FATORES DETERMINANTES PARA AS EXPECTATIVAS DE GESTANTES ACERCA DA VIA DE PARTO
Resumo
A gravidez e o parto representam eventos especiais na vida da mulher, no qual a sensação de tornar-se mãe confunde-se muitas vezes com incertezas, medos e inseguranças. É um evento biossocial, pois está cercado de valores culturais, sociais e emocionais. Embora sendo um processo considerado, predominantemente fisiológico, e que decorre geralmente em complicações, tem crescido o uso de técnicas intervencionistas e entre estas, a cesariana. Esta pesquisa foi desenvolvida com gestantes usuárias da Estratégia de Saúde da Família e com gestantes usuárias de um serviço de saúde privado no município de Dourados/MS. Teve por objetivo principal identificar as expectativas de gestantes com relação ao tipo de parto bem como os motivos de sua escolha. Procurou-se dar voz a gestante, pois ela deve ser a condutora de seu próprio processo de parturição, tendo a liberdade segundo o Ministério da Saúde, de escolher onde, como e com quem quer realizar seu parto. Os resultados mostraram que os fatores socioculturais, familiares e a atuação do profissional que conduz a assistência pré-natal podem ser determinantes na formação da opinião das gestantes sobre o tipo do parto. Entre as usuárias do serviço publico houve preferência para o parto normal enquanto que, no serviço privado a cesárea. O estudo reforça a importância da ação educativa durante o pré-natal para resgatar o papel ativo da mulher no processo parturitivo, para que esta tenha o direito de escolha sobre a preferência do tipo de parto, bem como ser ouvida e esclarecida em suas dúvidas e temores.
Palavras Chaves: Gestação, vias de parto, parto.
Abstract
Pregnancy and delivery represent special events in woman’s life and sometimes, the condition of becoming mother is confused with some uncertanties, fears and insecurities. It is a biossocial event since it is surrounded with cultural, social and emotional values. Although it is considered predominantly a physiological process that generally passes without any complication, the use of interventionist techniques has been increased and among them, it is the caesarean one. This research was developed with pregnants who use Family Health Program and others with a private health care, in Dourados/MS. This work aimed to identify pregnants’ expectancies in relation to the choice, giving her some support since she is the leader of her own process of deliver. So, according to Health Department, she has the liberty to choose where, how and with whom she wants to carry out her delivery. The results showed socio-cultural and familiar factors and the professional’s role that leads the antepartum course may be decisive to form pregnants’ opinion to decide what kind of delivery she wants. Among users from Public Service, there was a preference for normal delivery while for private ones, it was the caesarean delivery. The study reinforces the importance of an educational action during the antepartum course to recover woman’s active function during childbirth process so that she may choose what kind of delivery she wants as well as she may be heard and her doubts and fears may be explained.
Keywords: pregnancy, kinds of delivery, delivery.
1 INTRODUÇÃO
Segundo Rezende (2002) a Obstetrícia progrediu muito lentamente em relação às outras ciências médicas. Uma justificativa para este fato deve-se ao atendimento prestado às gestantes e à assistência ao parto serem guiados desde a antiguidade por parteiras e feiticeiras que transmitiam de geração em geração práticas sem cunho científico baseadas em crendices e feitiços. O fenômeno da parturição se sucedia na residência da mulher, lócus onde as parteiras e a parturiente trocavam conhecimentos e descobriam afinidades.
Com o surgimento do mercantilismo ocorreram mudanças na compreensão do trabalho e o status do médico cirurgião se eleva, favorecendo para que a prática da obstetrícia fosse, paulatinamente, incorporada e supervisionada por esses profissionais (REZENDE, 2002).
Schirmer et al., (2002) comenta que a partir da metade do século XIX, com o desenvolvimento da obstetrícia como área acadêmica do conhecimento, à assistência empírica prestada por mulheres durante o ciclo gravídico-puerperal perde seu espaço, pois, inicia-se uma intensa disputa entre a classe médica e as parteiras, e estas vêm perdendo o domínio do saber sobre a arte de assistir o parto e o nascimento.
Foi a partir dos anos 40 com o objetivo de reduzir a mortalidade materna e infantil que a hospitalização do parto intensificou-se, o que permitiu a medicalização e controle do período gravídico-puerperal. Assim, o parto que antes era entendido como um processo natural, privativo e familiar, passou a ser vivenciado na esfera pública em instituições de saúde. Esse fato favoreceu a submissão da mulher que deixou de ser protagonista do processo parturitivo (OSAVA, 1997).
Com a institucionalização do parto a mulher perdeu sua privacidade e autonomia, foi separada da família e submetida a normas institucionais e práticas intervencionistas sem o devido esclarecimento e consentimento. Por outro lado, procurou-se oferecer para mulher e seu bebê uma assistência com aparente segurança (OSAVA, 1990).
Oliveira et al., (2002) acrescentam que, nos últimos anos, o ato de parir e a gestação, considerados como fenômenos naturais e fisiológicos, foram transformados em um processo patológico e medicalizado, alterando sua essência original de evento de mãe e filho em acontecimento social. Segundo orientações do Ministério da Saúde, a gestação é um processo que geralmente decorre sem complicações e o propósito da assistência ao parto em instituições é oferecer melhores condições à mãe e ao concepto (BRASIL, 2001).
