pelo TJ local de representação para assegurar a observância de princípios indicados na CE, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial. As regras vêm previstas no art. 149. Da Constituição do Estado de São Paulo e nos arts. 639 a 643 do Regimento Interno do TJSP:
• Objeto: Lei ou ato normativo, ou ato governamental municipais que desrespeitam os princípios sensíveis indicados na CE;
• Competência: Tribunal de Justiça, através de seu órgão especial (art. 641 do RITJSP0;
• Legitimidade ativa: Procurador-Geral de Justiça, conforme o art. 129, IV, da CF/88;
• Procedimento: proposta a ação pelo Procurador-Geral de Justiça, no TJ, quando a lei ou ato normativo, ou omissão, ou ato governamental de natureza municipal contrariarem os princípios sensíveis previstos na CE, julgada procedente a ação, o Presidente do TJ comunicará a decisão ao Governador do Estado, para que a concretize (art. 643 do RITJSP). O Governador de Estado, nos termos do art. 149, § 3, da CESP, através de decreto, limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, comunicando seu efeitos ao Presidente do TJ. Caso essa medida não seja suficiente para o restabelecimento da normalidade, aí, sim, o Chefe do Executivo estadual decretará a intervenção estadual no Município, através da nomeação de interventor, afastando as autoridades responsáveis de seus cargos.
REFERÊNCIA
Direito constitucional esquematizado, Pedro Lenza, 13ª Edição, editora Saraiva