É inegável que houve muitos ganhos com a institucionalização do parto, como a melhor assepsia – causa freqüente de infecção puerperal e morte materna – e formas de acompanhamento e resolução como o pronto atendimento ao recém-nascido de risco por uma equipe médica especializada. Entretanto, com a supervalorização da técnica do nascimento, a ênfase exagerada à sua fisiologia, negligenciou seus aspectos psicoemocionais e sociais, passando a negar a parturiente seu direito de experimentá-lo de acordo com seus significados adquiridos culturalmente. Com a institucionalização do parto também houve um crescimento cada vez maior no número de partos operatórios (cesarianas) em detrimento do parto normal (vaginal). Esse índice tem favorecido as altas taxas de morbimortalidade materno-infantil (BRASIL, 2001).
Assim, no final dos anos de 1990, pelo alto índice de partos hospitalares e como consequência dos altos números de partos operatórios, elevando os casos de morte materna, surge a discussão em torno da humanização da assistência obstétrica, que culminou na organização pelo Ministério da Saúde do Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento. Este programa baseia-se em um conjunto de condutas e procedimentos que visam à promoção do nascimento saudável e a prevenção da morbimortalidade materna e perinatal, cujas condutas norteiam-se essencialmente na concepção de que o parto não é doença e no respeito à dignidade e liberdade da mulher como condutora de seu próprio processo de parturição, cabendo a ela escolher onde, como e com quem (profissional) quer realizar seu parto (BRASIL, 2001).
A gestação e o parto representam um período único e especial na vida da mulher, no qual a sensação de tornar-se mãe confunde-se muitas vezes com incertezas, medos e inseguranças. É um evento biossocial, pois está cercado de valores culturais, sociais e emocionais. Embora seja um processo considerado, predominantemente, fisiológico e que geralmente decorre sem complicações, tem crescido nas últimas décadas o uso de técnicas intervencionistas e entre estes, o parto operatório (cesariana) (TEDESCO et al., 2004).
O Brasil é considerado um dos paises em que a taxa de cesariana é muito alta, ultrapassando os parâmetros recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que deve ficar em torno de 15%. Em hospitais privados e ou conveniados o índice de parto operatório é mais elevados que em hospitais públicos (HOTIMSKY et al., 2002).
As conseqüências do grande número de cesarianas podem ser sérias levando a maiores chances para a mulher desenvolver uma infecção puerperal; risco elevado para a mortalidade e morbidade materna, aumento dos riscos de prematuridade e mortalidade neonatal, recuperação mais difícil da puerpera, maior período de separação entre mãe/bebê levando a atraso e dificuldade para o início da amamentação e elevação de gastos para o sistema de saúde (HOTIMSKY et al., 2002).
Estudos apontam que a grande demanda por cesariana pode estar relacionada à maior remuneração deste tipo de parto até a década de 1980 pelo antigo INAMPS, a não remuneração da analgesia em partos vaginais, a formação dos profissionais que passou a privilegiar o uso de tecnologia mais sofisticada, a demanda por laqueadura, o medo da dor no momento do trabalho de parto e parto e a preferência das mulheres por esta via de parto (FAÚNDES, CECATTI, 1991).
Discutindo sobre os altos índices de partos operatórios, Rea (2003) questiona se este fato decorre do “desejo da mulher”, ou pode ocorrer por conveniência médica, facilidade do sistema de saúde, currículos de obstetrícia fracos, ausência de parteiras qualificadas, ou da busca de laqueadura durante a cesárea. Embora os hospitais privados façam mais cesárea que os públicos, não é desejo da mulher de classe média a opção preferencial por cesárea.
Para tanto, este estudo propôs identificar as expectativas de gestantes com relação ao tipo de parto preferido por elas. Procuramos também caracterizar o perfil das gestantes segundo as variáveis sociais, demográficas e reprodutivas; verificar se houve diferença entre as expectativas com relação ao tipo de parto preferido por elas, bem como os motivos de sua escolha entre gestantes atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e um hospital privado.
2 METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo e exploratório de abordagem qualitativa, que se caracteriza, segundo Minayo (1994, p. 22) “trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”. A abordagem quantitativa se preocupa com a realidade que não pode ser quantificada e se aprofundar no mundo dos significados das relações humanas. A pesquisa qualitativa também oferece ao pesquisador a possibilidade de captar a maneira pela qual os indivíduos pensam e reagem frente às questões focalizadas (PRAÇA, MERIGHI, 2003).
A pesquisa incluiu gestantes que realizaram o Pré-Natal na Estratégia de Saúde da Família no Parque do Lago II e gestantes que participaram do serviço de Pré-natal no ambulatório do Hospital Evangélico Dr. e Srª. Goldsby King, na Cidade de Dourados, MS no período de fevereiro de 2009 a julho de 2009.
Dourados, por ser a segunda maior cidade do Estado de Mato Grosso do Sul é referência na região em prestação de serviços nos setores de saúde, comércio, educação, dentre outros, para os 35 municípios vizinhos que compõe a região da “Grande Dourados”. É referência também às necessidades de risco em saúde, das cidades do Paraguai, país vizinho que faz fronteira com o nosso Estado a oeste.
O município de Dourados compõe uma rede de atenção básica, com 28 equipes de Estratégia da Saúde da Família (ESF) urbanas e nove ESF rurais, além de Unidades Básicas de Saúde que oferecem assistência em nível de atenção primária a toda população e acompanhamento de pré-natal às gestantes sem risco gestacional. As gestantes de alto risco são encaminhadas ao Centro de Atendimento à Mulher (CAM) (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE, 2008).
Segundo dados do Sistema de Informação de Nascidos Vivos do Ministério da Saúde (SISNASC) no ano de 2008, foram registrados aproximadamente 3.008 nascidos vivos em Dourados. Nesse mesmo período, cerca de 33% das gestantes realizaram até seis consultas pré-natais e 63% mais de seis consultas de pré-natal nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e nos ESF, que oferecem atenção primaria (SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE, 2008).
Uma das instituições privadas do município de Dourados/MS é o Hospital Evangélico Dr. e Srª. Goldsby King. Foi fundado em 15 de novembro de 1946, tendo dado início à construção pela doação financeira feita pelas senhoritas Annie e Dulie King, em memória de seus pais, “Dr. e Srª. Goldsby King”. É um hospital filantrópico, de propriedade da Igreja Presbiteriana do Brasil, sendo a Associação Beneficente Douradense a entidade que o mantém e o administra. Atende por convênios particulares e atualmente voltou a atender pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A coleta dos dados foi realizada através de entrevista semi-estruturada, especialmente elaborada e pré-testada para este fim, dividida em três partes: parte um, na qual constaram as características sócio-demográficas das gestantes; parte dois, dados reprodutivos e, parte três, na qual foram abordadas as expectativas de gestantes com relação ao tipo de parto preferido por elas, bem como os motivos de sua escolha. As entrevistas foram gravadas com o uso de mp3, transcritas e posteriormente analisadas.
A amostra foi semi-intencional, participando todas as gestantes que compareciam à unidade ou ao serviço na data previamente agendada para a consulta de pré-natal com o médico e/ou Enfermeiro responsável pelo serviço.
Utilizamos como critérios de inclusão gestantes com idade maior que 16 anos que estivessem recebendo assistência pré-natal. Como critérios de exclusão, pacientes mentalmente incapacitadas; gestantes de alto risco, incluindo diabéticas, cardiopatas, pneumopatas, com restrição de crescimento intra-uterino, com polidrâmnio ou oligoâmnio, descolamento prematuro da placenta, placenta prévia, rotura prematura das membranas, malformação fetal e pós-datismo, dentre outras situações clínicas que pudessem interferir na escolha do parto pela paciente.
As gestantes foram esclarecidas sobre a intenção científica da pesquisa, as questões abordadas na entrevista, o sigilo de suas respostas e o direito da desistência a qualquer momento por parte da gestante. Para a participação, as gestantes consentiram participar na pesquisa com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Conforme a Legislação Brasileira (Resolução N° 196/96 do Conselho Nacional de Saúde) – a presente proposta de pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS e pelos órgãos competentes da UEMS.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Participaram do estudo 20 mulheres, sendo 10 gestantes que realizavam seu pré-natal na Estratégia Saúde da Familia (ESF) do bairro Parque do Lago II e 10 gestantes que realizavam seu pré-natal no ambulatório do Hospital Evangélico Dr. e Srª. Goldsby King. Para a apresentação e discussão dos dados, organizamos os mesmos em unidades temáticas abaixo apresentadas.
3.1Características Sócio-Demográficas e Reprodutivas das Gestantes
Em relação às características sócio-demográficas encontramos mulheres com idade entre 17 e 43 anos tanto no setor privado como no setor público, sendo 10% com menos de 19 anos, 70% entre 20 e 34 anos e 20% com mais de 35 anos. Quanto à etnia, 70% brancas e 30% pardas nas duas instituições.
Quanto à escolaridade, 14 gestantes entrevistadas apresentavam ensino fundamental completo; entretanto, observou-se 50% com fundamental incompleto do setor público e somente gestantes do setor privado apresentaram ensino superior.
Estudos de Haidar et al., (2001) mostram que a baixa escolaridade materna está associada a um maior risco de mortalidade materna e a ocorrência de recém-nascido de baixo peso. Cita que as mães com menos de oito anos de escolaridade apresentam os maiores índices. A escolaridade materna está associada ao tipo de parto, sendo que as mães com maior escolarização apresentam uma chance de seis vezes maior de terem filhos de parto cesáreo. Esse tipo de parto é decorrente tanto da opção da mãe como opção médica, pois, sendo que a cesariana tem um custo maior, as mães com maior escolaridade costumam ter melhores condições econômicas, podendo optar por ele. Relatam também que o número de consultas no pré-natal é maior nas gestantes que possuem maior instrução.
Associando a baixa escolaridade (ensino fundamental incompleto) e o baixo padrão sócio-econômico das gestantes observa-se que essas mães apresentam menor ganho de peso na gestação, início tardio do pré-natal, maior número de filhos (mais de três), menor intervalo entre as gestações predispondo as crianças aos riscos. Em nosso estudo observamos que, nas gestantes com menor escolaridade o índice de abortos for maior, fator constatado somente entre as usuárias do serviço público (50% das gestantes). Já no setor privado, as gestantes possuíam maior grau de instrução (ensino médio e/ou ensino superior) não houve relato de aborto.
Das entrevistadas, 80% responderam estar vivendo em algum tipo de união no momento da entrevista. No entanto, houve um maior percentual de solteiras no setor público (20%), em contraste com as gestantes do setor privado, que apresentaram o maior percentual de casadas: 80%.
Mais de 90% das entrevistadas do setor privado declararam ter ocupação remunerada, e 60% do setor público declararam serem do lar. Observou-se que a maior parte das mulheres do setor privado declarou renda familiar entre quatro e 12 salários mínimos (70%). Entretanto, 100% das mulheres do setor público informaram uma renda familiar inferior a três salários mínimos.
A expectativa em relação ao parto está ligada à experiência vivida culturalmente por essa mulher. Sabe-se que a experiência do parto é influenciada por fatores como procedimentos obstétricos, os cursos de preparação para gestantes, a história obstétrica anterior, o desfecho de uma gravidez prévia e a experiência pessoal, ou familiar, que essa mulher tem em relação aos diferentes tipos de parto (LOPES et al., 2005).
Além disso, fatores ligados à assistência médica, à precária educação e orientação às gestantes, assim como causas de natureza econômica, têm, provavelmente, proporcionado elevado número de parto cesariano em detrimento do parto normal (FABRI; MURTA, 1999).
Três mulheres do setor particular se encontravam até a 16ª semana de gestação e sete, acima de 16 semanas, enquanto no setor público todas estavam com mais de 16 semanas de gestação.
No setor público, observou-se maior proporção de multíparas (acima de três gestações) (50%), contra 20% no setor privado. Em ambos os setores, para aquelas com histórias de partos anteriores, verificou-se a mesma proporção de cesáreas e parto normal pregressos.
Em relação ao número de consultas, até o momento da entrevista, 40% das mulheres mencionaram ter realizado seis consultas de pré-natal. Entretanto, verificou-se uma diferença importante: enquanto no setor público cerca de 60% das mulheres referiram ter tido mais de seis consultas de pré-natal, no setor particular apenas 20% das mulheres alcançaram esse patamar.
3.2Determinantes para a escolha do tipo de parto
A atenção adequada à mulher no momento do parto garante que ela possa experimentar a maternidade com segurança e bem-estar, e respeita os significados dados ao nascimento por ela e sua família. A vivência do parto será mais ou menos prazerosa em razão de uma série de condições intrínsecas (idade, experiência em partos anteriores, experiência de parto de mulheres que lhe são próximas, planejamento da gravidez) e outras, relacionadas ao sistema de saúde (qualidade da assistência pré-natal e ao parto) (BRASIL, 2001).
Desta forma, surge a indagação: Qual o melhor tipo de parto? Parto normal ou parto cesáreo? Esta é uma discussão surgiu junto com o início das intervenções cirúrgicas na gravidez e persiste até hoje em que a dúvida é ainda maior.
Em relação às vantagens e desvantagens as formas da mulher parir, Vianna (2004) menciona que:
É sabido que o parto normal tem muitas vantagens em relação à cesariana: é o fisiológico – o corpo da mulher foi preparado para isso; a recuperação é muito mais rápida; há menor chance de hematomas ou infecções; menor risco de complicações para a mãe e para o feto; menor chance de dor pélvica crônica. Quanto à dor, com as técnicas de analgesia de parto utilizadas hoje em dia, essas podem ser evitadas.
A princípio então, deve-se pensar primeiro no parto normal, principalmente em se tratando de mulheres saudáveis e com gestações sem intercorrências. Mas, algumas chegam até o médico com muito medo do parto normal. Seja por antecedentes próprios ou familiares de um trauma qualquer ocorrido por ocasião de algum nascimento, seja por desconhecimento do que é um parto, seja pela insegurança que a aparente imprevisibilidade de um parto normal possa causar. Desse modo, algumas mulheres não conseguem sequer aventar a possibilidade de terem um parto normal preferindo o parto marcado, preparado, tranqüilo, “seguro”. Muitas vezes, mesmo sendo informadas sobre os tipos de parto (normal e cesárea), sobre as vantagens e desvantagens de cada um, por vezes, não se consegue demovê-las desta idéia fixa, e o normal para elas seria a cesariana.
Neste processo, o parto passou a ser vivenciado como um momento de intenso sofrimento físico e psicológico. O medo, a tensão e a dor das parturientes nesse modelo de assistência impedem o processo fisiológico do parto normal, o que pode culminar com práticas intervencionistas que, na maioria das vezes, poderiam ser evitadas (OMS, 1996).
O parto normal, apesar de ser considerado uma alternativa mais favorável à saúde da mãe e do bebê, tem sido quase relegado ao esquecimento pela população e por parte dos profissionais da área médica. Faúndes e Cecatti (1991) comentam que a preferência dos médicos pela cesariana pode ter várias origens. Atualmente, o que domina é a conveniência de uma intervenção programada, que não tomará mais que uma hora de seu tempo, ao contrário do parto vaginal que pode ocorrer a qualquer hora do dia ou da noite, fins de semana ou feriados, e que ocupará um período maior e imprevisível de seu tempo. Muitos optam por esta via de parto em virtude de deficiências de treinamento na condução de partos complicados e medo de processo por imperícia. Comentam que ainda não existe no Brasil qualquer estudo que determine a influência do fator do médico sobre a incidência de cesáreas.
O Ministério da Saúde em 1998 passou a pagar menos pelo parto cesáreo ao hospital e ao médico, estabelecendo o limite de 40% de cesáreas para pagamento. Assim, verificou-se que em 2003 a taxa de cesáreas realizadas pelo SUS caiu para próximo de 25% em relação ao ano de 1995 em que essa taxa era de aproximadamente 33% (DATASUS, 2005).
A maneira como se pratica a assistência obstétrica no Brasil também contribui para as expectativas quanto à via de parto. Para Hardy et al., (1988), o cuidado pré-natal, em geral, não prepara a mulher grávida psicologicamente para o parto, pelo contrário, o medo e insegurança que toda mulher grávida sente são mais estimulados do que prevenidos no pré-natal que ela recebe e no contexto social em que ela passa a sua gravidez. Portanto, o medo da dor no parto é exacerbado com as primeiras contrações uterinas, requerendo um apoio psicológico para a parturiente.
Besio (1999), após enumerar justificativas para as altas taxas de cesárea, defende as razões para que os partos sejam vaginais. Para ele, a gravidez e o parto são processos naturais que acontecem por si mesmos, não necessitando da intervenção de terceiros. A cesárea seria uma intervenção médica sobre um processo que a natureza resolve e regula sem artifícios. No entanto, para Cecatti (2002), as discussões hoje estão mais centradas na escolha do tipo de parto pela mulher, sendo que se a maior parte preferia cesariana porque era vendida como um produto de qualidade, atualmente, estabelecidos o valor do parto normal bem feito e as possíveis complicações da cirurgia, a visão passa a ser mais favorável ao processo natural.
Em nosso estudo verificamos que para duas gestantes usuárias do setor privado houve indicação para que o parto fosse cesárea e, para outras duas, para o parto normal. Já no setor público as gestantes mencionaram que houve sugestão/orientação para o parto normal.
É importante destacar que o desejo pelo parto normal foi manifestado em apenas 45% das entrevistadas. No tocante ao parto operatório este índice aumentou para 55%, sendo maior nas usuárias do setor privado: sete gestantes preferiram cesárea e três, o parto normal. Já no setor público, seis gestantes escolheram o parto normal e quatro, cesárea, o que confirma a literatura estudada em relação ao aumento de cesáreas no Brasil, principalmente nas instituições privadas. Entre as primíparas, as usuárias do setor público preferiram o parto normal, enquanto que no setor privado, das cinco entrevistadas, duas preferiram o parto normal e três, o parto cesáreo.
Tendo em vista as conclusões do Simpósio “Cesariana: incidências de fatores que a determinam e conseqüências maternas e perinatais”, Universidade de Campinas, (UNICAMP, 1983), os dados corroboram com nosso estudo confirmando-os quando dizem que, o aumento na incidência de cesariana é, porém diferenciado, observando-se ser relativamente menor nas camadas sócio-econômicas mais desfavorecidas e maior nas camadas mais favorecidas, que constituem a clientela particular.
A análise dos relatos das gestantes sobre suas expectativas em relação ao tipo de parto permitiu a construção de unidades temáticas expostas a seguir, contendo trechos das entrevistas feitas para melhor clarificar a idéia do conceito.
3.2.1Dor e medo: o medo da dor
Fatores sócio-culturais também podem afetar a decisão da mulher quanto à via de parto. Uma razão seria o medo da dor na hora do parto e parto, em que a gestante optaria pela cesárea eletiva, a qual é decidida com antecedência para dia e hora marcados e que permitirá a ela um parto sem qualquer dor, desde que receba também fortes analgésicos depois da cirurgia.
A cesárea permite à mulher manter intactas a anatomia e fisiologia da vagina e do períneo, enquanto que o parto vaginal pode produzir perda da função do coito normal. Existe também o conceito popular de que o parto vaginal é mais arriscado para o feto do que uma cesárea. Assim, um mau resultado neonatal é muitas vezes atribuído ao fato do médico não se ter decidido por uma cesárea, ao invés de um parto vaginal (FAÚNDES; CECATTI, 1991).
Para Viggiano (1982), Braga (1988) e Moraes (1982), o despreparo psicológico das mulheres para o parto vaginal condicionado pelo ambiente social e pelos meios de comunicação e falha do pré-natal neste aspecto, são fatores agravantes do índice de incidência de cesáreas, transformando-se em um fenômeno cultural que extrapola a área médica.
Nesta pesquisa, encontramos o medo como um fator sócio-cultural altamente contribuinte do parto cesáreo, confirmando os achados na revisão da literatura estudada de que a cultura influencia nos fatores emocionais contribuindo para o medo e a angustia relacionados à gestação e a parturição.
É comum as gestantes manifestarem medo do parto. Para Lopes et al (2005), a realidade desse medo está presente, geralmente, pela sensação de dor inerente ao trabalho de parto, ou seja, as contrações.
Na realidade, pode-se dizer que o medo do parto pode ser considerado a expressão de vários sentimentos de ansiedade alimentados durante a gestação e que está estreitamente vinculado a elevação do risco de uma experiência negativa do parto.
As colocações feitas pelas gestantes ilustram bem a presença do medo da dor e sua correlação com o parto, especialmente para o parto normal.
[…] eu tenho medo de ficar sofrendo, minha mãe teve normal, e ela sentiu a dor e falou que dói muito, mas meu marido quer normal, mas eu não, não quero sentir dor (G6 particular).
[…] Quando eu fiquei sabendo que estava grávida eu queria normal, por causa da recuperação depois que é mais rápida, mas eu fui ficando com medo, com medo, com medo e ai eu optei por cesárea. Por que fiquei com medo da dor na hora, minha mãe, minha avó falaram que parto normal dói muito (G3 particular).
Mesmo as gestantes que tiveram parto normal anterior referem medo e ansiedade frente à vivência de uma nova experiência com relação ao parto.
[…] vai ser normal, mas eu to com medo de sofrer, porque eu tenho um casal e tive eles tudo normal e sofri muito, quase perdi um […] (G10 público).
Outro fator importante observado nas entrevistas aponta que a família também pode ser determinante na escolha do tipo de parto pelas gestantes.
[…] minha família que falou como é o parto normal… Normal a gente sente uma dor… a cesárea a gente sente dor também na hora e depois, mas tenho muito medo do parto normal, morro de medo (G7 público).
[…] Eu recebi informações de um monte de pessoas de dentro de casa, porque na minha casa tem crianças. Falavam que o parto normal é bem melhor […] (G8 público).
[…] fiquei com medo da dor na hora, minha mãe, minha avó falaram que parto normal dói muito […] (G3 particular).
[…] Quero cesárea, eu tenho medo de ficar sofrendo, porque minha mãe teve normal, e ela sentiu a dor e falou que dói muito… não quero sentir dor (G6 particular).
3.2.2 Parto normal é rápido
O fato de o parto normal ser mais rápido foi uma expectativa citada nas falas, ligada à categoria anterior, já que a experiência de vivenciar a dor traz o interesse na evolução rápida do parto.
[…] quero normal. Espero que seja rápido igual ao outro (G7 particular).
[…] não sofrer muito, e que (o médico) tire o bebê rápido (G5 particular).
[…] Espero que na hora seja bom, que não demore muito, porque a dor é na hora […] (G3 público).
Entre as gestantes que preferiram o parto normal, apontaram motivos como: a recuperação pós-parto mais rápida, o medo do parto cirúrgico e suas possíveis sequelas (hemorragia pós-parto, infecção dos pontos). Algumas falas confirmam o exposto:
Eu quero normal… Tenho medo da cesárea, da cirurgia e daquela agulha que eles colocam nas costas da gente, e eu sei que é bem grande. Tenho medo de abrir os pontos também […] (G7 particular).
[…] Era cesárea, agora quero normal, porque o parto normal é mais rápido e recupera mais rápido para eu poder fazer as coisas e não precisar depender dos outros (G1 público).
[…] o parto normal é melhor mesmo, para nós mulheres, porque não pega nenhum tipo de doença… no parto cesáreo é perigoso a gente pegar alguma infecção por causa dos pontos […] (G3 público).
[…] a recuperação é mais rápida, não fica dependendo dos outros… a cesárea a gente depende praticamente 90 dias […] (G4 público).
[…] Quero normal, porque a dor é só na hora e depois que ganha pára, a recuperação é mais rápida e é melhor para o bebê porque é natural e é melhor pra ele (G5 público).
[…] Eu quero normal, porque é só àquela hora ali e depois em dois, três dias você já está boa, já pode andar e tudo mais (G9 público).
Entre as multíparas, as experiências anteriores de partos normais que lhes foram, em alguma medida, satisfatórias, fizeram com que escolhessem novamente o parto normal.
[…] o meu primeiro foi parto normal, então parto normal é bem melhor… eu me senti mais segura, foi rápido, não doeu muito e a recuperação é mais rápida, não fica dependendo dos outros […] (G4 público).
Eu quero normal, porque o meu primeiro foi normal e eu não senti muita dor, foi só àquela hora ali que estourou a bolsa e pronto, foi o tempo de chegar ao hospital e ganhar […] (G7 particular).
Um ponto interessante a ser destacado nas entrevistas foi a escolha do parto normal para incentivo de outras pessoas da família e o nível de informação a cerca do parto, mesmo não sendo o parto normal sua escolha preferencial.
[…] normal, só para incentivar os filhos, porque para mim não dá certo, eu sei que é bom tanto para mãe quanto para o neném, é a recuperação, o leite para amamentação, que o leite aparece mais rápido, e o parto cesariano corre o risco durante a anestesia, e em minha opinião o parto normal é melhor (G4 particular).
3.2.3Parto cesáreo
Segundo Siqueira et al., (1981), pesquisas realizadas na região sul e sudeste do Brasil demonstram um predomínio de partos cesarianos entre pacientes particulares e conveniadas em relação às demais. Do mesmo modo, no levantamento dos dados das entrevistas das duas instituições de níveis sócio-econômicos diferentes, também foi encontrada uma maior proporção de parto cesariano na instituição privada.
Autores como Rattner (1996) e Yazlle et al., (2001), mencionam que as principais indicações não médicas para o parto operatório são: a conveniência do médico, o fato da cirurgia ser vista pela população como “um bem de consumo”, o desejo de “aproveitar o procedimento cirúrgico” para fazer laqueadura e o medo da dor e lacerações vaginais que podem aparecer no parto vaginal.
G6, usuária do serviço público, comenta sobre a preocupação com o parto normal por complicações clínicas, como mostra a fala a seguir:
[…] falaram que o parto melhor é o normal, mas pra mim não, quero cesárea… eu tenho varizes na vagina então tem que ser o parto cesáreo, porque da outra que tive foi o parto normal e ela nem estava encaixada, o médico me fez ficar até ela sair, então por isso eu não quero mais para não ter a mesma experiência da outra.
Os dados encontrados nessa pesquisa mostram que a maioria das mulheres entrevistadas, tanto da instituição privada como da pública, fazem a opção pelo parto normal. Entretanto verificou-se maior influência do médico, na preferência pela cesárea na instituição privada o que confirma o que foi exposto anteriormente.
O médico me falou na primeira consulta que normal não era muito bom… porque o bebe sofre mais, ele disse que cesárea era melhor… eu queria normal, por causa da recuperação que é mais rápida, mas fui ficando com medo e optei por cesárea. […] (G3 particular).
[…] O médico me disse que cesárea é melhor, porque eu posso escolher o dia e a hora de ganhar, sem dor. […] (G9 particular).
VIANNA (2004) também cita a cesárea como “bem de consumo” nas regiões mais desenvolvidas, visto que em clínicas particulares o número de cesáreas é bem maior, pois na prática a parturiente acaba tendo maior direito de escolha e os médicos não são obrigados a se submeter a protocolos internos como no setor público.
Não recebi informações. Quero cesárea. Porque cesárea não sente dor, é mais prático […] (G5 particular).
No caso das multíparas, a escolha pela cesárea como facilitador para um método contraceptivo definitivo, a laqueadura, e experiências reprodutivas anteriores favoráveis à cesariana também estiveram associados à escolha desse tipo de parto.
[…] como tive pré-eclâmpsia na gravidez anterior e quero fazer laqueadura, então eu quero cesárea […] (G1 particular).
[…] Minha preferência inicial seria normal, mas como eu vou laquear então não tenho muita escolha, vou fazer cesárea (G2 particular).
3.2.4A realização do Pré-Natal
De acordo com a normatização do Ministério da Saúde (BRASIL, 1985, p. 19-20), o pré-natal na sua essência se constitui como “um conjunto de procedimentos clínicos e educativos com o objetivo de promover a saúde e identificar precocemente os problemas que possam resultar em risco para a saúde da gestante e o concepto”.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza que durante a gestação a mulher tenha no mínimo seis consultas de pré-natal. Nas regiões com menor desenvolvimento socioeconômico a adesão ao pré-natal é menor e, isso repercute nos índices de mortalidade infantil.
Sendo um dos objetivos da assistência pré-natal a redução de riscos durante a gestação, Barbosa (1981, p. 135) afirma que “a boa qualidade, eficiência, freqüência e assistência pré-natal revelam, sem dúvida, o desenvolvimento de uma nação. A assistência pré-natal é, por si, capaz de reduzir, drasticamente as complicações da gestação e do parto e minimizar a mortalidade perinatal”.
Neme (2000) confirma que o caráter preventivo do pré-natal é fundamental para diminuir os índices de mortalidade materna e perinatal, pois quando bem feito previne patologias, como anemias, doenças hipertensivas gestacional, favorece o preparo psicológico materno para o parto, além de garantir a perfeita estruturação do organismo fetal, prevenção do abortamento e o risco de parto prematuro e até o óbito perinatal.
Nas ações preconizadas para a assistência pré-natal, após confirmação da gravidez em consulta médica ou de enfermagem, dá-se o início do acompanhamento da gestante, a qual deverá receber as orientações necessárias referentes ao acompanhamento pré-natal, como a seqüência das consultas (médica e de enfermagem), onde intervalo entre as consultas deve ser de aproximadamente quatro semanas. Após a 36a semana, a gestante deverá ser acompanhada semanalmente, visando à avaliação da pressão arterial, da presença de edemas, da altura uterina, dos movimentos do feto e dos batimentos cárdio-fetais. No acompanhamento pré-natal deve haver também as visitas domiciliares e as reuniões educativas (BRASIL, 2000).
Dessa maneira, faz-se necessário o acompanhamento periódico e contínuo das gestantes, em nível de pré-natal que pode ser realizada em Unidades Básicas de Saúde, instituições hospitalares e maternidades.
Nas Unidades Básicas de Saúde quem faz o acompanhamento do Pré-Natal é o profissional de Enfermagem, desde que esta gestante não apresente gravidez de risco. Esta prerrogativa é confirmada na Lei do Exercício Profissional da Enfermagem – Decreto nº 94.406/87 apontando que “o pré-natal de baixo risco pode ser inteiramente acompanhado pela enfermeira”. Já nas instituições privadas, as gestantes normalmente são acompanhadas pelo seu médico obstetra.
Oba (1996) expõe que a consulta de Enfermagem e as outras atividades educativas desenvolvidas pelo Enfermeiro parecem ser preenchedoras das lacunas deixadas pela consulta médica, que na maioria das vezes enfatiza unicamente os aspectos biológicos. Assim, a consulta de enfermagem associada a atividades educativas torna-se um espaço importante de discussão e orientação para as gestantes.
O acesso à informação durante a gestação também foi bastante diferenciado nos dois setores (público e privado). As mulheres do setor público relataram se sentirem mais informadas sobre as vantagens e desvantagens dos diferentes tipos de parto (60%) em comparação às mulheres do setor privado (40%).
Pelos depoimentos a seguir, pode-se observar que durante as consultas no pré-natal muitas duvidas não foram esclarecidas.
O médico falou que ainda não é hora para eu escolher o parto … que ainda não é o momento para eu saber (G6 particular).
Eu quero normal agora, porque antes eu queria cesárea, tinha medo de sentir dor, mas o médico me disse que tenho tudo pra ser normal e que eu não iria fazer cesárea, de jeito nenhum… (G8 particular).
Ninguém me disse nada no consultório, eu fui atrás para saber na internet. Porque eu perguntava para meu ginecologista e ele dizia que era cedo para eu saber que parto escolher, que eu tinha que me preocupar com minha saúde e do bebê, porque o parto depende disso […] (G10 particular).
A Enfermeira falou que parto normal é melhor porque não fica muito deitada, é mais rápido, é melhor para gente e para o bebê […] (G3 público).
Na consulta ele (o médico) não conversa com a gente sobre os tipos de parto, ele conversa sobre de como está o bebê, como eu estou, se sente dor, mais voltado para o bebê (G4 público).
[…] a Enfermeira me falou que é melhor o parto normal porque o bebê não tem sequela, e é mais rápido, é só àquela hora e pronto… (G9 público).
Os dados permitem concluir que o parto normal era o tipo de parto esperado pela maioria das mulheres do setor público (60%), sendo que essa expectativa diminui dentre aquelas do setor particular (30%) que preferiram o parto normal. A principal justificativa para preferir a via vaginal para o parto foi a recuperação mais rápida e para a escolha da cesárea, o medo da dor. Com isso, fica claro a importância da assistência pré-natal como dimensão educativa para contribuir com o acréscimo de informações que as mulheres possuem sobre seu corpo e valorizar suas experiências de vida. No entanto, infelizmente, essa dimensão educativa foi, na maior parte, observada através das falas das gestantes do setor público.
Rios et al., (2007) acreditam que o processo educativo (educação em saúde) é fundamental não só para a aquisição de conhecimentos sobre o processo de gestar e parir, mas também para o fortalecimento da gestante como ser e cidadã. Desta forma, o pré-natal um espaço adequado para que a mulher se prepare para viver o parto de forma positiva, integradora, enriquecedora e feliz.
4CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa mostrou que há divergencias entre a percepção dos médicos a respeito da opinião das mulheres e a real opinião/preferência das mesmas sobre a via do parto. Isso nos leva a concluir de que a percepção do profissional nem sempre é a mesma das preferências das mulheres. Buscar uma melhor comunicação e orientação às gestantes poderia diminuir os altos índices de cesárea e evitar mortes desnecessárias relacionadas às suas complicações como, por exemplo, maior risco de hemorragia e infecção.
Conforme ressalta o Ministério da Saúde (BRASIL, 2001), na orientação sobre o melhor tipo de parto estão implicados necessidades, riscos e benefícios, complicações e repercussões futuras, sendo importante à informação e formação de opinião entre as mulheres, para que elas possam reivindicar aquilo que é melhor para a sua saúde e a de seus filhos, pois, embora profissionais e mulheres façam a opção antecipada do tipo de parto, esse fato não pode ser visto como uma simples questão de preferência (OLIVEIRA et al., 2002).
Balan (1996) aponta que a assistência pré-natal adequada durante a gestação realizada por uma equipe multiprofissional é medida essencial para preservar a saúde da gestante e do feto. Pelos resultados de nosso estudo concordamos com este mesmo autor quando ele cita que a participação da Enfermeira no atendimento às gestantes de baixo risco é de fundamental importância para a orientação das queixas comuns destas mulheres, educação à saúde, discussão dos temores próprios desta fase e de atitudes que favoreçam a evolução fisiológica do período gestacional e do parto. Salientamos que, nossa vivencia na área da obstetrícia nos mostrou que a ausência de um atendimento pré-natal que prepare a gestante para o parto vaginal está entre um dos fatores agravantes dos índices de cesarianas.
Com relação às expectativas encontradas para o tipo de parto junto às gestantes entrevistadas, o medo de sentir dor foi o mais referido. Nesse caso, as colocações foram feitas de diferentes formas, a maioria referindo o medo do próprio trabalho de parto, outras com relação ao pós-parto, devido a histórias pregressas e familiares de vivência de dor nessa fase. Esses dados são corroborados por outras pesquisas como a de Lopes et al., (2005), nas quais visualizaram a mesma preocupação por parte de gestantes entrevistadas.
Com os resultados de nosso estudo, sentimos a necessidade de mudança nas filosofias institucionais (tanto no serviço público como no privado), para que recebam a gestante com respeito, ética e dignidade, além de serem incentivadas para o exercício de sua autonomia no resgate do papel ativo da mulher no processo parturitivo, para que esta tenha o direito de escolha sobre a preferência do tipo de parto, bem como ser ouvida e esclarecida de suas dúvidas e temores.
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5- AGRADECIMENTOS
Agradecemos às gestantes participantes deste estudo. À Secretaria Municipal de Saúde de Dourados e ao Hospital Evangélico por liberar o campo para a pesquisa. À Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS – pela disponibilização da bolsa de Iniciação Científica.